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2.

O “espírito“ do capitalismo
Max Weber inicia o segundo capítulo afirmando que a definição do “espírito”
capitalista não pode ser revelado antes de analisarmos o contexto histórico em que o
capitalismo se firma como um processo econômico.Por isso, somente no decorrer da
pesquisa de Weber se chegará à conclusão do que vem a ser o “espírito” do capitalismo.
Após mostrar seus objetivos nesse capítulo Weber utiliza um texto de Benjamin
Franklin para identificar a opinião deste celebre americano quanto ao conceito do
“espírito” capitalista. Weber conclui que para Franklin o capitalismo nada mais é que
uma “filosofia da avareza”, porque busca sempre o homem honrado digno de crédito e
possuidor de uma ética, contrário a pura e simples perspicácia nos negócios.
Continuando sua dissertação, Weber passa a analisar um outro autor: Jakob Fugger, que
tem um ponto de vista diferente da de Franklin. Fugger acredita que o homem deve
procurar ganhar enquanto tiver forças para isso. Weber compara os dois autores da
seguinte maneira: “O ‘espírito’ dessa declaração (de Fugger) difere claramente do de
Franklin: o que ali expresso como fruto da ousadia comercial e uma inclinação pessoal
moralmente indiferente, assume aqui o caráter de uma máxima de conduta de vida
eticamente coroada”.(p.45, 2004). Na ordem econômica moderna, o ganho de dinheiro
(de forma legal) é o resultado e a expressão da habilidade na profissão.
Weber se mostra contrário à tese do materialismo histórico de Karl Marx. Marx
acreditava que a economia era a base que estruturava toda a sociedade. Para
fundamentar sua crítica a Marx utiliza o exemplo das colônias americanas: nas colônias
do sul o espírito capitalista foi menos desenvolvido, embora estas tenham sido
colonizadas por grandes capitalistas; enquanto as colônias da Nova Inglaterra que
tinham sido fundadas por razões religiosas tiveram seu capitalismo logo desabrochado.
Weber segue seu texto fazendo a distinção dos períodos pré-capitalista e
capitalista. No pré-capitalismo a valorização racional do capital no quadro da empresa e
a organização capitalista racional do trabalho ainda não haviam se tornado as potencias
dominantes na orientação da ação econômica. Foi precisamente essa atitude um dos
fortes obstáculos espirituais com que se defrontou a adaptação dos seres humanos aos
pressupostos de uma ordem econômica de cunho capitalista burguês. O adversário com
o qual teve de lutar o “espírito” do capitalismo, no sentido de um determinado estilo de
vida regido por normas e folhados a ética, foi em primeiro lugar aquela espécie de
sensibilidade e de comportamento que se pode chamar de tradicionalismo.Portanto, na
época do pré-capitalismo os laços tradicionalistas já haviam perdido as forças enquanto
a racionalização do capital e do trabalho ainda não possuía alicerces.
Weber demonstra a força do tradicionalismo no exemplo em que um capitalista
oferece um maior pagamento aos seus trabalhadores em relação ao trabalho realizado e
mesmo assim não consegue o aumento da produtividade. Isso ocorre porque o ser
humano não quer por natureza ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, mas
simplesmente viver, viver do modo como está habituado a viver e ganhar o necessário
para tanto. Para combater o tradicionalismo recorre-se à redução salarial a fim de
obrigar o trabalhador a produzir mais do que antes para manter o mesmo ganho, de
acordo com a visão capitalista “o povo só trabalha porque é pobre, e enquanto for
pobre” (p.53, 2004).
O artifício para alcançar maior lucratividade acaba se voltando contra os
capitalistas, porque com o tempo a produtividade cai com um salário que não supre as
necessidades básicas dos trabalhadores.
Voltando ao assunto do tradicionalismo Weber mostra que na metade do século
XIX um empresário da produção em domicilio, apesar de capitalista, vivia com traços
ainda tradicionais. Apesar de o empresário buscar o lucro, trabalhava somente para ter
uma vida decente e às vezes fazia uma poupança. Nessa época não havia a concorrência
acirrada, tudo era feito como se houvesse uma ética que determinava os princípios
básicos dos negócios.
Tudo muda quanto surge o processo de racionalização da produção. A luta
concorrencial se acentua, as grandes fortunas não mais são postas a render juros, ms
reinvestidas no negócio, a vida começa a ficar corrida tanto para aqueles que se
favorecem diretamente do lucro quanto para aqueles que ainda se prendiam as velhas
tradições.
Mas visão de Weber, os responsáveis pela racionalização da economia e os reais
fundadores do “espírito” capitalistas não foram os ricaços mais sim homens
inteiramente devotados à causa, homens com visões e princípios rigorosamente
burgueses. O espírito capitalista poderia ser entendido como puro produto de uma
adaptação, a ordem econômica capitalista precisa dessa entrega de si à “vocação” de
ganhar dinheiro. Weber expõe a “vocação” capitalista nos seguintes termos: “ela é um
modo de se comportar com os bens exteriores que é tão adequada àquela estrutura, que
está ligada tão de perto às condições de vitória na luta econômica pela existência, que de
fato hoje não há mais que se falar em conexão necessária entre essa conduta de vida
“crematisma” e alguma “visão de mundo” unitária. É que ela não precisa mais se apoiar
no aval de qualquer força religiosa e, se é que a influência das normas eclesiásticas na
vida econômica ainda se faz sentir, ela é sentida como obstáculo análogo à
regulamentação da economia do Estado.” (p.64, 2004).
Assim a vocação capitalista não surge por si só, ela se origina do processo de
racionalização responsável pelo fim de muitas contradições. O racionalismo econômico
proporcionou que o trabalho existisse com o objetivo de dar forma racional ao
provimento dos bens necessários à humanidade, o lucro ganhou status de algo inevitável
e por isso eticamente lícito.
Portanto, fica a lição que o “espírito” do capitalismo surge do processo de
racionalização da sociedade (em detrimento ao tradicionalismo) e por conseqüência a
conclusão de que o verdadeiro homem capitalista é aquele possuidor da vocação para o
ganho e para o lucro.

Referências
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo.São
Paulo, Companhia das Letras, 2004.

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