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COMPORTAMENTO HUMANO

TUDO (OU QUASE TUDO) QUE VOCÊ GOSTARIA DE SABER


PARA VIVER MELHOR

MARIA ZILAH DA SILVA BRANDÃO


FÁTIMA CRISTINA DE SOUZA CONTE
SOLANGE MARIA BEGGIATO MEZZAROBA
ORGANIZADORAS

ESETec
Editores Associados
Copyright © desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2002.
Todos os direitos reservados

Brandão, Maria Zilah da Silva et ai.

Comportamento Humano - Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Orgs. Maria Zilah da Silva Brandão,
Fátima Cristina de Souza Conte, Solange Maria Beggiato Mezzaroba. 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2002.

158p.21cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Psicologia Individual
CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Direção Editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente Editorial: Jussara Vince Gomes
Revisão Ortográfica: Erika Horigoshi

Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram com a produção deste


material.

Solicitação de exemplares: eset@uol.com.br


Rua Santo Hilário, 36 - Vila Bastos - Santo André - SP
CEP 09040-400
Tel. 49905683/44386866
www.esetec.com.br

2002

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Sumário

Prefácio ................................................................................................ vii

Apresentação ........................................................................................ l

Problema psicológico ou frescura? Quando a ajuda profissional se faz necessária


Fátima Cristina de Souza Conte, Maria Zilah da Silva Brandão .......... 3

O antes, o do meio e o depois


Roosevelt R. Starling ......................................................................... 13

Qualidade de vida: Prevenção à depressão


Marcelo E. Beckert ............................................................................... 39

Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade


Hélio José Guilhardi ............................................................................. 63

Quando a timidez se torna um problema


Eliane Falcone ...................................................................................... 99

Orientação sexual da criança


Edwiges Ferreira de Mattos Silvares .................................................... 111

Abuso sexual na infância e na adolescência: você pode descobrir o que está


acontecendo
Maria da Graça Saldanha Padilha ........................................................ 121

Como evitar o desenvolvimento de comportamento anti-social em seu filho


Paula Inez Cunha Gomide ................................................................... 129

A importância da participação dos pais no desempenho escolar dos filhos:


ajudando sem atrapalhar
Maria Martha Costa Hübner ............................................................... 139

Álcool e drogas: como levar o familiar dependente a aceitar ajuda


Simone Martin Oliani ......................................................................... 147

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Prefácio

A Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comporta-mental (ABPMC) é


formada por um grupo de profissionais dedicados ao estudo dos problemas que afetam as
pessoas e à divulgação dos conhecimentos obtidos nesses estudos. Com esse objetivo, a
ABPMC tem realizado Encontros Anuais entre seus associados, e tem publicado para os
profissionais e especialistas da área uma coleção de livros (Sobre Comportamento e Cognição,
que está em seu IO2 volume) e uma Revista Científica (Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, em seu 4a volume).

Chegou o momento de a ABPMC passar a divulgar o seu trabalho para o grande


público que, afinal, será o beneficiado de tanto esforço. É com a intenção de divulgar o seu
trabalho que a atual diretoria decidiu publicar o livro "COMPORTAMENTO HUMANO:
TUDO (OU QUASE TUDO) QUE VOCÊ GOSTARIA DE SABER PARA VIVER
MELHOR".

Nesta obra, será possível encontrar explicações e indicações de solução a vários problemas do
dia-a-dia e problemas mais complicados que esses. Os autores procuraram oferecer uma parte do que
sabiam para ajudar os leitores a identificar os motivos e as razões para que alguém procure a ajuda do
psicólogo e do psiquiatra, sem que a necessidade de buscar ajuda seja vergonhosa, nem pareça um
castigo divino. Isto, em si, já seria uma grande contribuição para a comunidade: desmistificar o
trabalho de psicólogos e psiquiatras de uma maneira direta, franca e compreensiva. Mas o livro não
pára aí.
Ele apresenta, também, de forma bastante fácil de entender, as explicações encontradas para os
problemas humanos, demonstrando que eles (os problemas) envolvem muito mais as relações que a
gente estabelece na vida do que possam ser localizados em pessoas isoladas. Isto é útil para
entendermos que os problemas causados e enfrentados pelas nossas pessoas queridas muitas vezes nos
envolvem diretamente, assim como é útil para entendermos que não estamos sozinhos na construção e
na manutenção dos nossos próprios problemas. Pessoas importantes para nós, em geral, fazem parte
dos nossos problemas também...
Dessa forma, pode-se encontrar no livro maneiras diferentes de observar, entender e resolver
as dificuldades de comportamento que verificamos em nós mesmos e ao nosso redor.
Além disso, os autores preocuparam-se em tocar em alguns temas difíceis de serem
enfrentados por qualquer pessoa. Embora tenham se concentrado especialmente nos problemas que
enfrentamos com nossos filhos, também traz informações importantes para algumas das dificuldades
que nós mesmos enfrentamos...
Sobre os filhos, por exemplo, o livro trata com carinho especial de dificuldades escolares e
timidez, e faz algumas sugestões sobre a orientação sexual para a criança. Trata também de questões
mais difíceis de enfrentar, tais como auto-estima, autoconfiança, responsabilidade, depressão,
alcoolismo, drogas, abuso sexual na infância e na adolescência, comportamentos que atrapalham o
convívio social, etc.
Esses temas tão dolorosos são todos abordados por profissionais experientes e que podem
apresentar excelentes propostas de entendimento e de solução para as pessoas que sofrem desses

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males.
No entanto, não espere um livro de auto-ajuda. Os temas abordados no livro são tão complexos
e tão difíceis de solucionar que seria muito irresponsável tentar levar o leitor à ilusão de que, em
poucas páginas de leitura, as pessoas seriam capazes encontrar e desenvolver habilidades para desfazer
problemas que os profissionais levaram anos a fio estudando detalhe por detalhe. A proposta do livro é
de poder explicar um pouco cada um dos temas e indicar possibilidades de busca de ajuda nos
trabalhos dos psicólogos e psiquiatras.
Este é o maior mérito do livro: ser a primeira oportunidade para ter um entendimento despido
de preconceitos sobre os problemas difíceis de assumir e enfrentar. Com isso, este livro consegue
pegar o leitor pela mão e conduzi-lo, tranquilamente e sem medo, para a busca de uma ajuda firme e
responsável.
A ABPMC está de parabéns pela iniciativa. Os autores estão de parabéns pela competência,
rigor e dedicação com que se debruçaram sobre a tarefa. A editora está de parabéns por valorizar um
trabalho sério, competente e, principalmente, relevante. A comunidade está de parabéns por ter sido
tão amada e valorizada, merecendo tamanho esforço de tanta gente.

Roberto Alves Banaco, inverno de 2002.

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Apresentação

Ramo de lucidez
E ramo de carinho:
com esses dois verdores,
ornamentar o ninho
onde a forma nascente
vai tornar-se destino.

Carlos Drummond de Andrade (1966)

Toda pesquisa e toda ciência têm como objetivo final melhorar a qualidade de vida dos seres
humanos de hoje e de amanhã, dando a eles o conhecimento necessário para isso. Melhorar qualidade
de vida significa caminhar na direção da obtenção de reforçadores positivos e, assim, sentir-se mais
feliz. Toda pesquisa e toda ciência têm, portanto, um lado de lucidez (da descoberta do conhecimento)
e um lado de carinho (motivo desta busca).
A terapia comportamental e cognitiva vem lançando mão, com sucesso, do método e do
conhecimento científico para fazer análises, propostas de trabalho e de tratamento psicológico. No
entanto, nem sempre a população consegue recorrer a esses conhecimentos para solucionar suas
dúvidas a respeito de seus problemas psicológicos, do seu tratamento ou da sua prevenção. Eles ainda
se encontram guardados em universidades e clínicas e pouco tem sido feito até agora para passá-los à
população que precisa e procura informações sobre o comportamento humano.
Assim, este livro representa muito. Por meio dele, inauguramos um sonho, em nome de todos
os membros da ABPMC. Sonho de fazer chegar, numa linguagem acessível e simples, sem ser
superficial, os conhecimentos produzidos pela comunidade científica e profissional a uma outra
comunidade composta por leigos que são usuários do conhecimento psicológico.
Não é qualquer conhecimento científico que esse livro apresenta, mas sim aquele que, de
forma direta, ajudará os leitores a viver melhor, sem ditar regras de conduta. A intenção é ajudá-los a
promover a análise de seu próprio comportamento, fazer mudanças. Criar e reformular regras
inapropriadas.
É um desafio para profissionais tão cautelosos com a fala, por saberem de seu poder e
repercussão no comportamento humano, falar para leigos sobre conhecimentos psicológicos e ainda
desenvolver neles uma nova forma de procurar ajuda: procurando textos escritos por doutores, mestres
ou especialistas nesses assuntos.
Temos feito outras tentativas de manter contato e chegar perto da comunidade leiga.
Escrevemos em jornais, revistas e participamos de entrevistas e programas de TV. Não é possível
deixar de participar. Retirar-se é aceitar o que se vê, nem sempre de boa qualidade, e tornar-se
cúmplice para não correr riscos.
Decidimos, com esse livro, correr riscos e, mais uma vez, tomar um pouco do nosso próprio
remédio:deixar que as consequências de nossos comportamentos nos mostrem o caminho para
melhorar. Você, leitor, é nosso colaborador nessa aprendizagem.
Os capítulos que serão apresentados nesse livro, escritos com ciência e carinho, tratam desde a

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compreensão do que é psicoterapia e da identificação do momento certo de procurar ajuda, até assuntos
relativos à educação de filhos e ao tratamento de alguns problemas psicológicos.
É uma demonstração real da variabilidade e da abrangência dos trabalhos sobre o
comportamento humano que podem ser disponibilizados para a população.
O fato de ele estar sendo lançado como parte do XI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e
Medicina Comportamental já garante sua continuidade. Portanto, leitor, esse é só o começo de nossa
conversa.

Boa leitura!

Maria Zilah da Silva Brandão e


Fátima Cristina de Souza Conte

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Problema psicológico ou
frescura? Quando a ajuda
profissional se faz necessária

Fátima Cristina de Souza Conte1


Maria Zilah da Silva Brandão2

É comum ouvir-se no dia-a-dia que problema psicológico é frescura. Isto é dito tanto em tom
de brincadeira como em tom sério, firme e agressivo.
Outros comportamentos que são vistos como frescura são as reações emocionais exageradas,
como gritar e gesticular diante de um susto ou de algo repugnante; e o desejo de fazer tudo a seu modo,
sem pensar muito no outro. Assim, a pessoa voluntariosa, birrenta, é fresca ou tem problema
psicológico?
Frescura "é ter problema psicológico quando existe tanta gente passando fome", ouviu a
terapeuta, outro dia, do pai de uma cliente que acha que a filha não tem razão para ter problemas
emocionais: "ela tem tudo", afirma ele.
Demonstrar muita afeição numa linguagem regressiva ou intimista, cheia de diminutivos e
apelidos, também pode ser considerado frescura - ou amor (se o amor for fresco, novo). Mas pode ser
mais que isso se estiver associada à dependência emocional ou imaturidade.
A mãe do cliente de uma terapeuta disse outro dia que o filho passa mal quando tem que ir
trabalhar, mas se é para assistir a um filme ou se é para passear, ele sara rapidinho. Isso é frescura?
E ter medo de morrer, de repente, sem ao menos estar doente? E ter medo de ficar doente
quando se está cheio de saúde? Tudo isto "parece" frescura...
Mas essa linguagem inofensiva no dia-a-dia, pode ser prejudicial se levada ao pé da letra e,
dessa forma, dispensar por parte das pessoas envolvidas uma análise mais aprofundada. As pessoas
poderiam, nesse caso, menosprezar problemas sérios que, disfarçados de "frescura", precisam de
atendimento.
Segundo o dicionário Aurélio, FRESCURA é um termo popular usado para dizer que uma
pessoa faz algo levada por seus desejos, por pura vontade, e não por algo externo que realmente
justifique seus atos ou sentimentos.
Observando o uso do termo no dia-a-dia, ele é usado para denotar algo que não é tão

1
Doutora em Psicologia Clínica pela USP-SP; Mestre em Psicologia Clinica pela PUC-Campinas; terapeuta comportamental
do PsicC-Instituto de Psicoterapia e Análise do Comportamento. Londrina-PR.

2
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Campinas; terapeuta comportamental do Psicc-Instítuto de Psicoterapia
e Análise do Comportamento. Londrina- Pr.

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importante quanto quer se fazer parecer; algo que é produto das idiossincrasias de alguém, e não da
situação por si mesma. São reações exageradas para uma situação que não despertaria, por si só, tanta
reação.
Refazendo uma análise do termo frescura no dia-a-dia, vemos que ele é usado para referir-se a
um padrão de comportamento controlado mais pelas características da pessoa em função de seus
interesses ou necessidades pessoais (como por exemplo, necessidade de chamar atenção ou de evitar
algo ruim), do que pelo que a situação significa. O "fresco" gosta da atenção, gosta de despertar
sentimentos de admiração ou simplesmente quer ser notado? Será que o fresco aprendeu a satisfazer
suas necessidades de apoio e atenção desta forma ou sua necessidade de atenção extra é um traço inato
de sua personalidade?
Frescura é demonstrar um determinado sentimento de forma exagerada, numa situação "nada a
ver" ou "pouco a ver". Você já chorou desesperadamente na novela das 7 horas, que nem estava tão
triste, só para aproveitar a oportunidade de demonstrar seu sofrimento, mesmo que esse sofrimento
fosse decorrente da briga com o namorado na semana passada? Só para dar um show de tristeza para si
mesmo e ainda ganhar uma atenção a mais dos seus acompanhantes? Já? Pois frescura é mais ou
menos isso.

Mais isso é problema psicológico?


Problema psicológico é usado, na linguagem popular, em oposição a problema físico; como
sinónimo de problema mental, e seu
portador é considerado um incapaz (devido a sua doença mental); um estranho (devido a sua
personalidade) ou ainda um incompetente (fresco) por ser sensível demais aos acontecimentos do seu
ambiente ou por supervalorizá-los.
Retomando, perante um problema psicológico, é mais comum se perguntar duas coisas: a
pessoa que tem problema é diferente devido a sua natureza (nasceu assim), ou algo de ruim aconteceu
na vida dela que a deixou como é?
A bem da verdade, existe uma predisposição de todos a "tirar o corpo fora" e preferir ver o
problema psicológico como algo inerente à pessoa, escolhendo a primeira alternativa.
No entanto, a noção de personalidade como algo inato e mental, também é negada ou, no
mínimo, questionada. Sabe-se que a maioria das características de personalidade é gerada pelo
ambiente físico e emocional da pessoa, incluindo uma combinação com a genética que, ao longo da
vida do indivíduo e no decorrer de gerações, sucumbirá aos determinantes ambientais do
comportamento. Pode-se perguntar de novo: o que é, então, um problema psicológico? Ele é
provocado por algo ruim na vida da pessoa?
O responsável pela pessoa acometida de tal problema, por intuição, sente-se totalmente
amedrontado perante a possibilidade de olhar para as circunstâncias de vida da pessoa e responder de
forma afirmativa a essa questão, por medo de sentir-se o causador do problema do outro. Mesmo que
ninguém o acuse formalmente.
De forma geral, as reações das pessoas podem ser consideradas boas ou ruins, dependendo dos
tipos de consequências que elas trazem para o indivíduo. Quando as consequências são boas, as
pessoas ficam felizes, quando as consequências são ruins, as pessoas ficam mal, ficam tristes ou
ansiosas e, se isso persistir, disse-se que a pessoa está com problema psicológico. O contexto social
influencia na forma como a reação pessoal será considerada. Como aprendizagem de comportamentos
é um processo dinâmico e ocorre desde que a pessoa nasce, quando existe um problema psicológico,
quem está de fora nem sempre sabe o que está levando a pessoa a se comportar dessa forma. Por isso,
não sabendo o motivo do problema do outro e não encontrando, no momento, nada justificável a sua
volta, acham que o problema está dentro do indivíduo.
Assim sendo, dá para entender porque é difícil responder o que é problema psicológico. Sua

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definição e principalmente sua compreensão dependem da aceitação de sua causa (fortemente
ambiental) e da mudança de muitas crenças erradas que temos acerca do comportamento humano.
O chamado problema psicológico é, então, uma forma particular de reação da pessoa à situação
(quase sempre aversiva) que ela está vivendo. Essa reação foi aprendida no decorrer de sua vida
passada e presente, em função das pessoas e das situações com as quais conviveu e vive até hoje. Ela é
única, particular, tem idiossincrasias incríveis, como todo os outros aspectos do comportamento
humano. O que diferencia um comportamento problemático do normal é, geralmente, sua intensidade,
frequência e funcionalidade, isto é, o tipo de consequência que traz para a pessoa, a curto e a longo
prazo.
O problema psicológico, entendido desta forma, parece ficar devendo algo para os problemas
que têm causa física ou mental e que, assim, estão dentro do indivíduo. A determinação ambiental
parece dar uma leveza ao problema que, desta maneira, não parece tão grave; pode mesmo parecer leve
e arbitrário demais para ser levado a sério. Talvez por isso seja tão fácil vê-lo tomado como "frescura".

O que isso tem a ver com frescura?


Embora problema psicológico não seja frescura, pois traz sofrimento e não "frescor", poder-se-
ia dizer que a conceituação popular de problema psicológico tem algo a ver com o que se chama de
frescura. O que é necessário saber é que reações iguais ou parecidas podem ter causas e consequências
diferentes e, assim, confundir um observador menos treinado, que pode achar que os comportamentos
são iguais. Por exemplo, ao ver-se uma criança esperneando no chão perante a mãe, diz-se que a
criança é birrenta, pensa-se que é frescura dela. Mas quem garante que não é uma reação adequada da
criança para lidar com uma mãe insensível e autoritária demais? Nesse exemplo, a mesma reação
poderia indicar dois comportamentos infantis diferentes: a birra (uma tentativa de coerção da criança
para mobilizar a mãe a fazer o que ela quer), e o não permitir abuso (uma tentativa de o filho evitar que
a mãe o obrigue a fazer o que ela quer, desrespeitando suas necessidades genuínas).
O observador só enxerga uma parte do todo; ele só vê a reação atual, momentânea. Isso cria
confusão na interpretação do problema.
Um ponto comum entre frescura e problema psicológico parece ser a funcionalidade dos dois.
A relação não é de todo ruim. Tanto para as pessoas quanto para a psicologia do comportamento, essa
relação é muito mais saudável do que ver o problema psicológico como decorrente de uma
personalidade inata e imutável. Ao aludir ao problema psicológico como frescura, as pessoas estão
dizendo que aspectos ambientais e funcionais
do problema estão presentes; que somos sensíveis a outro seres humanos e que existe um objetivo
ambiental e emocional no comportamento das pessoas. Isso não é o que se diz das pessoas tidas como
normais? Tem alguém "normal" sem essa sensibilidade?
Se todos "queremos" algo de material ou de emocional ao nos comportarmos, a relação indica
que a análise vai caminhar numa boa direção. A próxima questão seria, então, saber quais aspectos do
comportamento humano observar para saber se há um problema psicológico. Essa questão é
importante e será deixada para logo depois.
O elemento faltante na análise desenvolvida até o momento, para separar problema
psicológico de frescura, é a percepção do sofrimento real, sem ostentação, do desconforto e do mal-
estar que ele ocasiona, tanto na pessoa que o está vivendo como nos outros que convivem com ele.
Os seres humanos têm, como objetivos naturais, livrar-se do sofrimento e atingir a felicidade,
o bem-estar. Essas funções básicas permitiram até hoje a sobrevivência de cada um, da espécie e o
desenvolvimento das culturas. Se alguém não está atingindo esses objetivos com os recursos que
possui, deve ser encaminhado para um tratamento psicológico especializado, mesmo que ele
demonstre isso com roupagem de frescura.
Mas, se a frescura é engraçada ou se é só para fazer charme e conseguir uma atençãozinha

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extra, não se irrite e não inveje; arrume um jeito de ser tão fresco quanto ele. Isso é normal!!!
Saiba, agora, quando encaminhar-se e/ou encaminhar alguém para terapia.

Você ou alguém de sua família precisa de Psicoterapia?


Em primeiro lugar, é bom saber ou lembrar o que é um processo psicoterápico. De forma
simplificada, podemos dizer que se trata de uma relação entre uma pessoa que busca ajuda e outra que
se dispõe a ajudar, usando, para isso, seu conhecimento científico sobre o comportamento humano.
Primeiramente, a pessoa quer aliviar-se de seu sofrimento e depois almeja ter mais felicidade em sua
vida. Para que isso ocorra, ela e o seu psicoterapeuta fazem, juntos, a análise de seu problema e de seu
padrão Comportamental ou personalidade; identificam os determinantes de sua conduta (ações
observáveis), de seus sentimentos, pensamentos e sensações. Então, o cliente torna-se mais hábil para
reformular conceitos e regras impróprias que regem a sua vida, expor-se e vivenciar mais
intensamente,
de forma protegida e produtiva, as contingências relevantes de sua vida. Pode também desenvolver
outros recursos e habilidades que eventualmente estão lhe faltando para virar o jogo e chegar lá!
Quebrar uma vida de fugitivo, de quem vive para evitar ou fugir de contingências negativas e aversivas
e instaurar uma vida na qual, ao inverso disso, possa gastar sua energia para enfrentar os problemas e
criar um ambiente mais gratificante e positivo. Nem só de alívio devem viver os homens, mas também
de felicidade e alegria genuínas que também possam se estender àqueles que o cercam. Durante todo
este processo, a relação do terapeuta com seu cliente, de afetividade e confiança, dão suporte para a
análise e a realização das mudanças pessoais desejadas.
Como se pode ver, a terapia é um recurso que todos podem buscar em muitos momentos de sua
vida. A orientação psicológica preventiva é, sem dúvida, ao lado da terapia, algo que todos deveriam
ter acesso e lançar mão sem constrangimento. Muitos dos medos desenvolvidos ao buscá-la,
relacionam-se ao medo da dependência que é divulgada como inerente a tais processos. A
dependência, a perda de controle sobre a própria vida é o avesso do que o processo se propõe. Bons
terapeutas cuidam para que seus clientes desenvolvam auto-estima, autoconfiança, competência e
responsabilidade por si mesmos e com seus semelhantes, como itens obrigatórios dos benefícios
terapêuticos a serem obtidos.
Entretanto, nem sempre é o cliente que sente a necessidade de buscar a terapia. Ela pode ser
sugerida por um médico, colega, familiar, um supervisor da empresa em que se trabalha ou a escola de
um filho. Nestas situações, a decisão pode ser mais complicada, já que a demanda não partiu da pessoa
que deve procurar a ajuda. Como decidir aceitar ou não?
Esta pergunta não tem uma resposta simples. Como saber se a dificuldade observada é motivo
suficiente para ir até um consultório psicológico? Não será um exagero? Evidentemente que esta
questão só poderá ser respondida com mais propriedade com a ajuda do psicólogo, porém algumas
perguntas podem ajudar nesta reflexão e na tomada de decisão sobre o primeiro passo. Tais questões
são as seguintes:
a) A duração do problema: há quanto tempo este problema persiste? Neste tempo tem havido piora,
melhora ou estabilidade deste problema?
b) A compreensão: quanto entendo do que está acontecendo? Qual o grau de clareza que tenho sobre a
situação? A que atribuo este problema?
c) As tentativas e os resultados: que tentativas já foram feitas para superar o problema? Qual foi o
resultado? Quanto tempo duraram os bons

resultados? Que outros resultados, secundários e negativos, acompanharam a mudança?


d) As consequências do problema: o quanto o problema afeta a minha vida atual? Em que áreas da

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minha vida? Trabalho, escola, relações de amizade, relacionamento social, saúde física, etc? Tenho
perdido, atrasado ou deixado de aproveitar boas oportunidades de desenvolvimento devido ao meu
problema? Como ele afeta meu sentimento de bem-estar e confiança pessoal? Minha auto-estima?
E se o problema continuar, quais as consequências a médio e a longo prazo, em todos estes níveis?
Qual o grau de sofrimento tenho estando assim?
e) Alcance do problema: o problema ocorre sozinho ou é acompanhado de outros que são menores? O
problema ocorre apenas em casa ou também em outros ambientes?
A medida em que as respostas a tais questões forem aparecendo, será possível avaliar para que
lado a balança pende e decidir por buscar ou não tal ajuda. Por exemplo, Talita percebeu que estava
com muita dificuldade de decidir em que trabalhar após ter se formado. Às vésperas da formatura, já
sentia arrepios de ansiedade quando via na TV alguém falando sobre isso ou sobre mercado de
trabalho. Lembrava-se de sempre estar recorrendo a alguém, desde pequena, para decidir. Até agora,
não conseguia comprar sozinha sequer um livro. Morria de medo de errar. Buscava amigas para
confirmar suas iniciativas até quanto à escolha de seus paqueras e namorados. Terminar um namoro,
nem pensar! Acabava sempre por conta do outro, o que a deixava com a auto-estima no chinelo. Já
havia feito tentativas de encher-se de coragem e desligar-se da dependência que sentia das pessoas.
Porém, nunca deram certo com ela. Parece que ela também não tinha o "jeito da coisa", não "sacava"
rápido o que fazer, para onde olhar... Percebeu, então, que a ansiedade aumentava cada vez mais e a
formatura, uma data tão desejada, a deixava em pânico. Ela era muito boa aluna, bem-sucedida nos
estudos e quando queixava-se disso, as pessoas não davam muita importância. Talvez parecesse ser
coisa de querer chamar a atenção. Será? Pensava no quanto gostaria de sentir-se confiante. A lista de
coisas que fizera para superar o problema era intensa e agora estava a mais briguenta das criaturas:
zero de paciência, explodia à toa e não gostava disso. Começou a isolar-se. Não queria descontar em
ninguém. Bem, já havia decidido namorar só se tivesse certeza que daria certo. Não confiava mais nos
homens! Fazia tudo certo, pra agradá-los e não conseguia. O último disse a ela que faltava "desafio"
nela! O que eles querem? Que confusão!!! Toda a sua vida estava revolta como claras batidas em neve!
Parece que a Talita poderia ser bastante ajudada por um processo psicoterápico, não é? Junto
com seu terapeuta, ela poderia melhorar sua capacidade para lidar com o problema principal e os
outros. Não agindo desta forma, uma vez que não está encontrando saída, poderia tornar-se cada vez
mais evitativa, ansiosa e mal-sucedida em muitas áreas de sua vida. Mais infeliz. A terapia seria bem
vinda e, com certeza, além de agregar recursos pessoais, que potencializariam sua relação mais eficaz e
tranquila com o mundo, certamente Talita descobriria ou aprenderia a apoiar-se em muitas qualidades
positivas que certamente já tem!
A psicoterapia não tem como objetivo apenas a solução de problemas específicos, mas sim e
também de fazer o cliente compreender seu modo de funcionamento pessoal e tornar-se um agente de
auto- mudança contínua. É mais um "treino" para a independência e a prevenção de outros problemas!
Se a balança pender para o lado da terapia, é o caso de aceitar, escolher uma pessoa de confiança e
trabalhar!

Medicações: Por que podem ser necessárias?


Depois de falar tanto que problema psicológico não é doença, porque um tema falando de
medicação? Medicação não é só para curar doenças?
A descrição do caso de um cliente chamado Luiz, que tem 30 anos e queixa-se de ansiedade
extrema, poderá ajudar a responder a estas questões.
Depois que Luiz entendeu de onde vinha a sua ansiedade, algo tão intenso e incontrolável que
o fazia suar frio, ter o coração batendo forte, trazendo arrepios, vontade repentina e seguida de ir ao
banheiro e tantas outras coisas físicas, ficou mais aliviado! Ele não se sentia mais "condenado" a ela
pelo resto da vida e nem tinha mais medo de que seu coração "explodisse" a qualquer hora! Contudo,
por mais que fizesse todo o seu possível e estivesse com uma excelente terapeuta, a melhora de seus
sintomas era muito lenta! E a vida exigia que ele andasse mais rápido! Estava perdendo ótimas

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oportunidades de trabalho por conta deste limite temporário. Então sua terapeuta sugeriu que ele
buscasse apoio de um médico e discutisse a possibilidade de medicação. Ele teve medo, achou que
ficaria viciado, pensou ter um problema mais grave do que parecia, temeu ser avaliado como "doente",
como fraco e, assim, também ter recusas de trabalho. Sentiu tristeza e um sabor amargo de fracasso em
sua boca.
Luiz não é o único que tem esse tipo de reação. Ela é muito comum quando é indicado o uso
de medicação em problemas emocionais. De fato, neste caso, remédios não "curam" o problema
psicológico, já que não há uma "doença" acontecendo. O que ocorre realmente, como no caso de Luiz,
é que, em muitos transtornos psicológicos, as reações corporais são tão intensas e tendem a demorar
tanto a se modificar que acabam interferindo no desempenho global da pessoa. E elas demoram a se
modificar porque não estão sob controle direto da vontade de cada um ou mesmo sob controle dos
pensamentos.
Outro cliente, João, agora sentia-se muito irritado por ter medo em situações que, sabia, não
eram realmente perigosas. Atualmente, estava com medo de dirigir seu carro. Por mais que pensasse o
contrário, na hora "H" sentia um pânico intenso a ponto de quase sair correndo. Já a Julia sabia que
tinha muitas interpretações erradas sobre os fatos e a sinceridade das pessoas, e não conseguia relaxar e
confiar em alguém. Na verdade, estas "bagunças emocionais", na maior parte das vezes, só se
organizam, modificam-se quando novas experiências, diferentes das que as "causaram" acontecem. É o
teste da realidade que faz com que as ideias, os conceitos que são formados, os sentimentos que se tem,
modifiquem-se. Assim, João precisaria de uma dose de oportunidades de vivenciar as situações
falsamente perigosas para enfim, não sentir que as pernas o puxam com tanta força pra longe delas!
Julia precisaria agir de forma diferente da que acreditava, arriscar-se, ver o que acontecia e então saber
quando e em quem confiar. Até se pode programar para fazer certas experiências da vida que seriam
terapêuticas acontecerem mais depressa. Isso é bom. É corajoso, mas muitas vezes não é possível, ou
não há tempo e então são perdidas oportunidades e importantes experiências de desenvolvimento. Luiz
pode ficar sem emprego, sua autoconfiança pode cair, pode ter problemas financeiros e assim
sucessivamente. Isso pode piorar seu quadro. Então, tem-se um dos usos da medicação, para ajudar a
tratar "uma não doença". É possível perceber que não há nenhuma fraqueza nisso e, quanto ao risco, é
bom discutir com o médico e colocar de novo prós e contras na balança.
Bem, isso sem contar com casos em que o sofrimento está tão grande que até impede o
raciocínio e o sentir da vida. Novas coisas, boas experiências ocorrem e não afetam aquela pessoa.
Passam despercebidas. A vida nova começa e a pessoa agoniada, de óculos torno, não vê. Daí, o que
poderia ajudar não ajuda, e ela continua patinando no mesmo lugar, furando o gelo e aumentando o
risco. Pode ser preciso ajuda de medicamentos.
Também tem situações como a de Patrícia: foi pega por uma dolorosa realidade muito
rapidamente. Trabalhava com seu marido, fizeram maus negócios, perderam muito dinheiro e com ele,
muitas outras perdas aconteceram. Desesperado, Tulio tentou o suicídio e, de um momento para outro,
sua vida virou totalmente do avesso. Assim como acontecia com seu marido, sua depressão estava
muito grande, sentia-se sem saída. Sua cabeça mostrava que ainda haviam algumas alternativas. Na
verdade, tinham por onde recomeçar a reorganizar sua vida financeira, mas cadê confiança, força,
pique, esperança! Parecia não ter sobrado nada do seu casamento também! E quantas vezes teria que
dizer não a seus filhos em coisas, até básicas, as quais estavam habituados? E os amigos que se
afastaram? Quanta decepção!
Quanto tempo ainda haveriam de viver num ambiente adverso, gerador de desamparo e difícil
de ser alterado? Como tirar de tudo isso energia para enfrentar este "Kit de Perdas"? Como dar suporte
aos meninos adolescentes?
O mais certo e esperado era a depressão mesmo. Digamos, o mais normal. Mas com ela, seria
cavar o buraco cada vez mais fundo. É aí que a medicação pode ser então necessária novamente, ou
seja, quando se está na presença de ambientes naturais ineficientes ou deficientes, que podem demorar
para serem alterados e, então, promoverem a motivação necessária para seguir em frente.

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Assim, problema psicológico não é frescura, e remédio não é refresco e nem fraqueza! É um
bom recurso quando bem orientado e utilizado. Pode encurtar um processo de mudança, ajudar a
arrebanhar forças para promover as mudanças necessárias. Não é mágico, não "cura", mas pode ajudar
para que aconteça o processo psicoterápico. Mas, alto lá: precisa ser indicado apenas na hora certa, já
que há muita propaganda enganosa dizendo que tal remédio é muito bom, quando na verdade ele ainda
está em fase de experimentação. Há muito ainda que pesquisar para determinar que remédios são
apropriados para que tipos de problemas psicológicos e em que contextos.
Este texto é uma tentativa de quebrar mitos e preconceitos sobre problemas psicológicos, sobre
a psicoterapia e o uso de medicação em transtornos emocionais, entre outros. Tomara que ele tenha
conseguido atingir seu objetivo e ajude a abrir caminhos e relações cada vez mais seguras entre os
clientes e psicoterapeutas, analistas do comportamento.

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O antes, o do meio e o depois

Roosevelt R. Starling1

Pelo barulhão que as colheres faziam nas panelas onde Quitéria preparava o almoço da família,
todo mundo na casa sabia que ela estava num dia daqueles: uma cobra de braba.
—Desgraçado, filho-da-mãe, cachorro, cretino! —resmungava Quitéria, numa ladainha
interminável e repetida, ouvisse quem quisesse ouvir, tapasse os ouvidos quem não quisesse. E, a cada
xingamento, colheradas nas panelas: dês - PÁ! - gra - PAM! - ca - PAF! - do! - BUM!
É que, mais uma vez, o Aleluia, seu marido, havia chegado tarde do trabalho. Bem, não era
bem isso... ou melhor, era isso, mas era mais do que isso, ou era isso e mais do que isso.
Aleluia havia chegado tarde do serviço e com um bafo de água-que-boi-não-bebe que encheu a
casa na horinha mesma em que ele disse um "boa noite" cabreiro, assim meio de lado, dando para
Quitéria aquela olhada de cachorro que rasgou roupa no varal. Sejamos justos: bebum, assim bebunzão
mesmo, estava não.
Altinho, meio-que-besta, meio-mole, alterado... ah!, isso é que sim. Mas, de tudo isso, o que
deixava Quitéria púnica da vida era o "mais uma vez".
— Ó, Aleluia, vou te falando logo... — disse a Quitéria para um Aleluia meio sem graça,
quando aquilo havia acontecido pela segunda ou terceira vez no seu casamento—eu não sou desse tipo
de mulher que briga à toa, que implica com qualquer coisinha. Nem fico vigiando homem meu, não.
Eu cuido das minhas obrigações, eu sou uma mulher direita e o que eu quero de você é a mesma coisa.
Não quero saber de vizinhança minha falando que sou mulher de bêbado e de vagabundo e NÃO
ADMITO, " — e nessa hora Quitéria deu um grito e o Aleluia deu um pulo. — .. .não aceito de jeito
nenhum que filho meu vá passar vergonha na rua por maledicência do pai!
Quitéria era mulher resolvida nesses assuntos, sabia o que era certo fazer. Afinal, tinha visto a
sua mãe, Afonsina, passar pelo mesmo problema com o seu pai. Só que Dona Afonsina foi mansa
demais, entendia demais, perdoava demais. O resultado foi que o pai de Quitéria, de atrasos e goles
com os amigos que ocorriam um dia por ano, passou a fazer isso dois dias por semestre e terminou
chumbando um dia sim e o outro também.
Que vergonha passava a menina e a moça Quitéria! Que raiva tinha! Raiva do pai, raiva dos
amigos do pai, dó da mãe e dó dela. Dó do pai e dos amigos do pai, raiva da mãe e raiva dela. Que
confusão eram os sentimentos de Quitéria. Mas, — Por tudo quanto é mais sagrado na minha casa isso
não vai acontecer, não! — resmungava Quitéria, enquanto marcava a frase batendo com a colher nas
panelas.
A desgraça, meus amigos, é que parecia que tudo ia direitinho pelo mesmo caminho. Dava até
para dizer: tal a mãe, tal a filha. Dava até para acreditar em destino certo. Aleluia era moço bom, mas

1
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais; Docente da Universidade Federal de São
João del-Rei.

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muito simples, de génio aberto, amigo de todo mundo, trabalhador que só ele. Honesto, o Aleluia! Mas
tinha essa coisa de gostar dos amigos que o levavam para o mau caminho, pensava Quitéria.
— Quitéria, Quitéria! Tem dessa de amigo levar a gente para o mau caminho, não, Quitéria!
Pardal não voa com andorinha e nem andorinha com pardal. Má companhia eles são é para você,
Quitéria. Para ele são ótima companhia. Olho no seu marido, minha filha, que o demo está é dentro
dele mesmo: fica com os outros é só pelo prazer da companhia!
Quem lhe disse isso foi a velha Geni, pessoa sabedora e esclarecida das coisas da vida e muito
religiosa, cujo terreiro dava fundo para o de Quitéria desde que ela se mudou para Vista Alegre.
— Será?!!! — pensava Quitéria lá com os seus botões, pois que no fundo sabia que o seu
Aleluia era mesmo um homem bom! Arre, que bom podia até ser, mas Quitéria é que não era boba de
dar moleza. Gato escaldado tem medo de água fria e Quitéria era bem escaldada. A cada vez que
Aleluia saía dos trilhos, Quitéria passava mais de uma semana sem falar com ele. Carinho, então, nem
pensar!
—Fácil para ele, não é? Apronta e depois no outro dia fica todo meloso, todo gato roça-roça,
querendo fazer as pazes! — resmungava Quitéria. Certa vez, até mesmo uma imagem de Nossa
Senhora, igualzinha a que Quitéria sempre admirava na casa da Geni, o Aleluia comprou para ela no
outro dia, depois do quase porre.
—Pois sim! Ele é que espere, para ver o que é bom para a tosse!
Quitéria é que não era mulher de ser dobrada assim tão, tão. Que às vezes o coração dela
amolecia ao ver a cara de coitado do Aleluia, o seu rela-rela meio sem jeito, as suas tentativas de fumar
o cachimbo da paz, ah!, isso amolecia; mas ela endurecia! Podia até ouvir o que havia jurado para si
mesma:—Por tudo quanto é mais sagrado, na minha casa isso não vai acontecer, não!
— Ca - PAM! - cho - PLAF! - rro! - BUM! — Mas, xingando ou não, resmungando ou não,
feliz ou aborrecida, o almoço tinha que sair: comer era preciso. Tinha os meninos, coitados, que não
tinham nada com isso, inocentes que eram!
Aleluia estava mais do que bem acordado! Acordou com um arrepio ao primeiro PAM! que
ouviu. Estremeceu na cama ao PLAF! e virou de barriga-para-cima na cama e ficou olhando para o teto
ao BUM! Ééééé! Mais um dia do cão ia ser aquele. Pior: mais uma semana cachorra ia ser aquela! Ia
até usando o bate-que-bate que vinha da cozinha para fazer a sua rima: se-ma-na-ca-PAM!-cho-
PLAF!-rra-BUM! Êta, mulher braba dos infernos era aquela sua!
Mas fazer o quê? Aleluia gostava dela: que bonita era a sua Quitéria, até mesmo quando estava
com raiva! Mais até quando estava com raiva! Como isso era possível, Aleluia não tinha a menor ideia,
mas que era, era! E lá ficava o Aleluia, conversando com ele mesmo, falando tão baixinho que só ele
ouvia: Aleluia ficava pensando... (porque, quando a gente está "pensando", o que a gente está fazendo
mesmo é ficar falando para a gente mesmo, não é? Igualzinho quando a gente fala com uma outra
pessoa, mas só que, nesse caso, a gente mesmo fala, a gente mesmo ouve, a gente mesmo responde...).
Nós já sabemos que Aleluia era uma pessoa muito simples. Só sabia falar um pouco, portanto,
só sabia pensar um pouco. Seus pais eram muito caladões. Pouco falavam entre eles mesmos e com os
meninos e assim continuaram, a medida que Aleluia crescia. Para falar a verdade, era difícil para
Aleluia saber até o que ele sentia: ele sentia umas "coisas"no corpo dele, um aperto no peito, um nó na
garganta, um frio na barriga. Sabia se eram "coisas" boas ou ruins aquilo que sentia, mas não sabia dar
um nome para elas.
Como poderia? Ninguém havia lhe ensinado que, se a "coisa" fosse assim ou assado, chamava
"medo". Se fosse assado e assim, chamava "alegria", e por aí vai. Aleluia, coitado, só sabia falar um
pouco e por isso não sabia direito o que sentia. Ele sabia que, quando Quitéria ficava braba, ele sentia
certas "coisas" no corpo dele e daí ele ficava falando para ele mesmo que o melhor era sair de perto
dela. Mas quando ele pensava em sair de perto dela, ele sentia outras "coisas" tão ruins que logo
desistia da ideia. E então, quando eleja ia mesmo desistindo, sentia outra "coisa" que lhe fazia pensar
de novo em sair; e quando pensava assim, sentia uma outra "coisa" ainda, muito ruim que, logo, logo,

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o fazia desistir de sair de perto dela; e quando eleja ia mesmo desistindo...
Pois é! Aleluia, em momentos como aquele, ficava que nem um iô-iô: ia e vinha, subia e
descia. E nesse vai-e-vem, nesse sobe-e-desce, como suava o coitado! Ah! Bom mesmo era quando ele
estava com os colegas do serviço dele. Sentia um friozinho na barriga quando pensava no que a
Quitéria faria no outro dia... mas isso, afinal, era só no outro dia! Naquele momento, que bom que era
ficar ali, rindo das piadas que um fazia sobre o outro; comentando os acontecimentos do dia, ouvindo
as estórias dos outros e - por que não?! - tomando, sim, um traguinho ou outro, que Aleluia era homem
de saber até onde ir: nunca havia ficado bêbado em toda a sua vida! Era só para alegrar, para fazer a
conversa ficar mais fácil, para rir mais fácil.
Na verdade, era difícil para Aleluia entender porque Quitéria ficava tão braba. Diacho! Isso
nunca acontecia mais do que uma vez por mês, a maioria das vezes até mais picado ainda! Por que ela
tinha de brigar com ele toda vez? Puxa vida! E aí tinha também essa coisa de ficar brigada uma
semana inteira. Ficava lá, no canto dela: cara amarrada, conversa atravessada, sim-não e não-sim.
Punha a comida na mesa como se estivesse dando comida para os cachorros: puf, paf, trof, assim,
jogada. Nem um dedo de prosa, nem sentar junto, nem mesmo olhar para ele! Chegar perto dela para
um cafuné? Acabou ficando com um frio na barriga só de pensar. Mas o frio na barriga foi só no
começo. Tinha vezes que dava um troço ruim nele que a vontade danada era xingar ela, era brigar com
ela. Depois, ficava jururu, sem graça. Aleluia não era homem de xingar, de brigar. Ficar mais de
esguelha, mais quieto no seu canto, é que era mais do seu jeito. Depois, com o tempo, eleja estava
ficando era só mais afastado, mais arredio, sem nem mesmo tentar fazer as pazes; se não adiantava
mesmo, então para que tentar?
Uma coisa engraçada: cada vez que a semana cachorra acontecia, Aleluia ficava cada vez mais
pensando em que bom mesmo era se ele pudesse estar se divertindo naquela hora com os amigos...!
Não porque ele se sentisse assim tão bem com eles - o que ele sentia sim, se não fosse o frio na
barriga, mas não era só isso, ele sabia - mas mais porque ele estava se sentindo assim tão mal com a
Quitéria, quando ela ficava de ovo virado. Diacho de mulher dura, só: parecia até que quanto mais ele
tentava chegar perto dela, mais ela se afastava dele!
Quando a semana cachorra acontecia, Aleluia sempre pensava também no tio Zé. Porque isso,
ele também não sabia...
Zé de Nadir era um velhote magro, espigado, peão moreno do sol de cada dia. Zé de Nadir não
sabia ler, não sabia escrever; mal sabia fazer conta. Mas, para lidar com a criação, em toda a região
não havia ninguém como ele. Cavalo brabo, que não dava montaria a ninguém, andava como um doce
quando o Zé de Nadir lidava com ele. E o que mais deixava todo mundo de boca aberta: nunca se viu
ou se soube que o Zé usasse espora ou chicote. Como podia?
Cachorrada então, nem falar: quando o Zé chegava no terreiro, era uma alegria só! Vinha tudo
correndo, tudo querendo um carinho, tudo pulando. Zé ria muito quando isso acontecia. Dava um
carinho para um aqui, uni pedacinho de pão ali, um assovio doce acolá. Pessoa curiosa, Zé de Nadir
era também muito severo, muito positivo. Quando lhe pediam as coisas, Zé podia dizer "sim" com mel
na boca e o danado podia também dizer "não" com o mesmo mel. Onde já se viu isso?! Até parecia
que o Zé não ligava muito para as pessoas. Bem, não é que não ligava; ligava, mas ligava de um jeito
diferente.
Havia quem gostasse muito do Zé e havia quem não gostasse do Zé. Mas todos acabavam por
respeitá-lo, por ouvir o que ele falava. É que, com o jeito do Zé, a gente não precisava ficar
imaginando o que ele queria dizer; quando ele dizia, o que ele queria dizer era o que ele dizia, ora! Até
mesmo Dona Geni já havia filosofado sobre isso:
— No Zé de Nadir a gente pode se fiar. Quando ele fala "sim", a gente confia, porque a gente
sabe que, se ele quiser, ele dá conta de dizer "não". Então, o "sim" dele tem valor, não é?".
Acontece que Zé de Nadir era sobrinho de Dona Afonsina, mãe de Quitéria. E, por essa e
outras tantas, acabou por ser convidado e por aceitar ser padrinho do filho mais velho dela, coisa que
deu a Quitéria

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muita alegria, pois, embora ela não entendesse direito porque é que toda a gente o respeitava, o fato era
que toda gente o respeitava - inclusive Quitéria - e sempre se soube que o afilhado puxa o padrinho.
Ele não era querido por todo mundo, mas e daí? Quem é que era?
Mas também, embora existisse quem não gostasse dele, esse não gostar não era muito grande,
porque Zé de Nadir não se intrometia na vida dos outros, não se via nele intento de prejudicar os
outros. O que mais parecia é que ele estava mesmo era cuidando principalmente dele e já não se disse
que a gente precisa amar o próximo como a gente ama a gente mesmo? Pois é: se a gente não cuida
bem da gente, como pode amar os outros direito? De qualquer jeito, gostado ou não, "Seu" Zé de Nadir
era ouvido por todo mundo e, afinal, até mesmo a Geni já havia falado sobre isso com respeito e
sabedoria. Talvez o seu filho Renato pudesse crescer e ser tão respeitado quanto o padrinho!
Vocês sabem que coisa boa não tem hora de acontecer e nem o vento pede licença para ventar.
Não é que naquele mesmo dia em que Quitéria resolvia parte da sua raiva dando colheradas nas pobres
das panelas, Zé de Nadir precisou ir ao vilarejo e resolveu visitar os compadres e levar uns ovos para o
afilhado? Quando Zé de Nadir ia visitar o afilhado, sempre levava alguma coisinha para ele. Coisa
pouca, é verdade, mas demonstrava sempre consideração, sempre lembrança, sempre afeto.
Das vezes em que não levava nada, Zé de Nadir levava para o afilhado uma coisa que era
muito dele: ele conversava com o afilhado. Falava, coisa que quase todo mundo faz, mas também
ouvia, coisa que muito pouca gente faz. Pequeno que fosse o Renato, boba que fosse a conversa, ele
ouvia o afilhado e respondia que nem se estivesse falando com gente grande! Ah! Como brilhavam os
olhinhos do Renato quando ele estava conversando com o padrinho! Como ficava alegre sempre que o
via chegar! Dava até uma pontadinha de ciúme em Quitéria, que não era lá de dar muita trela para
menino.
Não me entendam mal: Quitéria amava os seus filhos, e amava muito. Mas ela havia aprendido
que dar muita trela para menino não era bom, porque eles perdiam o respeito. O mistério é que Zé de
Nadir dava trela e os meninos não perdiam o respeito: parecia até que aumentava, coisa esquisita!
Bem, cada um tem seu jeito: Quitéria era Quitéria e sabia o que fazia. Que ela ficava
incomodada quando via o Renato todo chegado ao padrinho, ficava. Porque ele não fazia isso com ela,
se ela amava tanto os filhos? Pensando nisso, porque até mesmo o Aleluia ficava babando o tio Zé e
raramente ficava babão com ela, a não ser quando ele queria fazer as pazes?
Pensando ainda melhor, porque é que embora todo mundo sempre dissesse que ela era uma
mulher muito honesta, muito direita, um exemplo para os outros, pouca gente chegava perto dela para
bater um papo, para jogar conversa fora? E pensando um pouco melhor ainda, porque tanta gente
falava tão bem dela e tão pouca gente ficava amiga dela?
Quando Quitéria pensava nessas coisas - o que não acontecia muitas vezes, é verdade - ela
sentia coisas muito esquisitas: sentia um nó na garganta, sentia um aperto no peito, os olhos
marejavam água. Aí então Quitéria tratava logo de pensar outras coisas; melhor era quando tinha pela
frente uma panela e nas mãos uma colher e aí... bem, vocês já sabem: PAF! PAM! BUM!
—Dia, sobrinha, licença! — dizia o tio Zé, enquanto parava na soleira da porta da cozinha.
— Entra, tio! Chegou na horinha. Acabei de passar o café! — Quitéria sorria para o tio. Mas os
seus olhos não sorriram. A voz de Quitéria foi educada, passava até mesmo um certo entusiasmo, mas
as sobrancelhas estavam franzidas, as costas duras, os movimentos duros e Zé de Nadir, enquanto ia
chegando, havia bem escutado o paf, pam, bum da colher nas panelas e o resmungo que as
acompanhava.
Uma coisa é preciso dizer: embora ela ficasse muitas vezes incomodada com o jeito meio
diferente do Zé de Nadir, e ainda que ela não desse mesmo conta de entender aquela pessoa, tão perto
dela no sangue e tão distante no jeito, Quitéria acabava por gostar das visitas do tio, mesmo que fosse
de um jeito enviesado. O fato é que ele conversava com ela também e, como já vimos, isso não
acontecia muito na vida de Quitéria.
É que Quitéria não era mulher de confidências e mexericos. Não gostava de fazer, não gostava
de ouvir. Achava que cada um deve dar conta das suas coisas sozinho e que a gente não deve amolar

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ninguém com os problemas da gente. Havia aprendido isso com a sua mãe, que havia aprendido isso
com a sua avó, que havia aprendido isso com a sua bisavó e, então, Quitéria fazia assim e pronto! Na
verdade, até que, quando mocinha, ela havia sentido falta de ter alguém com quem poder falar daquilo
que andava pensando, daquilo que andava sentindo. Mas foi quando conheceu o Aleluia e ficou
encantada com ele que ela desobedeceu a sua regra; uma vezinha só! Contou para irmã, que contou
para a outra irmã, que contou para a mãe, que contou para o pai, que criou um caso danado até
entender que focinho de porco não era tomada e que o Aleluia, afinal, era um moço bom e que não
estava a fim de se aproveitar da filha.
Daí para frente, e pelo sim ou pelo não, Quitaria juntou a regra com a experiência: em boca
calada não entra mosquito! Verdade! Não entra nem mosquito, nem doce, nem quitanda, nem
chocolate: em boca fechada não entra nada! Mas a essa outra parte da boca fechada, Quitéria não
estava atenta e, assim, se calada era, mais calada ficou. Às vezes, quando as coisas apertavam, sentia
até um comichão na língua, mas, na mesma hora, se lembrava da encrenca do Aleluia e acabava por
seguir a sua regra: boca fechada!
Como já lhes contei, Zé de Nadir era danado de esperto. Nada do que havia visto havia
escapado aos seus olhos. Gostava de Quitéria. Doeu-lhe ver aquele jeito dela, o de falar uma coisa com
a boca e outra com o corpo. O que poderia ter acontecido? Já tinha percebido antes - poucas vezes, é
verdade -um certo clima mais pesado entre o casal, certos silêncios cheios de falta de graça,
preenchidos custosamente por comentários de ocasião.
Mas até aquele dia jamais havia visto Quitéria tão afetada! E onde estava o sobrinho
emprestado, o Aleluia? E o seu afilhado, Renato? Não os viu e nem perguntou por eles. Haveria
tempo. Primeiro, Quitéria, que era quem estava ali e que parecia não estar lá muito contente.
— Ô, tio, o senhor fica para o almoço, não fica?—disse Quitéria. Zé de Nadir olhou e viu:
mais uma vez, a boca sorria; os olhos não.
Zé de Nadir não era pessoa de ficar encucada com esse tipo de coisa. A maioria das gentes,
eleja havia notado, parece que pensa que tudo o que acontece no mundo acontece só por causa delas.
Ou, se não pensa assim, age como se pensasse. Se alguém está de cara amarrada, é por causa delas; se
alguém as cumprimenta meio de lado, é por causa de alguma coisa que elas "acham" que o outro
"acha" que elas fizeram; se um convidado não vai a uma festa, é porque ele não gosta de quem
convidou, e por ai vai. Coisa engraçada: é como se o outro não tivesse uma vida dele, como se tudo o
que acontecesse com o outro tivesse a ver comigo! Parecia até que cada um pensava que ele era a única
fonte do bem e do mal no mundo!
Zé de Nadir, por sua vez, sabia que não era bem assim. Sabia disso porque gostava de observar
o que ele mesmo fazia. Muitas vezes, Zé de Nadir estava de cara amarrada porque tinha muitas contas
e pouco dinheiro; cumprimentava alguém meio brusco porque estava com muita pressa; não ia a uma
festa porque precisava cuidar de algum serviço urgente ou, às vezes, porque simplesmente estava
cansado demais: não tinha nada a ver com o outro!
— Ora, — falava Zé de Nadir com os seus botões — se isso funciona assim comigo, porque
seria diferente com as outras gentes? Por acaso eu não sou como eles? Não sou semelhante?
E, assim, Zé de Nadir não tomava como ofensa o que podia não ser ofensa. Dava tempo ao
tempo, deixava a água correr solta e ia observando a espuma... se fosse com ele, cedo ou tarde saberia.
Foi por isso que aquele jeito de Quitéria, diferente do habitual, não o preocupou muito.
— Fico sim, Quitéria. Obrigado! Você sabe que nunca resisto a sua comida: seu tempero é
especial de bom.
Quitéria gostou de ouvir isso; gostou mais ainda porque quem estava falando era o Zé de
Nadir. Ela se lembrou de uma vez que havia lhe servido um café e lhe perguntou se estava bom. Ele
respondeu que sim, mas que preferia o café um pouco mais forte. Então? Se ele estava falando que
gostava do tempero do jeito que ela fazia... ora, é porque ele gostava do tempero do jeito que ela fazia!
Éééé; Zé de Nadir não era uma pessoa difícil de lidar, se a gente entendesse o jeito dele. Na

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verdade, agora que ela pensava nisso, Zé de Nadir era até mesmo mais fácil de lidar do que a maioria
das pessoas, que quase nunca falam o que querem, o que gostam, e a gente tem que ficar adivinhando;
trabalheira besta!
— Então eu vou pegar um franguinho no terreiro para fazer um molho pardo que acho que o
senhor vai gostar muito.
— Bobagem, Quitéria. Precisa ir buscar o frango, não. É frango de casa, não é? Então! Chama
ele, que ele mesmo vem para cá.
Ô, tio. Lá vem o senhor de novo com as suas ideias...—respondeu Quitéria que, naquele dia,
não estava lá muito paciente com novidades.
Zé de Nadir riu uma risada gostosa, daquelas que só sabe dar quem sabe também chorar de
vez em quando. Não falou nada. Foi até a beira do fogão, tirou com uma colher um pouco de angu, foi
para a porta do terreiro e chamou:
—Pruu, tchiu, tchiu; pruuuu, tchiu, tchiu, tchiu...! — Na mesma hora, a galinhada veio toda
correndo para a porta. Zé de Nadir jogou uma bolinha de angu para elas e, picando o resto nas mãos,
fez um caminhozinho de bolinhas de angu. Logo, logo, tinha três ou quatro frangotes no chão da
cozinha.
— Algum desses serve, Quitéria? — perguntou-lhe o tio Zé.
— Aquele ali, o de pescoço pelado, está bom, tio. — respondeu Quitéria, que estava entretida,
porque nunca havia pensado naquele jeito esquisito de pegar frango.
Zé de Nadir, que já havia fechado a porta que dava da cozinha para a sala, fechou a porta do
quintal, enquanto não parava de jogar umas bolinhas de angu para entreter os frangos que ficaram
presos na cozinha. Pegou um balaio, segurou uma das beiradas dele com uma mão
e o emborcou, com a outra beirada apoiada no chão. Continuou jogando bolinhas de angu, fazendo um
caminho para debaixo do balaio. Quando todos os quatro frangotes estavam lá, vupt!, ele deixou cair o
balaio.
"Cocoricó" para cá, "cocoricó" para lá.. . . mas já era tarde. Zé de Nadir enfiou a mão por
baixo do balaio e deu sorte: o primeiro frangote que pegou era o do pescoço pelado, que foi
triunfantemente entregue nas mãos de Quitaria.
Zé de Nadir, como já lhes contei, não era estudado. O que o tio Zé da Quitéria sabia fazer
muito bem, era olhar para as coisas e para as pessoas e ver, porque tem gente que olha, mas não vê.
Não era só olhar só assim, com os olhos da cara, não! Parecia que ele olhava com o corpo todo: atento
que nem uma garça quando vê o peixe na água. De tanto olhar e ver, "Seu" Zé, tio Zé ou Zé de Nadir,
que afinal é uma pessoa só, começou a falar para ele mesmo de um jeito pouco comum. Ele não ficava
pensando se fulano era assim ou assado, se ele fazia isso ou aquilo porque gostava ou porque queria.
Talvez por lidar com a criação desde pequenininho, com bichos, que não falam com a boca e
nem são assim ou assado - ou, se são, o povo não diz por seguro que são e nem a gente pode saber ao
certo; e que se gostam ou se querem alguma coisa a gente também não sabe ao certo, porque só de ver
não dá para saber o que acontece ou não dentro deles - o que Zé de Nadir fazia era ficar observando,
vendo o que acontecia no mundo a cada vez, antes que as galinhas corressem para um lugar só, que
nem um bando formigas em correição. Observava o que estava acontecendo no mundo antes de cada
vez que um cavalo refugava um salto, antes de cada vez que um boi ameaçava dar uma chifrada. Era
simples assim!
Zé de Nadir olhava, via, observava e aprendia. Por exemplo, toda vez que se jogava comida
numa direção, a galinhada toda corria para aquele lugar. Talvez elas quisessem, talvez elas gostassem;
isso não se pode saber, pois, afinal, quem é que já entrou dentro de uma galinha para ver o que ela
gosta ou quer? O que o Zé de Nadir sabia ao certo era que, ao cair da tarde, era preciso que a galinhada
entrasse no galinheiro. Isso era bom para o Zé, porque assim os gambás e as raposas não comiam as
suas galinhas.
Assim, quando Zé de Nadir queria que as galinhas entrassem no galinheiro, ora, ele jogava a

20
comida lá dentro e depois fechava a porta e pronto! Dava certo e, por isso, o Zé de Nadir fazia isso
sempre. Ficar
tocando as galinhas, gritando "chô!, chô!" era muito mais complicado, demorava mais e, na maioria
das vezes, algumas galinhas burras acabavam fugindo para o mato, o que dava mais trabalho ainda.
Melhor mesmo jogar a comida no lugar que ele queria que elas fossem.
E quando um boi ameaçava dar uma cabeçada? Ah, alguma coisa acontecia antes, alguma
coisa que assustava ou ameaçava o boi. Se essa coisa que assustava o boi pudesse ser evitada, talvez o
boi não desse mais cabeçadas, pensava Zé de Nadir. Se dava certo com todas as outras coisas que
podiam assustar um boi, Zé de Nadir não sabia, mas ele passou a chegar mansinho, sempre que ia
recolher os bois. Já de longe, começava a cantar o aboio, aqueles cantos sem palavras, mas que
pareciam acalmar os bois: — Ôôôô... ei boi... chum, chum, chuuum!".
Cantava suave, espichando os sons, meloso. Como a estória da comida dava certo com as
galinhas, Zé de Nadir pensou que talvez desse certo também com os bois e, por isso, sempre levava um
pouco de sal ou um punhado de milho no bolso. Tirava o sal do embornal e, enquanto ia chegando
devagar e cantando o aboio, acenava delicadamente a mão, com o sal ou o milho na palma aberta, na
direção do boi. E não é que o danado vinha? Vinha bonito, sem dar cabeçada nem nada. Nem sempre
dava certo, é verdade. Mas dava mais certo do que dava errado e, por isso, Zé de Nadir continuava
fazendo isso.
Voltemos à cozinha de Quitéria. Mal havia acabado de passar o frango para a sobrinha quando
Zé de Nadir ouviu o raspar suave das patas do Pastéis, arranhando a porta do terreiro. Pastéis era um
cachorrinho vira-latas que, um dia, chegou em casa seguindo o Aleluia.
Aleluia e seus amigos estavam num dos papos de fim de serviço, comendo pastéis como tira-
gosto e forra-barriga, quando aquele cachorrinho, magrelo e assustado, aproximou-se da mesa para
lamber os farelos que haviam caído no chão.
Já lhes disse que Aleluia era um homem bom. Ele não vacilou: tirou um pedaço do pastel que
estava comendo e deu para o cãozinho que, faminto como estava, o devorou de uma só vez.
— Pouco para mim, pouco para ele! —pensou Aleluia. Com o trocado que lhe sobrara do leite
que comprara para levar para casa, comprou um pastel inteirinho só para o cachorrinho. Isso foi o
quanto bastou para que o cachorrinho o acompanhasse, quando finalmente Aleluia se levantou para ir
para casa. E não houve xingamento ou ameaça que o fizesse desistir. Cada vez que Aleluia se virava e
numa raiva fingida batia o pé para afastar o cãozinho, o cãozinho dava uma paradinha. . . ficava
olhando meio duvidoso. . . e recomeçava a acompanhar o Aleluia.
Não teve jeito. Quando Aleluia acordou no dia seguinte, lá estava o Pastéis, dormindo enrolado
na soleira da porta da sua casa e tiritando de frio. Isso foi demais para o Aleluia! Mesmo com medo da
reação de Quitéria, Aleluia foi pé ante pé até a cozinha, pegou um bom naco de angu, pôs numa folha
de bananeira e levou para o Pastéis. Pensava em lhe dar o café da manhã e, logo depois, ver se
arrumava um bom dono para ele.
Pensava! Nesse meio tempo, Renato e Rubens, seus filhos, vieram ver o que o pai fazia e o
encontro deles com o Pastéis foi o início de um amor para o resto da vida, que nem mesmo o azedume
de Quitéria, que resmungou alguma coisa sobre "vagabundo atrair vagabundo", foi poderoso o bastante
para impedir. Ficou então combinado que as crianças poderiam ficar com o Pastéis, mas só se eles
mesmos cuidassem dele.
— E ele que fique morando no paiol, se quiser. — disse Quitéria, severa como sempre. — Por
tudo o que é mais sagrado, eu NÃO ADMITO cachorro vagabundo dentro da minha casa! — falou,
enquanto o seu olhar fulminante procurava o Aleluia, que nessa altura já estava meio encolhido num
canto da sala, na esperança secreta de ficar invisível enquanto a patroa e os meninos resolvessem o
problema lá entre eles.
Quando o pai contou a história do encontro, ninguém teve dúvida: o cachorrinho iria se
chamar Pastéis.

21
Pastéis ficava sempre fora de casa, como combinado, mas havia duas ocasiões em que essa
regra podia ser desobedecida sem maiores riscos: a primeira quando Quitéria estava com evidente bom
humor. Nesses raros dias, Aleluia costumava ficar na cozinha, sentado no banquinho de madeira perto
do fogão, olhando a sua Quitéria vivendo -como ele gostava disso! Era então permitido ao Pastéis
entrar na cozinha e enroscar-se aos pés de Aleluia. A segunda era por ocasião das visitas do tio Zé.
Zé de Nadir tinha mesmo um jeito especial com criação e, para lhes provar isso, conto uma
história. Pastéis tinha uma mania danada de chata: tentava lamber a mão dos amigos. Coisa de
cachorro, vocês sabem como é. Até mesmo o Aleluia já tinha passado vários pitos e dado mais de uma
cocada no Pastéis por causa disso. Quitéria, afinal, não devia ser amiga no entender do Pastéis. Ele só
tentou lamber a mão dela uma vez.
Foi uma tapona no focinho que nunca mais, para orgulho de Quitéria, que julgava saber lidar
com bicho e com gente.
Pastéis lambia a mão de todo mundo que era amigo, menos a do Zé de Nadir. Não que tivesse
sido assim desde o começo. O que aconteceu desde o começo foi que o Pastéis se tomou de amores
pelo tio Zé, coisa bastante impressionante, porque o tio Zé nem mesmo festa para ele fez, quando o
conheceu. Simplesmente chegou, como era do seu costume e, quando estava parado na soleira da porta
da cozinha, viu o cachorrinho que, avançando e recuando, tentava se aproximar dele. Não fez nada.
Ficou ali... parado.
Com o tempo, Pastéis acabou sendo vencido pela curiosidade. Aproximou-se e cheirou a barra
da calça do tio Zé. Foi só aí então que o tio Zé olhou mesmo para o Pastéis e lhe esfregou a cabeça.
Mais nada. A partir desse dia, era o tio Zé chegar, era o Pastéis se aproximar. Quitéria, por severa e
correta que fosse, também respeitava o tio Zé e, se o Pastéis podia às vezes ficar na cozinha, perto do
Aleluia, ora, podia também ficar lá perto do tio Zé.
E lá ficavam, o Pastéis e o tio Zé, lado a lado. Com a amizade crescendo, tio Zé ficava lá na
cozinha, sentado, olhando, vendo, conversando e quase sempre deixava a mão cair e coçava a orelha
do Pastéis, roçava sua cabeça. Era evidente a alegria do Pastéis! E, acreditem, o Pastéis não tentava
lamber a mão do tio Zé nem uma vez!
Pois é; tenho que repetir: Zé de Nadir era mesmo danado de observador. Vocês já sabem da
história de como ele achou um jeito diferente de lidar com as galinhas e os bois. Bem, talvez não um
jeito diferente, porque outras pessoas também faziam isso. Mas a maioria fazia isso porque dava certo.
Só por isso.
Que eu saiba, nenhum deles tinha pensado sobre isso do jeito que Zé de Nadir havia pensado.
Ora, se pensar é falar com a gente mesmo, então o que Zé de Nadir sabia era falar sobre aquilo que
fazia. Cada vez que uma situação parecida com aquela acontecia, Zé de Nadir se lembrava e tentava
falar sobre ela do mesmo jeito. Experimentava. Funcionava quase sempre.
Assim, Zé de Nadir não precisava ficar aprendendo primeiro como lidar com galinhas, depois
como lidar com bois, depois como lidar com cavalos, um de cada vez e como se uma coisa não tivesse
nada a ver com a outra. Ele podia passar de uma coisa que dava certo com um direto para o outro,
ganhando tempo.
Zé de Nadir já havia aprendido que algumas coisas que acontecem no mundo antes de algumas
outras coisas podem até mesmo servir para a gente saber se a outra coisa vai acontecer. Se cada vez
que um bichinho voa na direção do rosto da gente, a gente pisca o olho, então, se eu vejo um bichinho
voado na direção do rosto de um amigo meu, eu posso quase apostar que ele vai piscar o olho. Mais
até do que isso: e se eu quiser que ele pisque o olho? Fácil: pego um pedacinho de papel e sopro na
direção do rosto dele: ele pisca o olho!
Mas e o que acontece depois que alguém faz alguma coisa? Faz diferença? Assim: eu jogo a
comida para as galinhas. Isso é o antes. As galinhas correm na direção da comida, isso é o "do meio",
aquilo que as galinhas fazem. E o que acontece depois? Ora, as galinhas comem a comida. E se eu
jogasse uma coisa que elas não pudessem comer? O que aconteceria?

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É claro, vocês já adivinharam! Danado de ativo, Zé de Nadir tratou de fazer uma experiência,
que não é coisa só para cientista, não; é coisa para qualquer um que não fica só repetindo o que
aprendeu: gente que é inteligente. Ele então trocou os grãos de milho por pedrinhas do mesmo
tamanho e quase da mesma cor. Tendo feito isso, ele chegava e fazia o antes igualzinho como se fosse
jogar o milho, mas jogava as pedrinhas.
E adiantava? No começo sim. Toda vez que ele jogava as pedrinhas, lá ia a galinhada em
disparada na direção delas. Algumas até mesmo tentavam bicar as pedrinhas. E de outra vez: a mesma
coisa. E de outra. E ainda de outra. E de muitas outras. Mas, Zé de Nadir observou, já não eram mais
todas as galinhas que saiam correndo. Umas, sim, saiam correndo sempre. Mas uma parte delas, depois
de muitas pedrinhas jogadas, já não corria mais. Até que iam, mas parecia que iam mais para conferir
do que pondo fé...
Zé de Nadir insistiu nisso. Estava curioso. Queria saber por quanto tempo as galinhas poderiam
ser enganadas. Zé de Nadir descobriu que elas podiam ser enganadas por um bom tempo, mas não
todas elas e nem o tempo todo. Já no finalzinho da experiência, quase galinha nenhuma caia mais nessa
esparrela, pelo menos não quando era ele quem jogava as pedrinhas...
Mas vejam a novidade da experiência: Zé de Nadir já havia descoberto que certas coisas que
acontecem no mundo antes fazem diferença para o que as galinhas fazem ou deixam de fazer, o do
meio. Eleja sabia que jogar o milho fazia com que as galinhas corressem na direção em que eles caíam.
Então, o antes influenciava o do meio, o que as galinhas faziam.
Mas quando ele começou a se perguntar sobre o depois, se o que acontecia depois do do meio
tinha também alguma influência no do meio, uma coisa engraçada aconteceu: ele fez o antes
igualzinho como sempre fazia e esse antes passou a não dar mais o mesmo resultado. Será que era
porque o depois era diferente: no lugar de comida, as galinhas encontravam pedrinhas? Então, o que as
galinhas faziam, o do meio, podia mudar, conforme o que acontecesse antes e também conforme o que
acontecesse depois?
Só tinha um jeito de saber: Zé de Nadir voltou a jogar o milho! E não é que bem mais depressa
do que haviam parado de correr na direção da "comida" falsa elas voltaram a correr na direção da
comida verdadeira?! E nisso tudo ele não tinha mudado o antes. Só mudou o depois e isso fez
diferença: o do meio também mudava, quando o depois mudava!
A partir daí, é claro que se Zé de Nadir já estava atento ao que acontecia antes, ficou também
muito atento ao que acontecia depois que alguém fazia alguma coisa.
Alguém: bicho ou gente! Zé de Nadir sabia, é claro, que bicho é bicho e que gente é gente.
Mas que diacho, porque o que funcionava com um tinha que não funcionar com o outro? Como se
fosse uma espécie de obrigação? Bem, é claro que gente e bicho não são iguais. Mas são tão desiguais
assim? Tem muita coisa que eles fazem até de maneira diferente da gente, mas no fundo fazem como a
gente faz: por exemplo, comem, dormem, correm, gritam quando se machucam, saram quando tomam
algum remédio... será?!
Sabido Zé de Nadir era, mas ele era também muito humilde: queria aprender mais. Por isso,
ele começou a fazer algumas experiências e viu que, em muitas delas, bicho e gente não eram assim
tão diferentes.
Por exemplo, quando a sobrinhada dele ia visitar o sítio, Zé de Nadir costumava pôr a mesa do
café e gritar para a meninada que estava brincando no terreiro: — Hora da bóia, geeente!!! — e não era
que a meninada vinha correndo para dentro que nem as galinhas?! Éééé; pelo menos nisso não
pareciam ser assim tão diferentes...
Pastéis! Como tudo indicava que o Pastéis desde logo incluiu o tio Zé na lista dos seus amigos,
é claro que ele tentou lamber a mão do Zé de Nadir. E foi aí que a diferença mais uma vez apareceu.
Zé de Nadir já havia observado a luta do povo da casa com as lambidas do Pastéis. Já tinha
visto que os xingamentos e as cocadas na cabeça adiantavam sim, mas só por algum tempo. Já tinha

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visto isso acontecer com o Pastéis e em muitas outras situações. Por exemplo, Zé de Nadir se lembrava
que o seu pai sempre brigava com ele porque ele não gostava de estudar. Quando o pai brigava com
ele, por um ou dois dias até que ele se sentava lá com o livrinho na mão, fazia umas garatujas no
caderno, ficava mais quieto. Mas só por alguns dias. Era só pai se esquecer de ficar de cima dele que
ele também se esquecia de estudar e, com pouco tempo, lá estava ele de novo, mexendo com a criação
no lugar de fazer o dever da escola! E de muitos outros exemplos Zé de Nadir se lembrou.
— Éééé; — falava consigo mesmo o Zé de Nadir.—pancada, xingamento e bom conselho são
tudo o que todo mundo costuma ganhar quando faz alguma coisa errada! Se pancada, xingamento e
bom conselho fossem bons para mudar o mundo, o mundo então já não devia estar mudado? Não era
esse o remédio que vinha sendo distribuído com tanta fartura desde que o mundo era mundo? Não era
esse o depois que acontecia quando alguém errava? Então? Porque o mundo continuava tão difícil? Por
que a gente continuava a fazer coisas que machucavam pessoas que na maior parte das vezes a gente
não queria machucar? Por que a gente continuava a fazer coisas que sabia que não devia, que até
mesmo não queria e ainda assim fazia? Por falta de pancada, xingamento e bom conselho é que não é!
Zé de Nadir pensou então que se ele fizesse igual aos outros, dando pancada, xingamento e
bom conselho - embora ele acreditasse que não ia ter jeito de dar bom conselho para um cachorro -
porque haveria ele de obter resultados diferentes dos outros? O mais certo é que tudo ia ficar que nem
o que acontecia com os outros: lambida, cocada; passa um pouquinho de tempo, é lá vem tudo de novo:
lambida, cocada... lambida, cocada, um tico de tempo e mais lambida e cocada... sem parar...
Zé de Nadir resolveu então fazer diferente. Quem sabe se ele pudesse mudar o antes e o
depois, o do meio ficava diferente? O do meio, aquilo que o outro faz e que a gente preferiria que
mudasse, a lambida do Pastéis. Quem sabe? E se não desse para mudar o antes, quem sabe se então ele
mudasse somente o depois ainda assim o do meio mudaria?
Quando o Pastéis tentou a sua primeira lambida, Zé de Nadir não fez nada: não xingou, não
bateu. Somente tirou a mão de perto da cara do Pastéis e ficou de olho. Passado um pouquinho, Pastéis
desistiu de ficar com a cabeça levantada e a pôs entre as patinhas. Zé de Nadir então baixou de novo a
sua mão e fez um agrado na cabeça do cachorrinho. Pastéis tentou outra lambida. Zé de Nadir tirou de
novo a mão e deu um tempo nem ligando para o Pastéis. Quando novamente o Pastéis ficou quieto, Zé
de Nadir baixou de novo as mãos e deu um agrado nas orelhas do Pastéis. Mais uma tentativa de
lambida, mais uma retirada da mão. E assim foi. Uma, duas, dez vezes! Se o jogo era de paciência, Zé
de Nadir tinha boas chances de ganhar! O que Zé de Nadir fez foi só isso: só fazia carinho no
Pastéis quando ele passava um tempo sem tentar lamber a sua mão e quando ele estava fazendo
alguma coisa que não incomodava.
O que aconteceu? Cada vez menos o Pastéis tentava lamber a mão do Zé de Nadir. Cada vez
mais ele ficava quietinho, só aproveitando do carinho. E isso foi... foi... até que, depois de algum
tempo o Pastéis nem mesmo tentava lamber a mão do Zé de Nadir.
Ahá! Vejo que alguns de vocês parecem estar duvidando desse fazer diferente\ Está certo:
quando uma coisa nova aparece, a gente fica mesmo sem saber ao certo se pega ou se larga. Mas existe
uma saída: faço um desafio a vocês! Não acreditem mesmo nisso: experimentem vocês mesmos e
depois me contem.
Afinal, para saber se um bolo é mesmo bom, só tem um jeito: provar um pedaço dele, não é
mesmo? Fazer a prova! Quem fizer a prova saberá. Quem não fizer... bem, quem não fizer não vai ter
como saber, não é mesmo? Vai poder é só ficar discutindo num sem fim: será que sim, será que não...
será que não, será que sim?
Meus amigos, essa vida pode ser muito engraçada! Tem dias em que a gente se levanta de
manhã e é tudo igualzinho a qualquer outro dia: o mesmo sol, a mesma sensação da água fria no rosto,
o mesmo gosto do primeiro cafezinho. E aí, sem mais nem menos, BUM!, tudo muda. Cai a panela no
pé da gente e lá vamos nós, não mais para o trabalho ou para a escola, mas para o médico! E quando,

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às vezes, a gente chega perto de uma amigo e diz para ele, como sempre diz: "Fulano, tudo bem com
você?" E aí ele cai num chororô de dar dó, de cortar o coração? Pois é; uma coisinha de nada, um
preguinho mais besta que se solta numa escada... e tudo muda da água para o vinho, do fogo para o
gelo.
Não é que foi a danada da lambida do Pastéis, lambida que por sinal nem aconteceu, que foi o
BUM! da Quitéria naquele dia? Tudo muito igual: tio Zé chega, tio Zé senta. Pastéis entra, Pastéis se
enrosca aos pés do tio Zé. Tio Zé baixa a mão, tio Zé esfrega a cabeça do Pastéis e o Pastéis nem
tentou lamber a mão do tio Zé.
Foi só isso o que a Quitéria viu. Coisa que já havia visto antes, muitas e muitas vezes. Mas,
sejamos justos, nunca havia visto aquilo com a mesma quantidade de raiva que ela estava sentindo
naquele dia e naquela hora. E então... BUM!
Quitéria explodiu! A primeira coisa que Quitéria sentiu foi um fogo subindo do peito para a
cabeça. A cabeça inchou, parecia. A vista turvou: Quitéria viu tudo vermelho. Ela nem mesmo
percebeu que havia cambaleado na beira do fogão e que agora estava sentada no banquinho, ao lado
do tio Zé. Nem percebeu que estava tremendo, nem percebeu que estava chorando até ouvir um
barulho estranho. Com esforço, descobriu que o barulho era o do seu choro e que a água que pingava
nas suas mãos era a das suas lágrimas.
Foi a custo que Quitéria se deu conta de que o tio Zé havia passado o braço nos ombros dela e
que ela, com a sua cabeça apoiada nos ombros do tio, chorava com o abandono e a inocência de uma
criança. Fundo... sentido! Foram só alguns instantes, mas, para a Quitéria, duraram uma vida!
— Por que, por que, POR QUE, meu Deus?—se perguntava ela
— Por que comigo, que sou tão correta, tão direita, que faço tudo tão direitinho, que nunca deixei uma
obrigação minha por cumprir? Por que até o raio desse cachorro não chega perto de mim e, da única
vez que chegou, quis me lamber? Por que todo mundo corre para ver o tio Zé quando ele chega, até
essa droga de cachorro? E por que essa droga de cachorro pelo menos não TENTA lamber as mãos
dele?!!!
E enquanto Quitéria achava que estava "pensando isso", ela estava falando isso! Falando
mesmo, em voz alta. Isso e muito mais. Como numa enxurrada de chuva forte, Quitéria estava falando
da sua tristeza com o Aleluia. Contando suas raivas, suas tentativas de mudar aquele comportamento
do Aleluia que tanto a desagradava, do medo que tinha de viver outra vez o que a sua mãe vivera, de
que os seus filhos sofressem o que ela sofrera!
Zé de Nadir já havia lidado com chifradas de boi assustado, lembram-se? Quietinho, ele ficava
só esfregando o ombro de sua sobrinha, suave, amigo. E quando a torrente virou um riozinho fraco, ele
começou a fazer o seu aboio: — Shhh! Chora, Quita, que isso é bom... o choro é o banho da alma...
shhhh.—E assim ia: sons sem sentido, palavras amigas, licença para sofrer, licença para doer...
Como toda enxurrada, esta também aos poucos foi se acalmando
- acalmando... até virar um riachinho manso, onde a água continuava a correr, mas a correr sem
pressa... só correndo, assim por correr. Foi aí que o tio Zé começou a falar. Tão manso quanto antes,
mas, agora, uma firmeza nova estava nas suas palavras, no tom da sua voz. Tudo tendo ouvido,
pensando no antes, no do meio e no depois, tio Zé falava.
Ninguém ali era boi ou galinha. Era gente e gente que ele amava e ele sabia disso. Mas sabia
também que o que ele sabia com a força da experiência era o melhor que ele podia oferecer. O antes, o
do meio e o depois. O antes, o do meio e o depois...
O antes...! Aleluia cansado do trabalho. Aleluia saindo com os amigos, a conversa amiga, a
camaradagem. A passagem em frente ao boteco. A cara amiga do Cuca, o dono do boteco, sorrindo de
gosto.
O do meio...! A parada no balcão para o papo sem compromisso e um trago da "branca". Só
um traguinho. Tão bom, tão gostoso.
Aleluia vai para casa. O frio na barriga aumenta. Tão diferente de estar lá no bar do Cuca com
os amigos...! Aleluia chega em casa: o frio na barriga aperta. Vontade de não estar ali, vontade de ter

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ficado mais algum tempo com os amigos, onde estava tão bom! Aleluia vai para a cama. Deita-se.
O depois...! Quitéria vira para o outro lado. Aleluia se aperta na beiradinha dele, dorme
incomodado. Acorda. PAF! PUM! PAM! Aleluia nem tem ânimo para se levantar. Melhor ficar ali
mesmo. Mas se levanta. Quitéria está na cozinha. Aleluia fica na sala. Quitéria vai para a sala. Aleluia
entra na cozinha. Quitéria volta para cozinha. Aleluia vai para o terreiro, dá a volta, entra pela sala,
pega as suas ferramentas e sai de fininho para o trabalho.
E um outro antes: Aleluia chega ao trabalho. Meio macambúzio, meio calado. Um colega
brinca, o outro responde. Outro brinca, e o outro, e o outro. Aos poucos, Aleluia começa também a
brincar. Aos poucos esquece. Aos poucos vai ficando alegre, o ânimo volta. Até a hora do fim do
serviço. Voltar para casa... ver a Quitéria de cara amarrada... nem uma palavra! Comida fria na mesa...
enfrentar isso tudo...
Aleluia cansado do trabalho. Aleluia saindo com os amigos, a conversa amiga, a
camaradagem. A passagem em frente ao boteco. A cara amiga do Cuca, o dono do boteco, sorrindo de
gosto. A parada no balcão para o papo sem compromisso e para um trago da branca. Só um traguinho.
Tão bom, tão gostoso.
Aleluia vai para casa. O frio na barriga aumenta. Tão diferente de estar lá no bar do Cuca com
os amigos...! Aleluia chega em casa: o frio na barriga aperta. Vontade de não estar ali, vontade de ter
ficado mais algum tempo com os amigos, onde estava tão bom! Aleluia vai para a cama. Deita-se.
Quitéria vira para o outro lado...
— Quita? Quitéria!
— Fong? Buuu, huuu!
— Quitéria, minha filha, me escuta um pouquinho.
—Fong?
— Se você quer mudar alguma coisa, qual é a primeira coisa que você precisa fazer?
— Buuu, huuuu, snifff?
— Eu te digo: a primeira coisa que você precisa fazer é mudar o seu comportamento, aquilo
que você está fazendo. Imagine, por exemplo, que uma bola está vindo rolando em direção ao seu vaso
de flores, que está no chão. Você quer mudar a direção da bola, senão ela vai bater no seu vaso. O que
você precisa fazer? Você, Quitéria, tem primeiro que mudar o seu comportamento. Se você estiver
sentada, vai ter que levantar para tocar nela, para mudar a direção dela. No mínimo, vai ter que j ogar
alguma coisa nela, bater nela com um pau, uma vassoura, sei lá. Mas de um jeito ou de outro, você vai
ter que mudar primeiro, porque senão a coisa provavelmente não vai mudar, a não ser por acaso ou por
outras razões. Mas, às vezes, você não vai poder apostar nesse acaso, não é mesmo? Pode não dar
tempo...
— Sniff?
— É sim, Quitéria. Sozinha é que a bola não vai mudar de direção, principalmente se estiver
indo para baixo, não é?
— O que, tio?
—Isso que eu estou falando, Quitéria. Pense um pouco comigo: toda vez que o Aleluia chega
meio alto, o que acontece? Sempre a mesma coisa: você briga com ele, põe ele de castigo, modo de
dizer. Está adiantando?
—Ele - buuu - fica um tempão sem - sniff - fazer isso de novo - huuu!
— Fica. Você disse. Mas volta a fazer, não é? Pode demorar, mas volta! É só tudo voltar ao
normal, é só ele esquecer que ele faz de novo, não é?
— É, mas...
— Quitéria, isso não está adiantando muito, não é? Atrasa o problema, mas não está

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resolvendo, não é? Pois bem: vou lhe dizer agora um segundo segredo que aprendi. Funciona com
gente ou bicho, pode experimentar. A segunda coisa que você precisa fazer quando você quer mudar o
comportamento de um vivente que tem o poder de ir e vir por si mesmo é que ele "goste" de ficar perto
de você não é? Com ele longe de você, com medo de você, fica tudo mais difícil, não é mesmo?
— Mas eu NÃO ADMITO...
— Quitéria, filha, você pode não admitir o que você quiser. Isso não vai mudar o mundo. Você
não admite que o Aleluia dê lá suas fugidas de vez em quando. Bem, ele continua dando, não é? Você
não admite que o Rubens saia para o terreiro na hora do almoço, mas ele continua saindo, não é? Você
pode não admitir o que quiser, mas se você não fizer diferente, as coisas provavelmente vão continuar
do mesmo jeito: você não admitindo e as coisas acontecendo...
— Mas, tio, minha mãe...
— Não, Quitéria, agora escute: sua mãe é sua mãe, seu pai é seu pai, você é você e o Aleluia é
o Aleluia. Cada um é cada um. Cada um é parecido, mas é também diferente do outro. Além do mais,
a casa da sua mãe não é a sua casa. Algumas coisas que você aprendeu lá vão dar certo também aqui.
Mas só algumas coisas. Outras não, porque são pessoas diferentes, em lugares diferentes, num tempo
diferente.
—Isso até que é verdade... mas, tio, eu já estou fazendo diferente da minha mãe e tudo fica se
repetindo o tempo todo...
— Mas, filha, se você está repetindo sempre a mesma coisa a cada vez, não está claro que o
que você está fazendo não é o melhor a ser feito? Mesmo que seja algo diferente daquilo que sua mãe
fazia? E uma coisa lhe digo, Quitéria: vão continuar se repetindo. Enquanto a gente fizer o que sempre
fez, o mais certo é que vamos conseguir o que sempre conseguimos, não é? Como poderia ser de outro
jeito? Como você poderia fazer um bolo exatamente do mesmo jeito que sempre fez, com as mesmas
medidas, com o mesmo tempo no mesmo forno, na mesma temperatura, e querer que o bolo fique
diferente? Não vai ficar diferente: não pode! Se você quiser um bolo diferente, de gosto diferente, vai
ter que fazer o bolo de um jeito diferente, não concorda?
— Tio, mas o Aleluia...
— Ele está com medo de você, Quitéria. Está fugindo de você. Você já parou para pensar
nisso? Já parou para pensar que aqui, na casa dele, as coisas estão ficando ruins para ele? Já parou para
pensar que quando ele está com os amigos dele, não tem ninguém de cara feia? Que com eles ele se
diverte, ele se sente bem?
— Isso é porque é tudo igual, uma cambada de...
—Xinga, Quita. Xinga, se isso te faz bem. Agora, se xingar vai mudar as coisas, sei não! Você
já está xingando há tanto tempo e as coisas não mudaram muito, não é? Quitéria, você pode não gostar
dos amigos dele, pode chamar eles pêlos nomes que quiser. Pode até ter razão. Mas isso não muda o
fato de que, para ele, o Aleluia, é gostoso ficar na companhia deles. Senão, ele não ficava, não é
mesmo?
— Ah! Então, bem que a Dona Geni disse que má companhia não existe para quem está
naquela companhia; ele é que não presta, andorinha...
— Não voa com pardal, não foi isso o que ela disse? Mais ou menos. Voa e não voa. Depende
do que a andorinha e o pardal têm para fazer, no lugar de ficar voando juntos. No seu caso, está difícil.
Quando ele está voando com o bando, fica tudo bem. Quando ele pousa no ninho, fica tudo ruim. O
que você acha que ele vai preferir fazer?
— Tio, o que o senhor está querendo dizer? Que eu devo passar a mão na cabeça dele a cada
vez que ele aprontar alguma?
— Não, Quitéria. O que eu estou querendo dizer é que você devia, sim, passar a mão na cabeça
dele cada vez que ele NÃO estiver aprontando. Por exemplo, ele aprontou hoje. Então...
— Santo Pai! Era isso que minha mãe fazia. Ela sempre carinhava o meu pai, sempre; chegasse

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ele bêbado ou não!
—Ah! Pois é; o que uma fazia de mais, parece que a outra está fazendo de menos. Mas, então,
vamos voltar ao fazer diferente: se ele aprontou hoje, você não passa a mão na cabeça dele de jeito
nenhum! Mas, amanhã ou depois de amanhã, ele vai chegar na hora, vai chegar sem ter bebido. E aí,
quando ele chega fazendo exatamente aquilo que você quer que ele faça, o que ele consegue? Cara
feia, resmungo, comida fria. Quando ele sai com os amigos, o que ele consegue? Diversão, brincadeira,
alegria. Do jeito que as coisas estão cá e lá, você não acha que ele vai fazer isso de novo, nem que seja
só de vez em quando?
— Mas, tio, eu sempre aprendi que fazer direito não é mais do que a obrigação! Vai dar prémio
por causa disso?
— Vai, sim. Se o fazer errado está dando prémio, é preciso dar prémio também para o fazer
direito. Senão o fazer errado é que vai acontecer cada vez mais. E o pior, Quitéria, é que fazendo do
jeito que você está fazendo, você mesma está aumentando o prémio do fazer errado, você não percebe?
Quanto pior aqui, cada vez melhor fica lá, em comparação! Que coisa: vê lá se você não vai repetir o
que aconteceu com o seu pai e sua mãe fazendo errado pelo contrário: uma por premiar demais, outra
por premiar de menos. Ah, minha filha, nesta vida eu acho que é só fechadura que, se não funciona
para um lado, costuma funcionar para o outro. Tirando fechadura, esse negócio de ficar virando para cá
e, se não dá certo, virando para o lado contrário, costuma não funcionar muito. O problema, Quitéria,
não é dar prémio ou não dar prémio. O problema é saber quando dar prémio e quando não dar.
— E como eu posso saber isso, tio?
— Até que pode ser simples: não dê quando ele estiver fazendo o que você não quer. Dê
quando ele estiver fazendo o que você quer.
— Mas isso vai dar certo tio?
—Vai; a maior parte das vezes, vai. Algumas vezes pode falhar. Quando falha, a gente pensa
mais, toma mais tempo para ver direitinho o antes e o depois e quem sabe o do meio....
— O que é isso de o antes, o do meio e o depois, tio? Não estou entendendo nada...
— Ah! Isso é um jeito de falar comigo mesmo que eu tenho. Vou ver se te ensino. Tem sido de
muita valia para mim. Acho que vai ser de valia para você também. Vamos ver primeiro se você
entendeu a ideia do fazer diferente: tente me dar um exemplo do que você entendeu, para eu ver.
— Tipo assim... veja se é isso: quando o Rubens quiser sair para o terreiro: isso é um antes!
— Calma, Quitéria, primeiro, vamos ver um exemplo inteiro. Depois a gente fala sobre o antes,
o do meio e o depois. Mas, já que você começou o assunto, o antes que eu falo não tem nada a ver com
o que o Rubens quer ou não quer, porque...
—Ué, tio? Como não? — interrompeu Quitéria, confusa.—O que acontece antes de ele sair
não é ele querer sair? Não é por isso que ele sai?
— Bom, Quitéria, esse é um jeito da gente falar, o jeito que quase todo mundo fala. Mas o que
é que faz ele "querer" sair? Esse "querer" dele não aparece do nada, não é verdade?
—Isso lá é! Quando ele sai antes do almoço, tem sempre algum menino chamando ele. Será
que é por isso que ele "quer" sair?
— Isso e mais uma dúzia de outras coisas. Por exemplo, ver o Pastéis no terreiro, sentir frio e
sair para tomar um solzinho, e muitas outras coisas. Esse é o antes que eu estou falando: alguma coisa
que acontece fora dele, que acontece no mundo! Pode até ser que isso faça ele "querer" mas, como nós
não mandamos no "querer" dele nem no de ninguém, eu acho que é melhor então a gente ver o que
acontece que faz ele "querer", se você insiste nisso. Se antes de ele "querer" seja lá o que for, acontece
sempre alguma outra coisa, talvez a gente possa ver se, mudando essa outra coisa, o que ele faz
também muda. Por exemplo, e se a gente já põe o Pastéis dentro de casa nessa hora? Se o que ia
acontecer quando ele saísse era brincar com o Pastéis, o depois, então ele não precisa mais sair para
conseguir a mesma coisa, o mesmo depois, não é? E se for o menino do vizinho, chama ele para

28
dentro. Dá no mesmo para o Rubens, não dá?
—Ah! Entendi... mais ou menos, tio. O senhor está me dizendo que, por exemplo, se eu quero
que o Rubens fique dentro de casa na hora do almoço, eu posso mudar o que geralmente acontece antes
dele sair. Mas se eu me distrair ou se ele sair assim mesmo, melhor do que ficar xingando ele é eu
esperar um dia que ele não saia e aí fazer um carinho especial para ele. É isso? Então, pode ter dois
"depois": ele sai, eu xingo ele; esse é um depois. O outro "depois" seria assim: ele não sai, eu faço um
carinho nele. E o senhor está me dizendo que esse segundo "depois", o do carinho, seria melhor para
ele não sair mais?
— Quitéria, minha filha, se você continuar falando assim com essa inteligência toda, ainda vai
acabar sabendo disso até melhor do que eu. É isso mesmo! — disse o Zé de Nadir, muito alegre e
divertido com a rapidez com que sua sobrinha ia pegando as coisas. — Nas vezes em que ele sair, você
pode até chamar ele para dentro, pode até dar um castigo para ele, por exemplo, cortando o doce de
sobremesa. Mas o principal é dar um carinho para ele, quando ele fizer o que você deseja. Vai demorar
um pouco mais para ele aprender, mas você vai ver que será melhor para vocês dois. Pelo menos, ele
não vai ter medo de você e, sem medo, ele vai querer ficar mais tempo perto de você. Aí então você
tem mais chances ainda de ajudá-lo a ver as suas razões, os seus medos, os seus propósitos. Além
disso, se ele não tiver medo de você, ele vai ter coragem para mostrar para você o lado dele, para lhe
mostrar as razões que ele tem para fazer o que faz, o que ele sente, tudo isso.
— Por que isso agora, tio Zé? Menino não tem que dar palpite, foi o que eu sempre aprendi!
—E foi assim que trataram você, tenho a certeza. Você gostava? Não, não é? Estou vendo, só
pela sua cara...— falou o tio Zé, com um sorriso matreiro. — Não precisava ter sido assim, Quitéria.
Isso que estou lhe ensinando vai dar certo para você mudar o comportamento do Rubens, você vai ver.
Mas se você sempre fizer isso tirando coisas boas da vida dele, só porque você não gosta delas, sem
pensar direito se elas são mesmo ruins, ele vai acabar ficando magoado, jururu. Gente magoada pode
até fazer o que a gente quer, mas ela muda: fica menos alegre, talvez fique mais irritada... de qualquer
jeito, não vai mais ser a mesma pessoa. Se você faz isso com o Aleluia, que nem menino é, pode ser
que você até consiga que ele faça tudo o que você quer, mas talvez você não goste do marido que ele
pode se tornar... Por isso é que vale a pena conversar com ele, sim. Pode até ser que vocês,
conversando, encontrem um jeito melhor de atender ao que você precisa e ao que ele gosta.
Conversando é que a gente se entende, não é?
Quitéria ficou pensativa. Mudar o que ela já sabia? Mudar o que todo mundo sempre fazia?
Fazer diferente?
— Sei não! — disse Quitéria em voz alta. Mas, falando só para ela mesma, Quitéria continuou
pensativa. Aquela estória do bolo... aquilo era verdade, não era? Se não experimentasse fazer diferente,
ia comer sempre do mesmo bolo, com o mesmo gosto, não é? Além disso, ela já estava ficando tão
cansada de lutar tanto para ganhar tão pouco! Era só briga, xingamento, um inferno de vida... e quando
ela conseguia alguma mudança, durava tão pouco. E depois, tio Zé tinha parte da razão. Aleluia ficar
em casa o tempo todo, mas ficar em casa triste, irritado, calado, fugindo dela... isso não era a mesma
coisa do que ele ficar na rua? Não era a mesma coisa do que ela não ter marido? Ou até pior? Será que
essa minha implicância com deus e todo mundo não é só o meu medo falando comigo, aqueles antes
que eu passei na minha vida e que me fazem fazer um "do meio" assim tão zangado, tão severo? Um
"não pode porque não pode porque eu sei que não pode por que eu estou com medo"?
— Será?! —disse Quitéria.
Foi neste momento que o Aleluia entrou na cozinha. Sorriso meio de lado, olhar de esguelha.
Foi direto para o tio Zé e lhe deu um abraço. Já ia se virando para os lados da Quitéria quando se
avermelhou e vacilou. Parecia até que tinha murchado, assim, de repente.
Mas o tio Zé estava lá.... quem sabe? De lado, sem olhar nos olhos dela, Aleluia estendeu a
mão e tocou de leve no braço da sua Quitéria. Uma outra mão, tímida, roçou a sua. Os olhos de Aleluia
brilharam por um instante e ele se empinou: susto, alegria, e esperança; tudo junto!
Zé de Nadir baixou os olhos para o fogo. Já havia feito o que podia. Agora, era esperar para

29
ver. Talvez um dia a Quitéria pudesse até mesmo ir encontrar o Aleluia na saída do trabalho e
compartilhar com ele do boteco do Cuca, porque tudo mostrava que não havia mesmo nada de mais lá
e nem no Aleluia: era só divertimento sadio, que em nada prejudicava o bom pai de família que ele era
e que talvez até mesmo ajudasse a fazer um marido mais contente.
Talvez. No momento, a torcida dele era para que o almoço que ele, Zé de Nadir, oferecera à
Quitéria, pudesse ser aceito. Era alimento de digestão lenta, mais de alto valor nutritivo! Se Quitéria
insistisse em fazer diferente, tio Zé tinha certeza de que ia valer a pena, ah, isso é que ia!
Entretido com os seus pensamentos, Zé de Nadir baixou a mão, sabendo que ia encontrar a
cabeça do Pastéis que, como sempre, continuava enrodilhado aos seus pés. Com um grande susto, ele
sentiu uma lambida na sua mão!
Zé de Nadir deu então um sorrisinho manso, de canto de boca, que não escondia uma surpresa
divertida e filosofou que, nesta vida, nem tudo é perfeito. Mas, por via das dúvidas, ele na mesma hora
tirou a mão da cabeça do Pastéis e ficou esperando até que ele ficasse quieto, para que depois pudesse
novamente acariciá-lo. Afinal, fazia tão bem para ele acariciar o Pastéis e fazia tão bem para o Pastéis
ser acariciado por ele!
O antes, o do meio e o depois: não é que funcionava?! Danado de sabido esse Zé de Nadir!

*****

30
Qualidade de vida: Prevenção à
depressão.
Contribuições da Análise do Comportamento
para uma vida emocionalmente mais
saudável1

Marcelo E. Beckert2

*****

Não será nenhuma novidade afirmar que o mundo atual é, para grande parte de sua
população, injusto e desagradável. Infelizmente, ainda nos deparamos com situações em que o
mais importante não é a vivência, mas a sobrevivência, prevalecendo o ter o que comer, o que
beber, onde dormir e viver. De fato, grande parcela da população mundial vive na miséria,
lutando pela sobrevivência física. No entanto, também há grande número de pessoas lutando
por sua sobrevivência emocional, afetiva e psicológica.
Nas sociedades em que o cidadão recebe boas condições de vida, nunca se deu tanto
valor aos 'prazeres da vida' como agora, neste início de milênio. Se fôssemos buscar
estatísticas das indústrias de turismo, entretenimento, esportes e, até mesmo, do sexo,
certamente encontraríamos ascensão nos investimentos e aumento nos lucros. Nunca houve
tanta oferta de diversão. Entretanto, um efeito contrário e paralelo ao primeiro pode ser
facilmente observado. Embora pareça paradoxal, o homem nunca sofreu tanto! E há muitos tipos
de sofrimento. Estudos transculturais apontam que entre 10 e 25% da população mundial, independente
de classe social, cultura ou religião, irá experienciar um episódio de depressão maior durante a vida.
Conforme dados da Associação Americana de Psicologia, por volta de 5% da população americana está
vivenciando atualmente um episódio de depressão, e pelo menos 10% das pessoas com depressão
maior terminam suas vidas com suicídio - isso apenas em relação aos transtornos do humor.

1
Este trabalho é baseado em palestras que o autor apresenta em empresas e para a comunidade em geral. A fim
de oferecer uma leitura menos rebuscada e mais fluída, será privilegiado um estilo menos acadêmico e mais
informal. Será apresentada, ao final do texto, uma bibliografia básica de orientação aos que desejarem conhecer
melhor a literatura sobre esse assunto.
2
Mestre em Processos Comportamentais pela UnB - Docente do Instituto Brasiliense de Análise Comportamental
(IBAC) - Contato: marbeckert@onix.com.br

31
Diante desse contexto, a expressão "qualidade de vida" vem se tornando cada vez mais
comum, refletindo melhor o desejo do homem moderno. Se tiver condições de viver - e não apenas de
sobreviver -, que viva bem, com qualidade.
O objetivo aqui será discutir tão desejada meta, buscando uma definição de qualidade de vida
simples e prática o suficiente para que você, leitor, possa refletir, de forma mais pessoal, sobre a
própria vida, sobretudo a emocional e afetiva. Definições erróneas e complexas demais serão evitadas.
Buscaremos apresentar a proposta mais simples possível.
Vamos discutir três desafios que deveríamos assumir para uma vida com qualidade e refletir
sobre possíveis mudanças necessárias nesse caminho.
Dois ALERTAS! O objetivo aqui não é a escolha de um melhor método ou de uma melhor
forma de pensar sobre medidas preventivas da depressão. Tampouco a meta é apresentar material de
auto-ajuda. A proposta é oferecer recursos para analisar e refletir sobre a própria vida. Conseguir
implementar algumas mudanças necessárias poderá tornar-se mais fácil se você entender e conhecer
melhor o que acontece na sua relação com o mundo. Aqui vale aquela máxima da psicologia: não é
possível controlar o que não se conhece. Entretanto, não há aqui o propósito de substituir um trabalho
terapêutico formalizado.
Durante a discussão, você será convidado a participar de quatro exercícios que visam a
facilitar essa auto-reflexão.

Qualidade de vida: como definir?


Quando pensamos em qualidade de vida, duas coisas devem ser evitadas: definições subjetivas
e generalizações.
Sobre as definições subjetivas: será que ajudaria conceituar qualidade de vida como "estado de
bem-estar" ou "bom êxito", "sucesso"? E se fosse um "estado subjetivo de elação"? Pouca coisa, não é
mesmo? Por isso, tais definições não devem ser consideradas (a não ser que você consiga me fazer
entender o que é "elação"...).
Outro risco são as generalizações. Quando perguntamos o que é qualidade de vida, podemos
obter respostas como "morar no campo", 'Viajar todo ano para a praia", "ter um carro importado",
"fazer exercícios físicos", "ser promovido no trabalho" ou "ver meus filhos felizes".
Em contrapartida, podemo-nos deparar com outras pessoas que vão dizer "jamais deixarei de
morar na cidade grande", "odeio sol, areia ou água salgada" ou "quanto mais alto o cargo, maior a
preocupação".
Esses dois aspectos deverão, pois, ser evitados; e outros três, considerados na busca de uma
definição válida de qualidade de vida. O primeiro é o contexto de vida atual. Nossa experiência de
vida faz com que algumas coisas percam o seu valor, enquanto outras se tornam cada vez mais
desejadas. Steve Hayes, importante pesquisador na psicologia, diz que para compreender o significado
de alguma coisa devemos entender primeiro o contexto no qual ela está inserida. Fora de seu contexto,
perderá o significado. Em outro contexto, há de surgir novo significado. Em geral, o que era mais
desejado no passado não é o mais buscado hoje, porque o contexto mudou. Deverão ser sempre
priorizados objetivos compatíveis com o contexto atual de nossa vida.
O segundo aspecto refere-se às idiossincrasias, ou seja, às características pessoais de cada
um. Como são o seu mundo, as suas regras, os seus desejos, os seus medos; como é a sua história de
vida. Alguém nascido numa família muito pobre pode dar mais significado à promoção no trabalho do
que aquele que veio de família abastada. Como sugere Beatriz Madi, "a qualidade de vida de um
indivíduo varia em função da relação entre seu organismo e o meio"1.
O terceiro aspecto é a simplicidade. Por que complicar ao definir? Aí, talvez valha importar da

1
Madi (2001, p.183).

32
filosofia uma estratégia de análise conceituai: o que está no pólo oposto e não é compatível com a ideia
de qualidade de vida? Vamos imaginar, em um extremo, uma pessoa dizendo "eu vivo uma vida com
qualidade" e, no outro extremo, alguém dizendo "na minha vida eu posso ter tudo, menos qualidade".
Essa segunda verbalização, de vida sem qualidade, é bastante comum na fala de clientes com queixa de
depressão. Na prática clínica observamos que essas pessoas frequentemente dizem "não tenho o que
mais desejo", "minha vida está descontrolada e não depende de mim" e "não percebo as coisas
positivas de minha vida". Por outro lado, a ideia de viver com qualidade aproxima-se de vida feliz e
autónoma, predominando verbalizações do tipo "tenho o que mais desejo", "tenho controle sobre
minha vida e isso depende de mim" e "percebo as coisas positivas de minha vida".
Assim, a definição aqui proposta faz prevalecer a simplicidade e a parcimônia: a ideia de
qualidade de vida talvez esteja em oposição à da depressão. Buscando-se uma, estaremos prevenindo a
ocorrência da outra.

Entendendo melhor a Depressão


Dados estatísticos. Depressão é uma grande preocupação para o século XXI. Países que conduzem
seriamente análises estatísticas sobre saúde indicam que o chamado Transtorno Depressivo Maior
(TDM) acomete de 5 a 12% dos homens e de 10a 25% das mulheres. A faixa etária dos 25 aos 44 anos
é a mais acometida pela TDM, enquanto a partir de 65 anos os índices são menores. Já durante a
infância, meninos e meninas são igualmente acometidos.
O aspecto mais preocupante é que, para o século atual, espera-se que a depressão e seus efeitos
associados sejam a maior causa de óbitos, após as mortes por violência (guerras, violência urbana, etc).

Lista de sintomas: para quê? Há forte tendência de pacientes serem diagnosticados a partir dos
sintomas que sentem. Na medicina é assim, mas o mesmo não deve ocorrer necessariamente na
psicologia. Na edição mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-FV), a referência mais utilizada para efeito de psicodiagnóstico, há uma longa lista de possíveis
sintomas de uma pessoa com TDM. Essa lista inclui comportamentos como humor irritável, isolamento
da família ou do grupo social, deterioração de desempenho académico e mudanças significativas no
apetite ou sono. Segundo o modelo tradicional de avaliação psiquiátrica, quem apresentar alguns dos
sintomas dessa lista poderá receber diagnóstico positivo para TDM. Esse modelo de diagnóstico, que
chamamos de avaliação topográfica de comportamentos, apresenta uma série de riscos.
Em primeiro lugar, cabe salientar a alta probabilidade de diagnósticos "falso positivo". Ou seja,
pessoas serão diagnosticadas como acometidas de depressão, mesmo que isso não seja verdadeiro. Há
também risco de o diagnóstico estar mais relacionado a outro distúrbio que não o TDM. Apenas para
se ter uma ideia da complexidade do diagnóstico diferencial, que é preconizado como "a base do
trabalho clínico", para diagnosticar o TDM o clínico deverá excluir a possibilidade de o paciente estar
apresentando uma série de outras condições, tais como transtornos bipolares tipo I ou II, transtorno do
humor induzido por substância ou devido à condição médica geral, transtorno distímico, transtorno
esquizoafetivo, transtorno delirante ou psicótico sem outra especificação ou demência. É fácil a
sobreposição de sintomas e, conseqüentemente, o erro no diagnóstico preciso.
Outro risco é a desconsideração de aspectos contextuais da vida do paciente. A perda do
emprego, um divórcio ou uma reprovação poderá fazer com que a pessoa apresente vários daqueles
sintomas, sem, no entanto, estar com um transtorno depressivo.
Um terceiro risco é a maior facilidade para o autodiagnóstico e o consequente erro. Sempre
deverá ser considerada a possibilidade de o "depressivo" estar tendo benefícios secundários. Ou seja, a
família, os amigos ou a própria sociedade poderá estar tratando aquela pessoa de forma tão
diferenciada, por causa do seu estado depressivo, que a depressão poderá parecer-lhe vantajosa. Já vi
casamentos mantidos pela "depressão" de um dos cônjuges, ou de um filho.
Uma última consideração sobre o diagnóstico psiquiátrico tradicional. Digamos que um

33
paciente tenha sido enquadrado no código 296.2 e do DSM-IV e que esse diagnóstico esteja 100%
preciso. A pessoa terá então um "transtorno depressivo maior de episódio único e com aspectos
atípicos". E daí? Em que essa nomenclatura poderá ajudar? Não há uma característica para definir
especificamente a depressão, e cada pessoa poderá apresentar peculiaridades sintomatológicas. O
trabalho clínico precisa necessariamente investigar profunda e exaustivamente as singularidades
daquela história de vida, e não seu aspecto estatístico e comum a outros casos.
Diante desse quadro, não há como compactuar com o sistema topográfico tradicional de
diagnóstico, o que aumenta a necessidade de um sistema alternativo de avaliação e diagnóstico.

Diagnóstico Comportamental da Depressão. Um sistema de avaliação diferente do descrito é o da


análise funcional do comportamento. No caso da depressão, vale citar uma proposta apresentada por
Charles Ferster, em 1973. Segundo esse notável pesquisador, a diferença entre a normalidade e o
estado patológico da depressão é muito mais quantitativa que qualitativa. Por exemplo: todo mundo
está naturalmente emitindo comportamentos com o fim de evitar o indesejável e/ou conseguir o
desejável. Na depressão, todavia, conforme sugere Ferster, ocorre diminuição na frequência do
comportamento positivamente reforçado e aumento do comportamento de esquivar-se ou fugir de
eventos indesejáveis. Em outras palavras, pessoas depressivas comportam-se muito mais para evitar ou
fugir de algo que não queiram do que para buscar consequências desejadas. Buscam muito mais o
alívio do que o prazer (veremos mais adiante como distinguir esses dois objetivos e seus efeitos
diferenciados).
O usual é experimentarmos, no decorrer da vida, momentos de maior euforia (conquistas,
alegrias, prazeres) ou de maior tristeza (perdas, frustrações, surpresas desagradáveis). Os altos da
euforia e os baixos da tristeza são conhecidos da maioria de nós, e a isso chamamos de "reação
vivencial normal". Viver quase que exclusivamente em apenas um desses pólos caracterizará um
estado de patologia. O sujeito que não distingue nenhuma situação ou experiência de perda, limitação
ou risco, vive um transtorno conhecido por mania - não tem baixos, apenas altos. Por outro lado, quem
não consegue distinguir situações ou experiências de ganho, conquista ou valorização vive um
transtorno chamado de depressão. Não tem altos, apenas baixos. Como se vê, viver os altos e baixos é
muito mais normal do que viver apenas os altos, ou os baixos.
A noção mais importante numa análise funcional, ao contrário da análise topográfica, é que um
dado comportamento poderá ter vários significados, com diferentes funções para a vida da pessoa. O
choro, por exemplo. Analisando funcionalmente quatro pessoas que choram, posso encontrar quatro
funções diferentes: um chora por nostalgia, lembrando-se da mãe morta; outro chora para conseguir o
apoio de alguém; o terceiro chora para expressar uma emoção de muita alegria, e o último poderá estar
chorando para obter a compaixão do namorado e evitar o fim de um namoro. Ou seja, uma só
topografia (choro) e quatro funções, com quatro significados distintos. Duas pessoas diagnosticadas
com o tal código 296.2e do DSM-FV (lembra do "transtorno depressivo maior de episódio único e com
aspectos atípicos"?) poderão ter sintomatologias semelhantes, mas suas "doenças" podem ser bem
diferentes. E aposto que serão!
Quais os efeitos práticos da distinção entre análise topográfica e funcional para o entendimento
da depressão? O principal deles é encarar a depressão como uma dificuldade relacionada à vida da
pessoa, ao que ela está vivendo e ao que ela já viveu. Isso significa quebrar um paradigma de
explicação: a explicação para a depressão que João sente não está dentro de João, mas na interação que
João estabelece com o mundo, com o seu ambiente.
Assim, conclusões fundamentais são desenhadas: 1) depressão é um comportamento, e, como
tal, podemos investigar a "história de vida" e como é mantido pelas consequências que produz; 2)
depressão não é causa de outros comportamentos, embora às vezes possa procedê-los. Depressão é
efeito da interação que uma pessoa tem com seu mundo. De forma mais
simplista, é consequência da vida que a pessoa tem; 3) sendo um efeito, a chance de controlar a

34
depressão está relacionada àquilo que serve de causa da própria depressão. Então, o tratamento
proposto pela Análise Comportamental Clínica não tem como objetivo modificar o sentimento da
depressão, mas sim o que a causa. Ninguém consegue ser ativo sobre seus sentimentos, mas poderá
agir sobre suas ações, buscando mudanças em sua interação com o mundo. De forma análoga, para
mudar minha alergia a pêlos de gato, o melhor a fazer é agir sobre a causa da alergia. Posso evitar
gatos, tentar dessensibilizar-me por meio de vacinas ou aumento gradativo do meu contato com pêlos
ou ainda procurar um tipo de gato sem pêlos (se fizer questão de ter um e não me importar com os
sustos que as pessoas terão quando virem meu gato).
Em suma, mudando a interação com o mundo, pode-se evitar a depressão ou sair dela. A
próxima questão é: o que mudar?
O leitor poderá estar-se questionando agora sobie casos de depressão por causas endógenas.
De fato, desequilíbrios na ação de hormônios produzidos pelo organismo poderão causar um quadro de
sintomas depressivos. Apesar de ser uma questão controversa, analisando alterações hormonais e
comportamentos, o que é causa e o que é efeito? O que é o ovo e o que é a galinha? Não gostaria de
fazer dessa discussão uma celeuma, mas muitas vezes fico com a hipótese de que viver de "forma
depressiva" causa depressão.
Talvez agora você tenha uma ideia melhor do que seja depressão e tenha conhecido uma forma
diferente de analisá-la. Consequência natural do questionamento aqui proposto são três tarefas que,
uma vez assumidas, poderão facilitar consideravelmente uma vida com melhor qualidade e, por
consequência, mais distante da depressão.

Os Três Desafios
• Primeiro Desafio: Buscar as causas corretas
Um dos grandes desafios da psicologia é estudar possíveis explicações para os
comportamentos humanos, incluindo os sentimentos. Acredito seja este o maior objeto de estudo da
psicologia científica - a causa dos comportamentos -, que servirá posteriormente para facilitar as duas
grandes metas de qualquer prática científica, predição e controle.
Será válido refietir como você explica seus comportamentos. Proponho então o primeiro
exercício. Pense bem sobre essa questão: você namora porque ama OU ama porque namora?
Vamos lá, não vale "os dois" ou "ora um ora outro". Escolha o que seja mais de acordo com a
sua forma de pensar, com sua filosofia pessoal.
Quando faço essa pergunta em sala de aula, a imensa maioria dos alunos juram que namoram
porque amam... Ah, o amor romântico! Quer dizer que eu somente poderei namorar alguém se sentir
amor por essa pessoa. Isso significa pensar que eu tenho dentro de mim alguma coisa chamada amor,
que fica esperando, em estado de dormência, até que, em algum momento, vai despertar, consumir-me,
entrar em ebulição e, então, eu estarei perdidamente envolvido: estarei amando!
Será mesmo?
Acreditar que namoro porque amo é o mesmo que acreditar que Pedro bateu em João porque
estava com raiva. Predomina em ambos os casos a noção de que os comportamentos são causados por
sentimentos que estão dentro de cada um de nós. Prevalece aí um paradigma de causalidade interna,
em que os sentimentos, emoções, cognições e demais eventos mentais têm vida própria e servem de
causa para nossos comportamentos. A partir desse ponto, é comum as pessoas dizerem "preciso deixar
a tristeza para lá" ou "tenho que parar de odiar meu patrão... isso me faz mal". No entanto, sentimentos
não são alterados por decreto, e a pessoa fica esperando deixar de sentir tristeza ou ódio para, assim,
poder viver uma vida diferente. O resultado disso é uma postura passiva diante da vida, e a pessoa
sempre ressaltando "o que a vida faz comigo...". Os anos passam, e ela continua na mesma.
O primeiro passo, buscar as causas corretas, significa rever o paradigma de causalidade,

35
fazendo prevalecer o paradigma externo e histórico, que substitui o interno, anteriormente descrito.
Essa mudança não é simples. Vivemos numa cultura mentalista, em que a causa de nossos sentimentos
vem de dentro, mais especificamente de nossa mente. Pouco tempo atrás, surpreendi-me com minha
filha de três anos dizendo que mordeu a irmã porque estava com raiva dela. Foram necessários alguns
minutos para mostrar que ela não gostara de a irmã ter tomado seu brinquedo, tendo feito algo para
recuperá-lo. Possivelmente, nenhum bebé conseguirá brincar sentindo a dor de uma mordida. Soltará a
boneca, e a missão da outra estará cumprida! Isso não significa dizer que ela não tenha sentido raiva,
mas esse sentimento foi um efeito de sua interação com o ambiente, mais especificamente com a irmã.
Mais do que causa, é efeito. Se desejo mudar o sentimento - raiva -, devo mudar possíveis interações
com o mundo. Instruir minha filha de que a menor poderia
facilmente envolver-se com outro brinquedo e largar sua boneca parece ter sido uma boa ideia; novas
dentadas não surgiram.
Gosto sempre de perguntar àqueles que "namoram porque amam" e "batem porque sentem
raiva": se o comportamento vem como consequência do sentimento, de onde vem o sentimento? Uma
pessoa casada há 30 anos sente a mesma coisa do início da vida conjugal? Se eles sofreram mudanças
fortes na relação, o sentimento terá permanecido estável e imutável? Prefiro pensar que amar é agir
amorosamente.
Digo aquilo em que eu e todo terapeuta analista do comportamento acreditamos: quer mudar o
sentimento? Mude a interação com o mundo!
Essa regra ilustra um ponto de convergência com a ética, a religião e a filosofia do Budismo.
Segundo esse referencial, "o hoje é um presente que nosso passado nos oferece". Reparem no duplo
sentido de "presente". O que vivemos hoje é uma oferta, consequência das interações que tive com o
mundo no meu passado. Nesse sentido, quer controlar seus sentimentos? Não ponha o foco de suas
preocupações no sentimento, mas nas ações que pratica. Se seus comportamentos forem incompatíveis
com um estado de depressão, você já estará tratando dela.
Essa questão já foi muito mal interpretada por aqueles que afirmavam que a Análise do
Comportamento não dá a relevância necessária aos sentimentos, preferindo uma observação mais fria e
insensível aos elementos emocionais. Esse é o resultado de visão deturpada de como nós, analistas do
comportamento, pensamos. Um sentimento é algo tão importante e legítimo que senti-lo estará sempre
correto. Não há sentimento sem causa, mesmo que aparentemente indecifrável. O mesmo ocorre com a
dor física. A dor tem uma função, e nenhum tratamento será eficaz se apenas focalizá-la. Tente tratar
uma dor de dente com xilocaína. Todo tratamento sério deverá, necessariamente, priorizar o controle
das causas de determinado sintoma indesejável, mesmo que comece com anestésicos.
A resultante disso é uma postura ativa diante da vida. Penso ser bom indício do sucesso da
terapia quando o cliente troca aquele "o que a vida faz comigo" por "o que eu faço com minha vida".
Isso me faz recordar uma cliente que chegou com queixa de muito cansaço e dores musculares. Na
primeira sessão, ficou claro para ela que estava trabalhando além do que poderia e deveria. Saiu do
consultório afirmando enfaticamente "nunca fiquei tão ansiosa e nervosa... não posso mais viver em
função do trabalho... preciso dar jeito na minha vida". Naquele momento, tive a certeza de que sua
terapia seria breve e bem-sucedida. Menos de 20 sessões depois, pude confirmar isso com a alta da
cliente.
Em suma, tirar as causas de nossas emoções de dentro da gente e colocá-las na interação que
temos com o mundo e com nossa história de vida é o primeiro desafio. O Quadro l ilustra como esse
processo ocorreu com três pessoas com queixa inicial de depressão.
Observe as diferenças entre a primeira coluna e a terceira. Na primeira, predominavam causas
fora do controle da pessoa. Nada podia fazer com suas vida enquanto pensassem assim. Na terceira
coluna, há uma nova forma de ver a vida, incluindo sua depressão. A partir dessa nova forma de ver
seu mundo, a pessoa poderá encontrar formas de

36
Quais são as Sobre sua vida atual: o que você Reformulação da primeira
causas de sua anda fazendo de diferente (a mais análise (considerando vida
depressão ou a menos)? atual); nova forma de ver a
(primeiro própria vida.
momento)?
Cliente "Sou assim "sempre fiz as coisas que me "faço o que posso; não sei lutar
1 mesmo... sempre falavam para fazer... nunca tive pelas coisas que realmente
fui" coragem de bater de frente com quero... gostaria de ter mais as
ninguém" rédeas das minhas coisas"

Cliente "Acho que é a "eu não saio de casa... acho ridículo "não consigo achar que alguém
2 menopausa uma pessoa de minha idade sair da minha idade possa fazer
chegando" para namorar" algumas coisas e ser feliz...
preciso conseguir fazer aquilo
que acho legal, independente de
ser uma coroa"
Cliente "Todas as mulheres "depois que casei, eu vivo apenas "não sei fazer nada que seja
3 de minha família em função do meu marido e filhos, positivo apenas para mim, sem
ficam deprimidas mesmo que eles não façam o incluir minha família"
depois de casarem" mesmo; com minha mãe e irmãs foi
o mesmo... fazer o quê?"

Quadro l: Exemplos da mudança na ideia de causalidade da


depressão em clientes durante processo de terapia
comportamental

retificar aspectos indesejáveis e/ou danosos em sua interação com o mundo. Essas três reformulações -
aumentar o controle ou autonomia sobre a própria vida, livrar-se de preconceitos e tabus sobre si
mesmo ou evitar que a família seja colocada, inexoravelmente, como prioridade levam a mudanças
factíveis e poderão ter como consequência uma vida menos depressiva.
O primeiro desafio, buscar as causas corretas, é, quase sempre, um primeiro objetivo em
psicoterapia. Isso, não significa dizer que somente será possível alcançar essa mudança por meio da
terapia, embora a ajuda profissional seja um grande auxílio.

Segundo Desafio: Exposição ao novo


Quer uma boa receita para depressão? Escolha uma mulher que tenha dedicado a vida ao
marido e aos filhos. Aquela mesmo que você conhece, que fez o magistério, adorava dar aulas, mas
parou de trabalhar quando casou. Também se afastou das amigas e de outros prazeres pessoais, como
o carteado do final de semana. Também pudera! Casou-se com o homem de seus sonhos; valia a pena
deixar tudo para viver mais intensamente o casamento, e cuidar da casa, é claro. Aí vieram os filhos,
vários deles. Décadas depois, está cada filho em um canto do mundo, cuidando de sua vida. Nossa
mulher agora é uma feliz aposentada que passa as tardes sentada com o velho marido na frente de
casa, tomando chimarrão e rindo do povo que passa na rua. Até que um dia o enfarto leva o marido...
e traz a depressão. Por que disse que essa seria uma boa receita de depressão? Nossa velhinha até
poderia viver sem o marido, mas não sabe fazê-lo, porque nunca teve uma vida pessoal sem vínculos
diretos com ele.
Quanto maior a inabilidade de adaptar-nos às mudanças e às novidades da vida, mais
propenso à depressão seremos. Nunca vi um depressivo que soubesse lidar com o novo e,
principalmente, fizesse o diferente. Esse é o segundo desafio para uma vida mais distante da

37
depressão: lidar com o novo.
Todos conhecemos pessoas que deixam transparecer com naturalidade seus "princípios de
vida" mais inflexíveis. São regras como "sempre tenho de ser o primeiro da classe", "não admito
receber um fora, prefiro terminar antes", "vou sempre ser uma mulher independente de tudo e todos"
ou "a prioridade total será sempre para meus filhos". A literatura em psicologia tem ressaltado muito
os efeitos dessas regras em nossas vidas. Vamos, então, focalizar as regras que você adotou para sua
vida. Essa é a proposta do segundo exercício.
Nas linhas a seguir escreva as cinco regras mais importantes para sua vida. Pense naqueles
"mandamentos" que mais o orientam, os segredos para sua felicidade ou suas metas mais importantes.
Faça um esforço e, se possível, não vá adiante antes de escrevê-las.
(a).______________________________________________________________________
(b)._____________________________________________________________________
_____
(c).______________________________________________________________________
(d).______________________________________________________________________
__
(e)._____________________________________________________________________

Agora que você já pensou e concluiu sobre suas regras mais importantes, podemos discutir um
pouco os possíveis efeitos de regras muito fortes e inflexíveis em nossos comportamentos. Algumas
vezes, tais regras são passadas pela cultura ("homem não chora"), família ("filha minha só vai para
cama com um homem depois de casar"), grupos sociais ("quem não bebe é careta") ou cônjuge
("homem trabalha e mulher cuida da casa"). Outras vezes, essas regras são estabelecidas pela própria
pessoa, sendo conhecidas por auto-regras.
Vários analistas do comportamento investigaram, em suas pesquisas, características de
comportamentos que ocorrem essencialmente para seguir regras que a pessoa tem. Uma conclusão
dessa linha de pesquisa pode ser colocada da seguinte forma (que meus colegas mais formais e
académicos me perdoem!): o comportamento é uma coisa viva e está sendo controlado por um
processo de seleção (se fosse bicho, seria a seleção natural de Darwin). Os comportamentos mais
"adaptados" sobrevivem e continuam, enquanto os não-adaptados são extintos. Ou seja, uma pessoa
deverá ter condições de emitir comportamentos variados para que o mais eficaz, o que traga melhores
consequências, seja selecionado e fortalecido.
O que acontece com comportamentos fortemente mantidos por regras? Eles facilmente são
selecionados por levarem mais rapidamente às consequências desejadas e, assim, outros
comportamentos não serão mais emitidos. O resultado disso é que a variabilidade comportamental
diminui; com o tempo, na busca de determinado objetivo, apenas uma resposta é emitida. Dados de
pesquisa1 comprovam que, tornando estável um comportamento, a sensibilidade também se reduzirá
drasticamente. E o que é insensibilidade comportamental? É simplesmente a manutenção de um
comportamento previamente instruído ou modelado, prejudicando a emissão de novas respostas.
Trocando em miúdos: os comportamentos dirigidos por regras são geralmente bem-sucedidos
em algum momento, levando a consequências positivas. É como se fossem as receitas do sucesso
particular de cada pessoa. Assim, eles se fortalecem de tal forma que ficam insensíveis às mudanças no
mundo. Esses comportamentos, de fato, são bem-sucedidos por algum tempo, o que aumenta a
possibilidade de seguir a regra. Posteriormente, contudo, as pessoas que os emitem passam a ter

1
Ver Joyce & Chase (1990)

38
dificuldades em distinguir mudanças na relação causa-efeito. Ou seja, comportamentos governados por
regras (esse é o nome técnico) estão relacionados à diminuição na variação de comportamentos e, por
isso, ficam insensíveis às mudanças na relação comportamento-conseqüência e podem resistir por
muito tempo, mesmo não sendo mais eficazes como antes.
Uma história parece ilustrar muito bem essa teoria. Trato carinhosamente como o caso da
"fracassada estilista bem-sucedida". Ana (nome fictício) chegou ao consultório com uma queixa de
depressão e problemas profissionais. Tinha 40 anos, era a filha mais velha de uma família mineira e
mãe de um garoto de 10 anos que não conhecia o pai. Ambos moravam junto com as duas irmãs de
Ana e sua mãe em uma casa espaçosa, num bairro nobre de Goiânia. Sua mãe parecia não dar sinais de
que sairia da viuvez, após cinco anos da perda do marido. Passava o dia cuidando da vida das filhas e
do neto. As duas irmãs tinham empregos públicos de acordo com seus cursos superiores de formação.
Uma era pedagoga, como a mãe, e a outra formada em direito, como o pai. Ana tinha apenas o segundo
grau (ensino médio), mas sempre fora mulher batalhadora e muito dinâmica. Já tinha trabalhado em
áreas bem diversas, de desenho de jóias a relações públicas. Se, por um lado, sempre fora bem-
sucedida, tendo êxito em seus negócios, por outro, sempre teve de aturar as acusações da mãe de que
era uma fracassada por não ter curso superior e de que nunca teria sucesso na vida por isso. Havia
pouco mais de sete anos no ramo da moda, Ana tinha um portfólio com vários trabalhos premiados e
era um nome reconhecido na área. Tinha desistido de uma sociedade com outra profissional e estava
abrindo um novo ateliê, trabalhando só.
Apesar desse "sucesso", Ana sentia-se fracassada. Emocionara-se várias vezes ao relatar que o
desprezo da mãe pelo seu trabalho, "um trabalho que qualquer um faz", a magoava. Dizia já não
aguentar mais o "falso reconhecimento" de outras pessoas pela sua criatividade, jovialidade e sucesso.
Estava pensando seriamente em, mais uma vez, abandonar a profissão.
Após algumas sessões, foi identificado que Ana havia desenvolvido uma auto-regra: "para ter
sucesso, eu terei que obter o reconhecimento de minha mãe ao meu trabalho". Na adolescência, isso
valera muito para Ana, que era a "preferida da mãe" porque estudava mais e tinha melhor boletim do
que as irmãs. Provavelmente, aí surgiu a auto-regra. Sucesso ficou sendo definido inexoravelmente
pelo reconhecimento da mãe. Sem o reconhecimento, não há sucesso; sendo uma fracassada (como a
mãe profetizava). A partir daí, fica mais fácil entender por que Ana não discriminava o
reconhecimento do outro como válido - eram apenas "bajulações". Sua grande meta era ter seu
trabalho reconhecido pela mãe: por outra pessoa não valia.
A partir daí, o trabalho terapêutico visava dar condições para que Ana ficasse mais sensível às
relações com seu mundo atual, que seus comportamentos estivessem de acordo com consequências
reais e presentes e não mais àquelas de ontem. A palavra-chave nessas situações é aumentar a
variabilidade de comportamentos, ajudando a pessoa a expor-se a novas contingências. Somente
permitindo-se uma exposição ao novo, ao diferente, a pessoa poderá entrar em contato com as
consequências mais reais, podendo, talvez, romper com velhas regras que se tornaram inadequadas,
mesmo que a pessoa não tenha consciência disso.
Analisando casos como o de Ana, podemos ter a sensação que, de certa forma, nosso passado
"nos condena". Criamos regras para melhor viver (ou sobreviver) em algum momento do passado e, às
vezes, continuamos a nos comportar como naquele tempo, a despeito de o mundo e nós mesmos termos
mudado. Nessas horas, enfrentamos obstáculos e resistências para mudar o que nossa própria história
criou. Ana conseguiu, com pequenos passos, estabelecer critérios diferentes para definir seu sucesso
pessoal, como o número de atendimentos em uma semana ou maior reflexão sobre feedbacks de outros
profissionais que ela respeitava e tinha como bem-sucedidos. Seu sucesso não poderia mais ser
definido pela opinião da mãe, como previa a auto-regra. O êxito profissional seria consequência direta
de seu trabalho e da opinião de outras pessoas relevantes, a saber, seus clientes e outros profissionais.
Importante salientar que não se obtém essa mudança de comportamento com a modificação das
crenças que a pessoa tem sobre si mesma ou sobre o mundo. Essa estratégia é muito utilizada, apesar

39
de sua ineficácia. Como discutido no primeiro desafio, a ênfase não está em mudar o sentimento (ou a
crença), mas os comportamentos que levam ao sentimento. Lembro-me de uma sessão em que disse a
Ana: "Tudo bem, então você me convenceu de que é realmente incompetente. Está certo, você é uma
profissional horrível. Mas me diga uma coisa: como seria a vida profissional de uma estilista
competente?" Pode parecer incrível, mas ela ficou aliviada com minha observação e depois de quase
meia hora apresentando características do trabalho dessa profissional competente, estabelecemos uma
tarefa. Ela deveria escolher uma ou duas dessas características e fazer o possível para agir daquela
forma. Na sessão seguinte, Ana disse ter esquecido a tarefa, tendo-a cumprido mesmo assim. Assim o
fez porque "agir de forma competente" já era algo natural a ela. Aos poucos, Ana foi-se expondo a
novas relações de comportamento (trabalhar) e consequências (indicações e feedbacks). Suas crenças,
ou autocrenças mudaram, mas como consequência de seus novos comportamentos, e não como causas
deles.
Voltemos as suas regras. Refuta sobre cada uma delas tentando lembrar em que época de sua
vida elas surgiram. Naquela época, elas serviam como dica ou receita para você vencer alguma
dificuldade ou obter algum êxito? E hoje, elas ainda são úteis? Atualmente, quais as coisas que não são
aceitas ou permitidas por essas regras? Será que você está privando-se de algo, desnecessariamente?
Então, mais uma vez, quais são as coisas que você não poderia fazer no passado, não fazia e
continua sem fazer, mesmo que agora as possa fazer? Que tal tentar alguma dessas coisas? Como
enfatiza Maly Delitti1: procure rever regras falsas e dê uma chance às consequências naturais de seus
comportamentos!
Na prática clínica, observo que essa exposição ao novo pode ser muito complicada.
Considerando a força de regras transgeracionais, passadas de pai para filho, brinco que nossa "cabeça"
tem 100 anos. Sofremos influências diretas de pelo menos duas gerações, a de nossos pais e a de
nossos avôs. Diante desse quadro, é fácil observar que obedecemos a regras que não foram criadas por
nós e que são hoje inadequadas. Isso pode trazer efeitos bastante danosos a nossa qualidade de vida e
saúde emocional.
Escolhi apenas um desses efeitos prejudiciais para discussão: a dificuldade no equilíbrio entre
os três universos mais importantes de um adulto: o universo pessoal, o conjugal e o familiar.
O universo pessoal envolve intimidade, privacidade, prazeres pessoais, vaidade, hobbies,
trabalho, carreira, estudo, saúde, sonhos, desejos, amigos.
O universo conjugal apresenta uma particularidade da aritmética, quando 1 + 1=3. Exemplo:
João, com 40 anos, está casado há 10 com Maria, de 35 anos. Teremos então na união de duas pessoas,
três universos: o de João com 40 anos de história, o de Maria, com 35 anos e uma terceira história, a
do casal, com 10 anos de vida. Desse universo fazem parte namoro, sexo, afeto, desejos e sonhos em
comum e as regras e normas para a vida a dois. Um adulto solteiro poderá vivenciar esse universo
quando na relação com namorada ou simplesmente com uma pessoa que o atraia emocionalmente.
O universo familiar inclui filhos, pais, parentes e os melhores amigos, os "brothers", na gíria
dos adolescentes.
Sobre esses três mundos, mais um exercício de reflexão para você, o terceiro. Na sua vida
atual. quais são os investimentos que você faz...

Em você:____________________________________________________________________
No casal (parceiro): ___________________________________________________________
Na família: __________________________________________________________________

E para o futuro? Quais são os planos que você faz para...

1
Delitti (l997)

40
Em você:____________________________________________________________________
No casal (parceiro): ___________________________________________________________
Na família: __________________________________________________________________

Agora você poderá analisar o "peso" de cada universo na sua divisão de recursos. A que
conclusão você chega?
Isso me faz lembrar a regra de ouro do bom investidor: "diversifique seus investimentos".
Aplicar tudo o que tem em apenas um tipo de investimento é um grande risco. Seguindo essa sugestão,
seria boa ideia a pessoa dividir seus sonhos, fantasias, expectativas, vivências, investimentos e atenção
entre as três "aplicações". Não que seja necessário destinar exatamente 1/3 para cada universo, mesmo
porque, não há como quantificar isso. O importante é evitar que um universo seja esquecido enquanto
outro fica sobrecarregado.
E quais seriam os efeitos da desigualdade? É só você pensar no investidor que aplicou demais
em ações duma empresa que pouco tempo depois vem a falir. No caso da estilista Ana, por exemplo,
investimentos pesados na esfera familiar estavam pondo em jogo sua vida profissional, na esfera
pessoal. A velhinha que ficou viúva e perdeu seu maior investimento - a vida conjugal - não teve
recursos emocionais para resistir à perda, entrando em depressão. Se fossem empresas, ambas teriam
pedido concordata.
Dividir sua dedicação de forma harmónica entre as três áreas significa verificar que não são
excludentes e sim complementares. Nesse sentido, seria válido concordar (machismo à parte) que por
trás de um grande homem há uma grande mulher, ou vice-versa. Na realidade, os profissionais mais
felizes em suas profissões que conheço (eu disse felizes e não bem-sucedidos!) vivem também de
forma feliz conjugal e familiarmente. Havendo queda numa área, as outras duas servirão de apoio para
que a pessoa possa se reerguer. Um grande revés na esfera pessoal, como o desemprego ou a morte de
um ente querido, poderá ser amenizado pelo apoio da família e do parceiro. Um divórcio, crise na
esfera conjugal, será amenizado se a vida familiar e pessoal (profissão, amizades) estiverem bem.
Por que essa discussão de três universos aqui? Porque a divisão desigual de investimentos é
comumente mantida por regras ou auto-regras inadequadas, que dificultam a variação e a exposição a
comportamentos mais funcionais. Quando me casei, escutei várias vezes a sentença: "casou, mudou".
Era como se, a partir do "eu vos declaro...", eu tivesse de abdicar de minha vida pessoal e dedicar-me
totalmente ao universo conjugal. Senti que parecia haver um ciclo natural comum a todos. Quando
namoramos muito tempo, perguntam quando será o noivado; noivamos e perguntam pelo casamento;
na festa do casório, perguntam quando vem a cegonha. Nasce o primogénito e perguntam quando vem
o irmão, e por aí vai. As etapas predeterminadas que nos são exigidas pela comunidade em que
vivemos servem algumas vezes para orientar novas metas. Em muitos casos, porém, servem de
verdadeiras barreiras para a satisfação pessoal, enfraquecendo sobremaneira um dos três universos -o
pessoal.
Voltemos ao exercício três. Pense agora apenas em sua vida pessoal. Quem é responsável pela
felicidade e realização nessa esfera? Seu cônjuge, filhos ou parentes são responsáveis por quase todas
as suas conquistas e preocupações? Eles merecem essa responsabilidade? Pediram por isso? Onde
você fica quando a ênfase de seus investimentos fica totalmente no conjugal ou no familiar?
Há de se ressaltar a importância de a pessoa saber facilmente onde termina seu universo
familiar e/ou conjugal e começa o pessoal. Sem essa noção, facilmente deixaremos de viver nossa vida
e passaremos a viver a do parceiro, dos filhos ou parentes.
Gosto muito da forma como Khalil Gibran ilustra a interface nas relações pessoal-familiar e
pessoal-conjugal. Sobre a primeira, focalizando a educação dos filhos, ele diz:

41
Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós,
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar, nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós.
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força para que suas flechas se
projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável1

Sobre a relação entre os universos pessoal e conjugal, o mesmo Gibran presenteia-nos com
essa pérola:

Vós nascestes juntos, e juntos permanecereis para todo o sempre.


Juntos estareis quando as brancas asas da morte dissiparem vossos dias.
Sim, juntos estareis até na memória silenciosa de Deus. Mas que haja espaço na vossa junção
E que os ventos do céu dancem entre vós.

Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:


Que haja antes um mar ondulante entre as praias de vossas almas
Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça.
Dai de vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.
Cantai e dançai juntos, e sedes alegres, mas deixai cada um de vós
estar sozinho.
Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.

Dai vossos corações, mas não os confieis à guarda um do outro.


Pois somente a mão da vida pode conter vossos corações.
E vivai juntos, mas não vos aconchegueis em demasia;
Pois as colunas do templo erguem-se separadamente,
E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro2

Em suma, sobre o segundo desafio: é necessário que tenhamos a disciplina de estarmos sempre
refletindo sobre a validade de regras que direcionam nossos comportamentos e, sempre que possível,
darmos uma chance ao novo, expondo-nos ao diferente, ao inédito ou, quem sabe, ao que não era
considerado possível antes. Fundamental é também refletir sobre a origem dessas regras e até que
ponto elas preservam o espaço para o crescimento pessoal de cada um. A flexibilidade comportamental
é um grande antídoto contra a depressão.

1
Gibran (1999/1927, pp. 15-16).
2
Gibran (1999/1927, pp. 13-14).

42
Terceiro Desafio: Transformação a médio/longo prazo
Fico sempre com a nítida impressão de que o mundo está cada vez mais voltado para o
imediato. Presteza é característica do dia-a-dia, tanto que comida feita no fogão a lenha é grande
programa para um final de semana diferente. Daqui a um século, creio que os que buscarem algo
totalmente fora da rotina poderão escolher, entre outras coisas, descer às Fossas Marianas ou comer
comida cozida. Se for no fogão a lenha, será para tirar fotos e mostrar aos amigos. Não por
coincidência deparamo-nos, com frequência crescente, com problemas ligados à impulsividade, tais
como drogadição, alcoolismo, obesidade, exacerbação sexual, agressividade, delinquência, problemas
académicos e financeiros. Falta autocontrole ao homem do século XXI.
Exemplo disso é a preocupação mais persistente de educadores: o imediatismo, principalmente
de adolescentes. Os objetivos mais importantes (e mais distantes), como a aprovação no final do ano,
são preteridos por outros mais próximos, como o filme na TV. Há dificuldade em reconhecer o valor
de passos intermediários, como uma simples tarefa de casa. Tal dificuldade poderá convergir para a
depressão. Lewinsohn levantou a hipótese há quase 30 anos, ao propor que a depressão se relacionava
a uma dificuldade em discriminar reforçadores ou, em outras palavras, de reconhecer prazeres e
conquistas na rotina diária. Assim sendo, a vida de um depressivo é tida por ele mesmo como isenta de
aspectos positivos. Não tendo condições de reconhecer ganhos menores, embora intermediários e pré-
requisitos para outros maiores, o depressivo geralmente não apresenta comportamento típico de
autocontrole, definido na psicologia como a escolha de reforços mais atrasados, porém de maior
magnitude ou valor. Acaba por se prender a consequências mais imediatas, apesar do menor valor.
Prova disso é a notável dificuldade, comum aos depressivos, de planejar objetivos complexos, já que
não conseguem elaborar etapas intermediárias. Lembro-me de uma cliente que tinha como sonho abrir
um bar. Indagada sobre o que seria necessário para alguém fazer isso, ela não soube responder. Outro
não tinha a menor ideia de como fazer faculdade e trabalhar ao mesmo tempo.
A pesquisa científica da psicologia não pode usar "aspectos positivos" como parâmetros. O
autocontrole envolve um atraso entre a escolha e o contato com a consequência dessa escolha,
chamado de atraso de gratificação (ou atraso do reforço). Em uma alternativa contrária, que define a
impulsividade, o atraso para a gratificação é bem menor ou inexistente. A Figura l ilustra essa
diferença.
O objetivo do terceiro desafio é considerar aspectos que possam facilitar a pessoa a investir em
metas mais complexas e que, geralmente, são mudanças a longo prazo. Ninguém faz um curso
superior, economiza um grande capital ou perde 20 quilos em curto prazo. As grandes conquistas são
obtidas gradualmente, com passos pequenos e constantes.
Hoje. O retardo de gratificação deve ser considerado pêlos pais e educadores, porque,
ensinando a criança a lidar com o intervalo entre escolha e consequência, estarão ensinando
autocontrole. Dados de pesquisa apontam que pessoas depressivas são muito sensíveis a mudanças no
atraso entre escolha e consequência, mas não tão sensíveis a mudanças na intensidade da
consequência.1 Saber trocar um prazer pequeno de hoje por um bem maior no futuro, e talvez mais
importante, é requisito básico para uma vida qualitativamente positiva.

1
VerLogue (1995); Moore, Clyburn eUnderwood(1976); Rehm(1977,1984).

43
Figura l: Comparação entre escolha impulsiva e escolha de autocontrole

Um cuidado é essencial: é fácil confundir prazer com alívio. Exemplo disso foi dado pelo
psiquiatra Scott Peck, a quem admiro. Entretanto, ele diz que "retardar a gratificação é um processo de
organizar a dor e o prazer na vida de modo a aumentar o prazer, encontrando e experimentando a dor
primeiro e acabando com ela. É a única forma decente de viver"1. É, de fato, fundamental saber lidar
com a dor e o sofrimento, muitas vezes inevitáveis. No entanto, acabar com a dor não gera prazer, mas
alívio. Basta você fantasiar que uma estaca foi cravada no meio de sua perna e que você conseguiu, à
Ia Rambo, retirá-la de dentro da perna. Nesse momento, você sente alívio ou prazer? A sensação de
alívio é a consequência da esquiva ou fuga de algo indesejável, e dizemos que esse comportamento é
mantido por reforçamento negativo; emito uma resposta para retirar algo do ambiente. A raiz
etimológica de aliviar é latina e significa "fazer mais leve".
O prazer é uma sensação diferente. O dicionário Houaiss o define como "sensação ou emoção
agradável, ligada à satisfação de uma tendência, de uma necessidade, do exercício harmonioso das
atividades vitais etc.; alegria, contentamento, júbilo". Para a análise do comportamento, prazer é efeito
de comportamento mantido por reforçamento positivo, quando uma pessoa age a fim de que algo
desejável seja inserido em seu ambiente. A raiz etimológica de prazer, também latina, denota "agradar,
ser agradável, parecer bem, ser do agrado de".
Em uma conversa rápida com um depressivo, o ouvinte atento notará que ele não acredita na
possibilidade de grandes mudanças. Costumo dizer que a depressão faz as pessoas duvidarem dos
milagres2. E você? Acredita que pode operar "milagres" na própria vida?
Vamos, então, para o quarto e último exercício. Costumo utilizar essa estratégia auxiliar no
início da terapia com alguns clientes. Chamo-o de o exercício da lâmpada.
A seguir, você encontrará espaço para escrever quais seriam seus três desejos caso
encontrasse a lâmpada do Aladim (escreva nos números l, 2 e 3). Esses desejos deverão refletir a
busca de algo que você deseje; não poderá estar associado à retirada de alguma coisa3 pense no prazer
e não no alívio. Alguns detalhes importantes: não poderá ser nada material nem algo que não seja para
você mesmo; de resto qualquer coisa valerá.

1 - _________________________________________________________________________________________________

( ) a)_______________________________________________________________________________________________
( ) b)_______________________________________________________________________________________________
( ) c)_______________________________________________________________________________________________

1
Peck (l994, p. 17).
2
Aqui não no sentido religioso, mas como sentido figurado de uma grande conquista ou mudança.
3
Essa postura construtivista é premissa do trabalho do analista do comportamento clinico.

44
2 - _________________________________________________________________________________________________

( ) a)_______________________________________________________________________________________________
( ) b)_______________________________________________________________________________________________
( ) c)_______________________________________________________________________________________________

3 - _________________________________________________________________________________________________

( ) a)_______________________________________________________________________________________________
( ) b)_______________________________________________________________________________________________
( ) c)_______________________________________________________________________________________________

Curto Prazo: ____________________________________________________________


Médio Prazo: ___________________________________________________________
Longo Prazo:.___________________________________________________________

Agora você deverá escrever para cada um dos desejos três coisas que VOCÊ (e não o génio)
poderia fazer para facilitar a concretização do desejo. Então, se você pudesse dar uma ajuda para o
génio, o que faria em cada um dos desejos (escreva nas linhas iniciadas pelas letras, de "a" a "i").
Posteriormente, você vai classificar cada uma dessas ações. Aquelas que poderão ser realizadas
de forma mais simples e rápida, a curto prazo, em algumas semanas, você deverá marcar "C" no
parênteses que fica no início da linha. Marcará "M" nas exequíveis a médio prazo, em alguns meses. E,
finalmente, marcará "L" nas que somente poderão ser realizadas em tempo superior a seis meses, a
longo prazo.
Agora você poderá organizar as nove ações em três grupos, de acordo com a expectativa que
você tem de quando elas poderão ser executadas. Esse exercício poderá ser útil, servindo de orientação
para que você obtenha transformações maiores em sua própria vida, baseando-se exclusivamente em
comportamentos que VOCÊ poderá executar.
Muitos dos "milagres" que esperamos podem ser viabilizados por nós mesmos. Enfatizando a
construção, o que você poderá fazer, a curto, médio e longo prazo, e que tornará mais possíveis seus
milagres? Seguindo a ordem do mais fácil para o mais difícil, quais as prioridades?
Com efeito, encarar transformações mais complexas como um processo de mudança a longo
prazo pode ser tarefa penosa. Essa discussão fez-me recordar uma apresentação que muito me
impressionou e que poderá servir de metáfora ou, quem sabe, de exemplo. Tratava-se de observações
da etologia1 sobre a águia. Essa é a ave que possui a maior longevidade de sua espécie, podendo
chegar a 70 anos. Mas, para chegar a essa idade, aos 40 anos ela deve passar por um processo difícil.
Nessa idade, a águia está com as garras compridas e flexíveis, não mais conseguindo agarrar as presas
de que se alimenta. O bico alongado e pontiagudo se curva. As asas, envelhecidas e pesadas em função
do aumento da espessura das penas, começam a apontar contra o peito; voar torna-se cada vez mais
difícil. Se continuar nessas condições físicas, fatalmente morrerá.. Algumas o fazem, enquanto outras
iniciam penoso processo de renovação que irá durar cinco meses.
O processo consiste em voar para o alto de um paredão montanhoso buscando um local para
recolher-se durante esses meses. Após fazer um ninho, a águia começa a bater com o bico no paredão
até conseguir quebrá-lo e arrancá-lo. Espera nascer um novo bico para, então, arrancar suas garras,
uma a uma. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a depenar-se. Só depois de 150 dias,
com um conjunto novo de penas, ela sai para novo voo, pronta para viver mais 30 anos.

1
Ciência que estuda o comportamento social e individual dos animais.

45
Considerações finais
Espero que os quatro exercícios tenham sido úteis à sua reflexão e que tenham auxiliado você
a1) rever seu modelo de causalidade para seus comportamentos, incluindo sentimentos e emoções,
fazendo prevalecer causas encontradas na sua interação com o mundo; 2) refletir sobre regras que
nortearam e continuam direcionando sua vida e os efeitos dessas regras na forma como você vivência
as esferas pessoal, conjugal e familiar, e 3) acreditar que alguns "milagres" que você tanto deseja
podem ser obtidos com sua própria ação e que, muitas vezes, vale a pena esperar pelo melhor.
O objetivo deste trabalho foi discutir a depressão, buscando formas de evitá-la ou atenuar
aspectos que a estejam mantendo na sua vida. Esse pareceu-me o melhor caminho para tratar da
qualidade de vida. Poder-se-ia passar a impressão de que nos desprendendo de lembranças, costumes e
outras tradições que nos causaram dor, quebrando elos que nos prendem ao passado, estaríamos dando
maior ênfase ao alívio do que ao prazer, o que seria contraditório à exposição feita.
Entretanto, ao aceitar os três desafios e buscar as mudanças comportamentais necessárias,
presumo que a busca dos prazeres (e não do alívio) ficará mais objetivamente definida, e você poderá
ter maior clareza sobre o que deverá fazer com seu mundo.

Postura ativa: maior auto-controle Postura passiva: risco de depressão

46
Auto-estima, autoconfiança e
responsabilidade
Hélio José Guilhardi1

Os três termos do título referem se a sentimentos. Com certeza, qualquer pai ou mãe desejará
que seu filho tenha auto-estima, seja auto-confiante, tenha responsabilidade, pois são todos sentimentos
associados à maturidade e à felicidade de uma pessoa. Ter todas essas qualidades significa estar
harmoniosamente integrado ao contexto de vida familiar, escolar, profissional e afetivo. O que mais um
pai pode querer para seu filho? (Os três sub-títulos que se seguem são conceituais e podem ser pulados
sem prejuízo da compreensão do texto. O leitor interessado apenas na parte prática do tema pode
começar pelo subtítulo Auto-estima).

A natureza dos sentimentos

Muita gente imagina que os sentimentos são fenômenos mentais, abstratos, que ficam
armazenados dentro de algum lugar oculto da mente humana: quando alguma coisa externa os
evoca, eles saem de seu reduto e expressam-se publicamente. Assim, segundo essa concepção,
se algum fato provoca uma irritação na pessoa, a raiva, até então acomodada, aparece através
de gestos de agressividade, palavras rudes etc. Da mesma maneira, se alguém perde uma
pessoa querida, a tristeza, até então silenciosa em seu ninho mental, aparece e se mostra na
forma de choro, lembranças dos momentos vividos com a pessoa amada etc.
A concepção moderna que a Psicologia tem a respeito dos sentimentos é bem diferente da
visão tradicional exposta no parágrafo anterior. Os sentimentos não são entidades mentais e abstraias,
mas sim manifestações corporais, concretas, do organismo. Neste sentido, então, não há sentimentos
sem uma manifestação corporal correspondente. Assim, por exemplo, quando uma pessoa está ansiosa,
ela tem alterações no ritmo de batimentos cardíacos, na frequência respiratória, na pressão sanguínea
etc. Da mesma forma, na alegria, há mudanças no funcionamento do corpo: os batimentos cardíacos, a
sudorese, o ritmo respiratório etc. também se alteram.
Os sentimentos incluem, além das manifestações do funcionamento interno do corpo acima
exemplificadas chamadas de respostas respondentes ou autonômicas, outras manifestações da pessoa,
chamadas de operantes ou voluntárias, tais como: falar, gesticular, gritar, bater, aplaudir, abraçar,
escrever poesias, telefonar, enviar bilhetes, correr, empurrar etc. Há componentes corporais
respondentes e operantes nos sentimentos e nas emoções. O corpo age, o corpo expressa, o corpo fala
e, assim, ele manifesta os sentimentos.
A comunidade social e verbal (pais, professores, amigos etc.) em que a pessoa está inserida é
quem ensina seus membros (filhos, alunos, amigos etc.) a usar palavras para se referir a esses estados
ou manifestações corporais, e tais palavras são os nomes de sentimentos: alegria, raiva, ansiedade,

1
Instituto de Análise de Comportamento - Campinas'. Agradeço a Eloisa Piazzon, Lilian de Medeiros, Noreen
Aguirre e Patrícia Queiroz pêlos comentários feitos durante a preparação do texto.

47
medo, auto-estima, responsabilidade são exemplos ilustrativos. Assim, se uma criança corre atrás do
seu cachorro, dá-lhe um chute, fica vermelha, chama-o de "feio", porque o cachorro não quer atender a
uma ordem sua, a mãe, que testemunha essa cena, pode dizer para o filho: "Por que você está com
raiva do Pitoco, ele está cansado, coitadinho." A mãe, desta maneira, usou a palavra "raiva" para
nomear todas essas manifestações do filho. É dessa forma que a criança aprende o que é raiva. O
mesmo procedimento ensinaria uma criança a nomear tristeza, saudades etc.
Por outro lado, uma mãe que observa seu filho correndo atrás de uma bola, chutando essa bola,
dizendo uns palavrões porque a bola bateu na trave, não diria que seu filho está com raiva da bola, mas
diria que ele tempaixão por futebol.
Comparando o cachorro com a bola, descobrimos então mais um elemento essencial para a
compreensão da natureza do sentimento: há necessidade de conhecer o contexto em relação a que a
pessoa se comporta para então, e só então, ser possível nomear o sentimento. Se os pais observarem,
exclusivamente, as reações do seu filho, quer os respondentes (batimentos cardíacos, rubor da face)
quer os operantes (o que ela faz e diz), sem conhecerem o contexto em que tais reações ocorrem, não é
possível dar nomes ao sentimento com segurança.
Diante do exposto, os sentimentos de auto-estima, de autoconfiança e de responsabilidade não
são manifestações da mente do indivíduo, mas são estados corporais associados com eventos
ambientais sociais ou físicos que os desencadeiam. Assim, será comum ouvir das pessoas frases sobre
seu corpo relacionadas com os sentimentos apontados: "Sinto-me travado, não consigo seguir uma
direção" (excesso de racionalidade); "Estou inquieto, não consigo dormir, penso o tempo todo em
meus compromissos''' (excesso de responsabilidade); "Sempre que me perguntam alguma coisa acho
que vou errar, fico suando nas mãos, fico vermelho, começo a gaguejar" (falta de autoconfiança);
"Sinto-me incomodado quando nego alguma coisa para alguém; é um desconforto que não sei
explicar; prefiro concordar, mesmo não achando que é o certo, porque aí me alivio'' (baixa auto-
estima). Não há sentimento sem manifestação corporal, no entanto, as pessoas precisam ser ensinadas
pelo meio social que as cerca (pais, professores, amigos etc.) a detectar os sinais do corpo. A
discriminação de tais sinais não ocorre espontaneamente; tem que ser aprendida.
Conclusão sobre a natureza dos sentimentos. Os sentimentos são manifestações corporais que
ocorrem na interação entre a pessoa e seu ambiente físico ou social e que recebem um nome arbitrário,
convencionado pelo grupo social com que a pessoa vive.

A função dos sentimentos


É comum a concepção de que os sentimentos têm uma função , causal ou explicativa. Assim,
bateu no colega de classe porque estava com raiva dele; fugiu correndo porque estava com medo; fala
o tempo todo da namorada porque sente saudade dela etc. Nas frases usadas como exemplos, a raiva
foi a causa da agressão, o medo foi a causa da fuga, e a saudade foi a causa das conversas sobre a
namorada. A função causal dos sentimentos, embora seja popularmente aceita sem crítica, é incorreta e
esbarra em dificuldades lógicas e práticas fundamentais. AsslmTsé a raiva causa os comportamentos de
bater no colega, então, o que causa a raiva? Supor que a raiva (bem como o medo e a saudade) surge
espontaneamente e de forma aleatória, como função intrínseca da dinâmica mental, equivale a assumir
que ela não é previsível, nem controlável. E quanto a saudade? Ela está dissociada do amor ou ela é,
por sua vez, produzida por ele? Só quem tem amor sente saudades? Neste caso, ter-se-ia uma condição
em que sentimento causa sentimento e a saudade não seria causa, mas causada. Finalmente, o medo
não poderia ser dominado. Do ponto de vista prático, qual seria, então, & função do terapeuta? Que
instrumentos ele poderia usar para influenciar e alterar sentimentos que (pela concepção exposta)
seriam as causas das ações e sofrimentos humanos? Se o terapeuta tem algum papel funcional, então,
os sentimentos humanos seriam influenciados por determinantes externos a eles, fora da mente,
advindos do contexto social em que a pessoa está j inserida. Mas, propor que os sentimentos são
produzidos por eventos antecedentes e externos a eles, tira-lhes a função causal: se eles próprios são

48
causados, então não são causa dos comportamentos. Por outro lado, se o terapeuta não tem tal papel,
então, sua função é indefensável.
A posição atual da Psicologia retira dos sentimentos a função causal que lhes era atribuída.
Uma proposta mais compatível com o que se observa sobre o comportamento humano é que ocorrem
eventos antecedentes, e estes produzem ao mesmo tempo comportamentos e sentimentos. Assim, o
colega de classe pega a borracha de Pedrinho e não quer devolvê-la (evento antecedente); então Pedro
o empurra, fala alguns palavrões, arranca a borracha da mão do outro (são os componentes operantes
da ação do Pedrinho) e, ao mesmo tempo, sente reações autónomas, internas no seu corpo: seu coração
dispara, sua respiração se acelera, fica vermelho etc. (são os componentes respondentes do corpo de
Pedro). O que é chamado de raiva é toda a interação descrita: os antecedentes, os comportamentos
operantes e os rgsppndentes, pois se não forem observados todos eles interagindo, não é possível
conhecer o que ocorreu com Pedro (note que a raiva, segundo esta concepção, não é causa dos atos do
menino). Igualmente, a namorada que tem um significado afetivo muito grande para Paulo viajou por
um período prolongado (evento antecedente); então, Paulo fala sobre a namorada, escreve-lhe cartas
saudosas, telefona com frequência (são os componentes operantes, voluntários da ação de Paulo) e, ao
mesmo tempo, sente reações autónomas, internas do seu corpo enquanto fala sobre ela e a vê em sua
imaginação (são os componentes respondentes do organismo). Neste caso, igualmente, o que é
chamado de saudade é toda a interação descrita: os eventos antecedentes, os comportamentos
operantes e os respondentes, pois se não forem observados todos eles interagindo, não é possível saber
o que ocorreu com Paulo (note que a saudade não é a causa dos comportamentos do namorado).
O que foi apresentado nesta seção é de fundamental importância para o tema do capítulo,
porque é muito frequente as pessoas dizerem frases tais como: "Não escolhe bem seus namorados";
"Aguenta os maus tratos da esposa"; "Não defende suas ideias, abre mão daquilo em que acredita"
porque tem baixa auto-estima. Igualmente: "Não toma iniciativas"; "Não resolve os problemas de sua
vida"; "Não é bem-sucedido na sua profissão" porque lhe falta auto-confiança. Da mesma forma:
"Não cumpre suas obrigações"; "Não honra a palavra empenhada"; "Atrasa se.us pagamentos" porque
não tem responsabilidade. No final da leitura, deverá ficar claro que todas as ações humanas sugeridas
acima não são causadas pêlos sentimentos de baixa auto-estima, pela falta de autoconfiança ou pela
ausência de responsabilidade.
Conclusão sobre a função dos sentimentos. Os sentimentos não são causa das ações das
pessoas. Não é correio dizer que uma pessoa bateu na outra porque sente raiva dela. Uma pessoa bate
em outra e ao mesmo tempo tem reações corporais que são sentidas porque houve um evento
antecedente que produziu ambas as coisas: bater e sentir o estado corporal. O que se chama de raiva é
toda a interação. Assim, para entender as ações das pessoas e os sentimentos que acompanham tais
ações, é necessário voltar um pouco mais atrás para localizar os eventos antecedentes que produziram
simultaneamente ambos: os comportamentos e os sentimentos.

A origem dos sentimentos


As pessoas não nascem com os sentimentos, nascem com uma predisposição, um potencial
para desenvolvê-los e tomar consciência deles na sua história de desenvolvimento, em função do
contato que a pessoa tem com seu ambiente social. Uma pessoa isolada, ou que se desenvolveu numa
comunidade verbal limitada, terá um grau de consciência menor sobre os seus sentimentos. Quanto
menos palavras existirem para nomear sentimentos e quanto menos elaboradas forem as condições
para ensinar uma criança a nomeá-los, menos a criança discriminará seus sentimentos. Assim, se uma
família diz ao filho "Cê tá cafuzo", para se referir a um grupo de sentimentos sem diferenciá-los entre
si, aquela criança não referirá tristeza, ansiedade, mágoa, culpa, saudade, pois lhe foi ensinada uma
única palavra para diferentes estados corporais, produzidos por condições diferentes. Desta forma, será
uma criança com um desenvolvimento afetivo menor, menos elaborado, do que o de outra criança que
foi ensinada a nomear diferentes aspectos corporais associados a diferentes circunstâncias ambientais:

49
quando está afastado de uma pessoa querida por um tempo longo, sente saudade (e a luz se acende)
Compreensão e apoio: "No próximo bimestre, você vai melhorar" (não "tá cafuzo"); quando prevê que
algo ruim pode lhe acontecer, está ansioso (e não "tá cafuzo"); quando esperava um gesto de
aprovação ou carinho de alguém, que lhe negou um e outro, sente-se magoado (e não "tá cafuzo");
quando fez algo que considera errado, que pode decepcionar alguém querido, sente-se culpado (e não
"tá cafuzo") etc.
O primeiro passo concreto que as pessoas podem dar para ensinar seu filho a detectar seus
sentimentos é começar pêlos órgãos dos sentidos. Ao dizer "Experimente esta comida. Ela está
salgada." (ou doce, ou gostosa, ou macia, ou quente, ou...), a criança percebe as diferenças entre
sabores, texturas, temperatura etc. Ao passar um objeto sobre a pele de uma criança e dizer-lhe "Veja
como é lisa" (ou áspera, ou mole, ou fria, ou...), a criança percebe as diferenças entre consistências,
texturas, temperatura etc. E assim, sucessivamente, com cada órgão dos sentidos (som alto, som grave,
cor azul, cor verde, claro, escuro etc.). Aos poucos, a pessoa passa a usar metaforicamente as palavras
aprendidas a partir de objetos e de sensações concretas com cada órgão dos sentidos para se referir a
outras experiências. Assim, fiz uma viagem "deliciosa" (a viagem não tem sabor, mas metaforicamente
produziu sensações orgânicas equivalentes - não iguais - às produzidas por uma comida com sabor
delicioso) ou sinto-me "aliviado", depois que acabei o meu relatório (terminar um relatório não reduz
literalmente peso algum, mas, metaforicamente, tê-lo terminado causa sensações corporais que são
equivalentes às produzidas pela redução de uma carga pesada que estava sendo carregada). Por esses
exemplos, é possível concluir que o contato com uma comunidade que apresenta um repertório verbal
rico favorece o desenvolvimento da percepção e da nomeação de sentimentos.
Há várias outras estratégias que os adultos usam para ensinar seu filho a nomear sentimentos.
Assim, por exemplo, ao observar que um objeto pontiagudo (uma agulha) fere o dedo de uma criança,
o pai pode dizer "dóf e a criança aprende o que é sentir dor. Pode dizer mais: "Dói. É uma agulhada.
Agulha causa dor aguda". Com essas informações, a criança pode, futuramente, generalizar essa
aprendizagem e dizer ao médico "Sinto umas agulhadas na minha barriga", querendo dizer: "As dores
que sinto no abdómen assemelham-se às dores provocadas por uma agulhada". Ou ainda,
metaforicamente, pode dizer, quando perde um ente querido: "Isso dói muito. É como uma punhalada"
(a perda não produz exatamente as sensações corporais, ou seja, as dores produzidas por um punhal,
mas as sensações corporais que a pessoa sente no momento da perda equivalem às produzidas por uma
punhalada). Compare-se agora o que ocorreria com o desenvolvimento da criança se, no instante em
que ela se espetou com a agulha, o pai lhe dissesse: "Não foi nada".
Para ensinar seus membros (filhos, parentes, amigos etc.) a nomear os sentimentos, a
comunidade verbal (pais, professores, amigos etc.) precisa de algumas evidências do que ocorre com
eles, a fim de poder, então, usar as palavras mais adequadas. Uma boa maneira de chegar a essas
evidências é observar a interação da pessoa com seu ambiente físico e social. As maneiras pelas quais
se dão essas interações são chamadas de contingências de reforçamento. A contingência mais simples
inclui pelo menos três componentes que se influenciam reciprocamente: antecedente (A), resposta (R)
do indivíduo diante do antecedente e consequente (C), aquilo que se segue ao comportamento
produzido pelo próprio comportamento. Por exemplo:

A R C

Interruptor de luz Comportamento: acionar o


E ambiente escuro interruptor A luz se acende
Sentimento: irrelevante

50
2

Notas baixas e pai exigente Comportamento: mostrar as notas Repressão e castigo


Sentimento: ansiedade

Notas baixas e mãe compreensiva Comportamento: mostrar as notas Compreensão e apoio: “No
Sentimento: tranqüilidade próximo bimestre, você vai
melhorar”

Quando ocorre uma contingência de reforçamento, como a do exemplo 2, ao mesmo tempo


que ocorre o comportamento de mostrar as notas para o pai, ocorrem mudanças corporais
desagradáveis, a que se pode chamar de sentimentos de medo ou de ansiedade. É impossível separar o
comportamento de entregar as notas e os sentimentos de ansiedade, por isso diz-se que os
comportamentos e os sentimentos são produtos colaterais das contingências de reforçamento. Poderia
ser dito que as contingências de reforçamento produzem comportamento-sentimento. Se for mudada a
contingência, o comportamento-sentimento também muda. Assim, no exemplo 3, os sentimentos
associados ao comportamento de mostrar as notas, produzidos por esta nova contingência, são
diferentes: a criança sente-se amada, confortada, tranquila e não sente ansiedade.
Os sentimentos e os comportamentos são produzidos pelas contingências de reforçamento. Os
pais podem criar contingências que produzirão determinados comportamentos e determinados
sentimentos. Por um lado, os pais podem criar contingências que gerem comportamentos inadequados
nos seus filhos e sentimentos desagradáveis (pais punitivos, que criam muitas contingências
coercitivas, produzem comportamentos de mentir e sentimentos de ansiedade e culpa, por exemplo).
Por outro lado, podem criar contingências que gerem comportamentos adequados e sentimentos
agradáveis (pai acolhedores, que criam contingências amenas e gratifícantes, produzem
comportamentos de dialogar e sentimentos de bem-estar e satisfação, por exemplo). Daí, pode se
concluir que os pais têm possibilidades, se devidamente orientados, de relacionar-se com seus filhos de
modo a produzir neles sentimentos harmónicos e equilibrados de auto-estima, autoconfiança e
responsabilidade. Deve-se concluir que as pessoas não nascem com auto-estima, nem com
autoconfiança, nem com responsabilidade. Não nascem também com o repertório de nomear tais
sentimentos. Há necessidade de uma comunidade verbal que ensine seus membros, desde pequenos, de
preferência, a nomear os sentimentos e que maneje contingências de reforçamento adequadas para
produzir sentimentos gratificantes e positivos.
Conclusão sobre a origem dos sentimentos. Os sentimentos não nascem com as pessoas. As
contingências de reforçamento produzidas pela comunidade verbal produzem comportamentos e
sentimentos que são indissociáveis entre si. Metaforicamente, a unidade comportamento-sentimento
poderia ser comparada a urna bola colorida; a bola é o comportamento e a cor, o sentimento. É difícil
imaginar a bola sem cor e a cor na ausência do objeto concreto em que ela se expressa. Se os
comportamentos-sentimentos são produtos colaterais das contingências de reforçamento, então
contingências amenas e gratificantes não produzirão comportamentos com função de contracontrole ou
de oposição (como mentir ou atacar etc.), mas com função de aproximação e colaboração (como
dialogar, dividir tarefas para benefício de todos etc.); também não produzirão sentimentos
desagradáveis (como raiva, ansiedade, culpa etc.), mas sentimentos positivos (como satisfação, bem-
estar, amor etc.) Os pais podem, se forem orientados para tal e o desejarem, criar contingências amenas
para seus filhos, que terão comportamentos de dialogar, de cooperar, de produzir, de tomar iniciativa,
de cumprir suas tarefas, de relacionar-se afetivamente com as pessoas, de respeitar as regras da

51
comunidade, de ser criativos etc. e terão sentimentos de satisfação, de bem-estar, de auto-estima, de
autoconfiança, de responsabilidade, tudo isso de maneira equilibrada para si e harmónica com as
pessoas que as cercam no presente e duradouramente.

Auto-estima
Até este ponto, foi esclarecido que auto-estima é um sentimento; que a criança não nasce com
auto-estima, mas que tal sentimento pode ser desenvolvido durante a vida da pessoa; que, como
qualquer outro sentimento, ela é o produto de contingências de reforçamento, contingências essas que
os pais podem apresentar para a criança, desde que devidamente orientados sobre como fazê-lo. Que
contingências produzem, então, auto-estima?
A auto-estima é o produto de contingências de reforçamento positivo de origem social. Assim,
sempre que uma criança se comporta de uma maneira específica, e os pais a conseqüenciam com
alguma forma de atenção, carinho, afago físico, sorriso (cada uma dessas manifestações por parte dos
pais pode ser chamada de reforço social generalizado positivo ou consequência positiva), estão usando
contingências de reforçamento positivo, estão gratificando o filho. Por outro lado, toda vez que uma
criança se comporta e os pais a repreendem, a criticam, afastam-se dela, não a tocam, nem conversam
com ela (cada uma dessas manifestações por parte dos pais pode ser chamada de estímulo aversivo ou
consequência negativa), estão usando contingências coercitivas ou punindo o filho. A primeira
condição aumenta a auto-estima, a segunda a diminui.
O uso de contingências reforçadoras positivas apresenta várias vantagens: l. Fortalece os
comportamentos adequados do filho que são conseqüenciados dessa forma; 2. Produz maior
variabilidade comportamental, pode-se dizer que a criança fica mais criativa; 3. Desenvolve
comportamentos de tomar iniciativa; 4. Produz sentimentos bons, tais como satisfação, bem-estar,
alegria, auto-estima etc..
O fundamental para o desenvolvimento da auto-estima é o reconhecimento que os pais
expressam ao filho pêlos seus comportamentos. Assim, é importante salientar o você na frase que
explicita o elogio e não apenas o comportamento:" Você me deixou feliz com seu boletim" é muito
melhor que "As notas do seu boletim me deixaram feliz'''; "Que mangas deliciosas você apanhou na
mangueira da vovó" não é uma frase tão rica quanto "Você conseguiu apanhar, na mangueira da vovó,
umas mangas deliciosas"; "Quando você está assistindo ao jogo na TV, eu me animo para ver a
partida" é mais importante que " Vamos assistir ao jogo na TV?" etc. Note que em todas as frases há
um elogio, uma forma de reforçamento positivo social; no entanto, algumas frases destacam a pessoa
que emitiu o comportamento. É esse tipo de comunicação que melhor desenvolve a auto-estima, uma
vez que dá destaque à pessoa e não ao comportamento. O reconhecimento do outro não desenvolve,
como se poderia imaginar, dependência na pessoa que foi elogiada. Pelo contrário, sentindo-se amada
pelo outro, ela aprenderá a amar a si mesma, e, a partir deste processo de vivência comportamental, vai
se diferenciando das outras pessoas e se tornando independente: ela se ama, aprende que é bom ser
amada pelo outro, mas não precisa ser amada por ninguém em particular (pois se precisasse, então,
existiria a dependência). A pessoa com boa auto-estima aprende a exercitar o auto-reconhecimento:
discrimina que é capaz de emitir comportamentos e que é capaz de produzir consequências
reforçadoras para ela (por exemplo, pensamentos que explicitam auto-reconhecimento poderiam ser:
"Eu sabia que ia dar certo: planejei com cuidado todos os detalhes da festa. Foi um sucesso,
superdivertida"; "Tenho treinado com afinco para a maratona. Meu tempo na prova foi um prémio
merecido pelo meu esforço"). Ela é livre do outro para produzir o que é bom para ela (embora possa ter
com o outro o que for bom para ambos, mas sem dependência). Ela promove para si mesma o que é
bom para ela, simplesmente porque se ama. Os pais não deveriam, no entanto, esperar pela ocorrência
dos comportamentos desejáveis, mas participar direta e ativamente do processo de modelagem e
instalação de tais repertórios comportamentais. Essa participação supõe os seguintes requisitos:

52
l. um conhecimento básico sobre princípios de comportamento, em particular como instalar e manter
comportamentos adequados e minimizar ou eliminar comportamentos inadequados. Muitas vezes,
os pais cometem erros na educação dos filhos por falta de conhecimento. Assim, por exemplo, ao
explicar exageramente ao filho que se recusa a ir para a escola a importância dos estudos, os pais
podem fortalecer, com tal atenção, o comportamento de oposição. Ao ajudar a criança a vestir sua
roupa, com intuito de mostrar a ela seu carinho, podem criar dependência e incapacidade de fazer
as coisas sozinha;
2. disponibilidade de tempo com o filho, uma vez que, pressionados pela correria do dia-a-dia, os pais
têm poucas e breves oportunidades para se entregarem ao desenvolvimento dos filhos. Problemas
com alimentação são frequentes por causa da pressa que os pais têm para completar as refeições
dos filhos, já que existe o horário da escola, do trabalho etc.: dão a comida que os filhos preferem,
sem nenhuma preocupação com o equilíbrio alimentar; servem-nos na boca, para acabar logo...
tudo errado, mas chegam aos seus compromissos no horário;
3. critérios flexíveis de exigência de desempenho: outro ponto fundamental é que os pais não devem
usar critérios muito exigentes para gratificar os filhos, pois altas exigências tornam os filhos
ansiosos e, futuramente, perfeccionistas consigo mesmos e com os outros. Exigir o mais que
perfeito é um modo imperfeito de educar. Além disso, quando a exigência não é exagerada, a
criança emite o comportamento sem dificuldades, sente-se gratificada e é possível aumentar aos
poucos as exigências até atingir um padrão final de desempenho desejado sem que a criança cometa
erros.
Se a gratificação for contingente, exclusivamente, aos comportamentos adequados da criança,
ela pode ficar com a sensação de que a atenção, carinho, amor etc. que recebeu de uma certa forma
foram pagos pelo bom comportamento. Acaba surgindo uma relação em que a criança primeiramente
gratifica os pais, oferecendo-lhes seu bom comportamento, e só então eles a gratificam. Tal relação
pode não caracterizar uma relação de amor, mas de troca. Sob estas circunstâncias, o sentimento de
auto-estima não aparece. Assim, é essencial que as consequências reforçadoras sejam dadas também
sem que os pais prestem atenção às contingências. Na prática, isso significa que qualquer
comportamento pode ser conseqüenciado, exceto aqueles muito inadequados, que oferecem perigo
para a criança ou para pessoas que a cercam. Quando um pai chega do trabalho, senta-se relaxado ao
lado do filho no sofá, dá-lhe um abraço e diz: "Como foi seu dia hoje? Tava com saudades", ele não
está observando se o filho está emitindo ou não um comportamento adequado, para só então dar-lhe
carinho. Nesse momento, o pai esquece os comportamentos (que não obstante estão sendo emitidos) e
ama o filho.
Outra estratégia importante para desenvolver sentimentos de auto-estima é os pais se
conscientizarem de que precisam flexibilizar seus critérios do que é "certo" ou "errado", "adequado" ou
"inadequado" e incluir como "adequados" aqueles comportamentos emitidos pelo filho que produzem
consequências reforçadoras para a criança, mesmo que tal comportamento não seja reforçador para os
pais, ou até mesmo lhes traga consequências aversivas. Apenas quando a criança receber atenção,
apoio, incentivo dos pais, por comportamentos que geram reforços para ela e não geram reforços
positivos diretamente para os pais, a criança discriminará que não está pagando os reforços dos pais
com bons comportamentos (segundo os critérios dos pais). Pergunte a uma pessoa se ela se lembra de
ter sido abraçada, compreendida, apoiada quando fez algo que magoou os pais. Se disser que "sim",
então, certamente, ela foi amada; não apenas seus comportamentos foram amados. Muitas vezes, a
pessoa relata que os pais sempre a elogiaram, a acompanharam em suas atividades, nunca a puniram
severamente e a relação entre todos da família sempre pareceu harmoniosa. No entanto, ela sente um
vazio afetivo difícil de ser entendido. O que ocorreu, provavelmente, é que essa pessoa sempre se
comportou de maneira adequada, de acordo com os critérios dos pais, e por isso foi elogiada. Nunca
foi punida porque não ousou fugir dos critérios de bom comportamento em vigor. Não foi punida, de
fato, mas nunca se sentiu livre para quebrar os limites, a fim de testar a relação com os pais. Enfim,
não se sentiu amada.

53
Os pais, normalmente, querem acertar nos seus relacionamentos com os filhos, mesmo quando
as coisas saem erradas. Uma estratégia útil para minimizar o problema é os pais combinarem entre si
que um pode e deve corrigir o outro, mesmo na presença do filho, quando isso se fizer necessário.
Assim, por exemplo, se o pai é muito exigente com o desempenho do filho (" Você vai ter que escrever
l O vezes a tabuada para não se esquecer mais"), a mãe pode interceder em favor do filho sem
desautorizar o pai ("Benzinho, o Pedrinho está cansado. Você não acha que se ele fizer 5 vezes a
tabuada por hoje já está bom? Se ele não aprender, poderá fazer outras amanhã. Vamos fazer um
teste. O que você acha?"). Note que a mãe não se opôs ao pai em favor do filho, mas ao sugerir a
mudança de critério do pai (reduziu de 10 para 5), mostrou seu amor pelo filho.
Uma outra estratégia para evitar excessos por parte dos pais ou equívocos de avaliação é
ensinar o filho a argumentar em causa própria, dando algumas deixas para os pais reavaliarem seus
critérios. O argumento do filho deve ser breve e ter, exclusivamente, a função de sinalizar para os pais
que eles podem estar exagerando ou mesmo estarem equivocados. O objetivo desta estratégia não é
iniciar um diálogo ou discussão sem fim entre pais e filho, em que este não desiste de tentar convencê-
los de que estão errados. Assim, por exemplo, diante de um boletim em que a única nota ruim foi dois
em História, o pai comentou "Precisa estudar mais História", ao que o filho poderia responder "Pai, o
que você achou das outras notas?"
Tudo o que foi exposto não exclui a importância de dar limites para a criança. Assim, dizer
"não", proibi-la de fazer determinadas coisas, puni-la quando os comportamentos emitidos pela criança
apresentam riscos para a segurança dela e de outros etc. são parte necessária do desenvolvimento
comportamental e afetivo de uma criança. Ela precisa sofrer frustrações e aprender a lidar com elas. A
criança não se sentirá pouco amada porque sofre restrições e eventuais punições que são, claramente,
contingentes a comportamentos inadequados. Ela se sentirá ansiosa, insegura, desamparada, se as
punições forem inconsistentes (ora um comportamento é punido, ora o mesmo comportamento é
reforçado) ou não contingentes, isto é, não associadas a nenhum comportamento. Muitas vezes, as
reações aversivas dos pais com a criança ocorrem por problemas pessoais deles (alcoolismo, falta de
dinheiro, desavenças conjugais etc.), sem nenhuma relação de funcionalidade com os comportamentos
do filho.

Alguns exemplos de interacão entre pais e filhos que aumentam ou diminuem a


auto-estima
1. A mãe frita e separa o maior pastel, em que colocou duas azeitonas, para João que adora pastel; compra
chocolate para todos, mas um "meio amargo" para Paulo, o único que "ama" chocolate amargo. Ao tratar
diferentemente cada filho, ela destaca o que é importante para cada um. Elas os ama como são e todos são
amados.
2. A mãe prepara o pudim que Pedro lhe pediu, mas não com a calda de chocolate. Faz calda de caramelo, pois
é esta que o pai prefere. Em última análise, a mãe coloca o pai no meio da relação dela com Pedro. Para quem
ela preparou o pudim, afinal?
3. "Adorei sua nota de matemática, Fábio. Você parece seu pai, sempre tirando 10". A frase é um elogio ao
filho, mas inclui uma grande exigência: igualar-se o pai e tirar 10. Funciona como um elogio ou uma ameaça
para a próxima prova. E se não tirar 10?
4. "Pai, o Tiago ainda não fez a lição. ", diz a mãe. "Não me importa, agora quero sentar-me ao lado do
meufilhão, no sofá, para vermos juntos um pouco de TV". O pai não tornou seu carinho condicional a
nenhum comportamento académico adequado do filho. Sem atentar para as contingências, deu amor ao Tiago.
5. "Pai, eu queria fazer um banquinho de madeira... " "Tá certo, Beto: vá até a oficina do 'seu' Armando, que é o
melhor marceneiro que conheço, e ele vai ensinar você afazer um 'senhor banquinho'." O pai autorizou o
filho, mas não se envolveu pessoalmente com a solução do problema e incluiu uma exigência alta de
desempenho.
6. O pai comprou uma cesta de basquete e a fixou na parede, na altura oficial. Presenteou o filho com uma bola

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tamanho oficial, com o objetivo de motivá-lo para o esporte. Esqueceu-se que o filho de 8 anos não tinha
forças para arremessar a bola tão alto. O pai realizou um desejo seu e se esqueceu das limitações naturais do
filho, que acabou se frustrando com seu brinquedo.
7. A mãe diz ao marido: "Você está tão cansado. Por que não dorme um pouco à tarde? Hoje é sábado." "Nem
pensar; vou levar Daniel para assistir à 'Era do Gelo'. Aguento tantas reuniões, mesmo exausto. Meu filho vale
a pena ". Mesmo que a atividade tenha componentes aversivos para o pai, assistir ao filme é importante para
afilho. Então, é importante para o pai também.
8. "Você não gosta de rock. Porque comprou este CD? " "Porque meu filho adora... " "Mas, ele tirou uma nota
tão baixa em química!" "Sim, mas foi a única nota ruim dele... Além do mais, eu e eleja combinamos que
vamos estudar juntos para a recuperação". O CD foi um presente para afilho, não para sua nota em química.
Estudar com o filho pode ser desagradável, mas a interação que os pais têm com o filho, enquanto estudam
juntos, inclui muitas outras coisas agradáveis.
9. A tia chega atrasada para assistir ao jogo de ténis do sobrinho. Ao vê-lo saindo da quadra exausto, vermelho,
pingando de suor, diz: "Coitadinho, tão suado ", enquanto passa a mão pelo rosto dele. "Vocêprecisa ir tomar
uma Coca geladinha ". Ela nem quis saber o resultado do jogo (aliás, ele havia perdido a partida). Ela não ama
ténis, ama o sobrinho.
10. A mãe, recém-separada, mora sozinha e recebe um telefonema. Reconhece a voz da filha, que lhe pergunta
"Quem está falando? " Prontamente, a mãe responde: "Quem você acha que poderia ser? " A mãe dá maior
ênfase ao comportamento (pune a pergunta feita) do que afilha (poderia dizer "Que bom que você me ligou").
11. "Meu pai me adorava. Ele me protegia em relação aos meus irmãos; era exigente com eles... Eles tinham que
chupar jabuticaba com garfo e faca... Eu não precisava. Punha na boca e estalava a jabuticaba par a todo
mundo ver". Com certeza, os irmãos deveriam achar injusta a situação. Pode-se dizer que o pai atentava para
os comportamentos dos filhos e para a pessoa da filha. Ela podia se comportar como bem entendesse.

Observe que nos exemplos acima não houve nenhum exemplo de punição explícita (bater, pôr
de castigo, retirar privilégios etc.). Todos os exemplos mostraram os pais dando atenção ou alguma
forma de privilégio para os filhos. No entanto, somente as situações l, 4,7,8 e 9 são exemplos de
relações de reforçamento positivo, em que os pais atuaram levando em conta primeiramente os filhos.
No exemplo 2, a mãe privilegiou o pai; nos exemplos 3,5 e 6, os critérios de adequacidade do
comportamento para que o filho recebesse a atenção dos pais foram elevados, exigentes e atenderam
primeiramente aos pais e não aos filhos. No exemplo 10, a mãe exigiu uma discriminação sutil e rápida
da filha e a puniu. No exemplo 11, o pai estabeleceu altas exigências para os meninos e foi acolhedor
com a filha.

Questões que os pais devem se fazer para desenvolver auto-estima nos filhos
Nas duas últimas semanas:
1. Eu tive tempo para conversar e fazer algumas atividades com meu filho, sem pressa para encerrar logo a
interação?
2. Eu ensinei meu filho a fazer alguma coisa?
3. Eu saberia dizer que atividades meu filho gostaria de fazer em minha companhia?
4. Eu saberia dizer que atividades meu filho gostaria de fazer sem mim, com os amigos dele?
5. Eu fiz algo com ele para agradá-lo e não para me agradar?
6. Eu lhe dei alguma demonstração clara de atenção, de carinho, de amor?
7. Eu valorizei alguma coisa que ele fez, sem especificar critérios de qualidade ou nível de desempenho?
8. Eu lhe dei alguma forma de atenção, carinho, sem exigir antes nenhuma forma de comportamento adequado?
9. Eu revi ações ou comentários meus, considerados excessivos, a partir de deixas fornecidas pela minha
mulher ou por meu filho?

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10. Eu abracei meu filho, disse-lhe que o amo, que senti saudades dele, no exato momento em que me encontrei
com ele, sem me preocupar com seus comportamentos, se estava suado, com roupa suja, despenteado etc.?
11. Eu lhe dei alguma coisa de que ele gosta: uma bala, uma figurinha, uma flor, simplesmente porque me
lembrei dele (não do que ele fez)?
12. Eu lhe impus alguns limites que considerei necessários?
13. Eu lhe disse algum "não"?

Em resumo:
1. Auto-estima é um sentimento aprendido e desenvolvido durante a vida da pessoa;
2. Auto-estima é produzida por uma história de reforçamento positivo social, em que a pessoa tem seus
comportamentos reforçados pelo outro;
3. Auto-estima decorre de relações interpessoais em que a pessoa, e não apenas seus comportamentos, é
reconhecida pelo outro como reforçadora;
4. Auto-estima passa a ser mantida e desenvolvida pela própria pessoa, à medida que ela aprende com o outro o
auto-reconhecimento e a observar seus comportamentos e as consequências reforçadoras positivas que eles
produzem;
5. Auto-estima só se desenvolve a partir da inserção da pessoa num contexto social, e esse desenvolvimento é
proporcional à capacidade do meio social (dos pais, família etc.) de prover reforçadores positivos para seus
membros (filhos, por ex.);
6. Auto-estima desenvolve-se quando os pais têm como prioridade o filho e não os comportamentos do filho;
assim sendo, reforçam comportamentos que lhe são reforçadores, mas também comportamentos dos filhos,
que, mesmo não produzindo reforçadores para os pais, são importantes para os filhos;
7. Auto-estima desenvolve-se quando os pais reforçam os comportamentos do filho sem atentar para as
contingências;
8. Auto-estima desenvolve-se, exclusivamente, a partir de contingências sociais reforçadoras positivas amenas.
Punições, contingências coercitivas em geral ou contingências muito intensas não contribuem para
desenvolver auto-estima;
9. Auto-estima está associada à possibilidade da pessoa de sentir-se livre, de sentir-se amada, de tomar
iniciativas e de apresentar criatividade (variabilidade comportamental que produz reforços positivos). Essa
possibilidade é criada pelas contingências positivas e amenas fornecidas pêlos pais.

Autoconfiança
Os sentimentos de auto-confiança desenvolvem-se a partir de contingências de reforçamento
não sociais. A dimensão fundamental para desenvolver autoconfiança é que a criança tenha a
possibilidade de emitir um comportamento e, então, produzir consequências no seu ambiente que
fortaleçam tais comportamentos. Assim, por exemplo, se uma pessoa arremessa uma bola na cesta de
basquete e acerta, a bola entrando na cesta reforça positivamente o comportamento de arremessá-la
(não há necessidade de outra pessoa para reforçar o comportamento). Ou, uma pessoa, com uma chave
na mão, gira-a na fechadura e abre a porta. O comportamento de girar a chave é reforçado pela porta
aberta. Ao subir pêlos ramos de uma árvore, a criança alcança a manga madura, apanha-a e come-a. A
manga é o reforço positivo. O sentimento de autoconfiança está associado aos comportamentos bem-
sucedidos.
Outra classe de contingências de reforçamento ocorre quando o comportamento remove uma
condição aversiva (pode-se falar em
reforçamento negativo, pois, ao contrário do positivo, aqui o comportamento fortalece-se quando se
retira ou se subtrai alguma coisa consequente ao comportamento). Assim, ao usar o extintor de
incêndio adequadamente (comportamento), a pessoa apaga o fogo (remove um evento aversivo); ao
fechar a janela do carro em movimento, cessa o vento frio; ao mexer na tecla do volume, a intensidade
do som ambiente se reduz para um nível suportável etc. A autoconfiança é um sentimento que surge

56
das contingências de reforçamento (positivo ou negativo). Diz-se que uma pessoa com sentimento de
autoconfiança é "segura" e "confiante", "tem iniciativa" etc. "Segura" e "confiante" significam que a
pessoa sabe que comportamentos deve emitir para alcançar reforços positivos ou remover eventos
aversivos. "Tem iniciativa" significa que num contexto determinado emite, sem ajuda de outra pessoa,
a resposta adequada, aquela que produz consequências gratificantes ou remove eventos aversivos.
Se as consequências para o comportamento são de natureza não social, então o que os pais
podem fazer para desenvolver autoconfiança em seus filhos?
Em primeiro lugar, os pais devem criar condições para que os filhos emitam os
comportamentos que serão conseqüenciados e não fazer os comportamentos pêlos filhos. Assim, se
uma mãe vai até a padaria e pede para o filho esperá-la no carro, enquanto ela desce, compra o pão, o
leite e um docinho que entrega para o filho, essa mãe não criou condições para o filho emitir
comportamentos. Se, pelo contrário, ela lhe diz: "Filho, desça e compre pão, leite e um docinho para
você, enquanto estaciono o carro", ela criou oportunidades para o filho comportar-se e ser
conseqüenciado positivamente. Assim, a criança pede o pão e a balconista a reforça entregando-lhe o
pão. Vai até o caixa que a reforça dando-lhe o troco etc. Ou seja, a mãe criou as oportunidades, a
criança emitiu vários comportamentos e todos foram reforçados. A criança, então, sente-se capaz,
segura, autoconfiante. Esta é uma boa maneira para se iniciar o processo de separação entre mãe-
criança, sem que esta se sinta abandonada ou desamparada. Quando a mãe faz tudo pela criança e com
a criança, ocorre um apego exagerado entre elas e a separação da mãe, mesmo por curtos períodos,
torna-se aversiva para a criança que tem, então, reações emocionais como: choro, birras nos momentos
de afastamento e mais tarde, se não for alterada a situação, podem aparecer fobias sociais ou de
situações. A fobia escolar, dificuldade que a criança mostra de se separar da mãe para entrar e
permanecer em sala de aula, tem quase sempre a origem descrita. Da mesma maneira, pais que
incentivam seus filhos a emitir comportamentos motores, tais como subir em árvore, em escadas, andar
sobre uma mureta, jogar bola etc. criam condições para as crianças obterem reforços positivos naturais,
provenientes das próprias atividades e brincadeiras, e sentirem-se autoconfíantes. Por outro lado, pais
que impedem seus filhos de emitir tais comportamentos, impedem-nos de obter os reforços naturais
provindos das atividades, restringem as oportunidades para desenvolverem habilidades motoras e as
crianças sentem-se com medo, inseguras, sem autoconfiança.
Em segundo lugar, não basta os pais criarem condições para o filho emitir comportamentos, se
essas condições não forem adequadas. Assim, se a árvore for muito alta e os galhos distantes entre si, a
criança não conseguirá alcançar a manga e se sentirá frustrada e fracassada. Seu comportamento
entrará em extinção. A criança poderá dizer: "Tenho medo de subir em árvores"; "Não quero brincar
disso"; "Não gosto de manga." etc. A solução seria os pais prestarem atenção na dificuldade da tarefa
que vão propor para a criança e adequarem a dificuldade da tarefa às habilidades da criança,
escolhendo uma árvore mais baixa, por exemplo. Outra alternativa é dar ajuda física para a criança, de
tal maneira que ela realize a tarefa com segurança. Por exemplo, ao subir uma escada no parquinho, o
pai pode segurar firmemente as mãos do filho, de modo que ele suba todos os degraus com sucesso.
Quando o filho demonstrar que sua habilidade evoluiu, o pai pode reduzir progressivamente a ajuda,
até que os comportamentos de subir e descer a escada ocorram sem hesitação por parte da criança. No
exemplo da padaria, a mãe deveria descer do carro com o filho nas primeiras tentativas, entrar com ele
na padaria e ajudá-lo a ter sucesso nos seus comportamentos. Por exemplo, chamando a balconista e
lhe dizendo: "Meu filho quer lhe fazer um pedido." O resto do encadeamento de respostas, então, pode
ficar para o filho executar. O ponto importante é que assim a criança adquire os comportamentos
esperados, praticamente sem cometer erros. É desta maneira que se pode desenvolver o sentimento de
autoconfiança que acompanha o comportamento bem-sucedido.
Quando a criança é solicitada a ter desempenhos muito complexos para seu nível de
desenvolvimento, ela pode se recusar a atender o pedido da mãe, eventualmente pode chorar ou dar
uma desculpa: "Não quero pão"; "Não quero chocolate", quando de fato está dizendo: "Não quero
entrar sozinha na padaria" Às vezes, a criança não se recusa a atender o pedido (isso ocorre quando as
contingências são fortes: ou há excessivo elogio pelo desempenho ou ameaça de crítica, repreensão

57
pelo não cumprimento da tarefa), mas ao cumprir a tarefa sente-se também ansiosa. Os pais deveriam
estar atentos a esta possibilidade antes de proclamarem com orgulho que seus filhos desde muito
pequenos já pareciam adultos (por sinal, um mau indicador de desenvolvimento emocional). Altas
exigências de desempenho devem ser evitadas. Existem situações especiais em que se exige alta
precisão de desempenho (numa microcirurgia, por exemplo) ou esforços exagerados (numa maratona
olímpica, por exemplo), mas são raras se comparadas com a vida cotidiana. Assim sendo, os pais
devem estar sempre revendo seus critérios de exigência: nem sempre um pouco mais daquilo que é
bom é, necessariamente, melhor. Contingências amenas evitam sentimentos de ansiedade, medo,
preocupação e evitam comportamentos de fuga-esquiva. São mais recomendáveis, portanto. Se houver
necessidade de desempenhos complexos, é apropriado aguardar a idade em que a criança tenha já
adquirido os padrões comportamentais de pré-requisito necessário para alcançar os padrões mais
complexos sem esforço exagerado. Finalmente, a modelagem de tais comportamentos complexos deve
ser feita por pessoas qualificadas para isso (professores, treinadores etc.)
Uma terceira maneira pelo qual os pais podem ajudar os filhos a desenvolver autoconfiança é
permitir-lhes e até incentivarem-nos a explorar o ambiente. Deixem a criança se locomover
h'vremente, sempre se mantendo vigilantes para evitar situações de perigo. Esperem a criança explorar
a situação, se for necessário guiem-na pela mão ou chamem-na para um lugar mais seguro. Não
gritem: "Cuidado, você vai cair e se machucar." Também é completamente contra-indicado prevenir a
criança sobre os eventuais e imaginários perigos da situação, antes mesmo que ela comece as
atividades: "Cuidado com as aranhas"; "Não vá cair num buraco". Frases desse tipo geram ansiedade,
insegurança e inibem os movimentos das crianças. Se forem persistentes, podem desenvolver fobias.
Mas o que fazer se de fato a criança se machucar? Não é possível evitar todos os perigos e,
eventualmente, alguns acidentes vão ocorrer. O papel dos pais é minimizá-los, não evitá-los. O melhor
procedimento é dar à criança um bom modelo de como lidar com o acidente: ajude a criança a se
levantar, pergunte-lhe onde dói, diga-lhe o que vai fazer, com clareza e honestamente: "Vou lavar seu
dodói. Vai doer, mas você consegue aguentar"; "Vamos até o hospital para o médico ver o que precisa
ser feito..." etc. Reações exaltadas e exageradas assustam a criança e não a ensinam como lidar com
adversidades. Até nas situações dolorosas é possível ensinar à criança comportamentos adequados para
reduzir o dano e desenvolver autoconfiança.
Há situações, como as atividades académicas, por exemplo, em que o comportamento da
criança não pode ser modelado por consequências naturais, mas há necessidade de consequências
verbais. Os mesmos princípios comportameritais básicos que foram apresentados para as
contingências naturais aplicam-se também quando as consequências são verbais. Assim, por exemplo,
se uma criança de 4 anos procura contar um fato e é interrompida pelo irmão de 7 anos, o
comportamento narrativo dela é punido pelo irmão. Os pais, nesta situação, poderiam pedir ao mais
velho que não interrompesse o menor e, ao mesmo tempo, olhar fixamente para o filho mais novo,
dando-lhe completa atenção enquanto ele fala, e fazendo gestos de aprovação para mante-lo
verbalizando. A criança será, assim, reforçada socialmente pela sua narrativa e terá sentimentos de
autoconfiança produzidos pela contingência reforçadora. O método socrático de fazer perguntas
simples o suficiente para serem respondidas corretamente, mas encadeadas de tal forma que cada
pergunta seguinte evoca uma informação adicional, até que um conteúdo complexo tenha sido exposto
pela criança, é outro recurso que os pais podem empregar. Os pais podem também auxiliar seus filhos
na realização bem-sucedida das tarefas de casa e lições de estudo, organizando o material em
segmentos fáceis de serem respondidos e aprendidos. A criança é, assim, reforçada pelo que aprende,
pela professora e pêlos pais. A fim de não criar dependência dos pais para o estudo, eles devem ir
removendo sua ajuda gradual e sistematicamente até que a criança faça a tarefa e estude a lição sem
nenhum auxílio adicional. A realização bem-sucedida de uma tarefa produz reforços e sentimentos de
autoconfiança.
Enquanto as contingências que produzem sentimentos de auto-estima têm que ser
necessariamente reforçadoras positivas, as contingências que produzem sentimentos de autoconfiança

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podem ser positivas ou negativas. Assim, auto-estima é um sentimento que geralmente não se associa
com ansiedade ou medo, mas sim com bem-estar, satisfação. O sentimento de autoconfiança, por sua
vez, pode estar associado a bem-estar, satisfação, bem como com ansiedade, medo, alívio. As
contingências reforçadoras positivas manejadas pêlos pais para produzir sentimentos de auto-estima
visam, primordialmente, a pessoa. As contingências reforçadoras manejadas pêlos pais para produzir
sentimentos de autoconfiança visam, primordialmente, os comportamentos.
Apenas didaticamente separam-se as contingências que produzem sentimento de auto-estima,
daquelas que produzem sentimento de autoconfiança. Ambos os grupos de contingências interagem
entre si e as duas classes de sentimentos vão se desenvolvendo simultaneamente. Em casos mais
extremos, é possível observar diferentes níveis de sentimentos de auto-estima e de autoconfiança.
Assim, famílias superprotetoras podem gerar filhos com elevados sentimentos de auto-estima (recebem
mais
reconhecimento do que seus comportamentos reais justificariam receber), mas com repertórios
limitados de comportamentos para enfrentar a vida cotidiana, ou seja, repertórios que não produzem
consequências gratificantes. Como tal, também os sentimentos de autoconfiança, neste caso associados
a situações de insucesso, são pouco desenvolvidos. O resultado é uma pessoa dependente dos outros
para lidar com seu contexto de vida, mas que gosta de si mesma com exagero (seriam descritas como
egoístas). Outras famílias podem ser indiferentes, distantes dos seus filhos, que vivem quase como
órfãos de pais vivos, mas que, exatamente por isso, desenvolvem complexos repertórios de
comportamentos bem-sucedidos e elevados sentimentos de autoconfiança. No entanto, apobreza de
contingências reforçadoras positivas e de reconhecimento vindos dos outros produzem baixos
sentimentos de auto-estima. São pessoas que podem ser eficientes na sua atuação profissional e
cotidiana, mas são dependentes afetivamente de outras pessoas, sensíveis à perda de afeto e de
companhia (deprimem-se quando estão solitárias) e fazem, em geral, péssimas escolhas afetivas.
A criança que emitiu comportamentos e foi reforçada aprende a tomar iniciativas, a resolver
problemas (emite respostas até ser reforçada pela solução do problema), a persistir diante de tentativas
fracassadas até alcançar o sucesso, torna-se independente dos outros, já que ela se basta para conduzir
sua vida e para enfrentar as dificuldades do cotidiano e desenvolve sentimentos de segurança,
satisfação, coragem etc. A criança que foi impedida de emitir comportamentos fica privada de reforços
positivos, apresenta déficits de comportamentos motores e verbais, não aprende a tomar iniciativas
(comportar-se na ausência de controles manejados por outros), nem a solucionar problemas, desiste,
facilmente, diante do insucesso, torna-se dependente dos outros e desenvolve sentimentos de medo,
ansiedade, insegurança, fobias etc.

Alguns exemplos de ínteração entre pais e filhos que aumentam ou diminuem a


autoconfiança
1. "Canso de lhe dizer que precisa melhorar sua letra. Será que não entende minha língua?" Pai pune o
comportamento de escrever do filho.
2. "Vou ajudá-lo um pouquinho mais. Segure firme. Assim mesmo. Agora você pode subir o que falta sozinho."
Pai dá ajuda física que permite ao filho completar com sucesso a tarefa de subir numa torre.
3. "Não adianta reclamar que tá dificil fazer a lição de Física. Você tem que estudar mais e se virar. Sua
profissão é ser estudante." Pai recusa-se a dar ajuda ao filho, pune o comportamento atual de estudar e faz
exigências de desempenho.
4. "Mãe, segure na mão do Joãozinho para ele entrar no banco de trás do carro, mas não o carregue. Ele precisa
fazer algum esforço." Pai orienta a mãe para dar alguma ajuda, mas não realizar o comportamento pela
criança.
5. "Viemos aqui para a praia para nos divertirmos. Fiquem à vontade. Só não vão muito longe sem nos avisar."
Os pais criam oportunidade para os filhos explorarem um ambiente novo e propõem um mínimo de restrição.
6. "Sua dor de garganta só vai sarar com a injeção que o médico receitou. Vou ajudar você. A picada vai doer,

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mas se você ficar quietinho e 'molinho' dói menos. Vou abraçar você..." A mãe esclarece o que vai acontecer,
orienta como o filho deve se comportar para lidar com a injeção aversiva, não permite fuga e dá-lhe afeio.
7. "No convite diz que os pais devem deixar os filhos na porta do salão de festas e vir buscá-los à noite. Não
vou entrar com você, mas lá dentro você vai encontrar seus amiguinhos." A mãe deixa claro que haverá a
separação, mas que o comportamento de entrar sozinho será reforçado pelo encontro com os amiguinhos.
8. "Não precisa ter medo de ir jogar futebol. Você não é um craque, mas quem ganha ou perde é o time. E não
interessa apenas ganhar. Você tem amigos lá, pode arrumar outros. Não importa só o resultado do jogo,
importam também os ganhos sociais". Pai mostra outros reforços que o comportamento de jogar a partida
pode proporcionar e não estabelece critérios altos de desempenho.
9. "Meu pai queria que eu controlasse minha alimentação. Eu já era gordinha nos meus 8 anos. Sorvete só uma
vez por semana, sempre aos domingos à tarde. Uma vez vi umas meninas chupando sorvete durante a semana
e disse para meu pai: - Bobas elas, né, pai? Chupando sorvete em dia de semana" A preocupação é com as
exigências que o pai faz sobre o comportamento, no caso "chupar sorvete durante a semana está errado", e a
filha consegue abrir mão do sorvete e até achar errado o que as meninas fazem.
10. "Minha mãe me disse que eu tenho um rosto tão lindo que é uma pena eu não fazer regime. 'Se você fosse
feia, eu nem pensaria no corpo', ela completou. Eu entendi onde ela queria chegar." Afilha discriminou que a
mãe não estava elogiando seu rosto, mas estava preocupada em levá-la a controlar os hábitos alimentares. A
frase da mãe poderia ser entendida como uma dica ou como uma crítica. A filha se sentiu "agredida"pela mãe.

Nos exemplos l, 3 e 10 os pais enfraqueceram a autoconfiança, pois em l e 10 puniram o


comportamento e em 3 não criaram condições para aumentar a probabilidade de o filho ser bem-
sucedido (poderiam, por exemplo, estudar com ele ou arrumar um professor particular). Nos demais
exemplos, os pais atuaram de maneira a aumentar a autoconfiança, mesmo em situações que produzem
sofrimento (6), em contexto em que o repertório do filho para ser reforçado positivamente ainda é
fraco (8) e produz privação de reforço positivo (9).

Questões que os pais devem se fazer para desenvolver autoconfiança nos filhos
Nas duas últimas semanas:
1. Eu criei condições para meu filho explorar alguma situação ou ambiente diferente e obter aí reforçadores
positivos naturais (levei-o a um parque, a uma fazenda, a um passeio de bicicleta etc.)?
2. Eu explicitei altas exigências de desempenho para, só então, reforçar positivamente seu comportamento?
3. Eu dei algum tipo de ajuda física ou verbal, de modo a tornar mais provável a ocorrência bem-sucedida de um
comportamento do meu filho?
4. Eu critiquei ou, de alguma outra forma, puni comportamentos do meu filho?
5. Eu menti ou minimizei informações sobre as possíveis consequências aversivas de um comportamento
(injeção não dói, o cavalo é manso etc.)?
6. Eu realizei alguns comportamentos por meu filho para poupá-lo de consequências aversivas (fiz a tarefa de
escola por ele, por exemplo)?
7. Eu insisti em acompanhá-lo em situações que ele poderia (e deveria) enfrentar sozinho?
8. Eu atendi aos pedidos de ajuda dele, poupando-o de se engajar em comportamentos complexos, mas que com
esforço ele conseguiria emitir com sucesso?

Em resumo:
1. Autoconfiança é um sentimento aprendido e desenvolvido durante a vida da pessoa.
2. Autoconfiança é produzida por uma história de reforçamento (positivo e negativo) com consequências
naturais (sem a interferência do outro) ou sociais (produzidas pelo outro).
3. Autoconfiança passa a ser mantida e desenvolvida pela própria pessoa quando ela aprende que seus
comportamentos produzem consequências reforçadoras positivas ou evitam consequências aversivas.
4. Autoconfiança pode ser desenvolvida apenas a partir das consequências naturais do comportamento; no

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entanto, se a pessoa estiver inserida num ambiente social capaz de programar contingências para ela emitir
comportamentos e ser reforçada por eles, sua autoconfiança se desenvolverá tanto mais quanto mais capaz
for o meio social para instalar tais contingências.
5. Auto-confiança desenvolve-se quando os pais têm como prioridade os comportamentos do filho e não a
criança como pessoa.
6. Auto-confiança desenvolve-se quando o meio social cria condições favoráveis para a criança emitir
comportamentos bem-sucedidos (produzem reforços positivos e removem eventos aversivos)

Responsabilidade
Nas seções precedentes, deu-se ênfase ao uso das contingências reforçadoras positivas. A
comunidade social, no entanto, usa também procedimentos aversivos: punição e reforcamento
negativo. Assim, na punição, um determinado comportamento produz um evento aversivo que tem
como efeito enfraquecer o comportamento ao qual foi contingente. Assim, se a criança mexe num
objeto de estimação da mãe que pode, facilmente, se quebrar, a mãe fica brava com a criança,
eventualmente, dá-lhe um tapa na mão e, desta forma, o filho não toca mais no objeto. Há uma outra
forma de punição, em que a criança perde algo que lhe é gratificante quando emite um comportamento
"inadequado" e, como resultado, tal comportamento se enfraquece. Por exemplo, dois irmãos brigam
enquanto assistem a um programa na TV. A mãe desliga a TV e manda cada qual para seu quarto por
algum tempo. Espera-se que parem de brigar, pelo menos quando a mãe estiver por perto.
O reforcamento negativo é também uma forma de controle aversivo, que se caracteriza pela
presença de um evento aversivo, ou ameaça de que ele virá, e, então, um comportamento remove o
estímulo aversivo presente (fuga) ou impede o aparecimento do estímulo aversivo anunciado (esquiva).
Os comportamentos de fuga e de esquiva se fortalecem pela remoção do evento aversivo. Assim, um
sapato novo e apertado provoca dor, em cada passada. A pessoa tira o sapato (comportamento de fuga)
e passa a andar confortavelmente. Como resultado da remoção do evento aversivo, o comportamento
de fuga se fortalece. No dia seguinte, diante do sapato velho e do novo, a pessoa, antecipando que o
novo lhe provocará dores e bolhas, guarda o sapato (evita o evento aversivo que viria se usasse o
sapato). Como resultado, o comportamento de esquiva se fortalece. Toda a contingência em que estiver
operando alguma forma de evento aversivo será chamada de contingência coercitiva.
O sentimento de responsabilidade ocorre quando estão sendo usadas contingências coercitivas.
Como decorrência dessa afirmação, quando se diz que uma pessoa é irresponsável, pode-se presumir
que na sua história de vida as contingências aversivas foram pouco usadas. Pode-se perguntar, então,
se as contingências coercitivas são necessárias para o desenvolvimento saudável de uma pessoa. Sim,
são necessárias. Há alguns pontos fundamentais, no entanto, que devem ser preservados. O primeiro
deles é que as contingências coercitivas devem ser evitadas. Sabe-se, porém, que não podem ser
completamente evitadas. A própria natureza se encarrega de punir comportamentos inadequados:
permanecer sob o sol por muito tempo produz queimaduras, mexer em fios com a corrente elétrica
ligada pode produzir choques, manusear descuidadamente uma faca fere o dedo, um tropeço pode
causar uma frarura, acender um fósforo pode queimar a mão etc. O mundo social também gera
consequências aversivas inevitáveis: há professores intolerantes, chefes injustos, impostos abusivos,
assaltantes desumanos, erros médicos, exigências de trabalhos exaustivos etc. que nos expõem a
contingências coercitivas, independente de nossas escolhas.
O segundo critério é que as contingências coercitivas devem ser amenaSj isto é, devem ser
intensas apenas o suficiente para produzirem as mudanças comportamentais desejadas. Contingências
coercitivas intensas produzem fortes sentimentos de ansiedade e de medo, geram comportamentos de
contracontrole indesejáveis (quando a ameaça é forte a pessoa mente, esconde-se, agride etc.), pode
haver uma diminuição generalizada dos comportamentos até então presentes (supressão
comportamental), perda da iniciativa, diminuição da variabilidade comportamental. É fácil concluir
que devem ser evitadas.
Como operam no dia-a-dia as contingências coercitivas? Quando uma mãe diz para o filho

61
mais velho: "Olhe seu irmãozinho para mim, enquanto tomo banho. Não deixe ele se machucar", ela
está, de fato, dizendo: se você deixar seu irmãozinho se machucar, então alguma coisa aversiva
(castigo, surra, repreensão etc.) lhe ocorrerá. Em outras palavras, a mãe promete umapunição se o filho
for descuidado, e obedecer à mãe, protegendo o irmãozinho, é um comportamento de fuga-esquiva da
consequência aversiva que a mãe aplicará se algo sair errado com o menor. Aí está um exemplo de
contingências coercitivas em operação. Atender à mãe é um comportamento de fuga-esquiva
(adequado para as condições desenhadas pela mãe) e associado a sentimentos de responsabilidade. O
filho não obedeceu a mãe porque é responsável. Ele a obedeceu por causa das contingências
coercitivas em vigor. Uma criança sensível, isto é que responde adequadamente às contingências
aversivas, desenvolve sentimentos de responsabilidade. Como se viu, os sentimentos foram aprendidos
a partir do contato com as consequências aversivas armadas, caso o comportamento de interesse não
ocorra. Pode-se citar outro exemplo: um aluno prepara com zelo suas lições de casa sem necessidade
de a mãe lembrá-lo de que já passou a hora de fazer a lição. Como esse comportamento foi instalado?
Os pais podem usar os seguintes procedimentos: "Se você não terminar a lição até às 18h, então não
verá TV à noite" (punição pela remoção do programa de TV gratificante); "Se você não fizer a lição,
seu pai vai ficar triste com você. Afinal, ele trabalha e sofre no emprego para pagar seus estudos"
(punição: pela remoção do afeto do pai - ficar triste - ou por causar sofrimento no pai sem recompensá-
lo - pai sofre no trabalho em vão). "Você só vai brincar com seus amigos depois que deixar seu quarto
em ordem" (punição: comportamento desorganizado impede o acesso aos amigos. A forma de enunciar
a frase dá a impressão de se tratar de reforçamento positivo); "Se você quebrar o computador de seu
pai, nem imagino o que ele fará com você" (reforçamento negativo: foi sinalizada uma condição
aversiva, da qual a criança pode se esquivar deixando o computador ou manejando-o com cuidado);
"Criança desobediente, o 'babau' vem e leva embora" (reforçamento negativo: sendo obediente se
esquivará de encontrar-se com o 'babau'); "Não coma muito chocolate que terá dor de barriga"
(reforçamento negativo: comendo pouco chocolate se esquivará das cólicas) etc.
A criança, sendo exposta a uma ampla variedade de contingências coercitivas, acaba
adquirindo um repertório de comportamentos adequados do ponto de vista da comunidade verbal que
utiliza tais práticas coercitivas. A criança acaba generalizando, a partir dos comportamentos aprendidos
sob condição aversivas, e passa a emitir outros comportamentos da mesma classe de "comportamentos
adequados para o grupo" que nunca forem treinados diretamente: cuida do jardim, alimenta os
cachorros, arruma sua própria cama, ajuda a arrumar a mesa de jantar etc. Aparentemente, estes
comportamentos são mantidos por reforçamento positivo, uma vez que os pais elogiam a colaboração
do filho, mas a origem da emissão dos tais comportamentos foi a história de contato com as
contingências aversivas. Da mesma forma, um pai pode dizer "Meu filho me ajuda porque quer. O
máximo que eu faço é pedir, não o obrigo a nada", mas ele ignora que no passado o filho aprendeu que
não ajudar deixava "o pai triste", não obedecer era um exemplo de "desrespeito e ingratidão" em
relação ao pai. O filho hoje generaliza aquilo que aprendeu no passado e atua de forma equivalente.
Uma evidência de que o controle é realmente aversivo pode ser extraída de um comentário de um
cliente: "Nossa, como é difícil ser responsável...". De fato, ele deveria dizer: "Como é dificil sentir-se
responsáver. É difícil mesmo, porque os sentimentos de responsabilidade aparecem sob controle de
contingências aversivas. E controle aversivo faz sofrer, torna a vida mais dolorosa e difícil.
Um garoto que faz suas lições sem que ninguém o obrigue, que olha com cuidado o irmão
menor, que atende aos pedidos do pai, que deixa seu quarto em ordem, que não perde hora para ir à
escola, que usa com cuidado o computador etc. é chamado de responsável. O correto seria dizer que se
comporta adequadamente diante de contingências coercitivas e se sente responsável. Mesmo que as
contingências coercitivas não estejam mais presentes, elas tiveram no passado o seu papel para instalar
tais comportamentos. É possível que os reforços sociais que a pessoa recebe presentemente ("Que
menino educado"; "Como gostaria que meus filhos fossem estudiosos como Joãozinho"', "Ficaria feliz
se meus filhos ajudassem em casa como o Pedro" etc.) interajam com os controles aversivos do
passado para manter os comportamentos atuais.

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Se os controles coercitivos parecem inevitáveis na cultura em que vivemos, como mante-los
amenos sem perder eficiência? Há várias estratégias possíveis. Uma delas consiste em usar junto com
o controle aversivo também reforços positivos: "Você precisa arrumar seu quarto antes da hora do
jantar''' (controle coercitivo). "Estou gostando de ver sua organização; é assim que eu gosto"
(consequências reforçadoras). Uma segunda possibilidade é dar alguma ajuda para a realização da
tarefa. "Você precisa fazer a tarefa da escola até às 18h" (controle coercitivo). "Vamos ler juntos o
enunciado do problema de matemática" ou "Olhe bem, 'cozinha' se escreve com z" etc. Uma terceira
possibilidade é iniciar com exigências relativamente simples e ir aumentando o grau de dificuldades
gradativamente. Assim, "Vocêprecisa ajudar a cuidar dos cachorros" (controle coercitivo): "Ponha
água para a Catarina" (uma única exigência); futuramente: "Ponha água para a Catarina e para o
Artur", depois "Ponha água e comida para os dois" etc.
Há pessoas que são extremamente responsáveis: são incapazes de curtir o lazer, estão sempre
preocupadas, detestam férias etc. Por quê? O que se chama de "extremamente responsável" é aquela
pessoa que vive quase que exclusivamente sob controle de contingências coercitivas. (O lazer é uma
atividade que inclui ampla gama de comportamentos mantidos por consequências gratificantes). O que
é preocupante nestes casos é que a pessoa deixou de responder, estritamente, às contingências
coercitivas reais, pois neste caso seus comportamentos seriam adequados às contingências (aversivas)
em operação. Elas criam ou supõem a existência de consequências aversivas que não existem, ou que
terão baixa probabilidade de ocorrer ou que escapam do seu controle, mas se comportam como se
fossem ocorrer proximamente e pudessem ser evitadas. Assim, por exemplo, "Tenho que trabalhar
muito, pois com a taxa de desemprego posso ser mandado embora"; "Com essa alta do dólar, o país
irá a falência"', "Posso morrer a qualquer momento e, por isso, preciso deixar um património para os
filhos"', "O que vão pensar de mim os que me virem aqui passeando na praia"; "Tenho orgulho de
nunca ter gozado férias, isso é preocupação de vagabundo" etc. De onde vêm essas dificuldades
apresentadas pela pessoa? Provavelmente, de uma história de vida em que as seguintes condições se
associaram:
1. Contingências coercitivas muito intensas (punições longas, muito severas, incluindo agressões
físicas);
2. Exigências muito elevadas de desempenho (não basta escrever corretamente, tem que ser com letra
bonita; não basta limpar o carro do pai, tem que deixá-lo impecável nos mínimos detalhes etc.);
3. Ausência de uma pessoa significativa que criasse oportunidades de discriminar os excessos da
coerção (por exemplo, uma mãe que se opusesse aos exageros do pai, ou que deixasse claro para o
filho que discorda dos excessos, mesmo sendo impotente para modificar os comportamentos do
marido). Quando não há uma comunidade verbal alternativa, a criança suporta a coerção sem critérios
para detectar que ela pode ser exagerada ou injusta;
4. Punições não contingentes a comportamentos específicos (a criança não consegue discriminar quais
comportamentos seus geram a consequência aversiva, porque as punições ocorreram sob controle de
outros eventos - alcoolismo, doença psiquiátrica, crise dos pais etc. - e não dos comportamentos dela).
É fundamental destacar que as contingências coercitivas, sociais e naturais produzem e mantêm
repertórios de comportamentos e sentimentos de responsabilidade. Os pais, como membros de uma
comunidade social, empregam largamente contingências aversivas como parte das práticas culturais do
grupo a que pertencem. Não deve ser, no entanto, objetivo dos pais desenvolver sentimentos de
responsabilidade nos seus filhos, uma vez que tal sentimento decorre do uso de uma classe de
contingências (coercitivas) que deve ser evitada. Deve ser objetivo dos pais instalarem nos seus filhos
os comportamentos chamados de "responsáveis", porém dissociados dos sentimentos de
responsabilidade. Há outras possibilidades para instalar as mesmas classes de comportamentos
(chamadas de comportamentos "responsáveis", os quais são reconhecidamente benéficos para o
indivíduo e para o grupo social com o qual convive) baseadas em contingências reforçadoras
positivas. Estas contingências positivas devem ser consideradas em primeiro lugar e usadas,

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preferencialmente, ao invés das coercitivas. É possível, então, instalar comportamentos "responsáveis"
sem que eles estejam associados com sentimentos de responsabilidade, mudando as contingências que
instalaram os comportamentos. Neste caso, os sentimentos associados serão outros: satisfação,
liberdade, bem-estar etc., todos sentimentos agradáveis. Desta maneira, por exemplo, os
comportamentos de trabalhar, de ser pontual nos compromissos, realizar as tarefas que se espera de um
pai, de um marido, de um amigo etc. podem, todos eles, ser instalados através de contingências
positivas (e se foram instaladas por contingências coercitivas, podem passar a ser mantidos e
desenvolvidos pelas novas contingências positivas) e associarem-se à satisfação e a sentimentos de
liberdade. É possível, assim, uma pessoa trabalhar de maneira eficiente, completa, organizada etc. com
prazer e não com responsabilidade. Atenção para o jogo de palavras. Trabalhar sem responsabilidade
no sentido técnico aqui empregado significa: trabalhar bem, com eficiência, sob influência de
contingências reforçadoras e com sentimentos agradáveis, diferentemente de trabalhar bem, com
eficiência sob influência de contingências coercitivas e com sentimentos de responsabilidade, que têm
função aversiva.

Alguns exemplos de interação entre pais e filhos que aumentam ou diminuem a


responsabilidade
1. "Meu avô me adorava. Eu desde os 8 anos trabalhava na loja dele. Nas férias, meus irmãos e primos desciam
para a praia. Só eu ficava em casa, trabalhando na loja. Todo mundo dizia que meu avô morria se eu saísse
de perto dele. Eu ficava, nér O garoto ficava com o avô não por causa do amor que recebia (aliás, muito
questionável), mas pelas críticas que receberia se viajasse e pelo "sofrimento" que causaria no avô
(comportamento de fuga-esquiva). Sentia-se responsável pelo avô.
2. "Minha mulher não tá nem aí comigo. Faz uns cursos alternativos nos fins de semana a cada 15 dias e me
larga sozinho. Não liga para a casa. Estou casado há 8 anos e em casa não tem faca para cortar pão! Eu não
compro porque se fizer tudo por ela, então, que adianta estar casado? Nem supermercado ela faz. Se acaba o
que comer ela vai par a a casa da mãe e me larga; eu que me vire". O marido fez uma descrição detalhada
dos padrões de comportamento da esposa, e deixou claro que não aplica nenhuma contingência sobre os
comportamentos dela. Limita-se a observá-la. Ela, por sua vez, é acolhida pela mãe e, provavelmente,
valorizada nos cursos que faz. Não mostra comportamentos de cuidar dele e nem da casa, e não deve se
sentir responsável nem pelo marido, nem pelo lar.
3. "Sempre que havia uma festa de família, casamento, aniversário, meu pai ia sozinho, mas fazia questão de
me levar. Eu funcionava como garçom dele: ia buscar coisas para ele comer, trazia numpratinho. Quando
acabava, eu ia buscar mais e levava bronca se demorasse. Tomava 'todas' e eu que ia encher o copo de
bebida. Ele voltava torto para casa". O filho discriminou que não era levado às festas por amor, mas para
servir o pai. As contingências na festa eram coercitivas: o menino atuava como garçom para se esquivar
das repreensões severas do pai. Sentia-se responsável por servir bem ao pai
4. "Unha que ficar estudando à tarde, senão era proibido de sair à noite. Ficava no quarto com o livro aberto
e revista pornô no meio. Minha mãe abria a porta, me via com o livro aberto e ia embora. Estudava nada".
A contingência aversiva era aplicada sobre o comportamento de ficar no quarto (fuga-esquiva da
proibição de sair com os amigos), mas como a observação que a mãe fazia do estudo era falha, ele não
precisava estudar: bastava mostrar o livro aberto que não havia punição. Não se sentia responsável por
estudar.
5. O filho não estuda, falta às aulas, usa droga, gasta tempo exagerado com jogos no computador. O pai resolveu
ter uma conversa com ele e disse ao filho que esperava que ele assumisse a responsabilidade pela sua vida. O
único controle que o pai tinha era perguntar ao filho: "Tem estudado?" "Tem ido a escola?" "Parou
defumar?" etc. A mãe descobriu que o filho abandonou a escola e continua consumindo a droga. O pai
parece acreditar que responsabilidade existe na pessoa e tem uma função causal Não achou que seriam
necessárias contingências coercitivas para controlar os comportamentos de estudar, frequentar a escola e
deixar a droga e levar afilho a sentir-se responsável pêlos seus atos.

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Questões que os país devem se fazer para desenvolver responsabilidade nos filhos
Nas duas últimas semanas:
1. Eu fiz exigências razoáveis sobre os comportamentos do meu filho?
2. Eu procurei manejar os comportamentos dele usando consequências reforçadoras positivas?
3. Eu procurei tornar as consequências coercitivas o menos aversivas possíveis?
4. Eu troquei ideias com pessoas que eu respeito sobre o nível de minhas exigências?
5. Eu troquei ideias com pessoas que eu respeito sobre a real necessidade de usar procedimentos coercitivos?
6. Eu procurei associar procedimentos coercitivos com procedimentos reforçadores positivos?
7. Eu graduei os níveis de exigências de desempenho?
8. Eu apliquei as consequências coercitivas de modo justo, conforme o explicitado para o meu filho?
9. Eu procurei avaliar se a aquisição dos comportamentos beneficiavam também meu filho e não exclusivamente
a mim?

Em resumo:
1. Responsabilidade é um sentimento aprendido e desenvolvido durante a vida da pessoa;
2. Responsabilidade é um sentimento produzido por contingências de reforçamento coercitivos;
3. Responsabilidade deve ser um sentimento desenvolvido com comportamentos que beneficiam o filho e as
pessoas relevantes do contexto social que o cerca;
4. Responsabilidade só deve ser desenvolvida através de contingências coercitivas amenas;
5. Responsabilidade desenvolvida através de contingências coercitivas intensas torna-se excessiva e interfere
com o desenvolvimento afetivo e comportamental da pessoa;
6. Responsabilidade sempre que possível deve ser desenvolvida por contingências coercitivas associadas com
contingências reforçadoras positivas;
7. Responsabilidade, por ser um sentimento desenvolvido a partir de contingências coercitivas, torna a pessoa
imune a sentimentos de culpa sempre que os comportamentos emitidos estejam sob controle das
contingências coercitivas amenas;
8. Responsabilidade e comportamentos "responsáveis" são associados a contingências coercitivas, então é
possível instalar e manter as mesmas classes de comportamentos (chamados de "responsáveis") através de
contingências reforçadoras positivas. Neste caso, os sentimentos não serão de responsabilidade, mas de
satisfação, liberdade etc.;
9. Responsabilidade não é o único sentimento que pode estar associado a comportamentos adequados de
determinadas classes (ditos comportamentos "responsáveis"); por essa razão, o objetivo dos pais não deve ser
produzir nos filhos sentimentos de responsabilidade, mas sim comportamentos da classe "responsável"
associados a sentimentos agradáveis. Para isso, devem substituir contingências coercitivas por gratificantes.

No texto presente, deu-se ênfase ao desenvolvimento da auto-estima, da autoconfiança e da


responsabilidade na criança. Todos os três sentimentos podem, no entanto, desenvolver-se durante a
vida toda da pessoa. Para que os sentimentos continuem se desenvolvendo, basta que as contingências
que lhes dão origem continuem presentes e funcionalmente ativas. O que foi escrito sobre o
desenvolvimento dos sentimentos na criança também se mantém, de maneira equivalente, para o
adulto.
Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade não estão dentro da pessoa e não são uma força
que impulsiona as pessoas para determinadas ações. Onde estão, então? Fora das pessoas; estão nas
práticas culturais do grupo a que a pessoa pertence. Se o grupo tem comportamentos de valorizar a
pessoa e seus comportamentos (aplica contingências sociais reforçadoras), então a pessoa emitirá
comportamentos bem-sucedidos e ao mesmo tempo, terá sentimentos de auto-estima, enfim, se
comportará feliz, gostando da sua vida. Auto-estima e comportamentos são causados pelas

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contingências manejadas pelo grupo social e, como tal, comportamentos e sentimentos não são causas.
O mesmo raciocínio aplica -se para autoconfiança e responsabilidade.
É fundamental reafirmar que os comportamentos das pessoas não podem e não devem ser
explicados pêlos sentimentos de auto-estima, de auto-confiança, de responsabilidade ou quaisquer
outros. Sentimentos não causam comportamentos. A concepção conceituai correta pode ser ilustrada
por frases como as que se seguem:
1. "Ela sempre escolhe mal seus parceiros porque tem baixa auto-estima". Deve ser substituída por:
"Ela teve uma história de reforçamento social positivo pouco frequente e baixo reconhecimento social por
seus comportamentos. Disso resultou um repertório de comportamento social limitado, e sentimentos fracos
de auto-estima. Por ter um repertório social limitado, ela tem falhas para emitir respostas que produzam
reforçadores sociais positivos; ela emite comportamentos que resultam em união com parceiros que a
reforçam pouco e que a conseqüenciam aversivamente."
2. "Ele nunca toma uma decisão na hora e ouve exageradamente seus subalternos, porque tem baixa auto-
confiança". Deve ser substituída por: "Ele sempre foi punido por tomar decisões e por se opor ao que as
pessoas falam ou fazem. Como consequência, é muito limitado o seu repertório de tomar iniciativas, de tomar
decisões, de expor suas ideias, de se opor aos comportamentos do outro que lhe são aversivos. Também seu
sentimento de autoconfiança desenvolveu-se pouco. Por ter um repertório de comportamentos profissionais
reduzido, ele tem falhas para emitir respostas que produzem reforços positivos no trabalho (sociais ou não);
ele não emite comportamentos de tomar iniciativa (respostas que produzem reforços positivos ou removem
eventos aversivos e que são emitidas sem estarem sob o controle de outra pessoa) e nem adota procedimentos
para alterar os comportamentos dos subalternos que o controlam."
3. "Ele não faz nada direito, não cumpre suas obrigações, não honra sua palavra porque é irresponsáver. Deve
ser substituída por: "Ele teve pouco contato com contingências coercitivas contingentes a comportamentos
inadequados, tais como não realizar correta e completamente uma tarefa que lhe tenha sido solicitada.
Também não foi modelado, através de reforçamento positivo, para realizá-los. Sempre que foi solicitado a
emitir um determinado comportamento, considerado relevante pelo seu meio social, esquivou-se das
contingências aversivas que seriam produzidas pela não emissão correta e completa do comportamento
dizendo que emitiria o comportamento. No entanto, sempre que se verificou que seu comportamento verbal
era esquiva e não correspondia aos comportamentos de fato emitidos, ele não sofreu nenhuma consequência
aversiva, quer para enfraquecer o comportamento verbal de esquiva (para deixar de mentir, fazendo falsas
promessas), quer para instalar o comportamento desejado pelo grupo via reforçamento negativo."

Auto-observação
Há importantes ganhos no desenvolvimento de uma criança, quando ela observa seus próprios
comportamentos e as consequências que eles produzem. A observação do ambiente físico e social, bem
como do próprio corpo e dos próprios comportamentos, não ocorre automaticamente. A pessoa tem que
ser ensinada a observar. O comportamento verbal é essencial para produzir observação e auto-
observação. Apenas quando é perguntado a uma pessoa "o que fez?", "por que fez?", "o que
aconteceu?", é que ela passa a ter razões para observar o ambiente, suas ações e razões de se
comportar. Assim, se os pais levam seu filho ao zoológico, eles não devem esperar, passivamente, que
os filhos observem os animais, o ambiente... Serão muito importantes questões, tais como: "Você viu os
macacos? O que eles estavam fazendo? Usavam o rabo para subir nos galhos?"; "De que animal você
gostou mais?"; "Você teve medo de algum bicho?"; "Você brincou com algum deles?" etc. As
perguntas feitas durante a atividade levam a criança a observar o ambiente (os animais, no caso), os
comportamentos dela própria na situação e os sentimentos que vivência. Se alguém em casa fizer as
mesmas classes de perguntas, a criança aprenderá a relatar o que viu, o que fez, o que sentiu na
ausência do objeto visto, dos comportamentos emitidos e dos sentimentos vivenciados. É muito
importante os pais irem corrigindo os relatos da criança e tomando-os mais precisos, pois assim a
criança aprenderá a descrever corretamente aquilo que viu, que fez, que sentiu etc. Quanto mais a
comunidade verbal estimular a criança, mais rico será o comportamento verbal dela. Desta maneira, ela
saberá mais sobre o mundo externo a ela e sobre ela mesma.

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A criança que aprendeu auto-observação fica numa posição vantajosa, pois é capaz de
descrever o que fez ("Pedi para meu pai me levar ao zoológico", por exemplo) e as consequências do
seu ato ("Meu pai me levou"). Tornou-se consciente de que os eventos da vida não ocorrem ao acaso,
mas que ela própria, através de seu comportamento, pode produzir fatos, consequências que poderão
ser gratifícantes ou aversivas para ela. "Meu pai estava muito bravo comigo, até que lhe expliquei que
cheguei tarde porque meus amigos não quiseram voltar da boate no horário combinado", è um
exemplo de um jovem que observou seu comportamento verbal e as mudanças que esse
comportamento produziu no pai, alterando a condição aversiva (pai bravo) para uma consequência não
aversiva. A conversa com o pai gerou consequências que fortaleceram seu repertório verbal de dialogar
e produziram sentimentos de alívio, satisfação, autoconfiança, auto-estima etc. É completamente
diferente de um jovem que, na mesma situação, relatou: "Levei uma tremenda bronca de meu pai
porque cheguei tarde" e não fez nada a respeito. Onde procurar a diferença entre os dois? Na história
de reforçamento e punição da vida de cada um deles: o primeiro adquiriu um repertório de
enfrentamento da situação aversiva, tem sentimentos de autoconfiança e, possivelmente, de auto-estima
e está ciente da função que seu comportamento verbal tem (ele acredita na força das palavras); o
segundo não adquiriu repertório de enfrentamento, tem sentimentos de baixa autoconfiança e,
possivelmente, de baixa auto-estima e desconhece as possibilidades que teria de alterar a situação.
Como tal, cede diante da punição do pai e, provavelmente, terá sentimentos de culpa, de tristeza e
tenderá a se isolar socialmente dos colegas no futuro.

Conclusão: é fundamental que a pessoa aprenda a observar seus comportamentos e o contexto


em que eles ocorrem: os antecedentes e as consequências que eles produzem. Só desta maneira a
pessoa pode se tornar um agente ativo de sua própria vida, utilizando o potencial de poder se
comportar como instrumento de ação para a transformação do ambiente. Os comportamentos de
observar precisam ser aprendidos e essa tarefa cabe à comunidade verbal em que o indivíduo se
desenvolveu e está inserido. Basicamente, fazendo perguntas sobre o comportamento que a criança
emitiu e sobre as consequências sociais que o seguem, e modelando as respostas da criança, quando
necessário, os pais instalam comportamentos de auto-observação e de observação do contexto social e
físico.

Alguns exemplos de interação entre país e filhos que melhoram ou pioram a


observação do ambiente e dos comportamentos
1. Mãe conversa com a filha de 7 anos: "Quem estava na festa?"; "O que vocês fizeram lá?"; "O salão estava
bem decorado? Conte-me como era?"; "Você agradeceu aos pais da Carla pelo convite?"; "Você me disse
que dançou com suas amigas: quem começou a dançar primeiro?" A mãe, com suas questões, está criando
uma condição para afllha observar o ambiente físico e social da f esta e seus comportamentos (seria
preferível que as perguntas fossem ocorrendo naturalmente, em diferentes momentos do dia-a-dia das
duas, para não se assemelhar a um interrogatório).
2. O filho, numa partida de futebol decisiva, chutou um pênalti na trave e o time perdeu o campeonato. "É muito
triste, eu sei, mas isso também acontece com grandes jogadores profissionais. Vamos contar para o tio
Antenor o que ocorreu, ele é professor de Educação Física e pode ajudar a gente." O menino liga: "Oi, tio,
perdemos afinal... Foi para a decisão por pênaltis... Chutaram na trave e aí nosso time perdeu." O pai levou
afilho a descrever seu comportamento e as consequências (aversivas para o menino) que teve chutar a
bola na trave, de tal maneira que se expôs às consequências sociais (reação do tio é uma das
consequências) naturais não punitivas. Isso permitiu ao filho lidar com maior naturalidade com as
consequências do erro, diminuindo, desta forma, as reações emocionais e os comportamentos de fuga-
esqulva (se Isolar, se desinteressar pelo futebol, sofrer calado etc.) Falta ainda um passo além: afilho
dizer"Eu chutei",

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3. "Não sei o que acontece comigo, meus amigos não se aproximam de mim. No clube, jogo bem raquetinha,
mas sou sempre o último a ser escolhido nas duplas. Se convido casais para jantar em minha casa, dá tudo
certo, mas nunca houve convite de retribuição." Essa pessoa tem boa discriminação da forma como o grupo
social se relaciona com ela, mas não é capaz de observar os próprios comportamentos: o que ela faz que
leva as pessoas a evitarem a sua companhia? Faltou em sua história social alguém que a ensinasse a se
observar e a notar as relações entre seus comportamentos e as consequências sociais que eles produzem.
4. "Está na hora de seu pai chegar para o almoço. Ele não quer você sem banho tomado. Arrume suas coisas
que ele não gosta de bagunças. Desligue o som que o ruído o incomoda e mande seu amiguinho embora
porque ele quer a família reunida nas refeições..." A mãe transmitiu para o filho a mensagem de que há
pessoas no mundo que são especiais (o pai no caso) e que devem ser atendidas em tudo que desejam sem
questionamento. Por princípio, elas estão sempre certas. A mãe, na verdade, é dominada pelo marido e
teme se opor a ele. A criança, sendo orientada dessa forma pela mãe, adquire um padrão de submissão ao
pai e aprende a observar o comportamento do outro e a observar seus próprios comportamentos que
agradarão ao outro. Esse padrão, na idade adulta, generaliza-se para, praticamente, qualquer outra
pessoa. Decorrem disso dificuldades sociais, dificuldades para lutar pêlos próprios objetivos e sentimentos
de ansiedade, fobias e depressão.

Questões que os pais devem se fazer para aumentar o repertório de observação


dos filhos
Nas duas últimas semanas:
1. Eu conversei com meu filho, mesmo que seja nas breves oportunidades em que estivemos juntos?
2. Eu perguntei o que ele tem feito e como tem se sentido?
3. Eu perguntei como os amigos se comportam com ele?
4. Eu sugeri para ele observar seus próprios comportamentos com as outras pessoas e como elas reagem ao que
ele lhes diz e faz?
5. Eu corrigi os relatos verbais dele, quando presenciei os fatos narrados, a fim de torná-los o mais fidedignos
possível?
6. Eu estimulei meu filho a falar das coisas desagradáveis que tem ocorrido com ele, sobre os sentimentos que
elas desencadearam e como as tem enfrentado?
7. Eu falei para meu filho sobre o que tenho feito e como tenho me sentido?
8. Eu contei para meu filho as dificuldades que tenho enfrentado na vida, como venho lidando com elas e como
tenho me sentido?

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Quando a timidez se torna um problema
Eliane Falcone1

O sentimento de desconforto ou temor experimentado em algumas situações que envolvam


desempenhar em público ou interagir socialmente é muito comum na população mundial. Quando
vamos a uma festa na qual não encontramos ninguém conhecido, ficamos um pouco sem jeito, até
criarmos coragem para iniciar uma conversa com alguém que demonstre alguma simpatia pela
nossa aproximação. Dar um discurso ou apresentar um projeto para funcionários em uma empresa
também costuma ser motivo de apreensão ou pavor.
Lembro-me da primeira vez em que apresentei um trabalho, no início do meu curso de
psicologia, para uma turma de cerca de 30 alunos. Eu estava muito preocupada em não errar e em
não esquecer o que deveria falar. Além disso, temia não saber responder a alguma pergunta que
alguém resolvesse fazer. Assim, tratei de decorar, feito um papagaio, tudo o que iria dizer aos
colegas. Durante a apresentação, estava tensa e falava rápido para acabar logo com aquela tortura.
No meio de minha apresentação, uma colega interrompeu para fazer uma pergunta. Naquele
momento, eu fiquei paralisada. Um branco tomou conta de minha mente. Não sabia a relação entre
aquela pergunta e o que eu estava apresentando. Fiquei muda. A professora, habilmente,
respondeu à aluna que havia feito a pergunta: "Ela (referindo-se a mim) acabou de falar sobre
isso!" E repetiu o que eu havia dito (e do que já não lembrava mais), antes de ser interrompida. Senti-
me aliviada e agradecida à professora por me salvar naquele momento tão difícil.
Jamais esquecerei essa experiência. Se naquela época me dissessem que, no futuro, eu iria
participar de muitas apresentações em público, eu não acreditaria. Assim como eu, muitas pessoas já se
sentiram ou se sentem apreensivas ou ansiosas em situações nas quais devem desempenhar em público
ou interagir em certas situações sociais.
Por outro lado, existem indivíduos que se sentem confortáveis e experimentam grande
satisfação quando colocados no centro das atenções. Alguns até chegam a ficar frustrados ou irritados
quando não conseguem monopolizar a atenção do grupo. Outros manifestam um talento especial para
fazer a plateia rir e se divertir, contando piadas ou até mesmo criando comentários bem-humorados.
Entretanto, essas pessoas são mais exceção do que regra.
Se a manifestação de ansiedade, timidez ou desconforto diante de determinados contextos
sociais constitui um fenómeno comum, quando é que isso se transforma em um problema para o
indivíduo? A literatura especializada em transtornos psicológicos aponta que a ansiedade social é
considerada um problema de relevância clínica quando ela se torna tão intensa que leva a pessoa a
evitar as situações sociais e a sofrer, como consequência, prejuízos pessoais, profissionais e afetivos.
Nessas condições, a ansiedade social é conhecida como fobia social.
A fobia social pode se manifestar de uma forma mais grave, sendo chamada de fobia social
generalizada. Indivíduos com esse quadro clínico sentem-se inibidos e evitam a maioria das situações
de interação social (ex.: conversar ao telefone, falar com desconhecidos, participar de reuniões sociais,
lidar com autoridades, devolver mercadorias em uma loja, interagir com pessoas atraentes, olhar nos
1
Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ; Terapeuta Cognitivo-Comportamental.

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olhos de pessoas pouco conhecidas etc.). Além disso, os fóbicos sociais generalizados também evitam
as situações de desempenho (ex.: falar em público, comer e beber na frente dos outros, urinar em um
banheiro público, entrar em uma sala na qual já existam pessoas sentadas etc.). Desse modo, indivíduos
que manifestam a forma mais grave de fobia social evitam tantas situações que acabam se isolando,
levando uma vida pouco interessante. Muitos casos de desistência nos cursos de graduação são devidos
à fobia social generalizada. Recusas de promoções também podem ocorrer para evitar a apresentação
de projetos em reuniões de trabalho. Diante de tantos impedimentos, não é raro o aparecimento de
depressão como um transtorno secundário.
Lembro-me de uma paciente, engenheira, com 30 anos, que se apresentou em meu consultório
com fobia social generalizada. Fora nos raros momentos em que conseguia me olhar, ela mantinha a
cabeça baixa e os olhos fitando o chão. Como não tinha amigos, seu convívio social limitava-se ao
contato com os funcionários da empresa onde trabalhava. Nunca havia namorado, embora tivesse se
interessado secretamente por alguns rapazes. Achava-se inferior a todas as pessoas na empresa e não
conseguia se impor com seus desenhistas. Quando estes lhe entregavam os seus desenhos com erros,
ela não tinha coragem de reclamar e acabava, ela mesma, consertando os trabalhos, o que a deixava
sobrecarregada na maior parte do tempo. Com muito sacrifício, a paciente fazia uma solicitação à
secretária, mas nunca ou raramente era atendida. Todas essas situações levavam-na a acreditar que não
tinha valor, que ninguém se importava com ela. Tais crenças contribuíam para os seus sentimentos de
rejeição e solidão, levando-a a mais retraimento e depressão.
Em sua forma mais branda, a fobia social é chamada de específica ou circunscrita e
caracteriza-se pelo medo de uma situação de desempenho e de algumas situações de interação social.
Indivíduos com fobia social circunscrita costumam ser mais desinibidos socialmente. Geralmente são
simpáticos e comunicam-se bem, na medida em que evitam menos situações sociais. Seus temores
restringem-se a situações sociais bem específicas, tais como tomar um cafezinho ou beber líquido
quando diante de um grupo de pessoas. Nesse caso, o temor relaciona-se a tremer e ser julgado fraco
ou inseguro. Um paciente, um empresário de 41 anos com fobia social circunscrita, evitava tomar
líquidos na frente dos outros para não "tremer e ser julgado negativamente". Ele dizia que, quando
estava conversando com os seus clientes e ouvia o barulho das xícaras e das colherinhas de café,
trazido pelo servente, já começava a ficar ansioso antecipando a possibilidade de tremer ao segurar a
xícara na frente do cliente. Assim, para evitar o mal-estar, ele dizia que não gostava de café e se
limitava a oferecer a bebida, sem toma-la.
Indivíduos fóbicos sociais podem usar o álcool como uma estratégia para se apresentarem
socialmente de forma mais "descontraída". Esse é mais um padrão de comportamento evitativo, ou
seja, de "esconder" a manifestação de ansiedade através da bebida. Desse modo, não é raro o
diagnóstico de fobia social entre pessoas alcoólatras.
Estudos epidemiológicos recentes realizados nos Estados Unidos apontam uma taxa elevada
(13,3%) de prevalência desse transtorno. Esse resultado está próximo do alcoolismo (14,1%) e da
depressão (17,1%). A população de indivíduos com fobia social é bem maior do que se pensava
anteriormente. Entretanto, entre os pacientes que procuram a clínica para tratamento psicológico,
poucos são aqueles que recebem esse diagnóstico. Como se explica o fato de existirem tantas pessoas
com fobia social no planeta e apenas uma pequena quantidade dessa fatia procurar tratamento
psicológico? Alguns autores sugerem que os fóbicos sociais acreditam ser a timidez uma característica
imutável da personalidade. Assim, eles têm uma visão equivocada de que o tratamento seria inútil.

Sintomas da fobia social


Diante de uma situação social considerada ameaçadora, o indivíduo fóbico pode manifestar
uma variedade de sintomas de ansiedade, tais como: rubor, sudorese, palpitação, tremor nas mãos ou
na fala, ou urgência em evacuar. Esses sintomas são percebidos por esses indivíduos como
potencialmente negativos e, por essa razão, são perturbadores. Assim, se eles sentem que estão suando,

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eles acham que o interlocutor está percebendo esse suor. Se eles experimentam um leve tremor, eles
acham que o interlocutor está percebendo que eles tremem como uma gelatina. Em outras palavras, o
fóbico social percebe os seus sintomas como muito piores e mais aparentes do que eles realmente são.
Além disso, eles consideram qae o interlocutor está percebendo e julgando negativamente esses
sintomas, quando na realidade estes não são aparentes ou são sutis. A percepção exagerada desses
sintomas como aparentes e geradores de rejeição e desvalorização por parte dos outros tende a
aumentar mais a ansiedade e a potencializar os sintomas.
Alguns autores sugerem que a ansiedade manifestada pêlos fóbicos sociais é resultante do fato
de eles se verem como insignificantes, fracos, inadequados. Para tentar compensar uma crença tão
negativa a seu respeito, esses indivíduos tentam se apresentar aos outros de uma maneira impecável,
para causar uma excelente impressão. Assim, se eles tiverem que manter uma conversa com alguém,
eles acham que devem dizer coisas "brilhantes", com uma verbalização perfeita. Além disso, não
devem manter pausas muito longas na conversação, uma vez que isso poderia significar "não saber o
que dizer". Devem também manifestar segurança. Demonstrar ansiedade é "desprezível". Assim,
qualquer sinal de ansiedade (tremor, suor, pausa na conversa etc.), deve ser escondido, sob pena de
comprometer a imagem perante os outros. É claro que, diante de tantas exigências, esses indivíduos se
tornam ainda mais inseguros e perdem a espontaneidade na interação, o que confirma para eles a ideia
de que são inadequados (Wells, 1997).
Além de apresentar uma crença negativa distorcida com relação a si mesmo, o fóbico social
também interpreta o ambiente social de forma distorcida. Ele vê a outra pessoa com quem interage
como um crítico que está identificando todas as suas falhas para depois ridicularizá-lo e rejeitá-lo.
Os indivíduos com fobia social também antecipam as ameaças existentes na situação social.
Antes de ir a uma festa, ou de apresentar um projeto na empresa, eles sofrem com a antecipação de
possíveis fracassos experimentados nessas situações. Na medida em que costumam reter na memória
os aspectos negativos que foram identificados nas experiências passadas, eles revivem essas
experiências como em um filme e, com base nesse arquivo de insucessos, eles antecipam mais um
fracasso. Essa antecipação gera mais ansiedade, de tal maneira que, ao entrarem na situação social real
(caso não possam evitá-la), eles já estão altamente ansiosos, o que aumenta a atenção focalizada na
ansiedade e nos erros verbais, gerando mais ansiedade e assim por diante. Na realidade, os fóbicos
sociais não interagem verdadeiramente com os outros. Eles se mantêm espectadores e juizes de si
mesmo, alimentando um diálogo interno. Não olham e não prestam atenção no interlocutor, que passa
a ser encarado como um perigoso avaliador, o qual, na realidade, nem percebe que é visto desse modo.
Se os indivíduos socialmente ansiosos prestassem atenção verdadeiramente naqueles com quem
interagem, eles deixariam de focalizar a atenção em si mesmo, o que, por si só, já reduziria a
ansiedade. Além disso, eles poderiam entender melhor o que o outro estaria pensando, corrigindo as
suas avaliações distorcidas de estar sendo criticado.
O padrão evitativo dos indivíduos com fobia social não se limita apenas a evitar situações
sociais (não frequentar festas, ficar calado nas reuniões etc.). Eles apresentam evitações mais sutis, que
contribuem para a manutenção dos seus problemas. Assim, eles podem usar camiseta por baixo da
camisa para encobrir o suor, segurar um objeto com força para disfarçar o tremor, ensaiar mentalmente
várias vezes a frase que vão dizer, falar rápido para evitar as pausas de conversação ou para acabar
logo, desviar o olhar etc. Esses padrões de comportamento são chamados de comportamentos de
segurança e acabam criando mais problemas para o indivíduo, uma vez que intensificam a ansiedade.
Quanto mais eles se preocupam em "esconder" os sintomas, mais eles se focalizam nos sintomas e
assim a ansiedade aumenta.
Resumindo, os indivíduos com ansiedade social clínica tendem a se ver de forma negativa,
estabelecem padrões excessivamente elevados de desempenho, supervalorizam a avaliação que os
outros possam fazer sobre eles, são excessivamente motivados para causar boa impressão e
subestimam sua capacidade para consegui-lo. Diante dessas condições, experimentam ansiedade e
desconforto, o que acaba confirmando a ideia de que eles são "fracos", "incapazes", "inadequados".

71
O que faz com que uma pessoa se torne tão insegura e ansiosa diante de situações sociais?
Alguns estudos fornecem explicações para a formação da fobia social.

Formação da fobia social


A adolescência parece ser um período crítico para a formação de medos sociais. Estudos com
primatas não humanos revelaram que estes vivem em grupos e classificam os membros do grupo
dentro de um continuum que inicia no medo e termina na dominância. Os novos membros do grupo
podem estabelecer as suas posições dentro da hierarquia social. Aqueles que respondem às
demonstrações de dominância com atitudes submissas são relegados a posições mais baixas na
hierarquia social. Ao se estabelecer uma comparação do comportamento social desses primatas com o
comportamento social humano, verificam-se algumas semelhanças. A família imediata constitui o
primeiro e o mais importante sistema social para o pré-adolescente. Neste caso, já existe uma
hierarquia estabelecida: os pais exercem um papel dominante, por serem mais velhos e mais capazes.
Os filhos, com papéis definidos, não precisam conquistar uma posição dentro da família. Embora o
indivíduo já comece a estabelecer o seu papel social no início da vida escolar, é na adolescência que as
relações rivais e os grupos rivais têm maior expressão. Nesse período, a criança é claramente
confrontada com a tarefa de estabelecer o seu papel e o seu lugar em um sistema social que não é o
familiar. Tal como no grupo social dos primatas não humanos, os outros membros do grupo irão fazer
uma avaliação cuidadosa e uma hierarquia será estabelecida. Aqueles adolescentes que são
predispostos a experimentar ansiedade em situações de estresse podem responder a esse confronto com
ansiedade ou recolhimento, baixando assim a sua posição social. Muitos indivíduos que manifestam
fobia social relatam histórias de rejeição e críticas cruéis vivenciadas na adolescência, com os colegas
de escola.
Entretanto, não são todos os adolescentes que irão reagir com ansiedade diante desse momento
socialmente crítico. Sugere-se,
atualmente, que podem existir fatores de vulnerabilidade na infância, que colocam algumas crianças
em risco de desenvolver fobia social.
Um dos fatores de vulnerabilidade apontado refere-se à transmissão genética. Será que a fobia
social é transmitida geneticamente? Até o momento, nenhum estudo provou a existência de
transmissão genética direta da fobia social. Sabe-se, no entanto, que alguns indivíduos nascem com
uma vulnerabilidade constitucional, ou seja, comum sistema nervoso mais facilmente ativado pelas
condições estressoras do ambiente. Porém, tal vulnerabilidade não determina que esses indivíduos
desenvolverão fobia social.
O modo como os pais educam os seus filhos pode contribuir fortemente para que estes se
tornem vulneráveis ou "imunes" à formação de fobia social. Estudos sugerem que as atitudes
familiares de elogio, recompensa, compreensão e afeto são importantes para que a criança se sinta
amada. Caso contrário, esta poderá rejeitar-se e desenvolver auto-imagem negativa. Por outro lado, o
amor não deve ser confundido com superproteção, uma vez que todo o indivíduo necessita aprender,
desde pequeno, que precisa fazer algum esforço para que as suas necessidades sejam satisfeitas.
Assim, os pais devem conversar com os seus filhos, incentivá-los diante das dificuldades, elogiá-los
quando eles conseguem realizar algo importante, atender às suas necessidades. Aqueles pais que estão
sempre voltados para os seus próprios problemas e dão pouca atenção aos filhos certamente estarão
contribuindo para que estes desenvolvam baixa auto-estima e se tornem vulneráveis a desenvolver
fobia social.
Exercitar o convívio social desde pequeno prepara o indivíduo para interagir de forma
positiva. Assim, os pais devem encorajar os filhos a serem sociáveis. Esse encorajamento gera
oportunidades para a aquisição de habilidades sociais. A criança que se expõe a uma variedade de
situações sociais, convivendo com outras crianças e adultos em contextos diversos (escola, clubes,

72
casa etc.), tende a extinguir medos sociais, além de aumentar a autoconfiança.
Em seu livro intitulado: A timidez, Zimbardo (1982) afirma que a competição e a realização individual,
excessivamente valorizadas em nossa cultura, podem também originar ansiedade social. Em sociedades
competitivas, os indivíduos são conduzidos a desenvolver atitudes que atendam às expectativas alheias
para que possam ser aceitos, para não serem rejeitados e desvalorizados. Nesse contexto, o sucesso é
medido em termos de ser "o melhor". Se não for o melhor, o desempenho é considerado "fracassado".
Essa forma dicotômica de julgar em termos de tudo ou nada tende a gerar expectativas irrealistas de
desempenho, que se encontram presentes em indivíduos fóbicos sociais. Em pesquisas que
comparavam sociedades de tendências competitivas com sociedades de postura comunitária, Zimbardo
percebeu que, nas primeiras, a incidência de pessoas tímidas é consideravelmente maior. Neste tipo de
cultura, as crianças:

...são levadas apensar que o seu mérito e o amor que desejam dos
adultos dependem de sua atuação. Têm que provar que o merecem
num mundo em que o êxito é tacitamente aceito e que são parcas as
recompensas, ao passo que o fracasso, sendo motivo de vergonha, é
intensificado (Zimbardo, 1982, p. 257)
Nas sociedades nas quais existe uma preocupação comunitária, os objetivos comuns são
mais importantes do que os méritos individuais:
As atitudes em relação às crianças levam-nas a sentir-se especiais,
que são o grande valor da geração atual e a promessa da próxima
geração. Os pais lhes dão o amor incondicional, não configurando
isso com a aprendizagem da responsabilidade e da disciplina. As
pessoas aprendem com os seus erros, não sendo estigmatizadas por
eles. Há inúmeras oportunidades para se relacionarem com os outros,
praticarem as aptidões para conversação e compartilharem com os
outros num ambiente comunitário (Zimbardo, 1982, p. 257).

Resumindo, a formação da fobia social deve ser entendida dentro de um modelo


biopsicossocial, que inclui fatores biológicos de predisposição, padrões de educação,
variedade de convívio social e aspectos culturais. Assim, uma criança que apresente
predisposição biológica (vulnerabilidade constitucional), cujos pais tenham utilizado padrões
inadequados de educação (crítica excessiva, ausência de encorajamento, falta de estimulação
de convívio social etc.), terá mais chances de desenvolver fobia social quando for confrontada
com a tarefa de estabelecer o seu papel social, no início da adolescência.

Tratamento da fobia social


Uma variedade de estudos tem apontado a terapia cognitivo-comportamental como uma
abordagem de eficácia comprovada no tratamento de transtornos de ansiedade, dentre os quais se
inclui a fobia social. A terapia cognitivo-comportamental parte do princípio de que o modo como nós
interpretamos os acontecimentos influenciam as nossas
emoções e os nossos comportamentos. Por exemplo, perder o voo por chegar atrasado no aeroporto
pode gerar frustração e raiva em alguém que tem uma reunião importante em outra cidade; pode ser
motivo de alívio para alguém que tem medo de viajar de avião; pode ser motivo de alegria para
alguém que não estava realmente querendo viajar naquele dia. No primeiro caso, a pessoa frustrada e
raivosa poderá culpar alguém que a trouxe de carro. No segundo, a pessoa fóbica poderá decidir pegar
um ônibus pensando que o "destino assim o quis". No terceiro exemplo, a pessoa, alegre, aproveita
para decidir ficar mais alguns dias na cidade.
Indivíduos estressados ou deprimidos costumam interpretar os acontecimentos de maneira

73
tendenciosa, o que contribui para alimentar o humor negativo e promover comportamentos
desadaptativos.
Tomemos como exemplo uma pessoa que está visualizando uma casa a partir de um ângulo no
qual não bate sol. Ao ver a casa apenas daquele ângulo, ela pode percebê-la como "sombria". Agora,
imaginemos que a pessoa começa a dar a volta em torno da casa e, ao fazer isso, ela verifica que em
toda a área restante existe sol, podendo se ver inclusive o interior da casa bastante iluminado. Após ver
a casa em sua totalidade, o observador muda a sua impressão de unia "casa sombria" para uma
interpretação mais realista da casa, com "bastante claridade em seu interior", e uma pequena área na
qual não bate o sol.
Se o observador referido acima estiver deprimido, poderá continuar vendo a casa como
"sombria", mesmo depois de encontrar uma ampla área de luz. Isso ocorre porque as pessoas
deprimidas apresentam uma tendência a ver apenas o lado negativo das coisas e a ignorar ou diminuir
a importância do lado positivo. Nesse caso, o observador não se sentirá motivado a morar na casa e,
provavelmente, perderá a oportunidade de verificar que ela é agradável.
Os indivíduos ansiosos, por sua vez, tendem a superestimar o perigo e a subestimar os próprios
recursos para lidar com as situações temidas. No caso dos fóbicos sociais, estes acreditam que serão
rejeitados, criticados, humilhados ou desvalorizados pêlos outros (superestimativa do perigo) e
consideram-se incapazes, ineptos, inadequados, incompetentes, inseguros para lidar com as pessoas
(desvalorização dos próprios recursos). Assim, ao entrar em uma situação social, esses indivíduos irão
experimentar ansiedade e tenderão a adotar os comportamentos de esquiva que já foram citados
anteriormente.
A terapia cognitivo-comportamental focaliza-se na mudança dos pensamentos (focalização
excessiva em si mesmo; auto-avaliações negativas; pensamentos de ameaça etc.), sentimentos (medo,
sudorese, tremor etc.) e comportamentos (esquiva das situações sociais).
Através de técnicas apropriadas, o cliente descobre que as suas avaliações de estar causando
uma "péssima" impressão são inexistentes ou exageradas. Além disso, ele aprende que não há nada de
errado em ficar ansioso em certas situações e que ficar ansioso não significa ter que parar de fazer o
que estamos fazendo. Na realidade, quando entendemos que a ansiedade se manifesta por alguns
instantes e depois passa, podemos aceitá-la e, com isso, acabamos nos tranquilizando. Se, por outro
lado, ficamos preocupados com a sensação de ansiedade, ela permanecerá por mais tempo. Assim, o
melhor é "deixar que a ansiedade venha" e continuar a falar, discursar etc. Além disso, os fóbicos
sociais descobrem que todas as pessoas se sentem inseguras às vezes e que isso é normal. A
insegurança não é um sentimento restrito a eles.
O cliente também aprende a identificar e a avaliar os próprios pensamentos que geram
ansiedade na interação social (ex.: "se eu mostrar qualquer sinal de ansiedade, os outros vão pensar
que eu sou fraco"). Um exemplo de questionamento a esse pensamento que o cliente poderia fazer
seria: "A maioria das pessoas se sente assim como eu me sinto ao falar em público. Elas acharão isso
normal e ficarão solidárias comigo. Não há razão para pensar que elas irão me desvalorizar por causa
disso".
O perfeccionismo, característico no conteúdo dos pensamentos de fóbicos sociais, também é
desafiado, uma vez que influenciam nas expectativas excessivamente elevadas de desempenho.
Assim, os clientes são orientados a reduzir os seus padrões de exigência, aceitando a falha como algo
normal e até necessário para a aprendizagem.
Mesmo aceitando a ansiedade como uma reação normal, os clientes aprendem exercícios de
relaxamento que podem ajudar a reduzir a ansiedade intensa. Uma das técnicas, a de respiração
diafragmática, consiste em respirar suavemente pelo nariz, contando até três, e depois expirar mais
fortemente pela boca (sem soprar) contando até seis. Após praticar por alguns minutos, pensar na
palavra "calma" ao expirar. A prática continuada da respiração diafragmática ajuda a reduzir os
sintomas de ansiedade, permitindo que o indivíduo se sinta mais confortável e consiga utilizar os

74
pensamentos racionais.
O desenvolvimento de habilidades sociais também é útil para ajudar os indivíduos
socialmente ansiosos. Aprender a iniciar, manter e encerrar uma conversação, fazer pedidos, recusar
pedidos, pedir para alguém mudar um comportamento indesejável, lidar com a crítica, trocar
mercadoria defeituosa em uma loja etc. são habilidades que podem ser
aprendidas em situações de jogos de papéis, nas quais o terapeuta desempenha as habilidades na
interação com o cliente e depois os papéis se invertem. Posteriormente, o cliente é encorajado a
praticar essas habilidades aprendidas em seus contextos interacionais. Na medida em que este
consegue se expressar e conquistar o respeito na interação com o outro, a auto-estima se eleva e a
ansiedade se reduz. Isso também promove mudança nas crenças negativas que o indivíduo construiu a
seu respeito. Retornando ao exemplo daquela cliente engenheira, mencionada no início deste capítulo,
lembro-me que, certo dia, após um tempo de treinamento de habilidades sociais desenvolvido no
consultório e de práticas dessas habilidades executadas entre as sessões, ela chegou no consultório
dizendo: "Eu pensava que tinha um letreiro de 'boba' escrito em minha testa e que as pessoas me
subestimavam ao ler esse letreiro. Hoje eu sei que as pessoas fazem isso porque não ficam prestando
atenção o tempo todo nas nossas necessidades. Mas se a gente fala e se impõe, elas respeitam
imediatamente e mudam o comportamento para nos atender."
A empatia, entendida como a capacidade de compreender, de forma acurada, o que uma outra
pessoa está pensando e sentindo, também compreende uma habilidade social útil no tratamento da
fobia social. O cliente aprende a identificar as emoções, as expectativas e os desejos do interlocutor,
para depois decidir como irá se comportar. Na medida em que este se torna mais experiente nessa
habilidade, ele percebe que o interlocutor não está assumindo aquele papel de juiz, que ele imaginava.
Além disso, prestar atenção na outra pessoa, em vez de ficar ligado nas próprias sensações de
ansiedade, contribui para desviar o foco de atenção para fora de si mesmo, reduzindo a ansiedade.
O leitor interessado em conhecer com mais detalhes alguns recursos da terapia cognitivo-
comportamental para reduzir a ansiedade social, pode se beneficiar com o livro intitulado Morrendo de
Vergonha, de Bárbara G. Markway e colaboradores (1999), da Summus Editorial.
Os procedimentos terapêuticos mencionados nesse capítulo também podem ser aplicados em
grupo. Nesse contexto, os indivíduos podem vivenciar situações mais semelhantes àquelas do dia-a-dia
e, assim, beneficiar-se dos efeitos positivos de enfrentar as situações e modificar crenças negativas.
O ambiente de grupo oferece mais vantagens sobre a terapia individual, pelas seguintes razões:
1) Existe maior semelhança entre as sessões em grupo e o ambiente interacional dos clientes;
2) O grupo fornece mais modelos para os membros;
3) Existe uma variedade maior de exercícios a serem treinados;
4) Existe um número maior de feedback, favorecendo a aquisição de ganhos.
Aqueles clientes muito ansiosos podem iniciar o tratamento no formato individual antes de
começar com as sessões em grupo.

Conclusões
A ansiedade social é uma reação normal e, se aceita dessa forma, permite que o indivíduo
possa enfrentar situações sociais estressantes, superando os seus medos. A não aceitação, por sua vez,
provoca ansiedade mais elevada e duradoura, além de comportamentos de esquiva com consequente
incremento de ansiedade.
Além de ser desejável estabelecer uma certa tolerância com nossa ansiedade em contextos
sociais, devemos também aceitar os nossos erros como uma oportunidade para aprender. Ao reduzir os
nossos padrões de exigência, nossa ansiedade se reduz a um nível administrável, permitindo melhorar
a auto-estima.

75
A disposição para interagir socialmente, mesmo correndo riscos, permite contatos sociais mais
frequentes, com variedade de modelos a partir dos quais podemos também desenvolver habilidades de
interação.

76
Orientação sexual da criança

Edwiges Ferreira de Mattos Silvares1

Dentre todos os comportamentos humanos, é o comportamento sexual o que mais experimenta


mitos, tabus e preconceitos. Não é de se estranhar, portanto, o grande número de piadas de conteúdo
erótico com que frequentemente nos deparamos em nosso convívio social ou através da mídia. Da
mesma maneira, não é de se admirar o fato de que, em geral, pais e professores sintam-se
despreparados para orientar as crianças de forma tranquila no que diz respeito à sexualidade delas.
Esses agentes sociais, quando se deparam com situações nas quais a sexualidade infantil se expressa de
forma natural, através de perguntas ou em brincadeiras sexuais entre pares ou outros comportamentos,
como masturbação em público, brincadeira de médico, uso de palavras vulgares etc., ficam sem
referências sobre qual a melhor forma de agir. Mesmo os pais mais sofisticados e profissionais mais
gabaritados têm dificuldades em reagir frente a essas situações, ou pior ainda, por vezes, não chegam a
se dar conta da sexualidade das crianças.
Dois mitos comuns entram em vigor nos momentos de expressão da sexualidade infantil,
determinando a reação de omissão de informação por parte dos responsáveis pelas crianças:
1) O conhecimento sexual é perigoso e contribui para superestimular as crianças a praticarem
atividades sexuais entre si em idade precoce;
2) As crianças já sabem tudo que precisam saber sobre o assunto, então não há razões para
ensinar-lhes mais sobre o tema.
Há, entretanto, evidências empíricas contradizendo ambos os mitos. O fornecimento de
informação sexual é na verdade associado com o desejável início mais tardio de atividade sexual por
adolescentes (Klein &Gordon, 1991).
Além disso, pesquisas recentes (e.g. Klein & Gordon, 1991) têm demonstrado que
anteriormente à adolescência as crianças não entendem completamente muitos aspectos importantes da
sexualidade a despeito de se engajarem numa variedade de comportamentos sexuais. Assim, devemos
concluir que prover informação sexual torna a criança mais capaz de tomar decisões responsáveis em
relação ao próprio comportamento sexual.
Embora seja reconhecido que é importante informar a criança sobre sua sexualidade, também é
sabido que não é tão fácil fazê-lo, pois se as crianças não entendem o conteúdo do que lhes é dito, elas
simplesmente "se desligam" (Klein & Gordon, 1991 e Martinson, 1981). Por outro lado, as crianças
irão buscar (embora não necessariamente através dos pais) informação que lhes interessa e poderão
fazê-lo de forma enganosa. Assim, devemos concluir que é preferível a seus responsáveis lhes darem
mais informação e fornecer a informação correta, de acordo com o nível do desenvolvimento cognitivo
dela.

1
Professora titular do Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP.

77
O psicólogo, o assistente social ou o pedagogo, frequentemente, deparam-se com temas acerca
da sexualidade infantil através de questões formuladas por pais e professores. Essas questões, em geral,
querem definir a propriedade do comportamento em questão. É preciso, então, estar a par do
desenvolvimento psicossexual normal e, apropriadamente, saber da diferenciação entre o conhecimento
e o comportamento sexual para poder responder tais questões corretamente ou para orientar as crianças
em todas as situações envolvidas com a sexualidade em que sejam encontradas.
O Quadro I, baseado em Gordon & Schroeder (1995), apresentado em seguida, informa-nos
sobre essa necessária distinção, bem como sobre a evolução da expressão sexual em diferentes estágios
do desenvolvimento infantil. O domínio do conteúdo desse quadro nos poderá ser útil, enquanto pais
ou profissionais. Entretanto, uma palavra de cautela deve aqui ser colocada. Esse quadro foi construído
com base em informações fornecidas por pesquisas levadas a efeito em culturas diferentes da nossa e,
por isso mesmo, a informação aí contida não deve ser tomada à risca. Tais informações derivam-se
principalmente de estudos levados a efeito em países escandinavos, onde a sexualidade é muito mais
liberada do que em países latinos como o nosso. Cientes dessa diversidade e levando-a em
consideração na utilização desse referencial,

Desenvolvimento sexual normal


Conhecimento sexual Comportamento sexual
Do nascimento até os 2 anos
As origens da identidade do gênero Exploração sexual
As origens da auto-estima Ereção peniana e lubrificação vaginal
Aprendizagem dos nomes para as partes do Experiência de prazer genital
corpo, incluindo genitais.
Uso inicial de palavras vulgares Toca partes sexuais dos outros
Aprecia nudez e tira roupas em público
Dos três aos cinco anos
Permanência de gênero estabelecida Masturba-se por prazer e pode experimentar
orgasmo
Diferenças de gênero são mais bem
compreendidas
Limitada informação acerca de gravidez e Pode ter brincadeiras sexuais com colegas e
nascimento irmãos; pode exibir seus genitais; pode
explorar os próprios genitais e os dos
outros; pode tentar intercurso.
Sabe nomes corretos de partes do corpo, Aprecia nudez e tira roupas em público
mas prefere usar termos vulgares.
Usa palavras de eliminação com colegas
Usa funções de eliminação com partes
sexuais
Dos 6 aos 12 anos
Bases genitais para gênero são completadas Brincadeiras sexuais com colegas e irmãos;
fantasias sexuais e brincadeiras de sexo;
beijos mútuos, masturbação, intercurso
simulado brinca de médico.
Pode usar corretamente os nomes para as Masturbação privada
partes sexuais, porém prefere usa palavras

78
vulgares. Aumento do conhecimento sobre
comportamento sexual masturbação e
intercurso

Conhecimento de aspectos físicos da Mostra modéstia, embaraço.


puberdade por volta da idade de l O anos Oculta jogos sexuais e masturbação dos
adultos
Começo das mudanças sexuais
Pode haver inicio da menstruação
Os meninos podem experimentar os
primeiro!
sonhos com poluição

tomemos o Quadro I como fonte de consulta mais ou menos flexível sobre o desenvolvimento
psicossexual infantil.
A partir do exame do quadro I, parece ficar claro que o grau de expressão e conhecimento
sexual de uma criança é diferente se ela tiver até dois anos de idade ou se tiver entre três e cinco anos
ou entre seis e doze anos de idade. Mais importante ainda é que também pelo exame do quadro
percebe-se que não há uma correspondência direta entre o comportamento e o conhecimento
sexual infantil. Embora uma criança de até dois anos ainda esteja iniciando a compreensão da
diferenciação de género e esteja iniciando o processo de auto-estima, já tem experiência de prazer
genital, tem ereção peniana e lubrificação sexual. Sua curiosidade ou movimento espontâneo de busca
de contato pode fazê-la tocar as partes sexuais daqueles com quem tem contato e tirar a roupa em
público.
Esses pontos anteriores ficam evidentes pelo exame, ainda que superficial do Quadro I. Tal
exame merece ser feito cuidadosamente, para que se possa prosseguir no tema sobre o que e quando
ensinar sobre sexualidade para as crianças que nos rodeiam, principal objetivo deste trabalho.
Nosso principal ponto até agora é o de que ainda que não haja correspondência direta entre o
comportamento e a expressão da sexualidade, deve ficar claro que são o conhecimento e o
comportamento sexual infantil que determinam quais as informações que os responsáveis poderão
fornecer às crianças para orientá-la de forma saudável.
Dada a ampla gama de informações e o curto espaço de tempo disponível para a presente
discussão, três principais pontos de informação em cada uma das três faixas etárias (de 0-2, de 3-5 e
de 6-12 anos) abrangidas pelo Quadro I são focalizados, a saber: 1) nome das partes do corpo e suas
funções, 2) identidade de género e 3) prevenção do abuso sexual. Nossa estratégia será discutir, em
função das faixas definidas no Quadro I, as informações sexuais úteis para as crianças.

Informações úteis às crianças de até dois anos de idade1


Se a criança está na primeira fase do desenvolvimento infantil, do nascimento até dois anos de
idade, do ponto de vista do conhecimento sexual, por exemplo, de um lado percebe-se positivamente
que já sabe nomear várias partes de seu corpo, e de outro, negativamente, que também já pode fazer
uso de palavras chulas. Cabe, então, aos principais agentes sociais das relações infantis - pais e
professores - estarem cientes desses fatos e os tomarem como ponto de partida no reagir de forma
natural frente a esse conhecimento, bem como frente aos comportamentos sexuais infantis a elas

1
'O quadro II, ao final deste texto, apresenta as considerações dessa seção de forma sintética para consulta rápida.

79
associados como, por exemplo, o explorar-se sexualmente com ereção peniana e com lubrificação
vaginal.
Os pais muitas vezes surpreendem-se tanto com esses comportamentos quanto com esses
conhecimentos de seus filhos, especialmente, se eles são indesejáveis socialmente. Assim, muitas
vezes perguntam-se: Onde meus filhos aprenderam essas coisas? Por certo não foi em casa, pois lá
nada fizemos que as induzisse a agir ou a falar assim.
É preciso, porém, lembrá-los de que se eles acham bonito a criança identificar partes do seu
corpo, como nariz, boca, umbigo e cedo iniciam esse processo, é também bonito que as crianças
saibam dizer os nomes de suas partes sexuais corretamente. Assim, sempre que tiverem oportunidade,
por exemplo, quando estão dando banho nelas ou as trocando, devem fazer esse exercício de
nomeação.
Situações em que, por uso do mesmo espaço por pais e crianças, estas vejam seus pais
tomando banho ou usando o sanitário, são excelentes condições naturais para a aprendizagem dos
nomes de todas as partes do corpo e para a aprendizagem das funções de cada uma dessas partes. Os
responsáveis devem aproveitar tais situações para comentários elucidativos. Não é porque os avós da
criança em questão não tenham agido assim com os pais dela que estes devam manter essa tradição.
Agindo da maneira sugerida, os pais estarão equipados para melhor reagirem quando as
crianças disserem palavras grosseiras, seja por terem aprendido na TV, com o filho da babá ou porque
vivenciaram situações não identificadas. Nessas condições, os pais poderão explicar aos filhos que os
nomes corretos são aqueles que eles já haviam ensinado e que aqueles nomes que ele está usando são
grosseiros. Poderão inclusive acrescentar que pessoas delicadas como seu filho não usam palavras
rudes como aquelas e perguntar às crianças se já os viram usando aquele tipo de palavra.
Não é, entretanto, incomum encontrar famílias que acham engraçadinho que as crianças bem
pequeninas digam nomes grosseiros para suas partes sexuais para depois, quando eles já estão fazendo
uso dessas palavras, não encontrarem maneiras de mudar tais hábitos. O achar engraçado tem a ver
com a repressão e o tabu antes mencionados para os comportamentos sexuais.
Outro ponto importante a lembrar aos pais é que é nessa primeira fase do desenvolvimento
infantil que se dá o início da definição da identidade de género, a qual se faz através de um processo
sociocultural. É essa identidade que faz com que as pessoas de um determinado sexo ajam e assumam
papéis sociais definidos socialmente, de acordo suas características sexuais definidas geneticamente
para elas. Mulheres e homens não têm seus comportamentos masculinos e femininos definidos desde o
nascimento. As pessoas nascem de um sexo ou de outro, mas elas poderão ou não se identificar com
esse sexo através desse processo de socialização que tem início no momento que os bebés do sexo
masculino são vestidos de azul; e os do sexo feminino, de rosa (Gordon & Schroeder, 1995). Nesses
casos poderemos ou não nos identificar com o sexo que foi geneticamente definido, mas poderemos
ter homens ou mulheres que desejariam ser do sexo oposto ao que lhes foi determinado geneticamente,
por não se identificarem com o próprio sexo, por não terem identidade de género.
Os pais ou responsáveis por crianças na primeira faixa etária (0-2 anos) podem fornecer
orientação a seu filho sobre identidade de gênero a partir das escolhas de brinquedos, roupas,
atividades e comportamentos feitas por ele. Para isto, devem estar atentos quanto a tais escolhas e para
a naturalidade da orientação por eles fornecida quanto a tais escolhas. Assim, se um menino calça o
sapato de sua mãe, ela deve usar o momento pra mostrar que ele quando crescer vai ser como o papai
e, portanto, é sapato igual ao do papai que irá usar. Dar-se como modelo de adequação é uma boa
forma de auxiliar a criança no processo de identificação sexual e consequente identidade de género. É
bom, entretanto, que os responsáveis pelas crianças estejam, porém, cientes de que não é para se
excederem nesse processo. Está ok para os meninos brincarem com bonecas e para as meninas
brincarem de carrinho. Tais comportamentos infantis reproduzem papéis adultos que são esperados
tanto de homens quanto de mulheres.
Todas essas informações fornecidas no primeiro estágio do desenvolvimento são importantes
para que no futuro, quando a criança tiver alcançado um estágio mais avançado em seu
desenvolvimento cognitivo, possa entender melhor a diferenciação sexual e ser devidamente orientada

80
para prevenção do abuso sexual. Crianças de até dois anos de idade, porém, ainda não estão preparadas
para receberem tal orientação explícita para prevenção. Nesse estágio, a melhor prevenção é a
supervisão bem de perto.

Informações úteis às crianças dos três aos cinco anos de idade1


Um exame da segunda faixa etária constante do Quadro I mostra que a criança nessa faixa
etária pode se masturbar por prazer e experimentar orgasmo; ter brincadeiras sexuais com colegas e
irmãos; exibir-se fisicamente e explorar os próprios genitais e os dos outros. Se defrontados com tais
comportamentos infantis os responsáveis pelas crianças poderão usar as situações que lhes deram
origem como instrumento de ensino e devidamente informar a criança acerca do observado, mas indo
além do observado.
Assim, poderão informar-lhes adequadamente que a inserção de objetos nas aberturas do corpo
pode ser perigosa e, por isso, não é permitida. Também deve ser informado à criança que masturbação
é um comportamento privado quando ela exibir tal comportamento em público (Para mais informações
sobre esse ponto, vide Silvares, 2001).
A este respeito, não é demais lembrar o estudo de Silvares e Souza (2002), no qual as autoras
procederam a uma revisão na literatura acerca do comportamento de masturbação em crianças e
verificaram que muitas dessas crianças encaminhadas para tratamento clínico mostravam uma história
longa de masturbação sem que os pais tivessem ou tomassem qualquer atitude mais educativa com
relação a ela. Talvez se o hábito tivesse bem cedo sido orientado, tivesse sido melhor e mais saudável
para integração social daquelas crianças.
Outros comportamentos ainda poderão aparecer entre crianças de 3-5 anos, tais como tentar
intercurso, tirar roupas em público e usar de palavras de eliminação com colegas. Se elas podem fazer
parte do repertório infantil da criança dessa idade cabe então aos seus responsáveis a reação adequada
frente a eles.
Assim, se eles encontrarem as crianças em posição de intercurso sexual, brincando de papai e
mamãe na cama, o momento é propício para esclarecimentos. O que estavam fazendo? Onde viram
outros fazendo aquilo? São perguntas espontâneas e que poderão fornecer elementos importantes para
orientação sexual da criança.
Se no passado a curiosidade sexual era satisfeita através de brincadeiras que até hoje
costumam ser feitas, como as de brincar de médico, hoje, quando tantas cenas de sexo (veladas ou
não) são veiculadas pela TV, não é demais ver as crianças fazendo igual.
Outros pontos de informação, como as funções das diversas partes do corpo, as diferenças
físicas entre meninos e meninas e as implicações dessas diferenças, são importantes conhecimentos a
serem fornecidos às crianças dessa faixa etária. Os responsáveis por crianças dessa faixa etária, além
de informar-lhes acerca desses pontos, devem discutir, com elas, atitudes de prevenção ao abuso
sexual.
Nesse sentido, algumas orientações voltadas para a prevenção do abuso sexual são muito
pertinentes e é para elas que nos voltamos agora. Para saber como agir quando em ameaça de abuso
sexual, a criança deve aprender que ninguém, a não ser ela, deve tocar suas partes privadas. Essa é
uma regra de ouro e muito útil para crianças dessa segunda faixa etária. Para isso é que anteriormente
lhe foram ensinados os nomes e funções de todas as partes do corpo. Se ela já tem esse domínio, ela
poderá aprender essa regra sem estranheza. Pode igualmente aprender que essa regra se aplica tanto

1
O quadro III, ao final deste texto, apresenta as considerações dessa seção de forma sintética para consulta
rápida.

81
para amigos e parentes quanto para estranhos. Além disso deve-lhe também ser ensinado a dizer:
"Não, meus pais me ensinaram e a não fazer isto" e ir embora. Outro aspecto importante no sentido da
prevenção é o ensinar a criança a contar a alguém quando uma proposta inconveniente (um convite de
abuso) ocorrer. Da mesma maneira, a criança deverá ser orientada no sentido de manter sua versão de
acusação até que alguém possa ajudá-la. Cabe aos responsáveis fazerem uma lista das pessoas a quem
a criança pode contar o incidente, caso ele venha a ocorrer.
Usando palavras que a criança entende, as informações anteriores deverão vir acompanhadas
das explicações pertinentes, pois a criança deve conhecer as razões porque dizer não e saber o que é
um estranho. Para isso, os responsáveis poderão explicar-lhes que nem todas as pessoas são iguais,
algumas são doentes e, quando estão perto de crianças, poderão fazer coisas com elas que vão
machucá-las. Cabe a ela identificar essas situações e agir conforme ensinada.
Para que ela possa agir adequadamente nessas situações, seus responsáveis poderão iniciar
com ela o que se chama de treino de habilidades de assertividade. O ponto de partida nesse treino dá-
se através da prática do dizer não e do contar. Essa prática começa com a permissão à criança para que
diga não em outras situações que são desconfortáveis para ele ou ela (por exemplo, negar-se a fazer
um pedido: Dê ao vovô um grande beijo). Oriente também a criança para que diga o que lhe agrada no
momento em que percebe esse sentimento sem expressão por parte da criança. Em ambos os casos,
diz-se que se está treinando assertividade, porque a criança está aprendendo a expressar seus
sentimentos de forma adequada.
Outro ponto importante na prevenção do abuso é o de que a criança deve aprender a não sair
com estranhos em nenhuma circunstância. Para que ela possa aprender isso, ela precisará
primeiramente aprender a quem ela deve considerar um estranho. Além disso, ela deve também
aprender como agem os abusadores, visto que esses, na maioria das vezes, não são estranhos, mas de
seu próprio meio. Mostrar como os abusadores agem — tentando seduzir as crianças com passeios de
carros ou com balas - e praticando que tipos de respostas elas devem dar a quem lhe fizer esses tipos
de propostas é uma forma de ensiná-las a se prevenirem do abuso sexual. Seus responsáveis devem
permitir que elas pratiquem tais respostas através do faz-de-conta, da dramatização.

Informações úteis às crianças dos seis aos doze anos de idade1

Continuar com o fornecimento de informações de forma adequada e praticar comportamentos


de prevenção pertinentes para situações em que a criança venha a sofrer ameaça de abuso, através da
dramatização e do faz-de-conta é o que se indica aos responsáveis que desejam formar seus filhos (de
6-12 anos) a ter uma expressão sexual sadia, tanto no início da puberdade como quando adultos.
O treino de assertividade parece um instrumento extremamente apropriado para continuidade
do ensino e treino de atitudes voltadas para prevenção do abuso sexual, o que é uma necessidade nos
dias de hoje, quando tantos comportamentos de abuso infantil são veiculados pêlos jornais.
Se esse treino inicia-se entre 3-5 anos, nas idades de 6-12 ele deve se manter, pois cada vez
mais a criança está exposta a situações de risco em relação a sua sexualidade.
Sabendo-se que é nesse período em que se firma a identidade sexual, é importante que as
crianças sejam também informadas acerca das mudanças que virão com a puberdade para ambos os
sexos, incluindo menstruação e emissão notuma. De igual importância para os responsáveis pelas
crianças que estão entrando na puberdade é saberem reagir diante de eventuais situações de abuso e de
risco de AIDS.
As crianças de 6-12 ainda não sabem dos recursos e ideias que perpassam pela cabeça de um
abusador. Cabe aos pais comentar com seus filhos que nem todos os adultos são confiáveis e que, se

1
O quadro IV, ao final deste texto, apresenta as considerações dessa seção de forma sintética para consulta
rápida.

82
algum adulto propuser um passeio, ele não o está fazendo porque é bonzinho, mas porque poderá ter
intenções más. Esta e outras situações de ameaça de abuso que trazem embaraço sexual devem ser
praticadas, da mesma forma que as soluções de resolução de problemas para enfrentar tais situações.
Se a criança for devidamente orientada, ela irá percebendo que seu corpo lhe fornece dicas do
que é bom e do que é ruim. A criança bem orientada pode confiar nas próprias dicas internas do seu
corpo e agir assertivamente em situações problemáticas. Cabe, porém, aos pais ensinar -lhes a
identificar tais situações e também orientar-lhes em como se comportar nelas. Os responsáveis devem
discutir com seus filhos o fato de que até amigos, parentes e estranhos podem manipular crianças e,
isso vier a acontecer, os filhos devem estar preparados.
Não é demais, para finalizar, acrescentar que o nível de informação dado à criança estende-se
também à AIDS, ou seja, ela deve ter informação correta acerca de controle de natalidade e de doenças
sexualmente transmissíveis.

Anexo

Quadro 11- Informações sexuais para os pais darem às criança, do nascimento até 2
anos

Partes do corpo e funções

1) Fornecer nomes correios para todas as partes do corpo, inclusive as da genitália masculina e feminina;
2) Aproveitar o momento em que a criança ou o pai toca cada parte de seu corpo para esse exercício;
3) Fornecer informação básica acerca das funções o corpo;
4) Permitir que a criança faca livre exploração de todas as partes de seu corpo.

Identidade de Gênero

1) Os pais podem fornecer orientação acerca deste tópico (IG) pelas escolhas de brinquedos, roupas,
atividade e comportamentos feitas pela criança e para as quais eles atentem;
2) Os estereótipos de gênero são difusos em nossa cultura, mas a flexibilidade é saudável;
3) Os pais podem ensinar a criança o que é especial acerca de ser garota ou garoto.

Prevenção de abuso sexual

1) As crianças devem receber informações (nomes e funções) sobre todas partes do corpo inclusive os da
genitália, antes de aprender a protegê-las;
2) A melhor prevenção nesta idade é a supervisão bem de perto.

Quadro III - Informações sexuais para os pais darem às crianças, dos 3 aos 5 anos

Partes do corpo e funções

1) Continuar dando nomes apropriados para as partes do corpo, incluindo a genitália masculina e

83
feminina;_____
2) Ensinar a criança as funções da genitália, incluindo tanto as de eliminação quanto as de reprodução.

Identidade de gênero

1) Conversar sobre as diferenças físicas entre meninas e meninos;


2) Reforçar a idéia de que cada criança é especial e tem características únicas, incluindo ser uma
menina ou menino.

Prevenção de Abuso sexual

A genitália é uma parte privativa e ninguém deve tocá-la com propósitos outros que os de saúde e
higiene.
1) A criança deve aprender que ninguém, a não ser ela, deve tocar suas partes privadas;
2) Explicar que essas regras se aplicam tanto para amigos e parentes quanto para estranhos;
3) Ensinar a criança a dizer: "Não, meus pais me ensinaram e a não fazer isto" e ir embora;

4) Ensinar a criança a contar a alguém quando uma proposta inconveniente (um convite de abuso) ocorrer;
5) Orientar a criança no sentido de manter sua versão de acusação até que alguém possa ajudá-la;
6) Fazer uma lista das pessoas a quem a criança pode contar o incidente, caso ocorra;
7) Iniciar o treino de habilidades de assertividade;
Pratique o dizer não e o contar.
Permita que a criança diga não em outras situações que são desconfortáveis para ele ou ela (por exemplo, ao
pedido: Dê ao vovô um grande beijo);
A criança deve aprender a não sair com estranhos em nenhuma circunstância;
A criança deve conhecer as razões porque dizer não e saber o que é um estranho;
Pratique tais respostas através de role vlav.

Quadro IV Informações sexuais para os pais darem à criança dos 6 aos 12 anos

Partes do corpo e funções

Todas as crianças necessitam de informação acerca das mudanças que virão com a puberdade para ambos os
sexos incluindo menstruação e emissão noturna.

Identidade de gênero

A identidade de gênero é fixada por volta desta idade. Encoraje tanto meninas como meninos a definirem
seus interesses e talentos a despeito dos estereótipos de gênero.

Prevenção de abuso sexual e de AIDS

Discuta as idéias de um abusador e corrija as percepções errôneas. Identifique situações de abuso, incluindo
de embaraço sexual. Pratique assertividade e soluções de resolução de problemas; ensine a criança a confiar
nas próprias dicas internas do seu corpo e a agir assertivamente em situações problemáticas.
Explique como abusadores, incluindo amigos e estranhos, podem manipular crianças.
Converse acerca da tomada de decisões no relacionamento. Proveja informação correia acerca de controle de
natalidade e de doenças sexualmente transmissíveis (incluindo AIDS).

84
Abuso sexual na infância e na
adolescência: você pode
descobrir o que está acontecendo

Maria da Graça Saldanha Padilha1

Uma das grandes preocupações do nosso tempo é com a violência. Suas manifestações são as
mais diversas, mas nada choca mais do que a violência contra a criança (sempre que falarmos de
criança, estaremos nos referindo também a adolescentes). Situações como privação de alimentos,
abrigo ou afeto, negligência nos cuidados com a criança, abuso físico e sexual, ou exploração sexual
na forma de prostituição infantil são o que chamamos de maus-tratos.
As diversas formas de maus-tratos podem apresentar-se isoladamente ou de maneira
combinada. O adulto pode abusar fisicamente da criança pela qual é responsável usando a força de
forma intencional, não acidental, para feri-la. Pode também abusar dela psicologicamente, com
atitudes como rejeição, depreciação, discriminação, cobranças e punições exageradas, que podem
trazer danos ao seu desenvolvimento psicológico. O adulto também pode ser negligente, omitindo-se
de prover as necessidades básicas para o crescimento da criança, privando-a de atenção, alimento,
cuidados com higiene, ou mesmo do direito ao estudo. E, de maneira tão danosa quanto estas formas
de maus-tratos, a criança pode ser usada para gratificação sexual do adulto, dentro de uma relação na
qual não tem poder de decisão, caracterizando assim o abuso sexual.
Cabe ressaltar que a omissão de familiares, vizinhos, educadores ou autoridades contribui
para agravar o problema dos maus-tratos, pois impede que atitudes de proteção sejam tomadas. Na
mesma medida em que crianças são maltratadas, cresce a violência na sociedade, já que a violência é
um fenómeno sujeito à transmissão intergeracional. Pessoas que tenham passado por situações de
maus-tratos na infância têm maior probabilidade de repetirem com seus filhos, ativa ou passivamente,
as situações pelas quais passaram, caso não tenham tido cuidados profissionais. O abuso sexual, assim
como as outras formas de maus-tratos, deve ser foco de estratégias de prevenção e tratamento, para
que o problema não se transmita às gerações seguintes.
A palavra "abuso" significa uso errado, uso excessivo. Pressupõe a intencionalidade do
abusador, que é em grande parte das vezes uma pessoa da família da criança contra a qual é praticado
o abuso.
O conceito de abuso sexual não é exato. Varia de cultura para cultura, mas de maneira geral
considera-se que envolve atos ou jogos sexuais, de caráter heterossexual ou homossexual, entre
adultos e crianças menores de 18 anos. A finalidade é estimular sexualmente a criança ou utilizá-la
para obter uma estimulação sexual. Pressupõe um abuso de poder por parte do adulto, pois a criança
não tem condições de decidir se quer participar ou não da relação abusiva. Em geral, é coagida com
ameaças ou seduzida, o que pode ocorrer quando a criança tem uma relação de afeto com o abusador.

1
Psicóloga; Mestre em Psicologia da Infância e da Adolescência pela Universidade Federal do Paraná;
Professora do curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná

85
O incesto é a forma mais extrema de abuso sexual. Ocorre dentro da família, entre pai e filha,
padrasto e enteada, mãe e filho (mais raramente), ou envolvendo outros parentes da criança. Por ser
praticado por pessoas ligadas afetivamente à criança, pode ter consequências psicológicas mais sérias
do que o abuso extra-familiar, como discutiremos mais à frente.
O abuso sexual pode ou não deixar provas físicas. Vai desde uma carícia íntima, manipulação
da genitália, mama ou ânus, exploração sexual, pornografia, voyeurismo (prática de olhar outros em
situações sexuais), exibicionismo, até a penetração vaginal, anal ou oral.
A duração do abuso na vida da criança pode ir de um único episódio isolado até episódios
recorrentes e rotineiros durante vários anos, sem que haja a revelação do fato perante outros. Pode
ocorrer desde que a criança é bebé e ser praticado por indivíduos pedófïlos ou agressivos,
frequentemente pertencentes ao círculo de relações da criança.
Quando a criança revela o abuso, mas não há provas físicas, o abusador argumenta que não
forçou a criança a nada. Este é um dos fatos mais impactantes sobre o abuso sexual, pois leva a
criança a pensar que é culpada pelo que aconteceu e que participou porque quis.
As estimativas sobre a ocorrência de abuso sexual variam de cultura para cultura, tanto quanto
o conceito de abuso sexual. As taxas de ocorrência reais são provavelmente mais elevadas do que os
números apresentados. Os sentimentos de culpa e vergonha da vítima muitas vezes impedem que
revele o acontecido, fazendo-o somente na vida adulta para um profissional de saúde, em geral o
psicoterapeuta ou o ginecologista. Este fato mascara os números reais sobre o abuso.
Para ilustrar, tomemos alguns dados. A ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência) informou em 1997 que, em cada 100 denúncias de maus-tratos
contra crianças e adolescentes, nove foram de abuso sexual. Informações da Delegacia da Mulher da
cidade de Curitiba revelam que, entre janeiro e maio de 2002, houve o registro de 55 casos de
violência contra crianças e adolescentes. Destes, 42 envolveram alguma forma de abuso sexual, sendo
o agressor, na maioria dos casos, o padrasto.
Há dados conclusivos de outros países que 27% das mulheres e 16% dos homens
experimentam ao menos um episódio de abuso sexual durante sua infância ou adolescência. Há
também estimativas de que uma em cada cinco mulheres teve experiências sexuais não desejadas antes
da idade de 18 anos.
Estes dados nos mostram a gravidade do problema e se levarmos em conta que a maioria dos
casos não é revelada e, portanto, não é denunciada, teremos ideia de como o abuso sexual é um
fenómeno comum, porém silencioso. Não depende de nível socio-econômico-cultural. Diversos
autores afirmam que não há uma relação entre classe social e abuso sexual de crianças ou, se há, a
relação é muito fraca. Não se pode afirmar que a pobreza seja um fator causador do abuso sexual.
Pode-se pensar que talvez seja mais denunciado quando ocorre em classes sociais menos favorecidas,
por apresentar-se nestes casos mais associado à violência física, ou à prostituição infantil.

A família
Cabe ressaltar que as características de famílias nas quais ocorre abuso intrafamiliar diferem
das características das famílias nas quais ocorre unicamente o abuso extrafamiliar.
No primeiro caso, pode ocorrer a conivência de diversos membros da família, que se recusam a
ver de frente o problema. Por exemplo: uma menina pode revelar à sua mãe que o padrasto aproxima-
se dela com intenções sexuais. A mãe pode não acreditar na filha e pode inclusive acusá-la de querer se
aproximar do padrasto, culpando a criança. Este é um terreno fértil para que o abuso continue e leve a
criança a se sentir cada vez pior.
E por que a mãe age desta maneira? Sua atitude ambivalente pode ser finto de uma história de
vida de abusos sexuais, abandono ou violência. A simples revelação do abuso sexual sofrido por uma
filha poderia fazê-la recordar-se do que passou, ou acionar sentimentos de insegurança quanto ao

86
vínculo que a une ao abusador da filha. Sua sobrevivência emocional é garantida pela negação dos
fatos. Muitas vezes este vínculo é também material e qualquer revelação poderia comprometer a
aparente estabilidade da família.
Acusar mães que agem desta maneira é uma atitude simplista, pois não está sendo considerada
a relação direta entre a sua história de vida e os efeitos sobre a sua interação com a criança. Mães
vítimas de incesto sofrem a interferência de efeitos a longo prazo, como a depressão e os sentimentos
de impotência que podem prejudicar sua percepção e comportamentos enquanto mãe.
A repetição intergeracional dos casos de abuso sexual dentro de uma família, constatada pelas
pesquisas nesta área, é um argumento bastante importante a favor da prevenção e do tratamento das
vítimas de abuso sexual. A vítima de abuso deve conhecer sua história, falar sobre seus sentimentos e
aprender a reconhecer situações de abuso. Neste caso, poderá estar mais atenta para proteger seus
filhos e proteger-se de tornar-se vítima novamente de situações abusivas, tais como se casar com um
marido violento ou deixar-se humilhar pelo marido dentro do casamento.
Por outro lado, há mães que reagem com firmeza logo que suspeitam do abuso sofrido por
algum filho ou filha. Talvez sejam pessoas que tiveram a oportunidade de compreender sua história
pessoal e aprenderam a reconhecer os sinais presentes nas relações abusivas.
Mas também há evidências apontadas em pesquisas de que pais ou padrastos que tenham
sofrido abuso sexual na infância podem se tornar abusadores. Alguns dos pais e padrastos sexualmente
abusadores relataram não ter tido uma figura de apego, ou seja, uma figura importante afetivamente.
Quando tiveram, esta pessoa era uma criança ou um amigo mais velho. Alguns relataram um extremo
isolamento emocional quando eram crianças.
A figura do padrasto é frequentemente ligada ao abuso sexual. A razão para isso é que os
padrastos têm menos probabilidade de conviverem familiarmente com a criança durante o período em
que ela é bem pequena. Quando o padrasto está presente na casa durante os três primeiros anos de vida
da criança, seu envolvimento com ela e o risco de abuso não diferem
do envolvimento e do risco de abuso de pais biológicos. Parece ser a sua ausência no lar no início da
vida da criança a responsável pela alta representação dos padrastos entre os abusadores. Mas é óbvio
que este fator isolado não leva ao abuso sexual. É necessário que o padrasto abusador tenha também
uma história de vida que justifique suas ações.
O abusador pode apresentar dois tipos de comportamento: um é o do indivíduo reservado,
inócuo, suave, pouco viril, aparentemente pudico e moralista; o outro é o do indivíduo agressivo e
violento. Ambos os tipos podem ocorrer tanto no abuso intrafamiliar como no abuso extrafamiliar. No
primeiro caso, podemos estar falando de um pedófïlo, cujo desvio se dá no sentido da eleição de uma
criança como fonte exclusiva de prazer e suscetível de provocar orgasmo. Sua aproximação à criança
é pela sedução. Já no segundo caso, o abusador aproxima-se da criança usando a força física ou a
coerção para cometer o abuso.
Mas esta descrição estaria incompleta de não falássemos aqui da criança abusada. É
importantíssimo lembrarmos que crianças carentes de atenção ou afeto são as mais vulneráveis ao
abuso sexual. Quando o abusador acena com um pouco de carinho, em troca do envolvimento sexual
com a criança carente de afeto, pode comprometê-la na relação abusiva por um longo prazo. As
demandas afetivas da criança são respondidas pelo abusador num contexto que desperta precocemente
a sua sexualidade. Quando uma criança vem em busca de cuidado emocional, recebe uma resposta
sexual.
Muitas vezes esta acaba sendo a única relação afetiva na vida da criança e, por isso mesmo, a
mais difícil de ser rompida. Isso explicaria em parte porque há crianças que não revelam o abuso.
Além de receberem afeto do abusador, não contam com uma relação de confiança com a mãe para que
possam fazer a revelação.
Cabe ressaltar que as relações incestuosas acontecem mais frequentemente com crianças do
sexo feminino e a pedofilia fora da família é mais frequente com crianças de sexo masculino.
No caso do abuso sexual extrafamiliar, a privação de afeto a que uma criança pode estar

87
sujeita dentro da família pode ser considerada um fator de risco. A criança pode receber de alguém de
fora da família a atenção e o afeto que os familiares não lhe dão. Lembremos que o custo deste afeto é
alto para a criança: ser vítima de abuso.

O impacto do abuso sexual para a criança


As crianças que sofreram abuso prolongado frequentemente expressam fortes sentimentos de
culpa e vergonha, independentemente do grau de cooperação e da vontade de participar do abuso. As
atitudes dos adultos após a revelação do abuso são determinantes no estabelecimento destes
sentimentos. A criança que é compreendida neste momento apresentará mais facilidade em expressá-
los e lidar com eles. As consequências do abuso para a criança são os efeitos diversos de uma situação
de trauma. Podem prejudicar seriamente o seu desenvolvimento emocional, cognitivo e
comportamental, particularmente no caso do incesto.
Além de se culpar, a criança pode apresentar o que chamamos de "síndrome dos bens
danificados", que é o sentimento de que a inocência foi perdida e de que seus sonhos foram destruídos.
Pode também apresentar depressão, baixa auto-estima, habilidades sociais empobrecidas, raiva,
hostilidade e incapacidade para confiar. Estas manifestações podem se estabelecer ao longo da vida, se
não forem trabalhadas em relações mais sadias com os adultos.
Podem ocorrer problemas relativos ao comportamento sexual da criança abusada, como por
exemplo: sexualidade agressiva, tentativa de engajar outros no comportamento sexual e
comportamentos que parecem ser imitação da atividade sexual adulta (contato oral-genital, inserir
objetos, simular intercurso). Cerca de 41% das crianças abusadas sexualmente mostram estes
comportamentos. Além disso, podem começar precocemente a vida sexual, com risco de gravidez na
adolescência e exposição a doenças sexualmente transmissíveis.
Segundo pesquisas, há também uma relação importante entre a delinquência e o abuso sexual,
pois a criança abusada dentro de casa pode fugir para evitar o abuso e passar a morar nas ruas. Nesta
situação, está vulnerável a ligar-se a grupos desviantes e a praticar atos delinquentes que garantam sua
sobrevivência.
Outras sequelas das experiências de abuso sexual são: recordações aflitivas, recorrentes e
intrusivas do evento, "sonhar acordado", medos e evitação, ansiedade elevada, que podem ter
repercussões sobre o desenvolvimento físico e emocional da criança. A criança pode também
apresentar uma crença de que os acontecimentos externos não estão mais sob seu controle.
Mas talvez a pior consequência do abuso para a criança seja o impedimento de aprender como
se proteger. Pode tornar-se uma pessoa passiva, que deixe os outros fazerem consigo o que quiserem,
já que não acredita na própria capacidade de controlar as situações de sua vida.

A proteção à criança
Segundo publicações da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência, existem mitos em relação ao abuso sexual de crianças. Por exemplo: "o abusador sexual
é um psicopata, um tarado que todos reconhecem na rua"; "o estranho representa o perigo maior às
crianças e adolescentes"; "o abuso sexual, na maioria dos casos, ocorre longe da casa da criança ou do
adolescente"; "a maioria dos casos é denunciada"; "as vítimas do abuso sexual são oriundas de famílias
de nível socioeconômico baixo".
Estes mitos impedem uma avaliação objetiva das situações de risco, pois pais ou educadores
acabam fechando os olhos para situações potencialmente perigosas. E isso não ocorre por maldade ou
por negligência, mas por dificuldades de detectar possibilidades de que o abuso ocorra. Por exemplo:
uma mãe não detecta comportamentos de aproximação a seu filho de 10 anos de um pedófïlo que mora
na vizinhança.. Desta forma, pode deixar a criança sair de casa para brincar e esta acaba sendo

88
envolvida num abuso sexual.
Quando o abuso ocorre dentro da família, também há a impossibilidade de notar os sinais de
que esteja acontecendo. Como vimos acima, a mãe tem um importante papel na interrupção da
situação abusiva.
A proteção à criança passa por três níveis de prevenção. A prevenção primária é aquela que
aborda informações a pais, professores, adolescentes e crianças, educando-as para reconhecerem
aproximações inadequadas de adultos oportunistas, fugirem deles e contarem o que aconteceu para
adultos de confiança. É uma maneira de fazer com que a criança aprenda a se proteger.
Outra forma de prevenção é a secundária, que tem como objetivo a detecção precoce de
crianças em situação de risco, impedindo os atos de violência ou sua repetição. Por exemplo: numa
família na qual já ocorreu uma situação de abuso, devem ser tomadas providências para que não se
repita com outros membros da família. Para isso, é importante que os profissionais da área de saúde,
de assistência jurídica e social sejam bem preparados para lidar com estas situações.
A prevenção terciária tem o objetivo de melhorar sequelas de abuso e a probabilidade de
efeitos a longo prazo, tratando psicologicamente a vítima de abuso e sua família. Lembremos que
também podem ser tentadas intervenções de tratamento com o abusador, embora este seja um tema
ainda bastante polémico e que necessite de mais pesquisas para seu desenvolvimento.

Conclusões
Lembremos que o abuso sexual não ocorre em função de um único fator isolado. É decorrente
da combinação de vários fatores, como os comportamentos dos membros da família envolvidos, o
impacto que suas histórias de vida tiveram em seu desenvolvimento e as condições de vida atuais da
família dentro do contexto social em que vive. É preciso bem mais do que o fato de haver um padrasto
na família para que o abuso sexual ocorra.
Já que o abuso sexual é um fenómeno multideterminado, não devemos esquecer que o risco de
que ocorra aumenta à medida que mais fatores antecedentes estejam presentes. Levando em conta as
características da mãe, do pai ou padrasto e da própria criança, é possível reconhecer condições
apropriadas para sua ocorrência.
Além disso, a criança que passou recentemente por uma situação de abuso, ou que ainda está
passando, pode apresentar sinais como ansiedade elevada, problemas na escola, isolamento, choro,
depressão, medos, evitação de pessoas ou situações ligadas ao abuso, problemas para dormir,
pesadelos, brincadeiras sexualizadas ou qualquer outra modificação brusca de seu comportamento.
É evidente que apenas estes sinais não denunciam o abuso sexual. Combinando a ocorrência de
sinais apresentados pela criança com fatores antecedentes característicos de situações de abuso,
podemos suspeitar de que isso esteja acontecendo.
Mas o cuidado com denúncias deve ser grande. É necessário lembrar que a criança tem medo e
vergonha de contar o ocorrido para os adultos s é importante criar condições para isso quando há
desconfiança, sem que haja acusações precipitadas. Avaliações multidisciplinares, com psicólogo,
médico, assistente social, podem fornecer informações importantes.
A psicoterapia pode ajudar a criança e a família, quando há suspeita ou confirmação do abuso.
No caso da suspeita, a criança pode ser ajudada a revelar o abuso e, no caso da confirmação, a lidar
com o trauma que a situação deixou. A família pode ser ajudada a dar suporte para a criança e a se
reorganizar, caso o abuso seja intrafamiliar.
O abuso sexual tem de grande impacto sobre a vida de uma criança ou adolescente, porque
causa problemas no seu desenvolvimento e, sobretudo, porque implica a perda da sua infância.

89
Como evitar o desenvolvimento de
comportamento anti-social em seu filho
Paula Inez Cunha Gomide1

É de pequeno que se torce o pepino diziam nossos avós, quando tentavam passar as normas
sobre educação assimiladas de seus ancestrais. Implícita a esta regra estavam as palmadas, os castigos,
as surras e até mesmo punições mais severas aplicadas pêlos pais, quando estes entendessem que seus
filhos mereciam. Não se questionava, nos idos do século passado, se o rigor da punição aplicada pelo
pai tinha real eficácia na mudança de comportamento dos filhos. Era comum o entendimento de que a
autoridade estava relacionada à severidade das punições, sendo assim, não havia muitas "conversas".
Os maus comportamentos eram punidos. Os pais que não corrigiam os erros dos filhos eram
considerados "molóides" e responsáveis pêlos fracassos dos filhos, diziam "aquele não deu em nada,
também os pais não souberam educar, eram fracos".
Hoje em dia, a tónica da educação recaiu sobre o "conversar", substituindo o "punir". Os pais
conversam em lugar de punir. Os pais conversam sobre os maus comportamentos, sobre os erros,
sobre as deficiências de seus filhos, sobre as desordens dos quartos, sobre o excesso de horas de uso
do telefone, sobre as notas baixas, sobre "as horas" que chegou em casa, sobre o namoradinho(a), etc.,
etc., etc. Os filhos respondem, discutem, conversam.
Aparentemente, em apenas meio século, o que aqui se observou foi uma mudança de um
extremo ao outro, em apenas uma geração para outra. Os valores mudaram completamente. Antes se
punia, agora se conversa. Antes se punia para manter a autoridade, hoje se conversa para manter a
amizade.
Percebe-se hoje que é mais importante para os pais ter a amizade dos filhos do que ter
autoridade em casa. Quando, no entanto, desejam ser figura de autoridade, e não conseguem, se
exasperam. Porém, não sabem mais como desenvolver este papel. Buscam constantemente um papel
de igualdade, rompendo com a tradição dos ancestrais, na qual as figuras paternas eram distantes e
respeitáveis. Os pais hoje em dia deitam-se no chão, dizem palavrões com os filhos, brincam, estão
mais próximos das crianças que os antigos, só não conseguem impor limites. Permitem que os filhos
tenham em suas casas a mesma autoridade que eles próprios, têm dificuldades em estabelecer regras,
em fazer cumprir as regras estabelecidas e em passar seus valores morais, enfim, estão com
dificuldades para influenciar positivamente seus filhos, orientando-os para escolhas corretas.
Alguns procedimentos relativamente simples poderão ser tentados pêlos pais e educadores
para corrigir este desvio que ocorreu entre a tentativa de fuga de uma educação punitiva e o completo
liberalismo que levou muitas famílias a perderem o controle sobre a orientação de seus filhos.
Abordaremos alguns destes procedimentos neste texto, de forma sucinta, porém com exemplos
suficientes para o seu entendimento.

A importância das regras


Em primeiro lugar, devemos considerar a importância de se estabelecer regras em nossa

1
Doutora em Psicologia pela USP; Docente do curso de Psicologia da UFPR; Coordenadora do curso de
mestrado em Psicologia da Infância e Adolescência da UFPR.

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relação com nossos filhos ou educandos. Devemos sim estabelecer regras. Estas regras devem ser
criadas para permitir um relacionamento adequado entre os membros da família, entre o grupo de
alunos, para que os valores e hábitos daqueles que convivem em um determinado lugar sejam
respeitados.
Compreendido que é preciso se criar regras, um segundo passo a ser enfrentado é o de como se
estabelecer estas regras. Deve-se, em linhas gerais, gerar poucas regras, que sejam flexíveis e possíveis
de serem cumpridas. Os pais não devem criar muitas regras, rígidas e complexas. Quando se criam
regras em excesso, os filhos, por saturação, deixam de prestar atenção à grande parte delas, ignorando-
as e burlando-as. Quando as regras são difíceis de cumprir, porque são muito rígidas, a chance do não
cumprimento é grande, de maneira que a possibilidade de os pais ou educadores permitirem seu
descumpritnento é aumentada. Raramente uma criança atinge os critérios rígidos estabelecidos pêlos
pais ou professores no início de sua tentativa. Portanto, a chance de fracasso é muito grande, gerando
desapontamento para ambas as partes. É mais vantajoso para todos que se inicie gradualmente a
implantação de uma regra nova, passo a passo, da parte mais fácil para a mais difícil.
Quando os pais, sucessivamente, descumprem as regras por eles estabelecidas, ensinam aos
filhos três atitudes indesejáveis: (1) que as regras não são para serem cumpridas; (2) que a autoridade
(pais ou educadores) pode ser desrespeitada, além de (3) ensinar a manipulação emocional. Esta
aprendizagem terá sérias consequências para a vida futura da criança ou do adolescente. Aprender que
as regras são feitas e podem ser descumpridas leva estes jovens a não aceitar normas sociais. Placas,
avisos ou informações presentes em rodovias, escolas ou instituições podem ser desconsideradas, pois
não têm significado algum. As autoridades que formulam as regras, pais, professores, dirigentes, etc.,
não merecem respeito, visto que não foram capazes de estabelecer o cumprimento das regras. Por fim,
eles aprendem a manipular emocionalmente os educadores: fazem chantagem, choram, mostram "caras
arrependidas", ou ainda pior, ficam agressivos e, com esta atitude, conseguem interromper o castigo,
gerando culpa nos educadores.
Ainda se, sistematicamente, os pais relaxam no cumprimento das regras, ao mesmo tempo em
que ensinam aos filhos o desrespeito às regras e à autoridade, desenvolvem nas crianças e adolescentes
insegurança sobre o que é certo ou errado, sobre valores morais ou éticos, sobre respeito aos direitos
humanos e às pessoas. Estas crianças não aprendem, com seus pais, a respeitar as instituições e as
pessoas. Por isso, são "malcriadas" com as professoras, instrutoras ou colegas. Não aprendem com
seus pais que as regras devem ser justas e, desse modo, não sabem avaliar se uma regra está adequada
a uma dada situação e, portanto, deve ser cumprida.
Este tipo de prática educativa tem efeitos desastrosos. Infelizmente, são encontrados muitos
jovens com comportamento anti-social, cujos pais sistematicamente fazem regras e as descumprem e
usam a ameaça como prática educativa. Os pais e os professores ameaçam, mesmo que estejam
conscientes de que a ameaça não funciona. Talvez acreditem que falando, ameaçando, estejam
cumprindo, ao menos em parte, seu papel de educadores e se sintam menos culpados. É importante
que observem como a ameaça é ineficaz. Os filhos e os alunos não obedecem por causa da ameaça;
eles somente obedecerão caso a ameaça venha a ser seguida pelo castigo prometido. Somente neste
caso eles serão capazes de relacionar o "comportamento inadequado" com o "castigo"e, então, para se
livrar do castigo, mudam o comportamento indesejável.
O castigo nunca deve produzir privação de necessidades básicas (alimento, sono, carinho) ou
produzir dor. O castigo deve ser a retirada de "algum tipo de lazer" por um período curto de tempo, por
exemplo, ficar sem ver TV ou jogar videogame por um ou dois dias, ficar sem comer doces, etc. Privar
a criança de carinho é um grave erro. A criança deve ter segurança do amor paterno ou materno
sempre, mesmo quando está sendo castigada. Os pais devem estabelecer o castigo (retirada de um
privilégio) sem demonstrar raiva ou ódio. O comportamento indesejado deve ser punido e não a
criança. Quando mostramos ódio, estamos informando à criança que a reprovamos e não ao seu
comportamento. Este fato é extremamente importante, pois perturba a criança, de modo que ela não

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sabe o que fazer para atender ao que os pais desejam dela. Se ela é errada, como mudar? A criança
precisa saber exatamente o que deve mudar, o que os pais esperam dela. Dar informações dúbias,
confusas, geram atitudes instáveis nas crianças. Se, ao aplicarmos um castigo, usamos frases como
'Você vai ficar no quarto, porque não quero ver sua cara, odeio você, você só faz coisas erradas,
preferia que não tivesse nascido", os pais não estão tentando corrigir o comportamento indesejado, e
sim estão despejando seu ódio sobre o filho. O filho recebe o ódio e não sabe o que fazer para atender
às expectativas dos pais. Todo ele está errado. Como mudar?
Outra questão importante é sobre o tempo entre a ocorrência do comportamento indesejado e a
aplicação do castigo. O castigo não deve ser aplicado após haver passado muito tempo; é importante
que seja aplicado em seguida ao comportamento indesejável ter ocorrido. Não funciona dizer que a
criança não vai ganhar a bicicleta no Natal, quando ela tirou uma nota baixa em abril. Mesmo porque,
provavelmente, no Natal, também os pais já tenham se esquecido do castigo e não desejem estragar a
festa de todos fazendo cumprir um castigo tão inadequado. E, por conseguinte, a regra não será
cumprida, causando os prejuízos já citados anteriormente.

Monitoria positiva
Os pais são os principais mediadores entre a criança e o mundo. A criança aprende sobre o
mundo através dos olhos dos pais, de suas reações, de suas experiências. São os pais que ensinam as
crianças a ser seguras, a ter boa auto-estima, a resolver problemas. Ensinar a criança, desde tenra
idade, a solucionar problemas é um excelente caminho para desenvolver a sua segurança, inibindo,
conseqüentemente, o aparecimento de distúrbios sérios como a depressão infantil. Quando uma
criança ou adolescente acredita que nada do que possa fazer alterará seu mundo, pode entrar em
depressão. A depressão é a representação deste fracasso, imaginado e sentido, de que não é capaz de
mudar o meio; a pessoa não consegue se fazer compreender, não se sente amada.
Desta forma mostrar, para seu filho, que ele é importante, que é amado, que é capaz, faz parte
das obrigações daqueles pais que desejam criar e cuidar de crianças felizes e bem adaptadas. Como se
revela o real interesse pela criança? Existem diversas formas para se demonstrar este interesse. Os pais
devem escolher o seu próprio modo e agir, aquele que mais se adapte ao seu modo de ser. Se a família
tem o hábito de fazer, ao menos, uma refeição diariamente, este pode ser um momento de se perguntar
aos filhos como foi o seu dia, saber sobre alguma dificuldade de relacionamento, sobre suas
conquistas. Este é o momento de elogiar "efusivamente" as boas notas, de aceitar reclamações sobre
professores etc. Os pais devem demonstrar que o dia das crianças é tão importante quanto o seu
próprio. Não devem usar estes horários, nos quais a família está reunida, para dar broncas, fazer
queixas e 'Vomitar" suas desavenças. As broncas devem sempre ser dadas em particular; e os elogios,
feitos publicamente. A vantagem de se dar broncas particularmente é que são evitados os
constrangimentos naturais provocados pela presença de outros, como irmãos que aproveitam a
situação para "tirar um sarro", prejudicando o entendimento e o posterior arrependimento do fato.
O entendimento, a reflexão e a auto-crítica são os principais passos para a reparação de um
mau comportamento. Os pais devem expor seu pensamento e, em seguida, dar um tempo para que o
filho fale sobre o assunto. Juntos, podem encontrar a maneira de reparar o dano ou de acertar os
termos do castigo, caso este seja necessário. Quando a reflexão e o arrependimento são sinceros, via
de regra, não é necessária a administração de qualquer tipo de castigo. Os pais devem estar seguros
que não estão sendo manipulados emocionalmente. Suspeita-se de manipulação quando existe
reincidência do fato. O real arrependimento deve ser suficiente para que o filho evite se comportar de
maneira inadequada no futuro. Quando ele está manipulando, mostra arrependimento, faz "ar" de
tristeza, inibe a bronca dos pais e consegue se livrar da punição; no entanto, em seguida, repete o
mesmo ato.
Em síntese, acompanhar de forma positiva o crescimento e o desenvolvimento de uma criança

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ou adolescente é mostrar-lhes real interesse, tanto por suas atividades como por seus sentimentos.
Significa, através do elogio e de atitudes, demonstrar para o filho que ele é amado e é importante.
Conversar significa falar e ouvir. Conversar significa compartilhar sentimentos e ideias.

Supervisão estressante
A supervisão estressante caracteriza-se pela exagerada vigilância ou fiscalização dos pais em
relação aos filhos e pela alta frequência de instruções repetitivas. Telefonar a cada hora para o filho
para verificar se ele está mesmo na casa do amigo ou no shopping, ir até o quarto para ouvir a conversa
dele com os amigos, escutar telefonemas, ler o diário, repetir insistentemente para que ele arrume o
quarto ou guarde os brinquedos, dizer todos os dias que ele não estudou e que não irá passar de ano,
falar várias vezes ao dia para parar de abrir a geladeira, etc. são situações que revelam a supervisão
estressante.
Inicialmente, este tipo de procedimento educativo demonstra quão ineficaz está sendo a
educação realizada pêlos pais. Eles não confiam nos filhos, deixando isto claro em todos os momentos.
É preciso fiscalizar, porque caso contrário ele (a) fará algo errado. É preciso evitar problemas. Os
filhos percebem a desconfiança dos pais e passam a tentar burlar a fiscalização: mentem, desligam o
telefone celular, fingem que não ouviram a ordem, escondem seus objetos pessoais, conversam
baixinho, escondem -se etc. Os pais, por sua vez, ficam cada vez mais fiscalizadores, bravos, irados
com as dificuldades criadas pêlos filhos que os impedem de atingir perfeitamente seus objetivos. Este
tipo de relacionamento gera muitas discussões e agressões verbais. Os filhos ficam irritados e
agressivos, pois querem ter liberdade e privacidade e sentem-se prejudicados pela falta de confiança
dos pais; e os pais sentem-se raivosos e impotentes diante das dificuldades encontradas para evitar que
problemas maiores ocorram caso eles não fiscalizem e controlem seus filhos.
É importante salientar que pais que se utilizam deste tipo de supervisão para educar seus filhos
pensam que são dedicados e que estão fazendo o melhor possível. Que se sacrificam pêlos filhos, que
merecem
retribuição, que estão perdendo o melhor de sua vida para educá-los. Infelizmente, na opinião destes
pais, os filhos não valorizam seus esforços.
Os filhos, por sua vez, não sentem que estão sendo cuidados, amados. Sentem que os pais não
confiam neles, que os fiscalizam, que invadem a sua privacidade e que precisam fazer de tudo para
garantir sua independência, sua singularidade. Desenvolvem extrema criatividade buscando proteger
seus segredos. Tornam-se agressivos, porque em algumas situações conseguem inibir "o rosário de
reclamações". A mãe, para evitar que o "clima" de tensão entre a família seja exacerbado, interrompe a
reclamação, o filho fica feliz e percebe que quando fica agressivo se "livra" da reclamação1.
A relação entre os pais e os filhos é extremamente irritadiça e hostil quando o cotidiano
familiar é mediado pela supervisão estressante. Os pais cobram e os filhos justificam-se. O tom, na
comunicação verbal, é sempre agressivo. O sentimento de ambos é o de frustração. Os filhos sentem
que jamais serão compreendidos; e os pais, que jamais serão obedecidos.
As conversas, que substituíram as punições de antigamente, são usadas em larga escala. No
entanto, são usadas como supervisão estressante e não como fonte positiva de relacionamento. Após
sucessivas associações do convite "vamos conversar" com a situação "receber bronca", a palavra
conversar passou a significar bronca e, em seguida a ser evitada pelas crianças e adolescentes,
deixando de ser uma fonte de entendimento para a família. As crianças hoje em dia não querem mais
conversar, pois sabem que será para ouvir um "sermão".

1
Dois livros trazem uma leitura técnica sobre este assunto: Coerção e suas implicações, de Murray Sidman,
Editorial Psy II, 1995; Antisocial Behavior in Children and Adolescents: A Developmental Analysis and Modelfor
Interntion. By Reid, Patterson and Sneyder, APA, 2002.

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Não é fácil alterar esta situação, pois os sentimentos negativos de raiva, rancor, frustração
estão mediando as relações desta família. O primeiro passo é reconhecer e identificar em que situação
se está utilizando a supervisão estressante. Depois, entender que este tipo de disciplina não é capaz de
obter resultados positivos, ao contrário, gera estresse na relação familiar e não ensina as regras que
estão sendo constantemente verbalizadas. Em seguida, os pais devem se propor a mudar. Podem
começar por selecionar algumas regras e estabelecer consequências para o seu não cumprimento. Por
exemplo, se não arrumar os brinquedos espalhados, não recebe a semanada. Estas regras devem ser
discutidas com as crianças antes, e o casal precisa estar de acordo entre si. As regras devem ser
introduzidas pouco a pouco, para que os filhos possam cumpri-las e entendê-las. Simultaneamente, os
pais devem parar de fazer a supervisão estressante. Se controlar e acreditar que os filhos irão cumprir
as regras é a parte mais difícil desta mudança de atitude.
Alguns pais que acreditam que quando os filhos tiram boas notas, arrumam os quartos, levam o
cachorrinho para passear, "não fizeram mais que a obrigação" estão privando a família da utilização de
excelentes fontes de motivação e prazer. Receber elogio é muito bom. Todos gostam. Porque privar
seu filho deste benefício? Sejamos generosos na utilização de elogios, de agrados, de carinhos e
sejamos económicos quanto a críticas, condutas implicantes, reclamações, xingamentos.
Imaginar que estamos "comprando" nossos filhos com elogios é um ledo engano. Quando a
mãe faz uma comida gostosa e recebe um elogio da família, certamente ela pensa que mereceu aquele
elogio e a tarefa (ficar na cozinha toda a manhã) ficou mais "leve". Se a família disser para a mãe
"você não fez mais que a sua obrigação", certamente isto a deixará magoada ou furiosa. O mesmo
acontece com o filho que tirou uma boa nota na escola; se receber um elogio, ficará feliz, se sentirá
amado e terá mais chance de repetir a "proeza" no futuro.

O humor instável
O humor varia às vezes de um dia para outro e às vezes ao longo do próprio dia. Algumas
mulheres sofrem de tensão pré-menstrual (seus maridos e filhos também), pessoas voltam estressadas
do trabalho e discussões por pequenas ou grandes questões povoam nosso dia-a-dia, promovendo
alterações constantes de nosso humor.
Evidentemente, devemos reconhecer, inicialmente, que nosso humor altera nossa disposição
para agir. Não é fácil corrigir um filho quando estamos alegres, rindo e nos divertindo. Corrigir, fazer
cumprir regras, dar limites, enfim, educar pode, em certas ocasiões, perturbar nosso estado emocional
positivo. O que dizer então das influências dos estados emocionais negativos? Como ficam as mães e
as professoras durante o período de tensão pré-menstrual? E os pais, após uma discussão no trabalho
ou no trânsito? Enfim, são muitas as situações que alteram o nosso humor, para melhor ou para pior.
Como este estado de humor afeta a educação? Como afeta nossos filhos?
Quando aplicamos ou não uma punição ao nosso filho, em função do nosso estado de humor e
não em função do mau comportamento executado pela criança, estamos ensinando-lhe a discriminar
nosso humor e não o maucomportamento ocorrido. A criança aprende que, quando o pai está bravo,
mau-humorado, o castigo será severo. Nestas circunstâncias, se puder, foge de casa, esconde-se,
esperando que o humor melhore. Quando ela percebe que o pai está alegre, também sabe que ele não
irá castigá-la, tenha feito o que for. Provavelmente, irá até brincar a respeito do malfeito. Muitas
vezes, quando bem humorado, o pai conta suas "peraltices" para o filho dizendo "eu era muito levado,
certa feita...", gabando-se dos malfeitos que fazia; em ocasiões em que está de "péssimo humor", reage
mandando o filho para o castigo pelo mesmo ato.
Discriminar o estado de humor dos pais não ajuda a criança a aprender valores e nem o que é
certo ou errado. Crianças e adolescentes que vivem sob este tipo de prática educativa não sabem quais
os comportamentos desejados pêlos pais. Sabem apenas que seus pais variam o humor e que precisam

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se livrar dos momentos ruins.
Quando os pais castigam sob efeito de forte emoção, muita raiva, por exemplo, via de regra,
arrependem-se assim que a raiva passa. Nestes casos, muitas vezes, pedem desculpas ao filho,
sentindo pena da criança e de si mesmos. Novamente, a criança aprende que neste momento
chantagear emocionalmente os pais é vantajoso. A aprendizagem dá-se em virtude das emoções
envolvidas e não dos maus ou bons comportamentos que se deseja ensinar.
Durante o processo educativo, é fundamental que a criança saiba exatamente o que desejamos
dela. Aqueles comportamentos que o casal julgar que devem ser incentivados, apoiados, elogiados,
devem receber esta consequência sempre; assim como aqueles que devem ser recriminados, evitados,
extintos, sempre devem ser seguidos pela desaprovação. Os pais não devem mudar de ideia sobre o
que é certo ou errado durante o processo educativo; isto confunde a criança e a deixa desobediente. Se
ela não sabe se aquele comportamento é errado ou certo, porque ora lhe é dito que pode ora que não
pode fazê-lo, deixa de obedecer. Como já foi dito anteriormente, deve-se selecionar poucas regras para
serem seguidas. O que desejamos que nossos filhos aprendam? Ter horários para estudar? Estudar e
obter boas notas? Ter horário para ver TV? Alimentar-se de forma saudável? Tomar banhos todos os
dias? Escovar os dentes após as refeições? Enfim, resolvido o que é importante, devem-se deixar as
demais questões de lado, ou seja, os outros assuntos podem ser tratados de forma flexível. Da mesma
maneira, devemos selecionar aquilo que realmente é importante que os nossos filhos não façam.
Gazear aulas, reprovar de ano, agredir o irmão, usar drogas, mentir, comer em excesso ou não comer,
etc.

Considerações finais
Em resumo, os pais devem sim estabelecer regras. Estas devem ser em pequeno número, fáceis
e possíveis de serem cumpridas. Precisam ser aplicadas logo após o comportamento inadequado ter
ocorrido. O castigo nunca deve provocar dor ou privação de necessidades básicas. jamais se deve usar
a retirada do carinho ou do afeto como castigo. A ameaça é ineficaz e gera um relacionamento
irritadiço. As crianças que são "educadas" com regras frouxas tornam-se adolescentes que não
respeitam as regras na escola e demais instituições, não respeitam os professores e demais autoridades
e aprendem que a manipulação emocional e a agressividade são "boas" formas para se resolver
problemas e enfrentar tentativas de estabelecimento de regras.
As conversas devem ser usadas como fonte de relacionamento positivo e não como veículo de
supervisão estressante. A valorização dos aspectos positivos dos comportamentos dos filhos deve ser
sempre salientada e também se deve ensinar aos filhos a elogiarem os aspectos positivos dos
comportamentos dos pais. A autocrítica deve ser sempre feita em situação privada, para preservar a
possibilidade de reconhecimento do erro e de reparação do dano.
É preciso que os educadores não confundam real interesse com fiscalização. Acompanhar,
atender, estar disponível, ser empático, ouvir, dialogar, aconselhar, estabelecer regras possíveis de
serem cumpridas constituem o real interesse, a monitoria positiva. Investigar, controlar, falar sem
ouvir, impor regras e quebrá-las, reclamar constituem a supervisão estressante.
Finalmente, os pais não devem abrir mão do seu dever de serem bons modelos e de
transmitirem seus valores morais aos filhos. Precisam, no entanto, para isto, mostrar que seus
exemplos merecem ser seguidos e que as crianças terão orgulho em fazê-lo, caso contrário, estarão
buscando na televisão, nos super-heróis, os modelos de sucesso para seguir e admirar.

*****

95
A importância da participação dos pais no
desempenho escolar dos filhos:
ajudando sem atrapalhar1
Maria Martha Costa Hübner2

Escrever ou falar a pais é sempre uma grande satisfação, pois são eles os mais constantes e
próximos agentes de uma mudança possível no âmbito familiar, com repercussões no contexto escolar.
Orientá-los quanto ao desempenho escolar dos filhos é, além de uma satisfação, um desafio,
porque não é fácil atingir o equilíbrio de uma atitude que ajuda e, portanto, interfere, evitando uma
atitude que ao interferir, atrapalha. Caminhar na direção de orientações de ajuda é o objetivo do
presente texto.
Sempre é tempo de reflexão, mas os anos que iniciam um século nos impõem, talvez, um
divisor de águas, fazendo-nos decidir o que deixamos para o século passado e o que levamos para o
século futuro. Que valores continuaremos a defender? Quais abandonaremos? Quais nossas novas
ações?
Os critérios para decisões como estas são sempre oriundos de nossas experiências e, portanto,
pessoais. Critérios pessoais podem ser, entretanto, inspirados na ciência, na teoria e na prática de
educadores. É com esta inspiração que passo a apresentar uma revisão de valores e ações nas relações
familiares, visando o desempenho escolar dos filhos.
As relações humanas e aqui, especificamente, as relações entre pais e filhos, podem ser
caracterizadas em três níveis: dos valores presentes, transmitidos através das ideias verbalizadas; o
nível dos modelos dados, ou seja, o que se faz, o que se mostra; e o nível da interação propriamente
dita: a reação ao que o outro faz.
Discutir os valores significa enfocar o primeiro nível: das concepções que permeiam as
relações e não estas últimas diretamente. Está-se no plano das ideias, embora se saiba que há claros
efeitos deste nível sobre as ações, como ficará claro adiante. E pais, como educadores, não podem se
esquivar deste debate, porque não se educa a não ser a partir da adoção de valores: que filhos
queremos formar. É a clara consciência dos princípios que defendemos a base do trabalho de um
educador.
Vivemos em uma sociedade de mercado, sob o domínio de um consumismo e na competição
exarcebados. Tem sido comum encontrar famílias mergulhadas neste contexto, sem a consciência
crítica de suas implicações. O sucesso material, a qualquer custo e por quaisquer meios, é
supervalorizado e nem sempre precedido de um esforçado caminho de estudos, através da formação
superior.

1
Texto referente à palestra para a comunidade a ser ministrada no evento paralelo ao XI Encontro da Associação
Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, a ser realizado de 26 a 29 de setembro de 2002, em
Londrina, Paraná.
2
Doutora em Psicologia pela USP, professora na Faculdade de Psicologia e na Pós- Graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e Psicóloga Educacional.

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A despeito de um quadro como este à nossa frente, penso que ainda é estratégia de
sobrevivência e de saúde mental preservarmos a defesa da Educação, da busca de conhecimento como
um valor que nos levará à autonomia e à segurança profissional futura.
Defender, nas relações familiares, o caminho da busca do saber e, sobretudo, incentivar esta
busca é, a meu ver, um valor a ser guardado "do lado esquerdo do peito".
Em qualquer profissão, das artes às ciências, dos ofícios manuais aos intelectuais, dos níveis
motores aos cognitivos, vejo pessoas mais felizes, mais realizadas, mais esperançosas, quando
carregam consigo o património do conhecimento; quando aprenderam a pensar e, conseqüentemente, a
buscar e a descobrir.
A fundamentação desta análise origina-se do trabalho de 20 anos de consultório, quando foram
atendidas em torno de 300 famílias com queixas relativas ao desempenho escolar de seus filhos.
Após tantos anos de atendimento, fui percebendo que havia, basicamente, dois padrões
antagónicos de família: aquela que chamei de "pró-saber", porque os valores relativos à vida escolar de
seus filhos favoreciam um clima agradável e estimulador para a busca do conhecimento e aquela
família "anti-saber", com valores que visavam apenas ao cumprimento de tarefas e à obtenção de
notas.
A família "pró- saber" tem como conceito de estudo algo como o de Paulo Freire "como uma
atitude diante da vida de quem indaga e busca conhecer" e não somente "tirar boas notas, fazer lição de
casa e estudar para as provas". É uma família que propicia a curiosidade em seus filhos, desde
pequenos, valorizando e criando situações para que eles explorem ao seu redor, perguntem, consultem,
estabeleçam relações e desenvolvam, enfim, o pensamento científico - observar, levantar suposições,
perguntar, testar, interpretar e perguntar novamente. Em sua rotina e decisões, é uma família que
sempre valoriza e respeita as atividades relacionadas à vida escolar de seus filhos. A família "anti-
saber", por sua vez, ou se preocupa excessivamente com as notas dos filhos, valorizando apenas o
produto final, ou demonstra, por várias atitudes e decisões, que a busca de conhecimento não é
prioridade no contexto familiar.
Evitando a noção de um modelo simplista e dicotômico de família, passo agora a uma análise
mais específica dos diferentes tipos de atuações familiares, reconhecendo, contudo, ser impossível
retratar o complexo contínuo que existe entre o padrão "pró-saber" e o "anti-saber".
A rotina de vida, que interfere na distribuição dos horários para o estudo, é uma condição que
reflete os valores dos pais: os que ajudam ou os que atrapalham os estudos. Uma rotina sobrecarregada
de atividades extra-classe ("moda" nas famílias de nível sócioeconômico médio e alto e condição de
sobrevivência nas famílias pobres, em que os filhos, mesmo pequenos, trabalham) é uma condição
obviamente dificultadora. Mas o problema maior aparece quando os pais dão prioridade a outras
atividades na vida de seus filhos, em detrimento da escola, e programam saídas, viagens, passeios,
visitas, justamente em dias que os filhos teriam que estudar para uma avaliação, fazer um trabalho na
casa de amigos ou em sua casa. Ao contrário, quando pais consultam seus filhos sobre suas ocupações
escolares para o estabelecimento da agenda de lazer ou mesmo para tomar pequenas decisões,
demonstram-lhes que a escola é uma prioridade e que o comportamento de estudar é importante e
respeitado.
Um outro tipo de participação dos pais que julgo importante porque revela um valor pró-saber
é aquela referente ao fornecimento dos recursos e instrumentos para o estudar, tais como materiais
para trabalhos, pequenas providências no dia-a-dia, como comprar uma cartolina ou um livro
solicitado pelo professor. Quando os pais respondem a estas solicitações com boa vontade e presteza,
as condições para o pronto cumprimento do compromisso do filho são claramente estabelecidas e o
valor dado pêlos pais à escola fica claramente explícito. Se, ao contrário, diante dessas solicitações, os
pais fazem comentários queixosos sobre custos, trabalho que dá etc. e, por outro lado, respondem
prontamente a uma solicitação do filho para comprar uma calça nova, desnecessária até, a "
mensagem" e o modelo passados é que, no fundo, as "coisas" de escola não são tão importantes assim.

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Atendi a um pré-adolescente cuja família apresentava este padrão: valorizava a demonstração de
aparências acima do nível socioeconômico que tinham e, por isto, sacrificavam o orçamento para se
apresentarem bem vestidos, mas economizavam na compra de livros, lápis e cadernos. Certa vez, estes
pais demoraram cerca de dois meses para providenciar uma pequena caneta tinteiro que eu havia
solicitado para o seu filho (como parte de um trabalho para melhorar a sua letra e tornar a escrita mais
reforçadora) e, no mesmo período, haviam feito inúmeros programas sociais.
Há muitos outros exemplos de valores que aumentam a probabilidade de ocorrência de
comportamentos de estudo. Um deles é especialmente válido para os meninos: a de que tanto meninos
como meninas precisam ser trabalhados para desenvolverem comportamentos académicos, como os de
estudo, e que sentar para estudar não é "coisa de menina". Há um conceito vigente de que meninos são
mesmo mais travessos, moleques, "outdoors", e que "estudo em casa" é mesmo uma atividade mais
compatível com meninas, que são mais "indoors", mais caseiras. Esse conceito, transformado em regra,
acaba por gerar comportamentos de pais em relação aos meninos que toleram, não exigem, não treinam
o estudar em casa. A consequência é que acabamos por ter um maior número de meninos maus alunos:
no trabalho de orientação de hábitos de estudos em consultório, a maioria sempre foi masculina!
Em termos gerais, discursos anti-escola, anti-estudo podem gerar ou, pelo menos, manter o
comportamento anti-escola e anti-estudo. Atendi a um pai norte-americano que insistia em
menosprezar a escola brasileira dos filhos e destacar a supremacia das escolas norte-americanas.
Gradativamente, seu filho passava a se interessar menos pela escola que ele frequentava, deixando de
cumprir tarefas e passando a fazer comentários depreciativos sobre sua própria escola.
Para além dos valores, das regras que predominam em casa, dos discursos, estão as ações
propriamente ditas. Muitas vezes, os valores terão reflexos nas condutas a serem adotadas. Estas
poderão ser, basicamente, coercivas, em relação aos desempenhos indesejados ou incentivadoras
(reforçadoras) dos desempenhos escolares desejados.
Infelizmente, o sistema coercivo ou aversivo é ainda o que predomina: os pais estão mais
atentos ao que não deve ser feito e para as punições pertinentes, do que para os comportamentos
desejáveis e para os reforçadores contingentes.
Em nossas histórias de vida, a busca do saber sempre foi associada ao sacrifício, à crença de
que é pelo "caminho das pedras que se atinge o estrelato". Prazer e aprendizagem não podiam
caminhar juntos e esta dissociação tornou-se um valor vigente na maioria das escolas, endossadas
pêlos pais. Em decorrência, o sistema aversivo (castigos, punições e a máxima de que " estudar não é
mais do que a obrigação") imperou. Escolas escuras, tristes, austeras e pais sisudos sobre o assunto
escola tornaram -se regra e não exceção.
Esta é uma conduta que precisa ser urgentemente abandonada. É coisa do século passado. Seus
efeitos colaterais são dolorosos. Os dados vergonhosos do fracasso e a evasão escolar não nos deixam
mentir. É tempo de acreditar que é na alegria que se aprende e agir coerentemente, elogiando,
incentivando. Trinta anos de pesquisas comportamentais sobre punição, de Sidman e colaboradores,
alertam para os efeitos colaterais da coerção e apontam o sistema de reforcamento positivo como a
alternativa. Meu trabalho de consultório e de assessorias em escolas garantem o sucesso absoluto no
investimento de climas familiares agradáveis de incentivo e motivação, na dinâmica denominada "pró-
saber".
O maior problema referente ao uso do sistema aversivo, que consiste na apresentação de
consequências desagradáveis ou irritantes ao filho, é que esse sistema reduz a probabilidade de
ocorrência do comportamento. As broncas, os sermões, os castigos, a retirada de privilégios e a
humilhação são procedimentos conhecidíssimos pêlos pais e professores, largamente empregados e
veementemente defendidos por eles, quando se trata de fazer os filhos e alunos estudarem.
Mas os efeitos do sistema aversivo são, no mímino, alarmantes, quando se trata de uma área
em que se quer ensinar algo e não eliminar algo: - supressão de respostas (o "branco" em provas, por
exemplo. ); -aparecimento de respostas emocionais de ansiedade e medo; - respostas de fuga (desligar-

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se, desistir); - respostas de esquiva (respostas de lentidão, adjuntivos, procrastinação,
automatismos);—auto-conhecimento deficiente.
A Psicologia é quase uníssona em concluir que o incentivo, aliado ao combinado claro de
limites e uma disposição dos pais e professores para serem eles mesmos"dicas eficientes",
"continentes" e modeladores auxiliares dos conteúdos escolares são as melhores essências das
contingências que aumentam o interesse de alunos pelo estudar.
Elogios sinceros, graduais, imediatos, relacionados a ações e não a traços fatalistas de
"personalidade", esvanecidos e contextualizados são algumas facetas de interações "pró-saber", ou
seja, de contingências que aumentam a probabilidade do comportamento de estudar, ao invés de
eliminá-lo ou reduzi-lo ao mímimo desejável.
Os pais atendidos que conseguiram mudar do sistema aversivo para o sistema de reforçamento
ou incentivo e instruções claras foram aqueles com os melhores resultados na evolução da vida escolar
e satisfação de seus filhos.
Finalmente, há um valor e uma conduta que precisamos adquirir: a concepção de que os
sentimentos são parte integrante e fundamental do ser humano e que, por isto, não podem ser
negligenciados ou dissimulados. É preciso reconhecê-los, admiti-los, falar sobre eles, levá-los em
conta. Falou-se muito em "inteligência emocional", com um toque até de modismo, o que afastou
muita gente séria desta discussão. Há muito, antes mesmo da apresentação e da fama deste conceito, a
Psicologia vem estudando os aspectos emocionais do ser humano, descobrindo que eles são correlatos
às suas ações, facilitando-as ou dificultando-as. O antigo conceito de empatia, por exemplo, de "se
colocar no lugar do outro" é um exemplo de contribuição destes estudos. Não há como ignorar isto em
nossos filhos, mesmo quando queremos que eles façam o que nós queremos. Sábios educadores já
diziam que o ideal da educação não é deixar que nossos filhos façam tudo o queiram, mas que queiram
tudo o que fazem. Quando o senso comum diz que o importante é ser feliz, possivelmente não está
exagerando. Conhecer o que nos traz o sentimento de felicidade, identificar as razões de sua ausência,
os sentimentos que emergem em seu lugar e as formas de se lidar é um novo caminho na relação pais e
filhos. Não é panaceia para todos os males, mas corrige um erro: o de desconsiderar um traço humano -
os sentimentos - quando o assunto é justamente "relações humanas".
Haim Ginott e seus seguidores foram os precursores desta ideia, transmitindo a boa ideia de
que é preciso aceitar os sentimentos dos filhos, considerando-os um fato. Lembram-nos que temos a
tendência de negar os sentimentos ou sensações das crianças, como nas seguintes cenas de
supermercado:
1) - Criança chorando: "Meu dedo machucou!"
-Pai: "Machucou nada! É só um arranhãozinho."
2) -Criança: "To com calor!"
-Pai: "Está nada. Está frio aqui."
3) -Criança: "Mamãe, olha este patinho! Não é uma graça?"
- Mãe: "Ah, isso é prá nenezinhos. Você não liga mais prá brinquedo de nené."
Tais respostas não significam que os pais estão querendo ser nocivos a seus filhos, mas, na
verdade, dão a entender a seus filhos que não sabem o que sabem, não sentem o que sentem. Segundo
Haim Ginott, as respostas dos pais deveriam acolher tais sentimentos, demonstrando, no mínimo,
compreensão, tal como pode ser visto em uma refacção das interacões anteriores:
1) "Estou vendo que você machucou o dedo. Um arranhão pode incomodar a gente".
2) "Você está sentindo calor aqui, né?"
3 ) Ou: "Ah.. .você gosta daquele pato peludinho, não é mesmo?"
É difícil convencer pais sobre esta mística dos sentimentos, sobre o poder de reconhecê-los,
validando-os. Principalmente pelo fato de não haver pesquisas sistemáticas sobre esta estratégia,

99
exceto os estudos relacionados à empatia, já mencionados.
A compreensão de um sentimento mostra-se importante para gerar condutas adequadas. Ao
invés de pais irritados, tentando impor seus pontos de vista adultos a crianças birrentas, passam a
existir pais que tinham realmente tentado ouvir e entender - e crianças que tinham sido ouvidas e que
foram entendidas: um pré-requisito importante para uma interação adequada entre pais e filhos e para
o encontro de soluções.
No tocante ao desempenho escolar, o reconhecimento de que algumas situações são difíceis
pode ser o primeiro passo para a busca de soluções: quando o filho reclama de ter que estudar em um
domingo ensolarado, às vésperas de uma prova, é bem vindo o reconhecimento de que é
compreensível a reclamação, de que é mais agradável estar uma piscina, por exemplo. E logo em
seguida ajudar o filho a encontrar uma solução alternativa do tipo estudar um período e depois ir
nadar. Os autores mencionados dizem que identificar emoções dolorosas fortalece os filhos porque
transmite a mensagem de que é possível aguentar. A ideia é de um curativo emocional, devendo-se
saber que o processo de cicatrização não é, muitas vezes, imediato.
É necessário destacar que, por se tratar de uma técnica, supervalorizá-la pode desgastá-la:
expressões que têm muita força devem ser usadas com parcimônia. Um bom tempero, na quantidade
certa, dá um certo sabor à comida. Demais, deixa a comida intragável.
Considerando, então, a possibilidade de mudanças nos valores e atitudes familiares, é
importante, ainda, destacar que a alteração no nível das ideias precisa estar em consonância com os
outros dois níveis apresentados no início deste artigo: os modelos e as ações propriamente
ditas.Trabalhos interessantes de Analistas do Comportamento, da abordagem comportamental em
Psicologia, revelam que uma incoerência constante entre o discurso e a ação pode gerar
"comportamentos do contra" ao que é dito. Se isto acontecer, os valores apregoados virarão palavras ao
vento. Como pais educadores, não queremos que isto aconteça. Não basta, portanto, que verbalizemos
compreensão, se não agimos coerentemente. Não basta que discursemos pró-escola, se nossas ações
são contrárias à escola. A coerência entre as regras e as contingências, as ações, é o melhor caminho
para que desenvolvamos nos filhos a sensibilidade ao que dizemos e ao que fazemos, tornando-nos
educadores por palavras e ações.

100
Álcool e drogas: como levar o familiar
dependente a aceitar
Ajuda

Simone Martin Oliani1

A dependência de drogas, como todas as dependências, é vista como um distúrbio psicológico


e, muitas vezes, físico, que resulta de uma interação entre organismo vivo e a droga. É um
comportamento que sempre inclui um compulsão de usar a droga para sentir seu efeito e/ou evitar o
desconforto provocado pelo uso.
Os profissionais que trabalham na recuperação de dependentes químicos concordam que a
família tem um peso muito grande no processo, tanto para início de recuperação quanto no apoio para
manutenção. Sabemos que não dá para esperar que um belo dia o dependente de álcool e/ou outras
drogas tenha um despertar espontâneo que o leve a decidir que chegou a hora de parar. Isto existe?
Sim, mas é a exceção! Raramente isto ocorre e, quanto mais o tempo passa, menos probabilidade
existe de que acontecerá.Você deve estar se perguntando: "Mas como fazê-loparar! " "Já tentei tudol"
Talvez já tenha tentado mesmo quase tudo. Só que a pergunta é outra: "Comofazê-lo querer parar1?"
Encontrar a resposta a esta pergunta vai exigir dos pais, da esposa, dos filhos, dos irmãos, do
empregador e até dos amigos uma dose de coragem, persistência e determinação. A outra alternativa é
a progressiva destruição do casamento, do lar, da família, dos laços sociais, da profissão, chegando à
morte prematura ou à loucura permanente, além dos danos quase irreversíveis causados a todos que
conviveram com o dependente.
O dependente químico, além de ser psicológica e fisicamente dependente do álcool e de outras
drogas, é também emocionalmente dependente das pessoas mais próximas a ele. Isto é uma realidade,
apesar de muitas vezes aparentarem independência, especialmente quando esbravejam, ameaçam,
agridem e saem de casa por alguns dias. Em razão desse comportamento dependente do dependente de
álcool e/ou drogas, pais, cônjuges, sócios, empregadores, filhos e irmãos encontram-se em uma
posição privilegiada para poder utilizar seu poder de influência no sentido de obter ajuda, mesmo
quando ele não a desejar.
Os dependentes químicos não podem se manter sozinhos. Por causa de suas necessidades, eles
apóiam-se em pessoas próximas a eles. Desta forma, as pessoas mais significativas na vida de um
dependente químico podem perpetuar seu comportamento ou abrir caminho para a sua recuperação.
Não é fácil estar envolvido com esta situação. Adotar medidas para iniciar a recuperação
também é doloroso para todos, mas é o único caminho que apresenta uma perspectiva para algo
melhor. E este caminho torna-se muito fácil quando a pessoa envolvida com o dependente aceita a
dependência como fato claro e inegável. Somente então ele(a) terá condições de deixar de ser cúmplice
(co-dependente) na evolução do processo e ao invés disso, criar condições para a recuperação (a
própria e a do outro). A aceitação liberta você.
1
Especialista em análise do comportamento pela Universidade Estadual de Londrina; psicóloga clínica do
Instituto de Psicoterapia e Análise do Comportamento PsicC - Londrina PR.

101
Se você deseja que seu familiar dependente se recupere, uma alternativa razoável é você iniciar
o tratamento. São suas ações que irão fazer com que você vença ou fracasse, e não o que o dependente
faz. Mude suas atitudes e comece a empreender ações que favoreçam perspectivas positivas, deixando
aquelas que até agora só prolongaram seu sofrimento e de sua família. Ninguém pode obrigá-lo, nem
seu familiar dependente, a continuar com aquela maneira destrutiva de viver, a menos que você
permita. Entretanto, é importante você saber o que poderia dar ou não resultado. Até agora, talvez por
desconhecimento, por medo ou por vergonha, você tenha tentado esconder o problema. O momento é
agora! A opção é sua!
As dicas que apresentamos a você são fruto de observação e pesquisa sobre o comportamento
da maioria dos familiares de alcoolistas e dependentes de drogas. Muitas das atitudes destrutivas
podem ser substituídas por comportamentos mais produtivos, no sentido de buscar o equilíbrio
emocional e uma melhor qualidade de vida.

Estratégias de mudança de comportamento


Você deve estar se perguntando: "Será que estes novos comportamentos que serão
apresentados vão coincidir com o que estou vivendoT Leia-os. Você irá observar que as reações dos
dependentes químicos são tão comuns que poderiam ser consideradas universais. Exagero? Não,
como também parecem universais os comportamentos de muitas pessoas envolvidas com o
dependente químico. O que você precisa é empregar com mais frequência atitudes construtivas para
você e para ele.
Os novos comportamentos sugeridos são todos de natureza construtiva. Vão ajudar você a
recuperar e a manter sua própria saúde emocional. São dicas que o ajudarão a empreender uma nova
vida e talvez a desencadear a recuperação de seu familiar dependente.

1. Você não tem mais que negar o problema.


Comece a obter informações sobre o uso e o abuso das drogas e suas consequências.
Descubra definitivamente se o problema é o álcool ou outras drogas; se for, aceite-o. Só então
é que você terá condições de modificar as coisas que podem ser mudadas.
Enquanto o uso de drogas for negado, ele progredirá, como também progredirá seu
sofrimento. Lutar contra a aceitação fará com que suas ações sejam mal-orientadas e suas energias
desperdiçadas.
Busque ajuda com profissionais especializados. Esta ajuda deve ser tanto para o dependente
como para quem lida com ele. Participe de grupos de ajuda mútua. Informe-se, com a ajuda de
literatura especializada sobre assunto.

2. Você não tem mais que culpar o dependente


Comece a se concentrar em suas próprias ações - são elas que vão levar você ao êxito ou ao
fracasso.
Esqueça o que o dependente está fazendo. Pare de culpá-lo por tudo. São suas ações e reações
que farão com que você vença ou fracasse, e não o que o dependente faz.
Analise seus sentimentos e ações. De que meios você dispõe para lidar com o problema? Até
que ponto você realmente se sente bem em relação a si mesmo? Você gostaria de sentir melhor? Suas
ações estão ajudando o dependente? Ou você está ajudando a tornar a vida dele mais fácil? Você está
fazendo com que ele veja a própria impotência diante das drogas? Você deve procurar e frequentar
grupos anónimos de ajuda mútua e, ao mesmo tempo, buscar orientação profissional especializada.

102
Empenhe-se ao máximo para adquirir conhecimento sobre uso e abuso de álcool/drogas,
busque conhecer-se para adquirir a força necessária para poder lidar melhor com o dependente de uma
maneira saudável, tanto para você como para ele.

3. Você não tem mais que controlar o uso e abuso de drogas do dependente.
Comece a se concentrar na necessidade de tratamento e comece a propor o tratamento.
Aceite o fato como ele se apresenta.
Ele vai utilizar-se da droga de qualquer forma! Qualquer tentativa sua de fazê-lo parar ou de
controlá-lo vai resultar em fracasso. E você não pode se dar ao luxo de fracassar! Suas tentativas de
controlá-lo vão lhe fornecer a justificativa que ele está buscando para continuar se drogando.
A cada ocasião em que ele se drogar em excesso, causando sofrimento a si próprio ou a outros,
mostre sua necessidade de tratamento. Proponha tratamento nestas ocasiões, mas faça-o quando ele
estiver passando por isso; não o proponha quando já tiver passado o sofrimento. Nessa hora, será tarde
demais.
Sempre que ele concordar com o tratamento, ou solicitá-lo, providencie-o imediatamente. Se
deixar passar algum tempo, ele vai convencer-se e convencê-lo a desistir.
Tenha a mão o telefone de grupos de ajuda mútua, de serviços de aconselhamento sobre o uso
e o abuso de drogas, de psicólogos e médicos familiarizados com a dependência química. Localize
hospitais, ou centros próximos que tratem de dependentes. Leve seu dependente aos lugares e às
pessoas que lhe pareçam mais apropriadas.

4. Você não tem mais que socorrer o dependente químico


Comece a deixá-lo sofrer e assumir responsabilidade por cada uma e todas as consequências
de suas bebedeiras e/ou abuso de drogas.
Cada crise provocada por seu hábito de abusar de álcool e outras drogas constitui uma
oportunidade para que ele perceba uma mensagem, a partir da realidade, que lhe diz: "Você estafara de
controle. Você não tem o domínio sobre a sua vida ". Ele não poderá se recuperar até que receba esta
mensagem. Você impede que esta mensagem chegue até ele todas as vezes que o socorre de alguma
forma. Se você quer que ele receba esta mensagem, pare de interceptá-la; pare de socorrê-lo!
Todas as vezes que você telefona ao chefe dele apresentando uma desculpa pela falta ao
trabalho, todas as vezes que você paga um cheque sem fundos, conta mentiras para lhe dar cobertura,
localiza seu carro perdido, trata de sua ressaca, levanta-o do chão ou, de qualquer outra forma, protege-
o das consequências de seu abuso de drogas e/ou álcool, está tornando sua dependência mais tolerável
(para ele). Você está tornando sua vida com a droga menos problemática. Você o está impedindo de
perceber até que ponto a vida dele vai realmente mal.
Sem mensagens de realidade, sob a forma de crises provocadas pêlos abusos, ele não poderá
parar de beber e/ou drogar-se; não terá condições de ver que precisa parar.
Deixe que sua atitude seja: "Você agiu assim, você é responsável". Deixe que suas palavras
subentendam que você está querendo fazer com que ele se trate, que o comportamento dele indica a
necessidade de tratamento, que ele tem pelo menos que conversar com alguém sobre seu hábito de
beber e/ou se drogar. Manifeste a sua disposição em fazer qualquer coisa para ajudá-lo a ficar bom.
Mostre que você não está disposto a fazer qualquer coisa que alivie as consequências de seu
descontrole. Afinal de contas, ele se dispõe a abusar de bebidas e/ou drogas, mesmo que isto lhe cause
problemas, então ele deve estar disposto a assumir a responsabilidade pelas suas consequências. Deixe
que a assuma!
As ocasiões em que vai ser difícil para você se recusar a socorrê-lo serão quando o emprego

103
dele está de alguma forma ameaçado. Nestas situações, você sentirá uma necessidade premente de
apresentar desculpas e contar mentiras para acobertá-lo - para tirá-lo "apenas deste apuro"-de tal forma
que seu emprego não fique em risco. CUIDADO. Se o fizer, você somente prolongará seu sofrimento,
e o emprego será perdido de qualquer forma. Você deve considerar a possibilidade de contar a verdade
a seu empregador. Talvez ele possa ajudá-lo a encaminhar seu familiar dependente para tratamento.
Muitos o fazem. Hoje, as empresas tem considerado, de acordo com estatísticas, que o custo é menor
quando oferecido tratamento ao funcionário do que quando o demite, pois precisa contratar outro para
a função, o que se torna muito mais oneroso.

5. Você não deve mais se preocupar com razões de seu familiar para beber e ou
drogar-se.
Comece a montar um esquema de vida normal.
Não existem razões para abuso de álcool e drogas. As razões são apenas desculpas para o
dependente; ele precisa delas para continuar justificando o seu descontrole. Todos nós temos
problemas, mas nem todo mundo utiliza álcool e/ou drogas como um meio para lidar com eles. Então,
pare de viver como se estivesse pisando em ovos: bata o pé um pouco, divirta-se! Seu familiar
dependente vai continuar abusando, independente do que você venha a fazer. Seus cuidados não
eliminarão as razões que ele alega para beber e/ou usar drogas; e isto faz você sofrer; deixa você
dependente dele, torna-lhe mais fácil usar e abusar de álcool e/ou drogas e exercer o poder que ele tem
sobre você.
Procure velhos amigos e faça novas amizades. Quanto mais você se tornar uma sombra do
dependente químico, maior será a sua destruição e mais fácil será para ele continuar drogando-se.
Você tem sua própria vida para desfrutar. Se você se recusar a isto, estará permitindo ao seu
dependente químico destruir você e a ele próprio. Quando você retomar um esquema de vida normal,
seu dependente vai encontrar outras desculpas para seu descontrole. Lembre-se ele vai encontrá-las,
independente do que você fizer.
Em algum nível, sua readequação à sociedade vai forçar o comportamento mais normal de
outras pessoas. Em algum nível, sua readequação à sociedade vai representar para o dependente uma
perda de controle sobre você. Pode acontecer que ele tente forçá-lo ao esquema de vida anterior com
ameaças, chantagens e agressões, sobre estas situações discorreremos a seguir. Você está mudando, ele
será forçado a adaptar-se e pode ser que decida se tratar.

6. Você não tem mais que fazer ameaças


Comece a dizer aquilo que você pretende e a fazer aquilo que você diz.
Explore todas as suas opções, analise funcionalmente as consequências de quaisquer ações que
possa adotar, depois tome decisões e as coloque em prática.
Fale o que pretende e, se o disser, faça-o. Só então é que seu dependente irá acreditar em você.
Só então é que ele vai começar a levá-lo a sério. Este aspecto é importante e precisará acontecer se
você deseja ter alguma influência para levá-lo ao tratamento. Seja confiável, seja sério. Não anuncie
qualquer intenção se não estiver seguro de colocá-la em prática. Qualquer outra atitude torna você uma
pessoa não confiável.
Ameaças vazias diminuem você! Elas alimentam a mania de grandeza do dependente químico
e ajudam a fazer com que ele não sinta necessidade de mudar.

104
7. Você não tem mais que aceitar ou arrancar promessas
Comece a rejeitá-las.
Não é justo exigir promessas. O dependente químico não tem condições de cumpri-las.
Promessas não cumpridas acentuam a sensação de desadaptação e fazem que ele sinta-se não
merecedor de ajuda.
Ele não pôde modificar, de maneira consistente, seu comportamento de beber e/ou usar drogas.
Por isto, não é digno de confiança e não será a menos que se submeta a um tratamento. Por que fingir o
contrário? Exigindo ou aceitando promessas, você estará dizendo a seu dependente que ele pode
controlar sua ingestão de álcool e/ou drogas. Não pode! Se você fingir, ele não poderá perceber a
incapacidade que o domina.
Recuse-se a aceitar promessas dele. Não aceitando e não exigindo promessas de seu familiar
dependente químico, você está transmitindo-lhe uma mensagem importante. Você está dizendo que ele
está comprometido demais para fazer promessas.

8. Você não tem mais que procurar informações com pessoas desinformadas.
Comece a assumir um compromisso com o tratamento e com metas de saúde a longo prazo.
Se a família, os amigos, o padre, o pastor e os profissionais não têm conhecimento específico
da dependência - e não o terão sem um treinamento especializado - eles não serão capazes de ajudar
você, podendo inclusive prejudicá-lo. Família e amigos terão somente "remédios caseiros" para
oferecer, e "remédios caseiros" não são mais eficazes para o alcoolismo e a drogadicção do que o são
para o câncer ou qualquer outra doença grave.Consequentemente, tentar aplicá-los apenas aumentará
sua sensação de fracasso.
As exortações no sentido de maiores demonstrações de força de vontade, de conotação moral,
de pecado, com tanta frequência pregadas por clérigos e médicos desinformados, são
contraproducentes. Elas também, aumentam a sensação de fracasso por parte de todos. Os médicos
desinformados também, com frequência, receitam sedativos e tranquilizantes que servem apenas para
prolongar a evolução da dependência química, pois estará proporcionando mais uma substância
química além da que eleja usa (álcool, maconha, cocaína, crack etc.), podendo, conforme a classe das
substâncias, fornecer a oportunidade para uma dupla dependência ou dependência cruzada. Às vezes,
uma desintoxicação controlada se faz necessária, procure então profissionais especialistas no assunto.
Atenha-se ao programa de recuperação, mesmo quando for doloroso! Pare de procurar saídas
fáceis, sugeridas com tanta frequência pêlos desinformados. Busque ajuda junto a profissionais
especializados nesta área: psicólogos, assistentes sociais, padres/pastores, enfermeiras ou médicos que
receberam formação e treinamento especializado no treinamento da dependência química. Frequente
reuniões de grupo de familiares como Al-Anon, Nar-Anon, Casa de Maria, Cristma, Amor Exigente,
entre outros. Empenhe-se ao máximo para obter a ajuda de que necessita com profissional
especializado.
A Federação Brasileira das Comunidades Terapêuticas -FEBRACT - pode indicar-lhe o nome
de uma comunidade terapêutica perto de você. Caixa Postal 5694, Fazenda Vila Brandina, CEP 13094-
970, Campinas - SP. Fone (0**19) 252-7919.

9. Você não precisa mais esconder o fato de que está buscando ajuda
Comece a dizer ao seu dependente químico que está agindo neste sentido.

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Não parece adequado usar o rótulo "doença", mas a Organização Mundial de Saúde assim
entende. Este rótulo apresenta vários inconvenientes, dependendo da forma que a pessoa o entenda. O
que é importante você compreender é que o comportamento dele de abusar de álcool e/ou drogas está
afetando você e afeta a família como um todo. Não espere ele dar um passo em busca de ajuda, pois
neste momento ele talvez nem perceba quanto o comportamento dele está transformando o ambiente e
deixando os laços familiares desestruturados. Dê você o primeiro passo! A dependência química não é
um problema moral e precisa de tratamento. Procure tratamento e continue procurando, mesmo quando
ele tentar detê-lo. Sua busca de tratamento representará para ele uma perda de controle sobre você e ele
se sentirá ameaçado. Ele vai ridicularizá-lo, ou ameaçá-lo, ou suplicar-lhe, ou queixar-se em relação a
você. Fará qualquer coisa para levar você a desistir de procurar ajuda. Não desista!
Sua busca de ajuda mostra a seu familiar dependente que você o ama, preocupa-se com ele,
que existe ajuda disponível, que ele é digno dela e que pode ser ajudado.
Sua busca de ajuda significa que você está agindo seriamente e ele tem consciência disto. A
dependência dele não será mais a mesma. Pode parecer piorar durante algum tempo mas, com certeza,
não será mais tão divertido...você o estará atrapalhando.

10. Você não precisa mais censurar, fazer sermões e implorar


Comece a relatar-lhe os comportamentos inapropriados que ele têm.
Ele não poderá ser convencido a parar de beber por persuasão ou censura, e ele está fora do
alcance de seus sermões. Não existe exortação suficientemente forte para neutralizar a compulsão
insaciável de seu comportamento de beber e/ou usar drogas. As exortações somente contribuem para
que o dependente se sinta cada vez mais desadaptado e torne-se mais defensivo. Para estar receptivo
ao tratamento, ele precisa estar menos defensivo e não o contrário, e precisa sentir-se digno de ajuda.
Observe o comportamento dele, não o minimize para si mesmo e para seu familiar dependente
químico. Fatos são fatos! Relate-lhe os fatos sobre seu comportamento - suas ações - no dia seguinte,
quando estiver "sóbrio", depois abandone o assunto para não se envolver em uma discussão.
Entretanto, mantenha a pressão: no dia seguinte, relate-lhe as novas ações e atitudes dele,
abandonando o assunto de novo, e assim por diante.
Lembre-se que ele estava anestesiado na noite anterior e não pode lembrar de todas as coisas
que fez. Suas informações lhe refiescarão a memória. Relate as ações que ele adotou de maneira obj
etiva. Manifeste sua preocupação com ele e destaque que o comportamento dele indica a necessidade
de tratamento, a necessidade de procurar ajuda de outras pessoas. À medida que você descreve seu
comportamento, ele fatalmente vai colocar a culpa em outra pessoa ou coisa. Não permita isso!
Devolva a responsabilidade a ele e mantenha sua atitude, afirmando que não importa o que os outros
fizeram ou deixaram de fazer, são as atitudes e ações dele que estão em discussão. Nada é tão
importante como a maneira como ele reage a isto.
Não entre em discussão com ele quanto ao fato de ele ser ou não ser alcoólatra, dependente
químico, adicto ou o nome que vocês dão ao comportamento dele. O importante é que existem
problemas relacionados ao comportamento dele que recomendam ajuda externa. Ofereça-lhe a
oportunidade de discutir os problemas com alguém para que as soluções possam ser investigadas. Se
ele se recusar, encerre a discussão. Você poderá voltar ao assunto na próxima ocasião.

11. Você não precisa mais permitir que o dependente químico agrida a você e a
seus filhos.
Comece a proteger-se.
Não permita que ele o agrida. Ele não tem este direito. Não o conceda.

106
Chame a polícia, se necessário. Ponha-o na cadeia se necessário. Abandone-o, se necessário. A
agressão física destrói a ambos. Adote medidas extremas para evitá-la.
E não se esqueça: seja confiável! Só ameace fazer o que tem condições de cumprir.

12.Você não tem mais que agir como fantoche


Comece a se libertar.
Pare de agir cada vez que ele puxa o cordel, não importa que cordel ele puxe. Quando você age
como um fantoche nas mãos dele, você lhe dá o controle e faz com que ele se sinta como se estivessem
bem. Acontece que ele não está bem. Ele está morrendo. Ele não conseguirá ver esta realidade se você
age como se ele estivesse bem.
Quando você é regido pelas demandas, ameaças, rogos ou raiva dele - a qualquer de suas
manipulações - quer com consentimento quer com explosões emocionais, você permite que ele o
induza a fazer coisas que você não quer fazer. Além de enfraquecer sua auto-estima, você o coloca na
condição de manipulador de fantoche. Ele passa a ser seu dono. Ele não poderá se recuperar até
perceber que não consegue nem mesmo
cuidar de si próprio, coisa que ele não tem condição de ver enquanto puder controlar você.
Seu familiar dependente químico é um especialista em apertar botões. Na realidade, ele precisa
que você exploda, que você fique atemorizado com ele ou por causa dele. E vai empenhar-se ao
máximo para fazer com que você perca a calma. Porque quando você explode, ele tem a desculpa que
precisava para se drogar. Por outro lado, se você consente, ele se livra mais uma vez de enfrentar seu
comportamento e suas consequência. Ele ganha mais um round na luta para prosseguir com sua
própria destruição.

Concluindo...
Se você se concentrar naquilo que é correto para você e, portanto, para ele, adotando medidas
construtivas com a ajuda e os conhecimentos que você está adquirindo, ele não controlará mais você.
Se você se desligar do comportamento doentio e destrutivo dele, você conquistará sua própria
liberdade. Você muda muito. Seu familiar dependente químico será forçado a reagir às suas mudanças,
agora mais saudáveis, modificando seu próprio comportamento. É provável que opte pela sobriedade -
a saúde para si próprio.
Nunca é demasiadamente tarde para começar — abandonar o antigo e começar o novo. O
momento de começar é agora. Talvez o aspecto mais difícil desta nova maneira de comportar-se seja o
medo subjacente de que o dependente químico não será capaz de se manter, a menos que você faça
exatamente as coisas que deveria estar abandonando.
Para libertar-se deste temor, analise a evolução dos acontecimentos para verificar até que
ponto o dependente químico tem conseguido se manter até hoje. Está melhor hoje do que a 2 ou 5 anos
atrás? Está resolvendo seus problemas melhor do que naquela época? Você provavelmente descobrirá
que sua ajuda não exerceu a mínima influência para impedir a evolução destrutiva da dependência
dele. Pensando melhor, você verificará que, com a sua ajuda, somente tornou mais fácil para ele
continuar com seu comportamento de abuso de álcool e/ou drogas.
É importante também examinar a evolução dos acontecimentos em termos de seus próprios
sentimentos, uma vez que você não poderá efetuar uma mudança, a menos que acredite que ela seja
correta. Examine as reações que você vem mostrando, estando consciente de que são elas que vão
fazer com que você vença ou fracasse. Como elas afetam seus sentimentos em relação a si mesmo?
Elas aumentaram ou diminuíram sua auto-estima?
Você sente vergonha, humilhação, medo, degradação, raiva, ressentimento? Você está

107
ansioso? Você sente pena de si mesmo? Suas ações estão lhe trazendo paz de espírito, confiança,
esperança? Ou está tudo indo de mal a pior?
Naturalmente, se o que você vem fazendo está dando resultado, não há qualquer necessidade
de mudança. É somente quando você percebe que seu comportamento não está sendo eficaz que verá a
necessidade de mudar. E, nesta altura, qualquer mudança parecerá certa, apenas por se tratar de uma
mudança.
Você pode sentir que não é justo o fato de você ter que mudar. Afinal de contas, o dependente
químico é ele! Se ele não tivesse se tornado um "bêbado" ou um "drogado", nada disto teria
acontecido, e estas incríveis exigências não recairiam sobre você! Isso pode ser verdade. Por outro
lado, poderia ter acontecido algo pior ainda. A vida não é justa. Seu familiar dependente também acha
que ela não é. Ele teria escolhido outra vida, caso tivesse sido possível.
Para lidar eficazmente com seu familiar dependente químico, você terá que agir de maneiras
que lhe parecerão duras demais, que serão, portanto, incómodas para você. As novas atitudes
parecerão estranhas. Algumas nunca lhe foram ensinadas, e algumas lhe ensinaram a evitar. Mas não
permita que isso o detenha. A dependência química é uma condição anormal; as saídas também não
são normais. À medida que você começa a agir de maneira diferente, você vai começar a se sentir
diferente. Logo, você ficará se perguntando como conseguiu viver da maneira antiga.
Esteja preparado para uma ofensiva por parte de seu familiar dependente químico, à medida
que você começa a fazer coisas novas, a agir de maneiras novas. Ele vai querer que você seja como
antes e oferecerá forte resistência às suas mudanças. Ele se sentirá ameaçado, porque sabe que se você
ficar firme na suas mudanças, ele também vai ter que mudar. Mas ele não quer mudar. Poderá
inclusive mobilizar todas as suas energias para atormentá-lo e contrariá-lo de todas as formas que
puder. Mantenha-se firme! Tenha a convicção que você não pode perder fazendo aquilo que sabe
agora ser correio. Você só pode ganhar!!!

Em resumo, tente firmemente:


l- Assumir o problema e obter informações sobre ele;
2- Concentrar-se em suas ações;
3- Concentrar-se na necessidade do tratamento;
4- Deixar o dependente químico assumir as consequências de seus atos;
5- Ter uma vida normal;
6- Ser confiável;
7- Rejeitar as promessas do dependente químico;
8- Ter um compromisso com a saúde;
9- Enfrentar honestamente o problema;
10-Relatar os comportamentos inapropriados que ele (a) tem;
11- Proteger-se e não permitir agressões;
12- Libertar-se.

E boa sorte!!

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Bibliografia recomendada
Alguns dos capítulos desta obra, apresentam sugestões de leituras que podem permitir, ao
leitor, um aprofundamento nos temas discutidos.
As sugestões acompanhadas de * representam publicações mais indicadas para profissionais da
área.

Capítulo 3

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