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METODOLOGIA EM NEUROLINGUÍSTICA
Introdução
campo: estudo da linguagem e da comunicação após lesões cerebrais por meio de vários
recursos metodológicos, como os testes diagnósticos, a observação da linguagem e da
comunicação em ambientes naturais de produção, as simulações computacionais, a
elaboração de modelos de processamento linguístico e cognitivo por meio de técnicas
cada vez mais sofisticadas (porque funcionais e temporais, não apenas estruturais) de
imageamento cerebral.1
Com relação às Neurociências, a Neurolinguística compartilha um conjunto de
interesses em torno do velho problema mente-cérebro:
Nascida no seio dos estudos naturalistas da Medicina dos séculos XVIII e XIX,
não seria exagero considerar que uma parte expressiva da pesquisa produzida no campo,
notadamente a que se dedica ao contexto patológico, deriva ou é caudatária do chamado
método clínico - método no qual se forja como ciência na melhor tradição racional-
empirista da época.
A herança naturalista e fenomenológica, tão cara às descrições neurobiológicas
dos processos mentais e seus sintomas, encontrou no positivismo filosófico e no
estruturalismo linguístico um ambiente intelectual capaz de promover o
desenvolvimento da Neurolinguística no decorrer do século XX. Entretanto, esse
aparato teórico deixa de fornecer explicações sobre achados empíricos que foram
tornando evidente a necessidade de superação de explicações ad hoc e de elaboração de
construtos teóricos que pudessem enfrentar os desafios colocados aos que se interessam
pelo “problema” mente-corpo.
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Ver, a propósito, uma discussão crítica de Coulson (2007) a respeito de resultados obtidos por método
de investigação cerebral não invasiva, em especial, potenciais evocados, bem como das possibilidades de
investigação da atividade cerebral implicada no processamento de construções linguísticas complexas
(como ironia, compreensão de chistes, frames, etc.). Ver, ainda, estudos de orientação experiencialista,
tais como os de Gallese e Lakoff (2005) e de Bergen e Chang (2005), bem como os afiliados à Teoria
Neural da Linguagem (Feldman, 2006).
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A cognição (inclusive a cognição linguística) é um conjunto de processos motivados, como lembra
Salomão (2010): “pela evolução biológica, pela neurobiologia, pela história da língua, pela própria língua
como sistema emergente sincronicamente, pela situação discursiva, pelas intenções e restrições de que é
portador o sujeito que fala (ou que interpreta)”. A recusa de uma “mente descarnada de seus usuários”,
nesse sentido, não deixa de apontar distintas reflexões e métodos no campo da Linguística, assim como
ocorre no campo da Neurolinguística. Tal percepção se torna mais forte quando levamos em conta a
maneira como é tratado o biológico e o corporal na discussão da problemática cognitiva, ou, mais
especificamente, como são estudados os processos cerebrais implicados na cognição e vice-versa.
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O que reúne essas distintas, porém assemelhadas perspectivas, em linhas gerais, é a tese segundo a qual
a práxis social é responsável pela modulação da experiência linguístico-cognitiva, de modo tal que
circunscreve os tipos e as possibilidades da nossa relação com o mundo. Nessa perspectiva, reconhece-se
que a cognição é resultado - e não um antecedente - da interação dos indivíduos com o mundo.
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Segundo Tomasello (1999/2003), a cognição social, intersubjetiva e perspectivada, pode ser entendida
como a “[...] capacidade de cada organismo compreender os co-específicos como seres iguais a ele, com
vidas mentais e intencionais iguais às dele” (TOMASELLO, 2003, p. 7).
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Cf. SALOMÃO (1999), MARCUSCHI (2002), MONDADA e DUBOIS (1995/2003), MORATO
(2004).
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Cf. TOMASELLO (1999/2003), VARELA, THOMPSON e ROSCH (1992), KOCH e CUNHA-LIMA
(2004), SALOMÃO (2010).
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esfera médica e sim estendida a todo o corpo social (a respeito das implicações dessas
(re)discussões nos estudos sobre a afasia e a Doença de Alzheimer, ver, entre outros,
MORATO, 2012a, 2010a; SÉ, 2011; CRUZ, 2008).
De qualquer modo, não podemos deixar de considerar que, de fato, o método
clínico ainda impregna fortemente algumas disciplinas científicas que se firmaram
enquanto tais ao final do século XIX. Assim, não deixamos de nos deparar, à hora atual,
com reflexões, impasses e dilemas próprios de dicotomias clássicas que marcam esse
início do campo, tais como sensório-motor, mente-corpo, percepção-ação, conceptual-
linguístico.
A postulação de uma relação de dicotomia entre os termos aludidos acima, como
muitos autores têm apontado, limita a compreensão da cognição humana e mesmo as
torna um mistério insondável; também a relação de homologia, observe-se, impede que
compreendamos mais especificamente a forma pela qual agimos sobre a realidade ou a
interpretamos e compartilhamos. A equivalência entre os elementos postos em relação,
ou a primazia do primeiro elemento do binômio sobre o segundo ancora ainda um
argumento nem sempre explicitado, como observa Morato (2012b): a indistinção entre
homem biológico e homem social, a partir do que o segundo acaba, via de regra,
subordinado ao primeiro, num processo de naturalização da dimensão sociocultural da
atividade cerebral. A tese de um "cérebro social", na expressão de Ehrenberg (2008),
traz de forma prioritária ou decisiva para o campo das ciências biológicas o tratamento
de questões classicamente abordadas pelas ciências sociais (como a empatia, a
intersubjetividade, a cultura, a interação):
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Há outros autores que também se dedicam à história social das práticas médicas e da constituição da
clínica, como Roy Porter (1991/1994), Denis Forest (2005) ou Margaret Lock (2011).
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Como salienta Morato (2010a, p. 27): Ao fazer referência ao termo semiologia para se referir aos
sintomas e sinais de doenças, a tradição médica tem consagrado uma relação de quase sinonímia entre
signo e sintoma, entre semiologia e sintomatologia, entre estruturas ideológicas e práticas de
institucionalização de ciências médicas e sociais, temas profunda e criticamente estudados por Michel
Foucault em vários de seus livros, tais como Doença mental e psicologia (1975[1954]), O nascimento da
clínica (1977[1963]), As palavras e as coisas (1995[1966]), A arqueologia do saber (1987[1969]) e A
ordem do discurso (1995[1970]).
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Se não podemos negar que o método clínico tem sofrido modificações desde os
meados do século XX, ele ainda impõe implicações e desafios aos neurolinguistas. A
título de exemplificação, podemos mencionar alguns deles:
A agenda da Neurolinguística
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Vale lembrar, a propósito, que os testes diagnósticos clássicos utilizados na área de Neuropsicologia e
de Neurolinguística em geral dedicam-se a certos aspectos da linguagem, chamados metalinguísticos (tais
como nomeação, descrição ou repetição de palavras e frases), ancorados em uma forte tradição gramatical
baseada na palavra como unidade de análise. Em suma, são tarefas baseadas em formas
descontextualizadas e relacionadas a si mesmas (como a relação paradigmática entre palavras, o
processamento de proposições, a evocação de gestos articulatórios) e menos afeitas a situações de uso
cotidiano, pragmático e discursivo da linguagem. Curiosamente, os protocolos destinados à investigação
de estados mentais e ao diagnóstico de Doença de Alzheimer se servem de tarefas linguísticas que
integram os testes de diagnóstico e estudo das afasias, como o Teste de Boston (GOODGLASS e
KAPLAN, 1972), o de Anne-Lise Christensen (1974), o PALPA (KAY, LESSER e COLTHEART,
1992), o M1Alpha (NESPOLOUS, LECOURS et al., 1986), etc. Entre os que são comumente utilizados
na investigação e diagnóstico de estados mentais, mencionamos o Mini-Mental State/MNS (FOLSTEIN e
FOLSTEIN, 1975) e o Teste Cognitivo de Cambridge/CAMCOG (ROTH et al., 1986).
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http://cogites.iel.unicamp.br
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Abordagens psiconeurolinguísticas
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Entre os autores que defendem uma forte distinção entre o hemisfério cerebral direito (HD) e o
esquerdo (HE) podemos mencionar Springer e Deutsch (1998) e Bradshaw e Nettleton (1983). Para eles,
o HE, associado ao saber linguístico e racional, é responsável pela organização estrutural da linguagem,
enquanto o HD, associado ao saber pragmático e emocional, é responsável pelo seu caráter funcional.
Outros autores, contudo, questionam a forte distinção entre os dois hemisférios ou chamam a atenção para
a participação qualificada do HD no processamento da linguagem (St. George et al., 1999; Robertson et
al., 2000; Beeman, Bowden e Gernsbacher, 2000; Rinaldi et al., 2002; Winner e Gardner, 1977).
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A respeito dessas iniciativas, ver, a propósito, Gallese e Lakoff (2005), que discutem o papel do sistema
sensório-motor no conhecimento conceptual, com base nos achados das Neurociências; ver, ainda, uma
discussão de Coulson (2007) a respeito de resultados obtidos por método de investigação cerebral não
invasiva, em especial, potenciais evocados, na investigação da atividade cerebral implicada no
processamento de construções complexas (como ironia, compreensão de chistes, frames, etc.). Ver,
também, estudos de orientação experiencialista, tais como os da Gramática de Construções Corporificada
(Bergen e Chang, 2005) e os da Teoria Neural da Linguagem (Feldman, 2006).
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Referências
COULSON, S. (2007). “Electrifying Results: ERP Data and Cognitive Linguistics”, in:
GONZALEZ-MARQUEZ, M. et al. (eds.). Methods in Cognitive Linguistics.
Amsterdam: John Benjamins.
CRUZ, F. M. (2008). Linguagem, interação e cognição na doença de Alzheimer. Tese
de Doutorado em Linguística. Unicamp: IEL.
DAMICO, J.S.; OELSCHLAEGER, M. e SIMMONS-MACKIE, N. (1999).
“Qualitative methods in aphasia research: conversation analysis”. in: Aphasiology
13:667–79.
DIAS, T M. (2012). Categorização social e concepção de Doença de Alzheimer:
Implicações e perspectivas dos modelos biomédico e social. Pesquisa de Iniciação
Científica (FAPESP). Universidade Estadual de Campinas, 104 fls.
DUCHAN. J. F. e KOVARSKY, D. (2008). Diagnosis as cultural Practice. Mouton de
Gruyter: Berlin.
EHRENBERG, A. (2008). “Le cerveau ‘social’: Chimère epistemologique et verité
sociologique”, in: Espirit, 341:79-103. Disponível em: http://cesames.org/spip/IMG/pdf/09-a-