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Prof. C.D.

Shikida (2024)

Expectativas Racionais – Introdução para quem acaba de sair da graduação e não teve
muito contato com o conceito1

Prof. C.D. Shikida

“If people were rational as economists assume, students need not be taught economics, unless the goal
goes beyond the professor chief purpose of most economics instruction, which is to evaluate people’s behavior
as it is, not as it should be. I conclude that, as conventionally argued, economics is useful because it can lead to
testable hypothesis and that, as not conventionally recognized, economics can be instructive on how people can
improve their thinking and decision making, and their rationality – precisely because people are not as innately
rational as economists assume them to be. (McKenzie, R.B. (2010). Predictably Rational, prefácio)

“(...) since economic actions are in part based on expectations, expectational errors are costly to the
individuals who make them – for when these errors occur, actions are based on incorrect beliefs about future
conditions. Consequently, purposeful economic agents – utility-maximizing individuals and profit-maximizing
firms – will seek to avoid expectational errors. They cannot be entirely successful in this endeavor, of course,
because no one can foresee the future. But they can reduce and virtually eliminate systematic sources of error by
appropriate reactions”. (McCallum, B. T. (1989) Monetary Economics, MacMillan, p.143)

Introdução

Antes de iniciar estas notas, devo deixar claro que vou assumir que o leitor tenha
algum grau de racionalidade pois, afinal, seria difícil entender porque tantos criticam a
moderna macroeconomia sem entender (ou entendendo) o uso de hipóteses como a de
expectativas racionais. Não é preciso que você seja inteiramente racional, claro. Basta que
tenha algum grau de racionalidade. Digamos que é suficiente que você entenda que estudar
estas notas pode te ajudar a melhorar seu entendimento da realidade e também seu
desempenho em provas2. Em outras palavras, traduzindo livremente Gilboa (2010), que a
racionalidade seja um modo de comportamento com qual uma pessoa se sente confortável
para usar em suas decisões ou mesmo para ser por ele analisado3.

Obviamente, não é difícil ver que racionalidade e expectativas racionais não são
exatamente a mesma coisa e, seguindo Gilboa (2010), provavelmente alguns economistas não
se sentiriam confortáveis em serem analisados sob a hipótese mais estrita de expectativas
racionais. Eu poderia falar sobre os diversos conceitos de racionalidade por muito tempo, mas

1
Nota elaborada em substituição a uma antiga nota baseada em Sargent & Wallace (1976). Posteriormente
agregarei mais conteúdo. Nesta versão, as notas são uma junção de vários fichamentos, sem uma conexão mais
consistente, mas, como sempre, todo bom material começa com a análise crítica de quem estuda. Foi usada em
2014-2015 em Análise Macroeconômica IV, na graduação. Pode ser útil para alguns em nível intermediário.
Esta versão, 19/02/2024 (pequenas correções ortográficas e inclusão de uma nota de rodapé. Versão anterior:
03/11/2016. Agradeço ao prof. Luiz Carlos Gama (Ibmec-BH) pela oportunidade de reencontrar esta nota de
aula. Parece que já dei trabalho para os estudantes antigos. Os atuais reclamam de barriga cheia, sem dúvida.
2
Sou um pessimista. Entretanto, como nos lembra McKenzie (2010), não tenho tantos motivos para não
acreditar que você seja minimamente racional. Afinal: “People’s rational capacities have, of course, been
shaped by eons of evolutionary forces, with many human decision propensities having been shaped and
constrained as much by environmental and group dynamic forces extant in the Pleistocene Epoch, 10,000 years
ago and more, as by the the particular costs and benefits associated with people’s contemporary choices.
[McKenzie (2010), prefácio]
3
As palavras exatas são: “(...) a mode of behavior is rational for a given person if this person feels comfortable
with it, and is not embarrassed by it, even when it is analyzed for him”. [Gilboa, I. (2010) : 5]

1
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basta, por enquanto, lembrar que a racionalidade é um conceito mais amplo do qual a
hipótese de expectativas racionais é apenas uma manifestação. Não se tratam de sinônimos,
mas sim de conceitos, digamos, fortemente relacionados.

A Crítica de Lucas e os Modelos com Expectativas Racionais

Vejamos inicialmente, um modelo de DA x OA simples. Tome-se a Teoria


Quantitativa da Moeda (TQM) que nos diz, tautologicamente, que: MV = Py´, com y´ = Y/P.
Obviamente, M = oferta de moeda, V = velocidade de circulação da moeda, P = nível de
preços e y´ = produto real. Percebe-se que, para um dado V, alterações em M geram
alterações em P e em y´. Uma outra forma de se escrever isto é em logaritmos.

ln( M ) + ln(V) = ln(P) + ln(y´) (0)

Uma notação mais simples é:

m+v = p+ y (1)

A notação fala por si só. Temos, assim, que (1) ilustra a DA. Estamos enfatizando,
obviamente, o papel da política monetária e, por isso, usamos a TQM. Trata-se de uma
prática comum e simplificadora, para fins didáticos. Quanto à OA, usamos a especificação
seguinte, que pode ser obtida, por exemplo, a partir do insight original de Lucas:

p = p e +  ( y − y *) (2)

O leitor pode, facilmente, ver que (2) pode ser reescrita no formato de uma curva de
Phillips, bastando, para isto, usar a lei de Okun. Entretanto, de posse de (1) e (2), temos o
modelo macroeconômico em sua forma estrutural. Como qualquer sistema de oferta e
demanda, este também tem variáveis endógenas e exógenas. No caso, são endógenos o nível
de preços e o produto. Logo, o sistema deve ser resolvido para ambas. Pode-se verificar que a
forma reduzida do sistema, portanto, é4:


y=
1
1+ 
m+
1
1+ 
( v − pe ) +
1+ 
y*
(3)
 1
p= ( m + v − y *) + pe
1+  1+ 

Como as variáveis estão em escala logarítmica, sabemos que as derivadas parciais nos
dão as respectivas elasticidades. Por exemplo, o impacto do aumento de 1% em “m” gera um
impacto diferente sobre o produto e sobre o nível de preços (veja!). De posse de (3), podemos

4
Qualquer aluno de Ciências Econômicas que já leu algum (bom) livro de Matemática para Economia já deve
ter encontrado estas definições: sistemas de equações, forma estrutural e forma reduzida, estática comparativa.
Tais conceitos são básicos para que se entenda o porquê de se resolver sistemas da forma como resolvemos.
Uma alternativa é ler algum capítulo dos livros-textos de Econometria que diga respeito à identificação de
sistemas de equações. Um bom exemplo é Gujarati & Porter (2008). Eventualmente, no futuro, acrescentarei um
apêndice sobre isto.

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fazer o seguinte raciocínio: suponha que λ = 0.5 para a economia em estudo, e que as
variáveis exógenas assumem os seguintes valores: m = 2, v = 4 e y* = 4. Suponhamos
também que pe = 5. Neste caso, y = 2 e p = 4. Repare que, de forma surpreendente, os agentes
econômicos racionais erram a previsão em um modelo básico de OA x DA. Este é um
exemplo da Crítica de Lucas. Na descrição didática de Dornbush, Fischer, Startz (2011): o
modelo padrão da oferta agregada-demanda agregada considera que os agentes econômicos
fazem previsões para a economia inconsistentes com as previsões que o próprio modelo faz.
(p.554).

Perceba a sutileza deste trecho! Não percebeu? Então faça as contas: o que
aconteceria se pe = 4? Neste caso, y = 2.67 e p = 3.33. Por que isto acontece? Bem, primeiro
você deve parar de pensar no modelo macroeconômico com a mente de um aluno calouro5 e
se lembrar do que aprendeu em seus cursos de microeconomia. Imaginamos que os modelos
microeconômicos são uma boa descrição da realidade, certo? No caso da microeconomia,
nossa presunção é a de que os modelos são uma boa descrição de como indivíduos agem.

Como a ação dos indivíduos é parte integrante do sistema econômico, nada mais
natural do que imaginar que as expectativas dos agentes sejam, de fato, fruto da vontade
individual em prever o futuro. Neste sentido, porque pessoas insistiriam em manter previsões
erradas por muito tempo? De outra forma: se cometo erros de previsão hoje (o que só é
possível se mensuro a previsão e também o valor efetivo da variável), e se identifico que meu
modelo é parte do problema, não altero meu modelo para melhorar minha previsão? Supondo
que isto seja importante em sua vida, claro que você muda6.

Agora, vamos mudar nosso entendimento sobre o papel do modelo. Basicamente,


imaginemos que as pessoas usem o modelo para formularem previsões. Em outras palavras,
suponha, agora, que as pessoas usem (3) como uma ferramenta para prever (adivinhe!) o
nível de preços7. Ou seja, agora temos:

 1
pe = p = ( m + v − y *) + pe (4)
1+  1+ 

Obviamente, podemos reescrever esta equação (precisamos fazê-lo!) em termos de p


e
ou p .

5
A sabedoria paulista nos diz que o calouro também deveria ser chamado de “bixo”.
6
Talvez este fato básico seja suficiente para lhe convencer do fato de que, de posse de um modelo
macroeconômico, eu, indivíduo/sujeito/agente, vou usá-lo para prever o que acontece com a economia.
7
Lembre-se de Sargent (2013), no início do capítulo 1 (Rational Expectations and the Reconstruction of
Macroeconomics). Basicamente, as pessoas imaginavam que os modelos macroeconômicos funcionavam bem
como ferramentas para a formulação de política econômica, desde que... não houvesse mudanças de regras.
Obviamente, se regras mudam, pessoas buscam se adaptar e, portanto, aqui está a dica sobre o porquê de se usar
a forma reduzida de “p” como ferramenta para a formação de previsão. Como é formada a previsão, obviamente,
depende da hipótese sobre as expectativas dos agentes e, no caso, usamos a hipótese de expectativas racionais,
em sua forma simples, de previsão perfeita.

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 1  
pe 1 − = ( m + v − y *) →
 1+   1+ 
 
pe = ( m + v − y *) → (3a)
1+  1+ 
p e ( = p ) = ( m + v − y *)

Repare que, agora, o aumento de 1% na oferta de moeda leva a, exatamente, um


aumento de 1% no nível de preços. Surpreso? Não deveria. Veja a primeira equação da forma
reduzida em (3), a do produto, considerando o que acabamos de encontrar.

1 1 𝜆
𝑦= 𝑚+ (𝑣 − 𝑝𝑒 ) + 𝑦 ∗→
1+𝜆 1+𝜆 1+𝜆
1 𝜆
𝑦= (𝑚 + 𝑣 − 𝑝𝑒 ) + 𝑦 ∗→
1+𝜆 1+𝜆
1 𝜆
𝑦= ⎵ + 𝑣 − 𝑝𝑒 ) +
(𝑚 𝑦 ∗→
1+𝜆 𝑦∗
1 + 𝜆
𝑦=𝑦∗ (3b)

O resultado, como não poderia deixar de ser, é que o produto ficará em seu nível de
pleno emprego. Neste caso, perceba, transformamos a previsão do nível de preços em uma
previsão perfeita. Repare que o produto não é alterado por mudanças na moeda (o que, aliás,
é compatível com o que vimos sobre o nível de preços, certo?). Um resultado que temos,
portanto, é que se a previsibilidade for perfeita, a política monetária será neutra no curto e no
longo prazo!

Não precisamos ir tão longe assim. Podemos considerar o caso em que as pessoas
possuem expectativas racionais no sentido de fazerem o melhor uso possível das informações
à sua disposição. Isto significa que sua previsão quanto às variáveis econômicas pode ser
pensada em duas partes: uma antecipada e outra não antecipada.

Por exemplo, digamos que os agentes econômicos associem mudanças na oferta de


moeda com mudanças no nível de preços e, portanto, tomam a oferta de moeda como uma
variável proxy do nível de preços. Podemos dizer que diferença entre a efetiva oferta de
moeda e a expectativa que o indivíduo faz dela é o erro de previsão. Isso é o mesmo que dizer
que a oferta de moeda tem um componente que pode ser antecipado e um que não pode. Isto
nos dá (5):

m = me +  m (5)

Repare que podemos pensar em (5) de uma forma mais simples, apenas isolando o
erro de previsão dos agentes de forma, para obter a descrição inicial:

m − me =  m (5’)

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Sob a hipótese de expectativas racionais, dizemos que os erros são aleatórios com
média igual a zero8. Assim, aplicando o operador esperança em (5’), obtemos:

E (m) − E (me ) = 0 (6)

Suponha que os agentes também formem expectativas sobre o produto potencial, de


forma que:

y * − y *e =  y* (7)

Reescrevendo (3) com (5) e (7), temos:


y=
1
1+ 
( me +  m ) +
1
1+ 
( v − pe ) +
1+ 
( y *e + y* )
(3”)

p=
1+ 
( (
me +  m ) + v − ( y *e + y* ) +
1
1+ 
pe )

Tal como anteriormente, considere que os indivíduos utilizam a equação do nível de


preços de (3”) para a previsão dos preços (foi exatamente o que fizemos para escrever (4)). O
resultado é:


pe = p =
1+ 
(( m e
+  m ) + v − ( y *e + y* ) + ) 1
1+ 
pe (4’)

Ao tormarmos a esperança de (4’), obteremos:


pe = p =
1+ 
(m e
+ v − y *e ) +
1
1+ 
pe →
(4’)
p = m +v − y*
e e e

O resultado acima pode ser substituído no sistema para encontramos as formas


reduzidas do nível de preço e do produto.


y=
1
1+ 
( me +  m ) +
1
1+ 
( v − (me + v − y *e ) ) +
1+ 
( y *e + y* ) →


y = y *e
1
1+ 
( m ) +
1+ 
(  y* )
(8)

p=
1+ 
(
( me +  m ) + v − ( y *e + y* ) +
1
1+ 
)
(me + v − y *e ) →


p = (me + v − y *e ) +
1+ 
( m −  y* )

8
Voltaremos a isto adiante.

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Agora, nossa análise tornou-se mais rica. Por quê? Porque podemos nos perguntar
sobre os impactos de uma parte antecipada da oferta de moeda e também sobre os impactos
da parte não-antecipada, tanto no produto quanto no nível de preços. Sabemos, pelas formas
reduzidas encontradas em (8), que um aumento de 1% na moeda antecipada gera um aumento
de 1% no nível de preços. Um aumento no nível antecipado do produto potencial de 1%,
analogamente, gera um impacto de 1% sobre o nível de preços. Contudo, quanto ao produto,
o mesmo só é afetado pelas partes não-antecipadas da moeda e do produto potencial (e nas
proporções dadas por seus respectivos coeficientes!). Conclui-se, pois, que a política
monetária antecipada é neutra. Já a política monetária não-antecipada é não-neutra.

Um outro exemplo que pode ajudar a entender a irrelevância da política econômica


sob expectativas racionais é este interessante modelo com regra de feedback monetário
keynesiano. Neste exemplo, temos a seguinte estrutura da economia.

U t = U Nt −

1
( t −  te ) + 1t

 t = mt +  2t
 te = mte
mt = 0 + 1 (U t −1 − U Nt −1 ) +  mt
mte = 0 + 1 (U t −1 − U Nt −1 )

A primeira equação nos diz que a taxa de desemprego depende de uma taxa de
desemprego natural (que varia no tempo) e do hiato de expectativas mais um choque de
oferta. A segunda nos diz que a taxa de inflação é igual à taxa de crescimento da moeda mais
um choque (elemento aleatório, surpresa). A terceira nos diz que as expectativas quanto à
taxa de inflação são iguais às expectativas quanto ao crescimento monetário (ou seja, os
agentes econômicos entendem que a inflação possui uma relação direta com a política
monetária. A quarta equação é a regra de política monetária keynesiana: o formulador de
política monetária tenta estabelecer a taxa de crescimento da moeda conforme o hiato no
desemprego, de forma linear. Finalmente, a última equação nos diz que os agentes formam
suas expectativas quanto à política monetária, em média, tal e qual o formulador de política
monetária.

Para entender a irrelevância da regra de política veja o que acontece quando


encontramos a forma reduzida do desemprego. Inicialmente pode-se ver que:

U t = U Nt −
1

( t −  te ) + 1t

 t −  te = (mt − mte ) +  2t
mt − mte =  mt

A solução, portanto, pode ser facilmente obtida substituindo, recursivamente, as


equações, da última para a primeira. Teremos:

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1
U t = U Nt − ( mt +  2t ) + 1t

O leitor pode notar que a taxa de desemprego não sofre influência da política
monetária antecipada, mas apenas da parte não-antecipada da mesma, além dos outros
choques e, claro, da própria evolução da taxa de desemprego natural9.

Nesta seção você deve ter percebido que um ponto central da macroeconomia
moderna é o de que agentes racionais utilizam-se da informação disponível para fazer
previsões. Claramente, isto é um ponto não-controverso entre economistas pois, eles mesmos,
estão sempre buscando se antecipar aos eventos da natureza ou das relações humanas (a
literatura e a história são uma fonte inesgotável de evidências neste sentido). O que é mais
controverso é se os indivíduos se comportam, em média, como no modelo de expectativas
racionais. Embora este seja um debate interessante, ele não é trivial, dada a necessidade de se
conhecer um pouco de Econometria para a correta compreensão dos principais pontos
tratados.

Vale a pena, entretanto, lembrar um pouco do que você aprendeu em disciplinas


anteriores. A visão simplista da economia como um sistema que pode ser descrito por um
sistema de equações diferenciais para fins de planejamento não é, apesar de toda a
sofisticação matemática, suficiente, para nos dizer quais seriam as trajetórias das variáveis
macroeconômicas em um mundo no qual os agentes econômicos reagem a mudanças de
regras (leia-se: mudanças nas políticas, inclusive, econômicas). Este foi o ponto central da
chamada Crítica de Lucas ilustrada aqui.

Exercício Proposto

Para o modelo da curva de oferta de Lucas10:

ytd = a0 + a1 (mt − pt ) +  t
yts = yn + b1 (pt − Et −1 pt ) + vt
ytd = yts = yt
 ~ N (0,  2 ), v ~ N (0,  v2 )

No qual todos os parâmetros são positivos, resolva os itens a seguir:

a) Encontre as formas reduzidas de pt e yt, utilizando a hipótese de expectativas racionais.

b) Explique porque o produto poderá se desviar do equilíbrio apenas por conta de choques
estocásticos de demanda e oferta no curto prazo, mas não no longo prazo.

c) Uma surpresa monetária positiva – ( mt  Et −1mt ) elevará o produto? Use o que encontrou
anteriormente para responder.
9
Este exemplo é devido a Snowdon & Vane (2005). A notação foi alterada para facilitar o entendimento.
10
Ver Shone (2002), cap.11.

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Agora que você já teve uma boa idéia11 sobre como as expectativas racionais
funcionam no modelo macroeconômico, vamos nos deter um pouco mais atentamente à
própria definição de expectativas racionais.

Expectativas Racionais: um resumo12

“(...) as Milton Friedman has stressed, economic actors need only act as if they are maximizing utility or profits
for our theories to work. Muth (…) was quite explicit on this point: ‘[the hypothesis]…does not assert that the
scratcht work of entrepreneurs resembles the system of equations in any way’”. [Sheffrin (1996) : 7]

No início deste texto você leu uma citação de McCallum (1989) sobre as expectativas
dos indivíduos. A preocupação principal diz respeito ao fato de que indivíduos racionais não
cometem erros sistemáticos. O que significa isto? Para entender melhor este ponto, vamos
introduzir a dimensão do tempo em nossa discussão.

Digamos que, no período “t”, o indivíduo busca formar uma expectativa sobre qual
será o valor de pt+1, condicionado ao seu conhecimento até o período “t”. Vamos chamar a
expectativa de pet+1. Quando o período “t+1” chegar, será possível medir o erro de previsão
do agente. Este será dado pela diferença: pt+1- pet+1.

Observe que um dos elementos utilizados na descrição acima é o condicionamento


das expectativas sobre a variável dado seu conhecimento. Em termos estatísticos, existem
duas formas de se formar expectativas: condicionada e não-condicionada. Você já viu isto em
seu curso básico de Estatística, mas eis um exemplo para lhe ajudar.

Digamos que você esteja decidindo se irá votar ou não na eleição. Você pode não
votar e justificar seu voto, pagando uma multa. Você acorda, olha para a janela, respira fundo
e parte para a sua zona eleitoral, pensando no futuro do país. Entra na fila, vota e volta para
casa. Agora, imagine que você ouça um boato de que as eleições são fraudulentas e que urnas
foram violadas. Você pensa no que está fazendo, decepciona-se com a falta de lisura do
processo e, conforme for, poderá até decidir não votar e pagar a multa. A diferença entre as
duas situações é que, na segunda, sua decisão de votar ficou condicionada a uma informação
obtida que, verdadeira ou não, influencia sua decisão de votar.

11
Idéia, para este autor, será sempre com acento. Contudo, não faça isso em sua prova escrita.
12
Esta seção se baseia fortemente em McCallum (1989), Sheffrin (1996) e Wickens (2011). Obviamente, o
leitor que passou por todos os exercícios e compreendeu o conceito pode, caso lhe interesse, pesquisar o
universo das expectativas. Caplan (2008) apresenta uma interessante extensão do que poderíamos chamar de
análise de desequilíbrio racional (desvios da racionalidade) com sua hipótese de irracionalidade racional.
Frydman [Frydman (2012) dentre outros] tem defendido o uso de outra hipótese, a de imperfect knowledge
economics, como alternativa aos modelos de expectativas racionais. Entretanto, sua abordagem não pode ser
compreendida sem a bagagem adquirida em um curso de Econometria de Séries de Tempo. Os que conhecem
um pouco do conceito de racionalidade limitada (geralmente associado ao economista Herbert Simon) não
deveriam se esquecer de que, na macroeconomia, o conceito não se popularizou e há um bom motivo
metodológico, bem esclarecido por Sargent: a adoção de modelos com racionalidade limitada não ajuda a
simplificar nossos modelos (no sentido de reduzir o número de parâmetros necessários, nos modelos, para se
explicar a realidade). Este ponto é destacado por McKenzie (2010). Caso você queira fazer uma discussão
metodológica, por favor, procure um bom professor de metodologia da ciência, não um charlatão ou um simples
professor como eu.

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Esta é uma boa forma de se pensar nas decisões individuais. Foi assim que Muth,
inclusive, elaborou sua hipótese:

“I should like to suggest that expectations, since they are informed predictions
of future events, are essentially the same as the predictions of the relevant
economic theory. At the risk of confusing this purely descriptive hypothesis
with a pronouncement as to what firms ought to do, we call such expectations
‘rational’”. [Muth, J. (1961): 316] (grifos meus)

Repare no trecho que destaquei acima. “Previsões informadas” são, basicamente,


previsões feitas com informações que temos até o momento em que as fazemos (as previsões,
obviamente).

O modelo de expectativas racionais pressupõe que a expectativa subjetiva (ou seja,


aquela na qual o indivíduo acredita) é igual à média da distribuição de probabilidade da
variável que se quer prever, dadas as informações disponíveis (ou “o conjunto de informação
disponível”) no momento em que se faz a previsão. Traduzindo:
𝑒
𝑡+𝑖 = 𝐸(𝑝𝑡+𝑖 |𝐼𝑡 )
𝑝⎵ (9)
𝐸𝑡 (𝑝𝑡+𝑖 )

O lado esquerdo é a expectativa subjetiva e, o direito, a média condicional da


distribuição de probabilidade da variável p no tempo (ou “da série de tempo pt, para todo t”).
Como destaca Wickens (2011), (9) contém dois elementos importantes. O primeiro deles é It,
o conjunto de informações disponível ao indivíduo no período “t”13. O segundo, é a
distribuição condicional de probabilidade de pt+i. Repare que:

“(...) under full rationality, we require complete knowledge of the


macroeconomic model, which must be a correct representation of the economy,
the variables that enter the model, and the underlying stochastic structure”.
[Wickens (2011) : 557]

Assim, ao invés de supor algo tão forte, podemos imaginar que os indivíduos não
cometam erros sistemáticos, ou seja, seus erros de previsão devem ser não-correlacionados.

Para verificar a utilidade de (9), considere o fato de que indivíduos racionais não
cometem erros sistemáticos sob a hipótese de expectativas racionais. Primeiro, repare que a
média dos erros será igual a zero.

P.1 – A média dos erros de previsão é zero.

Prova:

E ( pt +1 − pte+1 ) = E  pt +1 − E ( pt +1 | I t )  = E ( pt +1 ) − E  E ( pt +1 | I t )  =
(10)
E ( pt +1 ) − E ( pt +1 ) = 0

13
Caso o conjunto de informações contenha apenas valores passados e atuais de pt+i, então diz-se que as
expectativas são fracamente racionais.

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Repare que utilizamos, na penúltima passagem, a lei das expectativas iteradas. O


enunciado da lei é este, no contexto de séries de tempo14: Et ( X ) = Et  Et +1 (X) . Em outras
palavras, o “chute” do valor de X, em t, é o mesmo que o chute, no mesmíssimo período de
tempo, de seu chute futuro do mesmo X. Isto acontece porque o período t+1 já inclui todas as
informações até t mais uma informação nova, em t+1 e você está tentando prever o valor da
variável no momento atual, t. Logo, não há como ganhar com a informação futura que ainda
não ocorreu. Em outras palavras, a racionalidade implica que você não consegue prever como
você mudará de idéia no futuro15.

O significado de (10) é que a melhor previsão que se pode fazer


pt +1 − E ( pt +1 | I t ) =  t +1 com base nas informações resumidas por It será exatamente igual a
zero. Agora, note que o conjunto de informações contém, como elementos, os erros de
previsão anteriores dados pela sequência: {... t −k ,  t −k +1 ,... t } , k > 0. Logo, podemos dizer
que os erros de previsão futuros são não-correlacionados aos erros de previsão passados ou,
de forma compacta: Et ( t +1 ,  t −s ) = 0 para s  0 . Esclarece-nos Wickens (2011) que este é
um dos motivos pelos quais os erros de previsão, nesta visão, são chamados, por vários
autores, de inovações.

P.2 – Não existem erros sistemáticos se adotamos a hipótese de expectativas racionais

Prova: Considere uma variável xt, cujo valor é conhecido pelos agentes econômicos no
período t (e que tem média zero). Logo, faz parte do conjunto de informações It. Caso não
existam erros sistemáticos, os agentes apresentarão covariância nula entre os erros de
previsão e xt.

( )
Cov ( pt +1 − pte+1 ) , xt  = E  ( pt +1 − pte+1 ) − 0 ( xt − 0 )  →
 
E ( pt +1 − E ( pt +1 | I t ) ) xt  = E ( pt +1 xt ) − E  E ( pt +1 | I t ) xt  → (11)
E ( pt +1 xt ) − E  E ( xt pt +1 | I t )  = 0

Note que, na última passagem, usamos o fato de que xt é um elemento de It e, em


seguida, novamente, usamos a lei das expectativas iteradas.

Poderíamos seguir adiante, mas a álgebra pode ser um tanto quanto indigesta. Alunos
podem se sentir tristes e deprimidos. Por isso, vamos alegrar um pouco este texto com uma
pequena liberação de endorfina. Nada melhor para combater a depressão do que exercícios.
Para a seção seguinte, obtenha as provas da ANPEC e siga em frente.

14
Séries de tempo são, basicamente, valores de uma variável no tempo, como é o caso, por exemplo, de valores
de pt para todo t.
15
Para uma explicação mais técnica, ver, por exemplo, este breve texto:
http://alecospapadopoulos.wordpress.com/2014/05/05/law-of-iterated-expectations/.

10
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Alguns exercícios (com e sem expectativas (racionais ou não))16

1. (ANPEC 2015, 12)

DA: m + v = p + y

OA: p = pe + λ(y-y*)

λ = 2/3, m = 9, v = 8, y* = 7, pe = 5. Sob a hipótese de previsão perfeita, qual o valor de


equilíbrio de y?

Solução:

Encontramos as formas reduzidas de p e y, temos, para p:

p = p e +  ( m + v − p − y *) →
1 
p= pe + ( m + v − y *)
1+  1+ 

Para y:
m+v = p+ y → y = m+v− p →
1 
y = m+v− pe − ( m + v − y *) →
1+  1+ 
1  1
y=− pe + y*+ (m + v)
1+  1+  1+ 

Vimos que, sob previsão perfeita, a equação do preço é tal que:

1 
pe = pe + ( m + v − y *) →
1+  1+ 
pe = m + v − y *

Substituindo na solução de y:

1  1
y=− ( m + v − y *) + y *+ (m + v) →
1+  1+  1+ 
y = y*

Logo, o produto de equilíbrio é y* = 7. Fácil, não? Vejamos algo um pouco mais digno de
sua capacidade intelectual.

16
As questões da ANPEC têm sido discutidas em Schmidt (2011).

11
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2. ANPEC (2007, 4)

pt = wt
wt − wt −1 = pte − pt −1 +  hte
mt − pt = ht

Neste problema, a primeira equação representa a regra de mark-up da economia17. A


segunda é a curva de Phillips, a última é a TQM. A novidade é que se usa o hiato do produto
(h), inclusive, com expectativas. Equivale ao que vimos acima, quando se faz a hipótese de
que os agentes formam expectativas quanto ao produto potencial. Aparentemente, as
variáveis endógenas são o preço e o hiato. O enunciado não nos diz, mas qualquer um que já
tenha estudado (e entendido) a matéria sabe que produto e preços são variáveis endógenas em
modelos macroeconômicos.

Os itens da questão dizem respeito às diferentes soluções do modelo sob diferentes


hipóteses de expectativas para preços e hiato.

pte − pt −1 = pt −1 − pt −2
Assim, no item (0), supõe-se que: .
hte = ht −1

Usando as duas primeiras equações do sistema e as expectativas, obtemos:

pt = 2 pt −1 − pt −2 +  ht −1

Repare que esta equação é a solução para o nível de preços. Por quê? Porque ela só
contém em seu lado direito, variáveis pré-determinadas. Variáveis pré-determinadas são
valores defasados das variáveis endógenas e têm exatamente o mesmo efeito que as variáveis
exógenas pois, no período “t”, seus valores já foram dados (pré-determinados) o que significa
que são exógenos18.

Agora, usamos a TQM para obter preços em função de moeda e hiato e finalizamos:

mt − ht = 2 pt −1 − pt −2 +  ht −1 →
ht = mt − 2 pt −1 + pt −2 −  ht −1

Temos que a oferta de moeda afeta o hiato, mas não o nível de preços.

No item (1), a questão pergunta se as expectativas adaptativas, usadas no item anterior,


implicam em ausência de inércia em p. Para resolver esta questão, basta olhar o que foi
encontrado anteriormente: pt = 2 pt −1 − pt −2 +  ht −1 . Obviamente, há inércia. Um problema do

17
O leitor esperto sabe o que significa isto, não? O mark-up é um tipo de regra de estabelecimento de preço que
segue os custos variáveis da firma. Obviamente, em um modelo simples em que a firma tem dois insumos, o
custo variável diz respeito ao custo da mão-de-obra. Aliás, esta foi a formulação original de Philips, para sua
curva que, sob a regra de mark-up (a chamada emenda de Solow-Samuelson), transformou-se em uma curva que
representaria o dilema da política econômica. Veja, por exemplo, Frisch (1983).
18
Para detalher, veja Gujarati & Porter (2008).

12
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enunciado é não especificar o que seja inércia pois sabemos que inércia é sinônimo de auto-
regressividade e, na solução para pt, vemos que há auto-regressividade de segunda ordem
pois o preço depende de seus valores passados até duas defasagens de tempo.

No item (2), pergunta-se sobre o uso de expectativas racionais para o hiato e para o
hte = Et −1 ( ht )
preço. Assim, temos: e . O sistema, sob a aplicação do mark-up, dá-nos:
pt = Et −1 ( pt )

pt − pt −1 = pte − pt −1 +  hte → pt = pte +  hte


mt − pt = ht

Resolvendo para as formas reduzidas:

pt = pte +  hte
ht = mt − pte −  hte

Agora, podemos resolver para o hiato:

ht = mt − Et −1 ( pt ) −  Et −1 ( ht ) →
ht = mt − Et −1 ( mt − ht ) −  Et −1 ( ht ) →
ht = mt − Et −1 ( mt ) + (1 −  ) Et −1 ( ht )

Embora o gabarito nos dê o item como verdadeiro, note que o hiato do produto não
depende apenas do excesso de oferta de moeda sobre a oferta de moeda esperada, mas
também depende da expectativa do hiato. Repare que se a política monetária for crível, ela
não afeta o hiato do produto (pois o que se espera será igual ao que de fato ocorre, por
expectativas racionais, certo?).

No item (3), supõe-se que a política monetária anunciada seja crível, de forma que
não há erros e a oferta de moeda anunciada será, de fato, a esperada. Percebe-se que o nível
de preços será afetado em γ.

𝒑𝒕 = 𝑬𝒕−𝟏 (𝒑𝒕 ) + 𝜸𝑬𝒕−𝟏 (𝒉𝒕 ) →


𝒑𝒕 = 𝑬𝒕−𝟏 (𝒑𝒕 ) + 𝜸𝑬𝒕−𝟏 (𝒎𝒕 − 𝒑𝒕 ) →
𝒑𝒕 = (𝟏 − 𝜸)𝑬𝒕−𝟏 (𝒑𝒕 ) + 𝜸 ⏟𝑬𝒕−𝟏 (𝒎𝒕 )
=𝒎𝒕

Finalmente, no item (4), a questão diz respeito ao fato de existir inércia no preço
quando as expectativas são as especificadas no item (2). A solução, tal e qual vimos acima,
dá-nos:

pt = Et −1 (pt ) +  Et −1 (mt − pt ) →
pt = (1 −  ) Et −1 (pt ) +  Et −1 (mt )

13
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Como se vê, não há inércia no modelo. Resolva usando as expectativas e você verá
que o preço não depende do preço passado (esta é fácil, não?).

3. ANPEC (2002, 15)

Neste exercício, a curva de Phillips é dada com uma especificação simplificada das
expectativas adaptativas (uma forma de se definir as expectativas adaptativas, para uma
variável π, é supor que:  te =  t + (1 −  ) te−1 . O exercício usa a forma simples em que α=1,
o que às vezes é chamado de modelo de “expectativas estáticas”). Assim, o enunciado nos dá
a seguinte curva:

 t −  t −1 = 0.15 − 2.5t

Diz-se que: “Em t-1, a taxa de desemprego iguala a taxa natural, e a inflação é nula. No início
do período t, o governo baixa a taxa de desemprego para 5% e a mantém neste patamar daí
em diante”. Pede-se a taxa de inflação em t+1.

Assim, temos que, em t-1:

 =  N →  t =  t −1 →
0 = 0.15 − 2.5t → t = 0.06

Como o governo fixa o desemprego em 0.05, no nível de inflação 0, então:

 t − 0 = 0.15 − 2.5(0.05) →  t = 0.025

Em t+1, temos:  t +1 − 0.025 = 0.15 − 2.5(0.05) →  t +1 = 0.05 . Você deve ter percebido
que, sob diferentes hipóteses de modelos de expectativas, os resultados podem ser diferentes,
certo? Basta trabalhar um pouco sobre este problema e/ou rever os anteriores e o que se segue.

4. ANPEC (2010, 8)

Nesta questão, a curva de Phillips é dada por:  t =  te − 2(ut − 0.10) . Afirma-se que,
no ano 1, a economia apresenta πt = πet = 0.10. Adicionalmente, o Banco Central controla
diretamente a taxa de inflação e anuncia que, a partir do ano 2, adotará uma política de
desinflação para que a inflação seja 0.04.

No item (0), pergunta-se sobre o custo de sacrifício desta política caso as expectativas
sejam racionais. Inicialmente, sabemos que, se as expectativas forem racionais, nesta questão,
πt = πet . Teremos:

t =1
0.10 = 0.10 − 2(u1 − 0.10)
t=2
0.04 = 0.04 − 2(u 2 − 0.10)

14
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O leitor pode facilmente ver que a taxa de sacrifício é igual a zero e a política é 100%
eficaz.

No item (1), pergunta-se sobre a razão de sacrifício para πet = πt-1 (expectativa
adaptativa). Neste caso, no ano 2, teremos:

t=2
0.10 = 0.10 − 2(u 2 − 0.10)

Ou seja, novamente, a razão é nula.

Nos itens seguintes, propõe-se que as expectativas sigam uma média ponderada da
inflação passada e da meta de inflação de 4%, de forma que: 𝜋𝑡𝑒 = 0.5𝜋𝑡−1 + (0.5) (0.04)
⎵ .
𝑚𝑒𝑡𝑎

Neste caso, a curva de Phillips indica que, para t= 2, tem-se:

0.04 = [(0.5)(0.10) + (0.5)(0.04)] − 2(u2 − 0.10) →


u 2 = 0.205
RS = [0.205 − 0.10] / [0.10 − 0.04] = 1.75

Percebe-se que a inflação tem um elemento inercial em sua formulação e, portanto,


leva algum tempo para que as expectativas se realizem totalmente. Logo, há alguma taxa de
sacrifício (RS) diferente de zero.

Agora que você se exercitou um pouco, voltemos às discussões de modelagem.


Comecemos com a famosa intuição de Friedman, de trazer o mecanismo de Koyck lá da
Econometria de Séries de Tempo para a teoria econômica, permitindo-nos microfundamentar
o comportamento dos indivíduos no que diz respeito à formação de expectativas. Claro, eu só
poderia estar me referindo às expectativas adaptativas.

Expectativas Adaptativas

Embora os modelos macroeconômicos modernos sejam fortemente marcados pelo uso


da hipótese de expectativas racionais, vale a pena entender como funcionam as expectativas
adaptativas, já que as mesmas foram propostas, inicialmente, na microfundamentação do
comportamento dos agentes econômicos.

Existem formas alternativas de se especificar esta hipótese19, uma delas sendo:

pte =  pt −1 + (1 −  ) pte−1 , 0   1 (12)

Em poucas palavras, a expectativa da variável é uma combinação convexa do seu


valor realizado um período antes e também da expectativa previamente feita. Uma boa forma
de se entender como isto funciona é por meio de um exemplo. Digamos que p torne-se

19
Veja, por exemplo, Gujarati & Porter (2008), cap.17 ou Maddala & Lahiri (2009), cap.13.

15
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constante a partir do período t = 1 no nível 8. Para simplificar, suponha que α =0.5, pe0 =5.
Veja o que acontece com a aplicação da regra (12) nos primeiros vinte períodos de tempo:

T pet pt-1 Erro


1 6.5 8 1.500000
2 7.25 8 0.750000
3 7.625 8 0.375000
4 7.8125 8 0.187500
5 7.90625 8 0.093750
6 7.953125 8 0.046875
7 7.976563 8 0.023438
8 7.988281 8 0.011719
9 7.994141 8 0.005859
10 7.99707 8 0.002930
11 7.998535 8 0.001465
12 7.999268 8 0.000732
13 7.999634 8 0.000366
14 7.999817 8 0.000183
15 7.999908 8 0.000092
16 7.999954 8 0.000046
17 7.999977 8 0.000023
18 7.999989 8 0.000011
19 7.999994 8 0.000006
20 7.999997 8 0.000003

Percebe-se que a adoção do mecanismo de expectativas adaptativas faz com que o


agente econômico cometa erros sistemáticos (são todos erros positivos no caso do exemplo).
Percebe-se que eles são auto-correlacionados o que é facilmente percebido se você observar a
própria lógica da fórmula de formação das expectativas proposta nesta hipótese.

É por isso que não se acha razoável que esta fórmula seja usada para explicar o
comportamento dos indivíduos. Imagine, por exemplo, um cenário em que a inflação não
esteja constante, mas em processo explosivo (no sentido de “hiperinflacionário”). Os erros
sistemáticos e auto-correlacionados, neste caso, não fariam sentido, pois não seriam capazes
de nos fornecer uma explicação de como agentes econômicos tomam decisões em um
ambiente assim.

Por que a proposta de Friedman é tão interessante? Lembre-se do que eu disse em


uma nota de rodapé lá atrás (sim, em meus textos você deve, mais do que nunca, ler as notas
de rodapé. Como você pode não ter percebido isto, coloquei esta observação entre parênteses,
no meio do texto. Agora, se nem isto você lê, então você tem problemas, cara. Sério). Vou
repetir o trecho relevante da nota.

Os que conhecem um pouco do conceito de racionalidade limitada (geralmente associado ao


economista Herbert Simon) não deveriam se esquecer de que, na macroeconomia, o conceito
não se popularizou e há um bom motivo metodológico, bem esclarecido por Sargent: a

16
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adoção de modelos com racionalidade limitada não ajuda a simplificar nossos modelos (no
sentido de reduzir o número de parâmetros necessários, nos modelos, para se explicar a
realidade). Este ponto é destacado por McKenzie (2010).

O ponto principal, como se vê, é a redução dos parâmetros no modelo. É isto que desejamos,
certo? Queremos compreender a realidade usando um modelo parcimonioso. Mas não queremos um
modelo que não consiga captar características importantes da realidade! Logo, o problema com o qual
os economistas se defrontam, cotidianamente, é o de como obter o máximo deste trade-off. No caso
das expectativas, qual o grande problema? Bem, primeiramente, as expectativas introduzem uma
variável no modelo. Pior ainda, é uma variável que não observamos e, portanto, temos um problema
inicial sobre como nosso modelo pode gerar previsões baseadas em dados do mundo real.

Alguns livros de Econometria mostram – ou deixam como exercício – a solução de um


modelo simples, macroeconômico, no qual o consumo é função da renda permanente. Basicamente, a
teoria tem duas hipóteses: (a) no longo prazo, o consumo permanente é função da renda permanente;
(b) consumo transitório e renda transitória são não-correlacionadas. Como esclarecem Charemza &
Deadman (1997), podemos considerar o consumo corrente como uma proxy do consumo permanente
desde que consideremos que o consumo transitório pode ser parcialmente absorvido por um termo de
erro aleatório como em (13) abaixo.

Ct = Yt p +  t (13)

A renda permanente não é um conceito mensurável. Logo, para resolver este modelo
macroeconômico, seria desejável, como disse Sargent, reduzir o número de parâmetros. Isto é feito
por meio da adoção do mecanismo de expectativas adaptativas para esta variável, tal e qual em (14).

Yt p − Yt −p1 = (1 −  ) (Yt − Yt −p1 ) , 0 < λ< 1 (14)

Usando a transformação de Koyck20, é fácil usar (13) e (14) para obter a função consumo (15).

𝐶𝑡 = 𝜆𝐶𝑡−1 + 𝛼(1 − 𝜆)𝑌𝑡 + ⎵


𝜀𝑡 − 𝜆𝜀𝑡−1 (15)
𝑣𝑡

Veja como, por meio da hipótese de expectativas adaptativas, fomos capazes de obter uma
equação que pode ser estimada a partir de dados de consumo e renda. Esta história, claro, continua
com o desenvolvimento de outros modelos como o do passeio aleatório, que diminui mais ainda o
número de variáveis envolvidas na história por conta da adoção da hipótese das expectativas racionais.

Bibliografia

Caplan, B. The Myth of the Rational Voter. Princeton University Press, 2008.

Charemza, W.W. & Deadman, D.F. New Directions in Econometric Practice. Edward Elgar,
1997 (2nd ed).

Correlation and Dependence. Wikipedia. (Acesso em 04/11/2014).

Dornbusch, R.; Fischer, S. & Stratz. Macroeconomia, AMGH Editora, 2013.

20
Ver, por exemplo, Gujarati & Porter (2008), cap.17. A álgebra não é complexa.

17
Prof. C.D. Shikida (2024)

Frisch, H. Theories of Inflation. Cambridge University Press, 1983.

Frydman, R., Goldberg, M.D., Johansen, S., Juselius, K. Long Swings in Currency Markets:
Imperfect Knowledge and I(2) Trends, mimeo, 2012. (disponível em:
http://www.econ.nyu.edu/user/frydmanr/long%20swings_4%203%202012_fgjj.pdf).

Gilboa, I. Rational Choice. MIT Press, 2010.

Gujarati, D.N. & Porter, D.C. Basic Econometrics, 2008.

Maddala, G.S. & Lahiri, K. Introduction to Econometrics, John Wiley & Sons, 2009 (4th ed).

McCallum, B.T. Monetary Economics, Prentice Hall,1989.

McKenzie, R. B. Predictably Rational, Springer-Verlag, 2010.

Sargent, T. J. Rational Expectations and Inflation. Princeton University Press, 2013, (3rd ed).

Sargent, T. & Wallace, N. Rational Expectations and the Theory of Economic Policy. Journal
of Monetary Economics, 2, 1976, p.169-183.

Schmidt, C.A.J. Questões Anpec – Macroeconomia. Campus, 2011.

Sheffrin, S.M. Rational Expectations. Cambridge University Press, 1996 (2nd ed).

Shone, R. Economic Dynamics – Phase Diagrams and their Economic Application.


Cambridge University Press, 2002 (2nd ed).

Snowdon, B. & Vane, H.R. Modern Macroeconomics – Its Origins, Development and
Current State. Edward Elgar, 2005.

Wickens, Macroeconomic Theory: A Dynamic General Equilibrium Approach, Princeton


University Press, 2011 (2nd ed).

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Apêndices

Equações em Diferenças com Expectativas Racionais: exemplo básico (1)

Existem várias formas de se resolver sistemas de equações em diferenças com


expectativas racionais21. Por que é importante resolver este tipo de sistema? Além do óbvio
exemplo de que modelos com expectativas racionais são o pilar da macroeconomia moderna,
estes modelos são parte integrante dos modelos DSGE (Dynamic Stochastic General
Equilibrium), que são base para os formuladores de política econômica. (In)felizmente não
existe um único método de solução para estes modelos, mas vários. Vejamos apenas um
exemplo, dado por McCallum (1989).

Digamos que o processo estocástico da variável y é dado pela equação:

yt = 0 + 1Et yt +1 + ut (A.1)

Neste processo, supõe-se que ut é um ruído branco, logo, ele tem média zero e
variância constante e é i.i.d. ao longo do tempo (caso a distribuição seja, adicionalmente,
Normal, ele será um ruído branco gaussiano)22.

A solução desta equação em diferenças estocástica é feita por conjectura. Neste caso,
a conjectura feita é a de que o que é necessário para se explicar y são o intercepto e a
constante (isto porque a esperança de yt+1 não traz qualquer nova variável para a solução, já
que Etyt+1 depende de yt). Logo, a tentativa de solução é dada por (S.1):

yt = 0 + 1ut (S.1)

Ora, sabemos que: Et yt +1 = Et (0 + 1ut +1 ) = 0 e, portanto, usando este resultado em


(A.1) e igualando a (S.1), temos:

0 + 1ut = 0 + 10 + ut

0
A solução, para os parâmetros, portanto, é: 0 =  0 + 10 → 0 = , 1 = 1 . A
1 − 1
0
solução da equação em diferenças será: yt = + ut .
1 − 1

21
Para um resumo, ver Wickens (2011), cap.17.
22
Qual é a vantagem de se supor uma distribuição normal? Simples. Como você aprendeu em seu curso de
Estatística, variáveis que seguem tal distribuição possuem a conveniente propriedade (simplificadora) de que a
não-correlação linear também é sinônimo de independência entre variáveis o que simplifica consideravelmente
alguns desenvolvimentos algébricos e também a nossa compreensão da realidade. Pense no seguinte exemplo:
dizer que o PIB dos EUA e o PIB da Transnitria são não correlacionados não é a mesma coisa que dizer que eles
não são independentes e um dos motivos é que o coeficiente de correlação de Pearson – geralmente usado neste
caso – entre as duas séries de variáveis capta apenas a relação linear entre elas, o que não significa que não
existam outras formas de dependência entre ambas. Sobre a pergunta que está em sua cabeça agora: sim, a
Transnitria existe.

19
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Equações em Diferenças com Expectativas Racionais: exemplo básico (2)23

Considere o modelo da teia de aranha, exposto em diversos livros-texto básicos de


Matemática para Economia. Trata-se, basicamente, de um sistema linear de oferta e demanda
escrito no formato de um sistema de equações em diferenças. Na forma mais básica, tem-se:

Qtd = a − bPt
Qts = c + dPt −1

A “teia de aranha” diz respeito ao processo de convergência que as variáveis seguem


em direção ao equilíbrio por conta da equação em diferenças resultante para o preço que se
obtém na solução do sistema. Uma forma de pensar este modelo é supor que existam
expectativas estáticas, de forma que:

Qtd = a − bPt
Qts = c + dPt *
Pt * = Pt −1

Obviamente, o modelo acima não gera previsões muito aderentes com a realidade.
Uma solução é usar algum modelo alternativo de expectativas. Um exercício tradicional é
resolver novamente o modelo, mas com expectativas adaptativas. Neste caso, o sistema seria:

Qtd = a − bPt
Qts = c + dPt*
Pt * − Pt *−1 =   Pt −1 − Pt *−1 

Resolva este sistema e mostre que a solução para o preço é:


t
a − c  −d  
Pt = +  − 1  + 1 . Vamos ignorar, no que se segue, a solução do modelo para a
d + b  b  
quantidade, apenas para fins de simplificação. Assim podemos nos concentrar na
compreensão deste modelo em torno da variável preço que, aliás, é a que geralmente
supomos ser a variável de ajuste em situações nas quais existem excessos de demanda ou
oferta (ou, alternativamente, excessos de demanda positivos ou negativos).

A solução deste modelo é motivada pela noção de que um produtor (ofertante) busca
estimar o preço a ser cobrado no período seguinte com base no passado. Sua expectativa é
formada por meio da correção de seus erros de percepção, mas sempre com relação ao
passado.

No caso de expectativas racionais, o produtor assume que suas expectativas são, em


média, corretas, e busca calcular sua expectativa para o preço no período seguinte. Vamos

23
Esta seção se baseia fortemente em Sheffrin (1996), da qual é um resumo.

20
Prof. C.D. Shikida (2024)

tornar o modelo mais realista incluindo inovações na oferta e na demanda, a renda (y) e as
condições climáticas (W). Assim, temos:

Qtd = a − bPt + eyt +  t


Qts = c + dPt * + fWt + t
Pt* = E  Pt | I t −1 

A solução é feita passo-a-passo a seguir.

a − bPt + eyt +  t = c + dPt * + fWt + t →


a − c − bPt + eyt +  t − fWt − t E...|It −1 
Pt* = ⎯⎯⎯⎯ →
d
 b  a − c + eE  yt | I t −1  − fE Wt | I t −1 
Pt 1 +  = →
 d d
a − c + eE  yt | I t −1  − fE Wt | I t −1 
Pt =
b+d

Em outras palavras, o preço é função dos parâmetros e dos valores esperados das
variáveis exógenas24. Repare no que diz a solução. Ela tem dois componentes. Primeiro,
percebe-se que, no equilíbrio estacionário, o preço de equilíbrio estará em seu nível
estacionário somado ao seguindo elemento que são os impactos combinados das previsões do
agente acerca da renda e das condições climáticas.

24
Repare que uma outra forma de se apresentar este modelo é excluir os interceptos de ambas as equações
(como faz Sheffrin (1996)). Isto pode ser pensado da seguinte forma: os interceptos, que são constantes,
representam variáveis exógenas com baixa variabilidade. Por exemplo, digamos que a renda fosse praticamente
constante durante todo o período da análise. Neste caso, esperaríamos que a mesma tivesse seu efeito captado
pela constante e, assim, não faria sentido incluí-la separadamente na equação de demanda. A opção que fiz, em
minha exposição, é mais geral. Ela assume que a renda (a variável de condições climáticas) é importante na
demanda (na oferta) e, além disso, as quantidades demandadas (ofertadas) são afetadas por choques
idiossincráticos (ou seja, inovações específicas para a demanda e para a oferta) e também existe um certo nível
constante, inercial, para quantidade e preço de equilíbrio. Existe algum motivo teórico para isto? Talvez. Talvez
estejamos considerando que há outras variáveis importantes que, no período de análise, estão constantes. Outro
motivo é didático. Afinal, o leitor percebe que se as esperanças condicionais das variáveis de renda e condições
climáticas forem constantes, o resultado de equilíbrio, sob expectativas racionais, ainda assim equivale ao
resultado padrão do modelo simples.

21

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