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O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICA-SE

AOS PLANOS DE SAÚDE

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICA-SE AOS PLANOS DE


SAÚDE
Revista de Direito do Consumidor | vol. 78/2011 | p. 339 - 350 | Abr - Jun / 2011
DTR\2011\1566

Maria Stella Gregori


Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professora Assistente Mestre de
Direito do Consumidor e Direitos Humanos da PUC-SP. Foi Diretora da Agência Nacional
de Saúde Suplementar - ANS e Assistente de Direção do Procon/SP. Advogada.

Área do Direito: Consumidor


Resumo: O presente artigo pretende fazer um sucinto relato sobre a Súmula 469 do STJ,
que dispõe sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
planos de saúde.

Palavras-chave: Consumidor - Planos de saúde - Código de Defesa do Consumidor.


Abstract: This article is a succinct report on Docket 469, of the High Court of Justice
(STJ), which deals with the application of the Consumer Defense Code in health plans
contracts.

Keywords: Consumer - Health plans - Consumer Defense Code.


Sumário:

1. INTRODUÇÃO - 2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - 3. O CÓDIGO DE DEFESA


DO CONSUMIDOR - 4. A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS PLANOS DE SAÚDE - 5. OS
PLANOS DE SAÚDE - 6. A SÚMULA 469 DO STJ - 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 8.
BIBLIOGRAFIA

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo abordar, sucintamente, a Súmula 469, aprovada em
24.11.2010, pela 2.ª Seção do STJ, e publicada no DJe em 06.12.2010, que dispõe
sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) aos contratos de
planos de saúde.

Isto quer dizer que, há o entendimento por parte do STJ, de que os Planos Privados de
Assistência à Saúde, os chamados Planos de Saúde, incluindo, também, nessa
terminologia, os Seguros-Saúde, estão submetidos à égide do Código de Defesa do
Consumidor (LGL\1990\40). Nesse diapasão, no Brasil, todos os contratos de planos de
saúde ativos, sejam antigos, novos ou adaptados, firmados entre operadoras de planos
de assistência à saúde e consumidores, devem obedecer aos ditames da lei
consumerista.

Para tanto, abordar-se-á o que a Constituição Federal de 1988 trouxe de inovação ao


ordenamento jurídico, especialmente, no que se refere às questões de saúde e da
proteção do consumidor. A seguir, comentar-se-á sobre o Código de Defesa do
Consumidor (LGL\1990\40), demonstrando que a prestação de serviços através dos
planos de saúde configura-se como uma relação de consumo. Posteriormente,
tratar-se-á sobre os planos de saúde. Por fim, apresentar-se-á a Súmula 469
(MIX\2010\2956) do STJ, que vem cristalizar o que a jurisprudência brasileira tem
assimilado da mudança de paradigma, pós- Constituição Federal de 1988 e o advento do
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40).

2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Cabe inicialmente comentar que, no Brasil, a partir da Constituição Federal


(LGL\1988\3), de 05.10.1988, ocorreram transformações significativas no ordenamento
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jurídico. Inaugura-se uma nova era com a recolocação da sociedade no plano


democrático.

No campo da saúde, a Constituição Federal de 1988 mostra-se um documento bastante


inovador, ao conferir nova dimensão aos sistemas públicos de proteção social. A saúde
tomou parte da definição de seguridade social, em seu art. 194 da CF/1988
(LGL\1988\3), como:

“Um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,


destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social.”

Saúde é, pois, um direito social básico, fundada nos princípios da universalidade,


equidade e integralidade.

Segundo o art. 196 da CF/1988 (LGL\1988\3) “a saúde é direito de todos e dever do


Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”.

Nesse sentido, a política estatal na área de saúde deve proporcionar o acesso a todos,
propiciando a redução de desigualdades e não podendo criar quaisquer distinções entre
os brasileiros.

A Constituição trata as ações e serviços de saúde com o enfoque do bem-estar social,


definindo claramente que o sistema que adotou envolve tanto a participação do setor
público como da iniciativa privada na assistência à saúde. A prestação dos serviços pode
se dar pelo Estado diretamente ou através da iniciativa privada, conforme o art. 199 da
CF/1988 (LGL\1988\3), não havendo, portanto monopólio estatal nesse setor. No
entanto, dada à sua relevância pública, as ações e serviços de saúde devem ser
regulamentados, fiscalizados e controlados pelo Poder Público, segundo o art. 197 da
CF/1988 (LGL\1988\3).

O sistema de saúde brasileiro se caracteriza, portanto, por seu hibridismo, sendo


marcante a interação entre os serviços públicos e a oferta privada na conformação da
prestação de serviços de assistência à saúde, dando origem a dois subsistemas. De um
lado está o subsistema público, que incorpora a rede própria e a conveniada/contratada
ao Sistema Único de Saúde – SUS e, de outro, está o subsistema privado que agrupa a
rede privada de serviços de assistência à saúde e a cobertura de risco pelas operadoras
de planos de assistência à saúde.

O sistema privado de saúde engloba a prestação direta dos serviços por profissionais e
estabelecimentos de saúde ou a intermediação dos serviços, mediante a cobertura dos
riscos da assistência à saúde pelas operadoras de planos de assistência à saúde.

Em relação à proteção do consumidor nossa Constituição, também, foi moderna ao


alçá-la como garantia de linhagem constitucional. O Direito do Consumidor foi tratado
em nossa Carta Maior, em vários de seus dispositivos, destacando-se primeiramente
como item da cesta de direitos individuais e coletivos, conforme expressa o art. 5.º,
XXXII, da CF/1988 (LGL\1988\3), ao determinar o dever do Estado brasileiro de
promover na forma da lei, a defesa do consumidor.

Nesse sentido, o art. 48 do ADCT (LGL\1988\31) ditou, pontualmente, a elaboração do


Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40). A defesa do consumidor foi elevada à
categoria de princípio informador da ordem econômica brasileira, por força do
mandamento inscrito no art. 170, V, da CF/1988 (LGL\1988\3).

3. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), materializado na Lei 8.078, de


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11.09.1990, e regulamentado pelo Dec. 2.181, de 20.03.1997, é o primeiro regramento


específico do mercado de consumo no direito brasileiro, estabelece normas de proteção e
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defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social.

Com efeito, suas regras não podem ser contrariadas nem por vontade das partes, pois
são imperativas, obrigatórias e inderrogáveis. Ele abrange toda a coletividade de
consumidores e sobrepõe aos interesses da sociedade, vista em conjunto, aos dos
particulares.

O Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) tem raiz constitucional, todo o


princípio da proteção acha-se constitucionalmente assegurado. Para Nelson Nery Junior,
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o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) criou um microssistema próprio, por
se colocar, no ordenamento, como lei principiológica, pelo que a ela devem se
subordinar todas as leis específicas quando tratarem de questões que atinem a relações
de consumo.

Os princípios fundamentais reitores das relações de consumo, que devem orientar todo o
sistema jurídico estão dispostos nos primeiros sete artigos do Código de Defesa do
Consumidor (LGL\1990\40), e alguns merecem ser comentados, neste artigo, dentre
eles a vulnerabilidade do consumidor; a boa-fé objetiva, a transparência e a informação.

O Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) reconhece a vulnerabilidade do


consumidor, pela constatação de ser ele o elo mais fraco da relação jurídico-contratual,
pois quem detém o conhecimento técnico do produto ou serviço colocado no mercado de
consumo é o fornecedor.

A harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo sempre se dá


com base na boa-fé objetiva, na equidade e no equilíbrio. Cabe esclarecer que a boa-fé
trazida pelo Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) possui acepção diversa da
clássica, de natureza subjetiva, tratada como um estado de consciência individual de
agir de modo a não prejudicar a outra parte. No Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40), a boa-fé é objetiva, denota a conduta social, observando os valores
éticos, de lealdade, honestidade, probidade. Esse princípio em comunhão com o da
equidade e o equilíbrio são os princípios fundamentais das relações jurídicas de
consumo.

O princípio da transparência traduz-se na imposição ao fornecedor do dever de ofertar e


apresentar produtos e serviços, assegurando informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa.

Vinculados à transparência nas relações de consumo está o princípio da informação ao


consumidor, sobre seus direitos e deveres, bem como sobre o produto ou serviço, no
tocante a suas características, composição, qualidade, preço e riscos apresentados,
relatórios com dados mensurados e analisados, na medida em que a informação correta
permite ao consumidor contratar com segurança.

A matéria regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) é a relação de


consumo, assim entendida a relação jurídica existente entre dois sujeitos: o consumidor
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e o fornecedor, tendo por objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços.

Esses requisitos devem necessariamente coexistir para se aplicar o Código de Defesa do


Consumidor (LGL\1990\40). Se alguns destes requisitos não se enquadrarem não há
relação de consumo e não se aplica o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40).

4. A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS PLANOS DE SAÚDE


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No que se refere à relação jurídica de consumo nos planos de saúde, entende-se o
consumidor como o titular de planos de saúde, os seus dependentes, os agregados, os
beneficiários, os usuários, ou seja, todos os que utilizam ou adquirem planos de saúde
como destinatários finais ou equiparados e o fornecedor, as operadoras de planos de
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assistência à saúde, aquelas que oferecem serviços de assistência à saúde, através dos
planos de saúde no mercado de consumo, estão amparados pelo Código de Defesa do
Consumidor (LGL\1990\40). Portanto, os consumidores de planos de saúde têm o direito
de ver, reconhecidos, todos os direitos e princípios assegurados pelo Código de Defesa
do Consumidor (LGL\1990\40).

5. OS PLANOS DE SAÚDE

Dez anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e oito da edição do


Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), dá-se a entrada do marco regulatório
do sistema de saúde privado, também chamado supletivo ou suplementar. Surgiu com
aprovação da Lei 9.656, de 03.06.1998, e das medidas provisórias que sucessivamente
a alteraram, hoje em vigor a MedProv 2.117-44, de 24.08.2001, que dispõe sobre os
planos privados de assistência à saúde, os chamados Planos de Saúde, incluindo,
também, nessa terminologia, os Seguros-Saúde, que aguarda, até hoje, deliberação do
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Congresso Nacional. Antes, a normatização desse setor só existia para o seguro-saúde
e, mesmo assim, apenas nos aspectos econômico-financeiros dessa atividade.

Esse setor, a partir de 2000, passou a se submeter à Agência Nacional de Saúde


Suplementar – ANS, agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, incumbida de
fiscalizar, regulamentar e monitorar o mercado de saúde suplementar, no intuito de
inibir práticas lesivas ao consumidor e estimular comportamentos que reduzam os
conflitos e promovam a estabilidade do setor.

A Lei 9.656/1998 impõe uma disciplina específica para as relações de consumo na saúde
suplementar, mediante o disciplinamento da cobertura assistencial, abrangência dos
planos, rede credenciada, procedimentos e eventos cobertos e não cobertos, carências,
doenças e lesões preexistentes e cumprimento de cláusulas contratuais, além de
estabelecer normas de controle de ingresso, permanência e saída das operadoras nesse
mercado, estabelecer normas relativas à solvência e liquidez dessas operadoras, a fim
de preservar sua sustentabilidade e transparência.

Cabe comentar que, no mercado de saúde suplementar verifica-se duas espécies de


contratos de planos de saúde: os firmados antes da vigência da Lei 9.656/1998,
denominados planos antigos, e os firmados depois da vigência desta Lei, os planos
novos.

Consideram-se planos antigos os que não estão submetidos à Lei 9.656/1998, ou seja,
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os quais foram firmados anteriormente à sua vigência mas, no entanto, devem
respeitar o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40). Já os planos novos são os
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firmados após a vigência da Lei 9.656/1998. Há, ainda, uma subespécie dos contratos
novos, os planos adaptados, que são àqueles firmados antes da vigência da Lei
9.656/1998, mas posteriormente, por meio de aditivo contratual, adéquam-se às regras
vigentes, passando a garantir as mesmas regras dos planos novos. Portanto, tanto os
planos novos como os adaptados têm de respeitar a lei específica e sua regulamentação
que por sua vez, obviamente, também, devem respeitar os ditames do Código de Defesa
do Consumidor (LGL\1990\40).

Os planos de saúde oferecidos aos consumidores são comercializados, no mercado de


consumo, por meio de contratação individual ou familiar, coletiva empresarial ou coletiva
por adesão.

A contratação será individual ou familiar quando o consumidor pessoa física aderir


livremente a qualquer modalidade de plano oferecida no mercado de consumo, podendo,
ou não, incluir grupo familiar ou dependentes.

Já os contratos coletivos podem se dar por meio de contratação coletiva empresarial ou


por adesão.

A contratação coletiva empresarial é aquela que oferece cobertura a uma população


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delimitada e vinculada a determinada pessoa jurídica por relação empregatícia ou


estatutária. A adesão é automática e ocorre na data da contratação do plano ou no ato
da vinculação à pessoa jurídica contratante. Pode haver, desde que prevista
contratualmente, a inclusão dos sócios e dos administradores da pessoa jurídica
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contratante; dos demitidos ou aposentados; dos agentes políticos; dos trabalhadores
temporários; dos estagiários e menores aprendizes; e do grupo familiar até o terceiro
grau de parentesco consanguíneo, até segundo grau de parentesco por afinidade,
cônjuge ou companheiro.

A contratação coletiva por adesão é aquela que oferece cobertura para uma massa
delimitada de consumidores, que mantenha vínculo com as pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial: conselhos profissionais e entidades de classe, nos
quais seja necessário o registro para o exercício da profissão; sindicatos, centrais
sindicais e respectivas federações e confederações; associações profissionais;
cooperativas que congreguem membros de categorias ou classes de profissões
regulamentadas; caixas de assistência e fundações de direito privado; órgãos de
representantes de estudantes de nível superior, médio e fundamental. Pode haver,
desde que prevista contratualmente, a inclusão do grupo familiar do titular até o terceiro
grau de parentesco consanguíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade,
cônjuge ou companheiro.

5.1 A Lei 9.656/1998 à luz do Código de Defesa do Consumidor

A Lei 9.656/1998, que trata sobre os planos de saúde, em seu art. 35-G dispôs que se
aplicam subsidiariamente aos contratos de planos privados de assistência à saúde as
disposições da Lei 8.078/1990, isto é, o Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40), in verbis:

“Art. 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de


produtos deque tratam o inciso I e o § 1.º do art. 1.º desta Lei as disposições da Lei
8.078, de 1990.”

O Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), como já se disse, é lei geral


principiológica e se aplica a toda relação de consumo; a Lei 9.656/1998, por sua vez, é
especial que regula os planos de saúde e expressamente menciona a aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40). No entanto, o legislador não foi
apropriado ao determinar que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40) aos planos de saúde é subsidiária. A terminologia adequada à aplicação
do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) deveria ser complementar.
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Nesse diapasão, cabe recorrer a Claudia Lima Marques que, ao comentar a questão,
assinala:

“Este artigo da lei especial não está dogmaticamente correto, pois determina que norma
de hierarquia constitucional, que é o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40)
(art. 48 do ADCT (LGL\1988\31)), tenha apenas aplicação subsidiária a normas de
hierarquia infraconstitucional, que é a Lei 9.656/1998, o que dificulta a interpretação da
lei e prejudica os interesses dos consumidores que queria proteger. Sua ratio deveria ser
a de aplicação cumulativa de ambas as leis, no que couber, uma vez que a Lei
9.656/1998 trata com mais detalhes os contratos de planos privados de assistência à
saúde do que oCódigo de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), que é norma
principiológica e anterior à lei especial. Para a maioria da doutrina, porém, a Lei
9.656/1998 tem prevalência como lei especial e mais nova, devendo o Código de Defesa
do Consumidor (LGL\1990\40) servir como Lei geral principiológica a guiar a
interpretação da lei especial na defesa dos interesses do consumidor, em especial na
interpretação de todas as cláusulas na maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 do
CDC (LGL\1990\40)). Particularmente defendo, em visão minoritária, a superioridade
hierárquica do CDC (LGL\1990\40)“ (grifou-se).

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Nesse sentido, entende-se ser perfeitamente admissível a aplicação cumulativa e


complementar da Lei 9.656/1998 e do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40)
aos planos de saúde. Da lei geral extraem-se os comandos principiológicos aplicáveis à
proteção do consumidor, ao passo que à legislação específica caberá reger, de forma
minudenciada, os planos de saúde.

Percebe-se, claramente, que a intenção do legislador foi a de reforçar a incidência do


Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) ao regular os planos de saúde. Mas,
como já comentado, utilizou terminologia equivocada. No entanto, mesmo se não
houvesse qualquer menção ao Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) na Lei
9.656/1998, ele estaria subjacente, por ter raiz constitucional e se tratar de lei
principiológica.

Deste modo, qualquer lei especial que vier regular um segmento específico que envolva,
em um polo, o consumidor e, em outro, o fornecedor, transacionando produtos e
serviços, terá de obedecer à Lei Consumerista, ainda que não haja remissão expressa.
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Como ensina Rizzatto Nunes:

“(...) na eventual dúvida sobre saber qual diploma legal incide na relação jurídica, no
fato ou na prática civil ou comercial, deve o intérprete, preliminarmente, identificar a
própria relação: se for jurídica de consumo, incide na mesma a Lei 8.078/1990.”
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Compartilhando do entendimento de Marcelo Sodré cabe destacar que:

“As leis de defesa do consumidor, na exata medida em que fixarem princípios a serem
perseguidos – e neste caso se tornarem leis principiológicas – terão superioridade em
relação às demais leis especiais.”

Por conseguinte, os consumidores de planos de saúde têm, em primeiro lugar, o direito a


ver reconhecidos todos os seus direitos e princípios assegurados pelo Código de Defesa
do Consumidor (LGL\1990\40) tanto na esfera da regulamentação administrativa,
quanto na esfera judicial.

5.2 As incompatibilidades da Lei dos Planos de Saúde e de sua regulamentação com o


Código de Defesa do Consumidor

No âmbito da proteção ao consumidor, o setor de saúde suplementar, contando com lei


específica e agência reguladora para regulamentar e fiscalizar esse mercado, representa
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um grande avanço.

No entanto, ainda verificam-se alguns pontos pontuais da Lei 9.656/1998 e de sua


regulamentação que merecem ser repensados, a fim de serem compatibilizados com os
princípios que norteiam os comandos do Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40), tais como: a possibilidade de rescisão do contrato pela operadora por
inadimplência do consumidor, assim como de suspensão ou rescisão durante a
internação do dependente; a ausência de obrigatoriedade de entrega das condições
gerais do contrato para os consumidores de planos coletivos; o controle do
redimensionamento da rede assistencial restrito a entidades hospitalares; a limitação da
cobertura de transplantes para os casos de córnea, rim e medula óssea; a limitação da
duração dos tratamentos em regime de urgência e emergência e os relativos a
transtornos psiquiátricos; a alteração unilateral do contrato por revisão técnica; a
limitação de elegibilidade para portabilidade de carências aos planos
individuais/familiares e coletivos por adesão.

Entendemos que muitos conflitos, alvo de reclamações nos órgãos de defesa do


consumidor e no Poder Judiciário, referem-se a essas incompatibilidades apontadas pelo
marco regulatório, em face à lei consumerista.

Nesse sentido, a edição da Súmula 469 (MIX\2010\2956) do STJ, com o posicionamento


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expresso de que o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) aplica-se aos


contratos de planos de saúde, vem desempenhar um papel de suma importância para
dirimir tais conflitos.

6. A SÚMULA 469 DO STJ

A Súmula 469, aprovada em 24.11.2010, pela 2.ª Seção do STJ, e publicada no DJe em
06.12.2010, dispõe, expressamente:

“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) aos contratos de plano de


saúde.”
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O relator do projeto de Súmula foi o Min. Aldir Passarinho Junior. Tal súmula vem
pacificar e uniformizar a interpretação de que o Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40) se aplica aos planos de saúde.

O Tribunal, em suas considerações, não fez qualquer ressalva em relação à época de


contratação dos planos de saúde, sejam eles firmados antes ou depois da lei específica
que os regula. Nesse sentido, todos os contratos de planos de saúde firmados a qualquer
tempo, antigos ou novos, devem observar as regras do Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40).

Cabe citar alguns posicionamentos relacionados à nova súmula: O Min. Ruy Rosado de
Aguiar comenta que:

“A operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à


população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor
(LGL\1990\40), pouco importando o nome ou natureza que adota” ( REsp 267.530/SP,
rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12.03.2001).

A Min. Nancy Andrighi, entende que: “dada a natureza de trato sucessivo do contrato de
seguro-saúde, o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) rege as renovações
que se deram sob sua vigência, não havendo em falar aí em retroação da lei nova.” Para
ela o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) é aplicado aos planos de saúde
mesmo em contratos firmados anteriormente à vigência do Código, mas que são
renovados, ou seja, não se trata de retroatividade da lei ( REsp 267.530/SP, rel. Min.
Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12.03.2001).

O Min. Luis Felipe Salomão, também, compartilha que:

“Tratando-se de contrato de plano de saúde de particular, não há dúvidas de que a


convenção e as alterações ora analisadas estão submetidas ao regramento do Código de
Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), ainda que o acordo original tenha sido firmado
anteriormente à entrada em vigor, em 1991, dessa lei. Isso ocorre não só pelo Código
de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) ser norma de ordem pública (art. 5.º, XXXII,
da CF/1988 (LGL\1988\3)), mas também pelo fato de o plano de assistência
médico-hospitalar firmado pelo autor ser um contrato de trato sucessivo, que se renova
a cada mensalidade” ( REsp 418.572/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 30.03.2009).

A partir da publicação da Súmula 469 (MIX\2010\2956) do STJ reforça-se a opinião da


jurisprudência de que os contratos de planos de saúde estão submetidos à égide do
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) tem raiz constitucional, é lei geral


principiológica, regula todas as relações de consumo sendo, portanto, hierarquicamente
superior à Lei 9.656/1998 que regula as especificidades dos planos de saúde por sua
vez, é posterior e especial. Há complementaridade entre ambas as normas, tendo em
vista que o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) regula todas as relações de
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consumo e a Lei dos Planos Privados de Assistência à Saúde regula as especificidades


dos planos de saúde. Isto quer dizer que, os consumidores de planos de saúde têm o
direito a ver reconhecidos todos os seus direitos e princípios assegurados pelo Código de
Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), tanto na legislação especial, quanto na esfera da
regulamentação administrativa.

A edição da Súmula 469 (MIX\2010\2956) do STJ, que interpreta e consolida o


entendimento da jurisprudência brasileira, vem corroborar com nossa opinião, de que o
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) se aplica aos planos de saúde, antigos
ou novos, oferecidos aos consumidores por meio de contratação individual ou familiar,
coletiva empresarial ou coletiva por adesão.

Nesse sentido, com a edição da referida súmula, torna-se premente a necessidade da


adequação da Lei 9.656/1998 e de sua regulamentação editada pela ANS aos ditames do
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), no intuito de diminuir os conflitos
ainda existentes.

Para tanto seria bastante oportuno que todos os stakeholders do setor – as operadoras
de planos de assistência à saúde, os profissionais de saúde, os consumidores, o
Ministério da Saúde e a ANS – dialogassem no intuito de aperfeiçoamento do sistema.
Esse debate, obviamente, deve passar tanto pelo Congresso Nacional como pela ANS,
para a incorporação das normas do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) ao
marco regulatório.

8. BIBLIOGRAFIA

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RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor


(LGL\1990\40). São Paulo: Saraiva, 2000.

SODRÉ, Marcelo. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.

1 Conforme expresso no art. 1.º do CDC (LGL\1990\40).

2 Em GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40):


comentário pelos autores do anteprojeto – Lei 8.078, 11.09.1990. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 432.

3 Arts. 2.º, caput e parágrafo único, 17 e 29 do CDC (LGL\1990\40).

4 Art. 3.º do CDC (LGL\1990\40).


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O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR APLICA-SE
AOS PLANOS DE SAÚDE

5 Art. 3.º, § 1.º, do CDC (LGL\1990\40).

6 Art. 3.º, § 2.º, do CDC (LGL\1990\40).

7 Planos privados de assistência à saúde, conhecidos como planos de saúde, incluindo,


também, nessa terminologia os seguros-saúde.

8 Dec.-lei 73/1966 e Resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados.

9 Contratos firmados até o dia 31.12.1998.

10 Contratos firmados após o dia 01.01.1999.

11 Entendem-se por agentes políticos os parlamentares, os servidores públicos do


primeiro escalão do Poder Executivo e os servidores públicos em cargos comissionados.

12 Contratos no Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40): o novo regime das


relações contratuais. 4. ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 548.

13 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor


(LGL\1990\40). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 86.

14 SODRÉ, Marcelo. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. p.


68.

15 Ver comentários em GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do


consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 175-178.

16 Referências Legislativas: Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) – Lei


8.078/1990 e Lei 9.656/1998, que dispões sobre os planos privados de assistência à
saúde.
Precedentes – REsp 1.106.557/SP, 2008/0262553-6, j. 16.09.2010, DJe 21.10.2010;
AgRg no Ag 1.250.819/PR, 2009/0222990-5, j. 04.05.2010, DJe 18.05.2010; REsp
1.106.789/RJ, 008/0285867-3, j. 15.10.2009, DJe 18.11.2009; REsp 418.572/SP,
2002/0025515-0, j. 10.03.2009, DJe 30.03.2009; REsp 285.618/SP, 2000/0112252-5, j.
18.12.2008, DJe 26.02.2009; REsp 1.046.355/RJ, 2008/0075471-3, j. 15.05.2008, DJe
05.08.2008; REsp 986.947/RN, 2007/0216173-9, j. 11.03.2008, DJe 26.03.2008; REsp
466.667/SP, 2002/0114103-4, j. 27.11.2007, DJ 17.12.2007; REsp 251.024/SP,
2000/0023828-7, j. 27.09.2000, DJ 04.02.2001; REsp 267.530/SP, 2000/00718106, j.
14.12.2000, DJ 12.03.2001.

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