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divinare

gabriela ramos
minhas linhas não tem finalidade.
não fui criteriosa ao escolhê-las: de umas me envergonho.

minha poesia completa não tem ponto algum.

é ainda um bom registro psiquiátrico.

dr. hamer, te dedico essa obra.


a inquietação de ser se dá nas minhas entranhas,

até que eu desista do sono e me renda ao luar prateado,

que em cima do teu telhado nunca foi tão sublime,

nem mesmo aos olhos de Barros.

telúrico sobre as moscas no ralo,


só não escreveu de meu peito porque é truculento demais
pra vazio,

e não serviria nem pro livro sobre nada.

ou pra boca de pássaro.

coisa demais.
conspicuamente o oposto de virar inseto no mato.

queima.
confirmei que era poeta com mises: fiz métrica de
“liberalismo”.

lamento a sonoridade da obra.


me visto de céu

e as letras perambulam

por entre os raios de sol;

não saem da vista,

mas também não a cansam.


há mais meias do que meus dedos

nus podem contar, e eu escuto

as cores que saem da sua boca

tecendo fios de prosa.

vejo teus passos sossegados

virando à esquina do meu quadril,

e um par de olhos atentos a cada ladrilho.

o parque cor-de-rosa está na cidade,

e eu te vejo passar pela roda gigante

daqui mesmo de meus lençóis,

até que a dança dos pés


me bote pra dormir novamente...
escorpiogarralarvoletaranha

lara é filha perdida de raul seixas.


o dilúculo do par de faróis sobressai os ladrilhos,

o escarro no chão, e essa poesia antipoética;

os postes roubaram a luz da trova pra clarear o véu dessa rua,

povoada no ocaso de só uma dúzia de cigarras

e talvez um par de olhos tristes, espremidos

por entre as frestas de um cubículo coitado,

que range alto o fechar das janelas

em qualquer uivo vaníloquo desse céu


sépia em plena madrugada de verão precoce.

a vista alcança a esquina sem nem na mira um gato magro.

pelo fio de tempo em que os abutres dormem:

a freima dessa cidade é toda minha.


o neologismo surgiu com a pinta debaixo do teu olho
esquerdo, mas não acharam palavra que a descreva até hoje.
mais insert text que poesia em saco de pão.
as palavras saem de mim natimortas,

pois eu, pobre de poesia,

passei a usar termos técnicos.

sou péssima mãe dessas linhas malparidas.

agora tenho versos inexequíveis.


quem dera a dor que me causaste tivesse

acompanhado os últimos versos que te escrevi:

banharam-se em esquecimento e em café,

que derrubei na gaveta aberta numa noite

de disforia em que não dormi pra não te ver em meus sonhos.

meus olhos te viam pelas paredes, no entanto.

meu estômago ainda te sentia por perto,

e nem os milhares de quilômetros entre nós

me trouxeram paz pra que pregasse a merda dos olhos.

ainda te sinto me prender pelos corredores

e o mesmo alerta de quando te tinha na minha volta.

manter a boca vazia pra gritar se precisasse.

as pernas livres pra que a qualquer hora corresse.

e o coração frio pra que assim que pudesse, me livrasse.

lembrar das tuas mãos ainda me dá pânico.


perdão. não queria ter gritado.
1999

não defuntava há tanto

que as plantas tentavam

o passar por sobre enquanto vivo.


até que sangrou dália e despenhou fruto.
zuniu inseto e grasnou abutre.

foi arrelvado em instantes.

a facada no jardim deu outra vida ao mato.


pó de fada ataca a rinite.

deixo aberto o cargo de

bruxa da rua.
meu fado essa noite é o vazio da trova,

porque eu cuspi meu lirismo na tua pia

e bebi tudo que tinha a dizer num copo com

gelo.

se o sono falhar, versa a borralha com atenção,

que eu despejei prosa no teu cinzeiro.

esqueci verso no teu quarto,

sílaba no teu pescoço,

e perdi o que ia escrever quando folheou meu

quadril.

se a calma tardar a vir, meu amor, lê o céu essa

noite.

soprei poesia na tua janela.

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