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D.

Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo


O plantador de naus a haver
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver

Arroio, esse cantar, jovem e puro,


Busca o Oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de
poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação.
Dentro desta integra-se nos Castelos à semelhança do poema Ulisses. Esta obra
contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste
dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de
exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres
bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica,
podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da
matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a
fundação o princípio de Portugal. O título D. Dinis remete-nos para os primórdios da
nossa nacionalidade, assumindo assim o poeta a perspectiva longínqua de D. Dinis,
observando no século XX à posteriori a empresa dos Descobrimentos.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de
cinco versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. O
segundo verso de cada estrofe tem oito sílabas métricas, enquanto os restantes são
decassilábicos. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário, no verso
primeiro da segunda estrofe. A rima é sempre consoante, variando entre rica e
pobre, e obedece ao seguinte esquema rimático: abaab, com rimas cruzadas,
emparelhadas e interpoladas, portanto. O verso decassilábico, de ritmo largo,
adequa-se à expressão de uma mensagem que traduz o meditar repousado de um
poeta que é rei e vai ao leme de um povo que quer ser grande.
Ainda ao nível das sonoridades merecem destaque as assonâncias (alteração entre
vogal aberta e fechada) e as aliterações em sibilantes. Esta repetição de sons
produz um conjunto harmónico de versos que combinam as potencialidades do
significado com o significante. D. Dinis é poeta e é o criador de condições
necessárias às navegações. Surge assim num contexto verbal que enquadra esses
sentidos: consubstanciando matéria épica e lírica, jogando com o tempo histórico
de futuro adivinhado.
Na primeira estrofe o sujeito lírico imagina D. Dinis a compor um cantar de amigo.
Eis-nos diante do rei poeta. Já no segundo verso é o lavrador que emerge. Seria
dos pinhais plantados por D. Dinis que viria a madeira com a qual se construiriam
as naus para os descobrimentos. D. Dinis representa a certeza adivinhada do
futuro. A expressão “ ouve um silêncio múrmuro consigo”, contendo um oxímoro
realça a atitude meditativa do rei que, como um rei-mago, ao escrever o seu cantar
de amigo profetiza já a epopeia marítima dos portugueses. O sujeito lírico recua no
tempo e escuta com o rei o rumor dos pinhais que ondulam ( metáfora de
inspiração marinha).. Esta metáfora e a personificação contidas na expressão “é o
rumor dos pinhais como um Trigo de Império” sugere que esse sussurrar
pressentido por D. Dinis era a fala misteriosa dos pinhais que já ondulavam na
imaginação do poeta “como um trigo de império”. Esta metáfora é extremamente
expressiva. Os pinhais contribuiriam para permitir a expansão portuguesa e esta
criaria a riqueza do nosso império. O pão é símbolo de alimentos de poder
económico, sendo o trigo , as searas promessa de riqueza para um país. Este
ondular invisível deixa já antever a aventura marítima e o Império que lhe está
associado. Assinale-se ainda o animismo é o rumor dos pinhais. Os pinhais parecem
ter linguagem e inspiram o próprio cantar do rei-poeta, porque anunciam qualquer
coisa de grande, ainda envolvida em mistério. Os verbos encontram-se no presente
com aspecto durativo, traduzindo acções que se prolongam no tempo, tornando a
descrição mais impressionista e visualista.
Na segunda parte, mantém-se a preocupação por parte do “eu” poético de nos
fazer chegar o cantar do jovem rei e o “marulho obscuro” dos seus pinhais. Tudo
isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento embora obscuro de qualquer coisa
grande que estava para vir, era “o som presente desse mar futuro”. Esta ideia põe
em destaque o carácter mítico deste “herói”, como uma espécie de intérprete de
uma vontade superior. A mensagem deste poema centra-se sobretudo no futuro e a
razão disto poderá encontrar-se a partir do que atrás ficou dito: se a perspectiva
temporal é a de D. Dinis, e este rei prepara as glórias futuras da sua grei, é
evidente que a mensagem do poema se centra sobretudo no futuro. Isso mesmo se
confirma no texto “ O plantador de naus a haver”, Arroio, esse cantar ... e a fala
dos pinhais...é som presente desse mar futuro.... O cantar de quem, dos pinhais ?
Do poeta? Ou dos dois? Esse cantar era apenas um regatozinho que procurava o
mar por achar. Esta metáfora exprime como os portugueses começando quase do
nada foram engrossando caudal das suas forças até chegarem à Índia. O poema
refere duas fases da nossa história: o ciclo terra (plantador de naus, pinhais, trigo)
e o ciclo do mar (arroio, naus e mar). A terra e o mar dois pólos entre os quais se
balouçou o povo português, sem nunca ter encontrado uma distância equilibrada
entre os dois.
Após termos perspectivado a mensagem do tempo é mais fácil perspectivar a do
espaço. Há expressões que apontam para o estreito espaço lusíada antes dos
Descobrimentos “o plantador de naus ... o rumor dos pinhais... o som presente ... e
a voz da terra.... É o espaço limitado dos primeiros tempos da pátria.
Mas surgem por antítese a estas, outras expressões que projectam a nação através
do mundo: “como um trigo de império ... busca o Oceano por achar ... desse mar
futuro, ... ansiando pelo mar...”
Relacionando o espaço e o tempo, verificamos que ao tempo futuro corresponde o
alargamento do território português, a projecção da nação através dos mares.
Ao longo do poema devemos destacar as expressões que se congregam para dar a
sugestão de um mistério premonitório do domínio dos mares “ na noite ... silêncio
múrmuro... rumor dos pinhais, marulho obscuro. É voz presente desse mar futuro”.
De notar que o rumor dos pinhais de tal forma se insinua no cantar profético do
poeta que se atribui a esse cantar o mesmo efeito que à fala dos pinhais “esse
cantar busca o oceano por achar; e a fala dos pinhais é som presente desse mar
futuro”.
Concluindo, este poema está imbuído de sensibilidade épica. A grandeza dos feitos
de uma nação é inseparável da sua grandeza literária. Pelo que se compreende que
Fernando Pessoa tenha concebido na Mensagem um super Portugal em que ele
seria o super Poeta. A cultura parece desempenhar aqui um papel de importância
acrescentada. Também o Quinto império será cultural.

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