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Resenha

Gabriela Rodrigues Botelho

STALIN, J. El Marxismo y la Cuestión Nacional. Obras, TOMO II (1907 - 1913).


1973.
Disponível: < https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin%20-%20Obras
%2002-15.pdf> Acesso: 05 de set. 2019.

O livro Obras Tomo II é composto por vários artigos publicados em nome de


Josef Stálin no período de 1907 a 1913. São publicações de periódicos, da época, que
compilados no livro formam os capítulos da obra. A partir desses escritos é possível
entender o contexto político da época, algumas tensões sociais, divisões ideológicas ou
mesmo identitárias que ocorriam na Rússia, bem como, dentro do Partido Operário
Socialdemocrata Russo (POSDR). As publicações demonstram as estratégias usadas
para vencer os desafios anteriores à revolução de 1917 e como o autor se posiciona em
relação aos conflitos que afligem o partido. Faremos uma breve recapitulação da obra,
para em seguida discutir o artigo: El marxismo y la cuestión nacional.
No livro, as tensões aparecem desde o primeiro artigo quando Stálin defende que
a revolução Russa não pode ser uma revolução burguesa como ocorreu na França, mas,
uma revolução do proletariado, pois garante que os trabalhadores russos tinham
condições de impor suas necessidades, diferente dos franceses. Logo aparecem as
cisões de classe e ideológicas: de classe devido as separações entre burgueses e
trabalhadores; e ainda dentro da classe trabalhadora, entre os obreiros da construção
civil, os camponeses e o proletário fabril. Já as fissuras ideológicas aparecem
principalmente entre os bolcheviques e os mencheviques que são duas das vertentes
ideológicas do POSDR.
Diversas discussões são levantadas pelo autor, ao longo dos capítulos, como a
violência gerada pela repressão ás greves, os ataques ás fábricas, os mau tratos sofridos
pelos funcionários, o papel da imprensa naquela conjuntura, os direitos a serem
exigidos, os direitos já adquiridos que não estavam sendo atendidos, as possibilidades
de diálogo entre os trabalhadores e os patrões, inclusive, através de conferências; há
também menção à figuras importantes do partido, a preocupação com a preparação
intelectual dos trabalhadores, comentários sobre o impacto das greves já realizadas,
entre outros temas.
Nos artigos El proletariado de vanguardia y el V congreso del partido e El
congreso de Londres del POSDR (Apuntes de un delegado), fica clara as divisões
identitárias presentes: polacos, letões, georgianos, caucásios, judeus, são algumas das
etnias que compunham o partido; cada uma delas se identificavam com ideologias
distintas o que faz cada região ou grupo representado ter uma predominância em
determinada linha política. Essas diferenças são uma preocupação para Stálin, porém,
após o congresso de Londres com a vitória bolchevique se mostra mais confiante com a
possibilidade de união entre todos em prol da revolução do proletariado.
Destarte, no artigo El marxismo y la cuestión nacional, o autor explica sua
concepção de nação e discute formas de manter a união da Rússia social democrata com
as diferentes nacionalidades que a compõe. A principal estratégia era a
internacionalização da revolução, a partir da autodeterminação das nações, colocando
todos os trabalhadores em igualdade. De acordo com Woods e Grant (2000, p. 29) “En
realidad este artículo no fue obra de Stalin.” Os autores defendem, que provavelmente,
o artigo tenha sido escrito por Lenin, ou pelo menos sobre forte influência dele. De todo
modo, é possível compreender, que independente das diferenças culturais e dos povos
que constituem uma nação, todos podem estar unidos sob a identidade do trabalhador.
Assim, o autor defende que uma nação é uma comunidade estável,
historicamente formada, que possui um idioma comum, tem um território e uma
economia interna que estabiliza a nação independentemente das outras nações; uma
nação ainda se caracteriza, por sua comunidade de psicologia, o chamado “caráter
nacional” que reflete na cultura, podendo ser mutável. As características dessas classes
distintivas são determinantes para o que o autor chama de comunidade de destino, ou
seja, as possibilidades futuras dessa nação. Após problematizar o termo, Stálin afirma
que é com essa nação que o partido se reocupa, ou seja, não com as diferenças culturais
ou étnica, que compõe a nação, mas com as nações que já estruturadas pelas
características apresentadas possam se unir a favor da revolução.
A nação, segundo o autor, é uma construção histórica que herda as mudanças
sociais do feudalismo para o capitalismo, sendo necessária tal formação para a
consolidação do regime econômico capitalista. Como os países do leste europeu ainda
não haviam aderido completamente ao capitalismo, a estrutura vigente nessa região era
de Estado, não de nação. A Rússia, por exemplo, era um estado constituído por várias
nações (multinacional). No entanto, dentre as categorias que definem uma nação,
segundo o autor, uma pode se sobressair sobre as outras, e no caso das nações modernas
ocidentais a economia teve esse papel. Não apenas a economia interna, mas a economia
global.
Por isso, Stálin afirma que o mercado é o primeiro nacionalismo da burguesia, já
que é esse o ponto de união entre seus iguais. A partir do raciocínio do autor, podemos
compreender, que a burguesia, com base em seu interesse econômico, rechaça qualquer
ameaça ao lucro, enfraquecendo os mercados rivais ao impor sua ideia de nacionalidade.
O exemplo do texto se prende a Rússia do início do século XX, que como vimos, era
composta por diferentes etnias, povos e nações; o reforço aos ideais burgueses é tido
como um referencial de ser russo. Entretanto, esse referencial é uma forma de apagar as
demais classes ali presentes. O problema as identidades estão espalhadas em diversas
classes sociais, de modo que um judeu proletário pode se desprender de seus ideais de
classe ao ser induzido por um judeu burguês; da mesma forma um judeu burguês pode
ser questionado por m judeu proletário, uma vez que o ideal burguês não corresponde ás
necessidades proletárias. Dessa forma as estratificações sociais entram em choque.
Para o autor, quando se reivindica sua própria nacionalidade, como no caso do
exemplo anterior, sendo a maioria dos judeus pertencentes a classe burguesa, a
identidade judia passa a ser representada por tais ideais, e sua cultura passa a ser
imposta ás demais classes sociais e etnias. Já em casos em que a maioria de um povo ou
etnia é pertencente a classes pobres, sua nacionalidade será reivindicada para reforçar
sua cultura como forma de oposição ao regime burguês. Esse posicionamento
consequentemente leva a uma guerra cultural, na qual os grupos dominantes passam a
proibir as manifestações culturais dos demais, como a expressão religiosa, o uso do
idioma, os ritos e etc. Segundo o artigo, essa proibição é um erro, já que no Estado é
preciso que se respeite as manifestações culturais de todos e que se tenha foco nos
ideais políticos e não nos ideais nacionais.
Na discussão que se segue no artigo, vemos que o autor não defende a
autonomia das nações e critica a transposição de programas nacionais de um contexto
para outro sem considerar as particularidades dos Estados e nações envolvidos. Isso
ocorre, porque a autonomia nacional em um primeiro momento garante a igualdade
cultural, mas não necessariamente a igualdade política entre os distintos grupos, e em
um segundo momento colabora para a desintegração da nação. Por isso, o autor
distingue autonomia nacional de autodeterminação da nação. Dois exemplos sustentam
o argumento, o caso da Áustria inspirada no Partido Social Democrata Sul-Eslavo e o
caso do Cáucaso inspirado na Áustria; em ambas situações a consequência da
autonomia nacional foi a divisão política dentro do Estado. Sobre a autoderminação das
nações, encontramos a seguinte discussão no dicionário de termos marxistas sob o
verbete nacionalismo em Bottomore (2013, p. 436):

Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, quando todos os socialistas


começavam a adotar o princípio da autodeterminação, Lenin ainda uma vez
reafirmou (1916b) que a meta do socialismo era unir as nações e fundir todos
os povos numa mesma família, mas que isso não poderia ocorrer antes que
todos eles tivessem a oportunidade de escolher seu próprio caminho. O fato
de que essa concepção viesse a constituir, depois de 1917, a doutrina oficial
de um Estado multinacional de grandes proporções, com um legado de
muitas lutas do passado (embora a Finlândia e as províncias bálticas, bem
como a Polônia, dele se tivessem desligado), teve grande significado para o
pensamento marxista. Medidas complexas foram adotadas no sentido de
proporcionar uma certa margem de autogoverno a todas as comunidades
étnicas, correspondente ao seu tamanho e à sua história, bem como plena
liberdade de autodesenvolvimeno cultural.

Portanto, o autor defende a autodeterminação da nação, que consiste na


liberdade das manifestações culturais e autonomia regional, sob a lei do Estado. O dever
do Estado é garantir a livre manifestação de todos e fazer campanha contra as
expressões que vão de encontro ao programa do partido, como a religião, por exemplo.
O foco precisa ser mantido na união política e no engajamento dos proletários no
processo, por isso o rechaço à religião, pois consideram uma forma de alienação.
Observamos, que do programa nacional-cultural para a autodeterminação há
uma mudança de modelo, mas não necessariamente altera o resultado. Se na primeira
opção uma cultura se sobrepõe à outra, no segundo caso o próprio Estado se sobrepõe
aos demais, de modo que uma espécie de nacionalismo do Estado é engendrado. Hoje,
já sabemos, foi o que ocorreu após a revolução de 1917. Segundo Woods e Grant
(2000), Lenin insistia na adesão voluntária das nações ao Estado soviético e acreditava
na união internacional dos trabalhadores inclusive dos países capitalistas mais
desenvolvidos. Entretanto, após a revolução encontramos outro cenário como mostram
Woods e Grant (2000, p. 59):

Bajo Stalin se cometieron los actos más monstruosos contra las minorías
nacionales en la URSS. Las purgas terminaron la tarea comenzada por
Stalin en 1922 ¾ la liquidación de lo que quedaba del Partido Bolchevique¾
. A mediados de 1937 lanzaron un ataque contra los Partidos Comunistas de
todas las repúblicas nacionales. Se incluyeron dirigentes de los partidos
nacionales en el famoso juicio a Bujarin en marzo de 1938. Los dirigentes
eran con frecuencia acusados de "nacionalismo burgués" y ejecutados.
Después comenzaba el arresto de masas y las deportaciones

Através de uma escrita questionadora e reflexiva o autor nos faz perceber ao


longo da obra e em especial no capítulo resenhado as ebulições político e sociais da
época. Fazendo uma relação com o período atual, salvo as devidas particularidades,
percebemos o quanto ainda estamos presos aos ideais do mercado e não sabemos como
ultrapassar as barreiras culturais para de fato engendrar um engajamento político na
nossa sociedade. No entanto fica claro como as intersecções, já naquela época, eram
determinantes.
Concluímos que embora o texto problematize os conflitos de uma época
específica pode nos ajudar a refletir sobre problemas atuais que implicam em divisões
partidárias, identitárias, culturais, de valores, entre outras, que assolam o Brasil e o
mundo atual. Talvez, essas divisões sejam parte do Estado-Nação, porém, como o
próprio Stálin discorre e a experiência russa confirma proibições e autoritarismos não
solucionam esse tipo de conflito. É preciso repensar as relações sociais e não
simplesmente trocar modelos.

Referência

BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. Zahar. Edição digital: abril


2013.
Disponível: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2543654/mod_resource/content/2
/Bottomore_dicion%C3%A1rio_pensamento_marxista.pdf> Acesso: 05 de set. 2019.

STALIN, J. El Marxismo y la Cuestión Nacional. Obras, TOMO II (1907 - 1913).


1973.
Disponível: < https://www.marxists.org/espanol/stalin/obras/oe15/Stalin%20-%20Obras
%2002-15.pdf> Acesso: 05 de set. 2019.

WOODS, A; GRANT T. EL MARXISMO Y LA CUESTIÓN NACIONAL. 2000.


Disponível: <file:///G:/Downloads/el-marxismo-y-la-cuestion-nacional.pdf> Acesso: 05
de set. 2019.

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