Direito Penal - Ramo do Direito Público, formado pelo conjunto de normas (regras
e princípios) que visam coercivamente a protecção de bens jurídicos fundamentais.
Complexo de normas jurídicas que, em cada momento histórico, enuncia de 1 forma geral e abstracta, os factos ou condutas humanas susceptíveis de pôr em causa os valores ou interesses jurídicos tidos por essenciais numa dada comunidade, e estabelece as sanções que lhe correspondem. Deve atentar-se que o Direito penal, por ser o mais gravoso meio de controlo social, deve ser usado sempre em último caso (ultima ratio) e visando sempre o interesse social.
O sentido fundamental actual da designação "ciência global do DP"
§ 1 - A designação "ciência global do DP" foi criada em fins do séc. XIX, pelo penalista Franz v. Liszt. 2.º este autor, o DP não se podia reduzir a 1 tarefa meramente técnica, dogmática ou sistemática, de aplicação do DP penal legislado ao caso concreto. Ao lado do DP em sentido estrito ou dogmática jurídico-penal, deviam colocar-se a política criminal e a criminologia. À política criminal cabia a função de propor ao legislador, numa perspectiva de eficácia, as estratégias e os meios da luta contra a criminalidade, e as consequentes reformas legislativas do DP positivado. Mas a eficácia da política criminal, no combate à criminalidade, não podia prescindir do conhecimento empírico da realidade dos factores sociais e psicológicos associados aos comportamentos criminosos. Assim, era considerada como parte integrante da ciência penal em sentido amplo, a criminologia, dado que só esta ciência empírica permitia o conhecimento da realidade social criminal, conhecimento este, indispensável à eficácia da política criminal. Todavia, na construção de v. Liszt, a "ciência global do DP", embora abrangesse a política criminal e a criminologia, o certo é que estas 2 ciências criminais não passavam do estatuto de ciências auxiliares do DP ou dogmática jurídico-penal, cabendo a esta o topo da hierarquia das ciências criminais afirmando que «o DP [a dogmática jurídico-penal] constitui a barreira intransponível da política criminal». i.é, o DP seria, dentro da "ciência global do DP", o depositário dos princípios normativos que garantiam os dtos individuais fundamentais do delinquente, entre os quais se destacam os ppios da legalidade e da culpa. Estes ppios jurídico-penais, é que decidiam sobre a legitimidade ou ilegitimidade das estratégias e dos meios propostos pela política criminal para a redução ou controlo eficazes da criminalidade. Em síntese: o DP ou operava 2º critérios de legitimidade normativa; a política criminal operava apenas 2.º critérios pragmáticos de eficácia; a criminologia, como ciência empírica neutra, fornecia o conhecimento da realidade criminal, conhecimento necessário para a eficácia da política criminal que, por sua vez, não podia deixar de estar limitada pelas exigências e ppios normativos, sedeados na dogmática penal. § 2 - Com a afirmação e consagração do Estado de Direito Material a partir do termo da 2.ª Grande Guerra 1 alteração na relação de subordinação da política criminal à dogmática jurídico-penal. A política criminal deixou o seu estatuto de mera ciência auxiliar do DP para passar a ciência autónoma, face ao DP, passando mesmo a ser tida como motor dinamizador da dogmática penal e, portanto, a ocupar 1 posição de supremacia face ao DP em sentido estrito. Verificou-se, assim, 1 troca de posições entre a política criminal e a dogmática penal, passando a caber à política criminal não só a fixação dos objectivos a serem realizados através da dogmática penal, mas tb nos princípios normativos fundamentais, ético-individuais e ético-sociais, que devem orientar a construção dogmático-sistemática do DP e a interpretação e a aplicação, deste aos casos concretos a decidir. § 3 - C. Roxin e H. Zipf, nos anos 70 do séc. XX, não concordam e reelaboraram 1 novo alinho, dentro desta ciência da política criminal face à dogmática jurídico- penal. Começou, a falar-se, relativamente ao DP stricto sensu, em "sistema penal aberto", aberto às directrizes da política criminal. Agora a política criminal não é vista como 1 mera "ciência" técnica, preocupada apenas com a eficácia da luta contra o crime, mas tb como ciência normativa, preocupada com a legitimidade dos meios a utilizar no combate à criminalidade, compreendendo-se que esta nova concepção da política criminal (cujo objectivo é a eficácia da luta contra a criminalidade, eficácia limitada pela legitimidade dos meios que utiliza) tenha sido assumida pelas actuais Constituições do Estado de Dto Democrático e Social. Hoje, os ppios fundamentais da política criminal estão expressamente consagrados na Constituição: ppios da legalidade, da máxima restrição da pena, da presunção de inocência. Conclusão, a chamada "ciência global do DP” compreende a política criminal, a dogmática Jurídico-penal e a criminologia, e estas ciências, embora autónomas entre si (cada 1 tem 1 objecto imediato e 1 método específicos), são complementares e interdependentes, pois, todas elas têm por objecto último e comum o crime, sendo indispensáveis para 1 abordagem, que se queira eficaz e justa, da delinquência. E, pq complementares e interdependentes, é correcta a designação "ciência global do DP" como conjunto da política criminal, da dogmática penal e da criminologia.
II. Política criminal, direito penal e criminologia
§ 4 - A política criminal pode definir-se como o conjunto dos ppios ético- individuais e ético-sociais que devem promover, orientar e controlar a luta contra a criminalidade. O objectivo/função da política criminal é a prevenção do crime e a confiança da comunidade social na ordem jurídico-penal, na afirmação e vigência efectiva dos valores sociais indispensáveis à livre realização da pessoa devendo realizar-se no respeito dos próprios valores e ppios que visa defender. São, portanto, 2 as coordenadas da política criminal: eficácia, quanto aos fins; legitimidade (ético-jurídica), quanto aos meios. Assim, entre os princípios da política criminal de 1 Estado de Direito Democrático e Social, podem referir-se: o ppio da legalidade, garante contra a arbitrariedade judicial e administrativa; o ppio da culpa, que recusa qualquer forma de responsabilidade penal objectiva; o ppio da humanidade na definição legal das penas (a proibição da pena de morte e das penas degradantes da dignidade humana na pessoa do recluso) e na sua execução (recusa da prisão perpétua e das consequências jurídicas de duração indeterminada); o ppio da recuperação social do recluso, que obriga à criação de estabelecimentos "penitenciários" adequados, e modelação da execução da pena de prisão de forma a possibilitar tal recuperação. § 5 - O direito penal em sentido estrito ou dogmática jurídico-penal pode definir- se como a teorização das diferentes categorias ou elementos constitutivos da infracção criminal, e das diferentes espécies de consequências jurídicas do crime. Teorização, que se traduz numa desconstrução-construção analítico-conceitual e sistemática do comportamento criminal, devendo ser orientada e dinamizada pelos ppios da política criminal e apoiada nos resultados empíricos da investigação criminológica, daqui resultando a correcção da actual consideração do DP ou dogmática penal como "sistema penal aberto", sendo portanto, de recusar, quer a dicotomia normativista, que autonomiza, de forma radical e antagónica, o "ser" e o "dever ser". § 6 - A criminologia é o ramo da ciência criminal que, baseado na observação e experimentação, estabelece a relação entre determinados factores (bio-psicológicos e sociais) e as diferentes espécies de delinquência. Será pois, objecto da criminologia a investigação das ligações entre o desemprego, a perda da auto-estima, a marginalização, a toxicodependência e a criminalidade patrimonial, nomeadamente, o furto e roubo, bem como, caberá à investigação criminológica a influência criminogénea das políticas urbanísticas que remetam certos grupos étnico-culturais para os subúrbios das grandes cidades - guetização. São 2 os ramos da criminologia: a biologia criminal e a sociologia criminal. A biologia criminal, centra-se, fundamentalmente, nos factores bio- psicológicos favoráveis à delinquência; (Lombroso advogava que as causas do crime eram biológicas, donde através dos traços biológicos se verificava se o indivíduo tinha ou não tendência para o crime – ideia de evitar a perigosidade, radical); a sociologia criminal tem por objecto 1.º a investigação dos factores sociais (económicos, culturais, religiosos,) causadores de condutas desviantes, (Ferri que pôs em prática as influências sociológicas, dizia que as causas genéticas eram negativas mas se o indivíduo vivesse num bom ambiente…). É tb de assinalar a importância da criminologia nova ou criminologia crítica, surgida na década 60-70 do séc. XX, que veio reagir contra o tradicional estatuto de subordinação total da criminologia ao DP, afirmando a sua autonomia na determinação do seu próprio objecto, reivindicando 1 função crítica da organização e funcionamento das chamadas "instâncias formais de controlo do crime" (legislador, magistraturas, administração prisional). § 7 - Uma vez que a política criminal e, portanto, o DP não pode ser 1 instrumento ao serviço de 1 qualquer sistema social, então é indispensável o conhecimento da realidade individual e social em que a justiça penal intervém. Por outras palavras: Para o DP 1 política criminal, para ser justa e eficaz, não pode esquecer as informações dadas pela criminologia. O próprio ppio da culpa material jurídico-penal não pode deixar de ter em conta as condições em que se realizou a socialização primária (a fase infantil, que é aquela em que se estrutura a personalidade) não podendo desprezar, no juízo da "culpa da personalidade", as condições familiares e sociais, i.é, a inexistência das mais elementares regras axiológicas de relacionamento com o outro. Esquecer este condicionalismo é transformar a "culpa da personalidade" num mero juízo formal, o que levaria a lançar contra esta a mesma crítica que, maioritária e justificadamente, se lançou contra a tese da "culpa da vontade", alicerçada no livre-arbítrio. A sociedade e o estado já sabem, ou deveriam saber, que não é somente com o aumento das polícias e com o agravamento das penas que a criminalidade diminuirá; mas é indispensável 1 atenção às políticas sociais da família, da infância, da escola, da juventude e do trabalho. Ao lado de 1 ética da responsabilidade individual, há tb 1 ética da corresponsabilidade social.