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A ética protestante e o espirito do capitalista

O capitulo inicial discute a relação entre "Filiação religiosa e estratificação social" na Alemanha.


Partindo de diversos estudos estatísticos de seu país, Weber verificou uma relação entre crença
religiosa e tipo de atividade econômica. Ele constatou que proprietários do capital, empresários e
mão de obra qualificada, eram, em regra, de origem protestante. No campo da educação, por
sua vez, católicos tinham inclinação para uma educação humanística, enquanto os protestantes
preferiam uma educação de tipo técnico. Qual a razão para essa tendência para o racionalismo
econômico por parte dos protestantes?
Visando explicar a razão desse fenômeno, no capítulo seguinte, Weber apresenta sua definição
de "espírito do capitalismo". Aqui que ele definiu seu objeto de pesquisa, considerado por ele uma
"individualidade histórica". Evitando dar definições abstratas, escolheu, como exemplo dessa forma
de comportamento, as máximas de Benjamin Franklin: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro, dinheiro é
fértil por natureza, o bom pagador sempre terá crédito, as mínimas ações afetam o crédito etc.
Nessas regras, ele viu a manifestação de certo espírito moral ou ethos: a ideia da profissão como
dever e da necessidade de se dedicar ao trabalho produtivo como fim em si mesmo. Essa forma de
encarar diferenciava-se, claramente, do tradicionalismo econômico, pois aqui o indivíduo apenas se
dedicava ao trabalho enquanto algo necessário, mas não como um valor intrínseco, um fim em si
mesmo. O tradicionalismo foi o grande inimigo do espírito do capitalismo. Ao final do capítulo, Weber
distinguiu, claramente, entre a "forma" e o "espírito" do capitalismo, afirmando que trataria apenas do
primeiro desses elementos. Ele também negou qualquer tipo de ligação necessária (ou não histórica)
entre a forma do capitalismo e seu espírito.
Isso o leva às raízes religiosas dessa forma de ação e à análise do "Conceito de vocação em Lutero".
Analisando a tradução que Lutero fez da Bíblia e do termo "profissão" ou "vocação" (em alemão
Beruf), ele diz estar aí presente uma ideia nova: a de uma missão dada por Deus. Lutero teve um
papel fundamental na origem do espírito do capitalismo ao levar a ascese dos monges para a prática
cotidiana. Dessa forma, conferiu um valor religioso ao trabalho. O senso de dever e de disciplina que
o monge pratica fora do mundo (ascese extramundana) passou a ser exigida de todo e qualquer leigo
cristão dentro do mundo (ascese intramundana). Mas, em Lutero, o tipo de profissão exercido pelo
indivíduo ainda era concebido de forma tradicionalista. Não era objetivo de Lutero dar sustentação
ideológica ao capitalismo nascente, pois a influência de suas teses foi concebida por Weber como
uma consequência não premeditada por ele. Não obstante, Weber quis averiguar qual a "afinidade
eletiva" entre a moral protestante e a conduta capitalista.
Na segunda parte do livro "Os fundamentos religiosos da ascese intramundana", ele
analisa os principais ramos do protestantismo posterior a Lutero também chamado de
"Protestantismo ascético" ou "Puritanismo". De um lado estão as seitas que aceitam a tese
da predestinação (segundo a doutrina de João Calvino, Deus escolhe quem será salvo,
independentemente dos méritos e do conhecimento dos indivíduos), como é o caso do Calvinismo e
do Pietismo. Um segundo portador importante do Puritanismo são os grupos anabatistas que
apregoam a necessidade de separar puros e impuros e, por isso, rebatizar todos os cristãos adultos.
Em ambos os casos, o indivíduo tinha que provar sua qualificação religiosa com base no trabalho
árduo, sério, honesto e disciplinado. As consequências econômico-sociais de todo esse processo são
analisadas no último capítulo chamado de "Ascese e capitalismo". Nesse capítulo, Weber
demonstrou como essas crenças religiosas modificaram a visão religiosa que se tinha da riqueza. Ela
nunca poderia ser um fim em si mesma, mas agora era considerada como uma comprovação da
honestidade e da idoneidade religiosa do indivíduo. Nunca a riqueza tinha sido vista de forma tão
positiva. A partir dessa crença, a dedicação ao esporte, às artes e as outras atividades era
considerada uma falha com a principal obrigação da vida: trabalhar. A religião protestante contribuiu
assim para formar o moderno homem de negócios e mesmo o trabalhador dos tempos atuais: "ela fez
a cama para o homem econômico moderno" (p.158). O espírito profissional dos tempos modernos
tem sua raiz na moral religiosa puritana. Em outros termos, apesar de atualmente estar apagada, a
motivação religiosa está por detrás do impulso aquisitivo que está na base da conduta capitalista.

O famoso texto de Max Weber “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1905) é certamente

um dos mais mal-compreendidos trabalhos canônicos que é regularmente ensinado, mutilado e

reverenciado em universidades mundo afora. Não quero dizer com isso que professores e estudantes

são burros, mas que se trata de um texto excepcionalmente compacto que cobre um assunto muito

amplo, escrito por um intelectual completo em sua melhor forma. Ele ficaria perplexo de saber que
seu texto estava sendo usado como introdução elementar à sociologia para estudantes universitários,

ou mesmo crianças em idade escolar.

Usamos a palavra “capitalismo” hoje como se o significado fosse evidente, ou como se viesse de

Marx, mas esse descaso precisa ser deixado de lado. “Capitalismo” era uma palavra própria de

Weber e ele a definiu do modo como achou mais adequado. Seu significado mais geral era

simplesmente a modernidade em si: capitalismo era “o poder mais fatídico de nossa vida moderna”.

Mais especificamente, ela controlava e gerava a “Kultur moderna”, o código de valores pelos quais as

pessoas viviam no Ocidente no século 20, e hoje vivem, podemos acrescentar, em boa parte do

mundo do século 21. Então, o “espírito” do capitalismo é também uma “ética”, apesar de que, sem

dúvida, o título teria soado um pouco sem graça se tivesse se chamado “A ética protestante e a ética

do capitalismo”.

Essa “ética” moderna ou código de valores não se parecia com nada do que havia antes. Weber

supôs que todas as éticas anteriores – isto é, códigos socialmente aceitos de comportamento em vez

das proposições mais abstratas feitas por teólogos e filósofos – eram religiosas. As religiões

forneciam mensagens claras sobre como se comportar em sociedade em termos humanos diretos,

mensagens que eram tomadas como princípios da moral compartilhados por todas as pessoas. No

Ocidente, isso significava o cristianismo. Sua prescrição social e ética mais importante veio da Bíblia:

“Ame ao próximo…” Weber não era contra o amor, mas sua ideia de amor era privada – um reino de

intimidade e sexualidade. Enquanto guia de comportamento social em locais públicos, “ame ao

próximo” era obviamente bobagem, e esse era um motivo importante pelo qual os pedidos das igrejas

de falar à sociedade moderna em termos autenticamente religiosos eram marginais. Ele não teria se

surpreendido com a longa temporada desfrutada pelo slogan “Deus é amor” no Ocidente no século

20 – sua carreira já estava lançada nos seus dias –, nem que suas consequências sociais pudessem

ser tão limitadas.

A ética ou código que dominavam a vida pública no mundo moderno era muito diferente. Acima de

tudo, era impessoal em vez de pessoal: na época de Weber, o consenso sobre o que era certo e

errado para o indivíduo estava entrando em colapso. As verdades da religião – a base da ética –

eram agora contestadas, e outras normas tradicionais – tais como aquelas pertinentes à sexualidade,

casamento e beleza – também estavam entrando em colapso. (Aqui vai uma lembrança do passado:

quem hoje pensaria em sustentar uma ideia unificadora de beleza?) Valores eram cada vez mais

propriedade do indivíduo, não da sociedade. Então, em vez de caloroso contato humano, baseado

em um entendimento compartilhado e intuitivamente óbvio de certo e errado, o comportamento

público era frio, reservado, duro e sóbrio, governado por autocontrole pessoal estrito. O

comportamento correto estava na observância dos procedimentos corretos. Mais obviamente, seguia

a letra da lei (pois quem poderia dizer qual era o seu espírito?) e era racional. Era lógico, consistente

e coerente: ou senão obedecia as realidades modernas inquestionáveis tais como o poder dos

números, das forças do mercado e da tecnologia.


Um dos clichês mais populares sobre o pensamento de Weber é dizer que ele pregava uma ética do
trabalho. Isso é um erro.

Havia outro tipo de desintegração além daquela da ética tradicional. A proliferação de sabedoria e de

reflexão sobre a sabedoria tornou impossível para qualquer pessoa saber e conseguir observar tudo.

Em um mundo que não podia ser capturado como um todo, e onde não haviam valores

universalmente compartilháveis, a maior parte das pessoas se agarrava ao nicho particular ao qual

estavam mais comprometidas: seu emprego ou profissão. Elas tratavam seu trabalho como sendo

um chamado pós-religioso, “um absoluto fim em si mesmo”, e, se a “ética” ou “espírito” moderno

tinham uma fundação maior, aqui estava ela. Um dos clichês mais populares sobre o pensamento de

Weber é dizer que ele pregava uma ética do trabalho. Isso é um erro. Pessoalmente, ele não via

nenhuma virtude particular no suor – achava que suas melhores ideias apareciam quando estava

relaxando no sofá com um charuto – e se tivesse sabido que seria mal-entendido dessa maneira,

teria ressaltado que ser capaz de trabalhar duro era algo que não distinguia o Ocidente moderno de

sociedades anteriores e seus sistemas de valores. Entretanto, a ideia de que as pessoas estavam

sendo cada vez mais definidas pelo estreito foco do seu emprego era uma que ele considerava

profundamente moderna e característica.

A ética profissional míope era comum a empreendedores e uma força de trabalho crescentemente

mais capacitada e com salários cada vez melhores. Foi essa combinação que produziu uma situação

em que o “bem maior” era ganhar dinheiro e cada vez mais dinheiro, sem nenhum limite. É isso que é

mais prontamente reconhecível como o “espírito” do capitalismo, mas deve-se ressaltar que não era

uma simples ética de ganância que, como Weber reconheceu, era antiga e eterna. Na verdade, há

dois conjuntos de ideias aqui, ainda que sobrepostos. Existe uma sobre procedimentos racionais
potencialmente universais – especialização, lógica, e comportamento formalmente consistente – e

outra mais próxima à economia moderna, do qual a ética profissional é parte central. A situação

moderna foi o produto da adesão mesquinha à função particular de cada um sob um conjunto de

condições em que a tentativa de entender a modernidade como um todo foi abandonada pela maior

parte das pessoas. Como resultado, elas não estavam em controle de seu próprio destino, mas eram

governadas por um conjunto de procedimentos racionais e impessoais que ele comparou com uma

gaiola de ferro, ou “moradia de aço”. Dadas as suas fundações racionais e impessoais, a moradia

ficou muito aquém de qualquer ideal humano de calor, espontaneidade ou amplitude de perspectiva;

entretanto, racionalidade, tecnologia e legalidade também produziram bens materiais para consumo

de massa de maneiras inéditas. Por essa razão, embora pudessem, as pessoas provavelmente não

deixariam a moradia “até que o último centésimo de combustível fóssil fosse queimado”

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