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Campinas, 1º a 14 de junho de 2009 JORNAL DA UNICAMP 11

Fotos: Antoninho Perri

Escola pública na região de


Campinas: estudo aborda as
características do bullying e sua
percepção junto aos estudantes

A professora Luciene
Regina Paulino Tognetta,
coordenadora do projeto:
“A escola se fecha para
problemas afetivos”

As causas e as consequências do bullying


Linha de pesquisa realizada concomitantemente por um o professor precisa ele mesmo abolir as motivações do agressor e como vê chamá-las por apelido”. Ela considera
grupo de alunos, colheu dados na região atitudes que revelam menosprezo, cau- o agredido”. A pesquisa foi realizada necessário mexer na condição de ho-
de docente da de Campinas, somente junto a alunos de sam intimidação e humilhação em seus junto a crianças de sexto e sétimo anos, mem desse sujeito, de fazê-lo sentir-se
FE investiga escolas públicas, com o objetivo de fazer alunos, situações essas que podem ser antigas 5ª. e 6ª. séries. digno no grupo mudando a hierarquia
violência em um levantamento de como esses alunos causas ou motivações para o bullying. Embora a segunda parte da pes- de valores.
vêem a questão do bullying. Interromperam então o projeto nessa quisa ainda esteja sendo tabulada,
escolas públicas As duas pesquisas atendiam à escola porque havia necessidade de Luciene diz que uma prévia revela Novas atitudes
e particulares necessidade de estudar o problema da resolver primeiro um problema mais que a hipótese inicialmente levantada Para que o aluno possa pensar como
violência entre pares, porque os pro- sério relacionado à autoridade. está se confirmando: agressor e vítima resolver essas situações de bullying e
fessores quando solicitados abordam Este fato, segundo ela, introduziu se comportam em razão da imagem que regras devem regular a convivên-
CARMO GALLO NETTO a violência que os atinge, ou seja, os uma agravante no problema, porque que têm de si, o que os levam a um ou cia na escola, as intervenções devem se

N
carmo@reitoria.unicamp.br sinais de indisciplina na escola, os quando o professor é informado que outro grupo. O maior número de alunos dar nos três grupos: o dos agressores, o
problemas que eles têm com os alunos os alunos têm problemas com ele, sua se identifica mais como autor do que das vítimas e a dos espectadores. Mas
ão há quem não conheça e pouco se referem aos problemas de primeira reação, e as pesquisas mostram como vítima, o que psicologicamente com a participação do aluno porque
casos de constrangimen- violência que os meninos e meninas isso, é considerar a violência dos alunos se justifica, porque o jovem quer ser quando ele faz a escolha se sente per-
tos a que escolares são vivem entre eles. para com ele, sem conseguir enxergar reconhecido, respeitado e gozar de boa tencente, não precisa agredir porque
submetidos continua- O estudo procurou então levantar a violência dele para com os alunos. imagem diante dos colegas. A vítima, se responsabiliza pelas regras. Esse é
mente por seus colegas. junto aos alunos a real existência de pro- Os professores acabam terceirizando ao contrário, é sofredora, apática, não o caminho, diz Luciene, para a convi-
Esse tipo de ocorrência é denominado blemas de relacionamento que não têm o problema, propondo contratação de pertencente ao grupo porque se consi- vência democrática na escola, por que
bullying, termo inglês que significa sido alvo das discussões na escola. A psicólogos, presença da polícia dentro dera como tal. “apenas punir não resolve”.
intimidação, e que se encontra mais docente considera que “a escola se fecha da escola, convocação dos pais, inter- O jovem, explica a pesquisadora, Tornou-se lugar comum ouvir-se dos
disseminada do que se supõe. Linha de para problemas afetivos, que envolvem venção do conselho tutelar, medidas não é vítima do bullying porque é professores que um dos objetivos da
pesquisa coordenada pela professora relações interpessoais dos alunos, por- que ela considera “paliativas e eva- baixinho, mas porque é baixinho e se escola é a formação de cidadãos autô-
Luciene Regina Paulino Tognetta, do que está preocupada com os conteúdos sivas em vista das soluções que eles considera baixinho a ponto de achar nomos. Luciene lembra que autonomia
Departamento de Psicologia Educa- acadêmicos e não leva em consideração mesmos poderiam alcançar, quanto às a diferença incômoda. Considera-se supõe que a regra se torna legítima do
cional da Faculdade de Educação (FE) o que mais prejudica e até intensifica os reais possibilidades de transformação, desqualificado em relação ao grupo sujeito e então ele a cumpre em função
da Unicamp, investiga a ocorrência de problemas de aprendizado”. se promovessem mudanças na relação e fora dele. Sente-se e por isso é. Os de um princípio norteador subjacente
atos de violência física ou psicológica, com os alunos”. sentimentos dos alvos são de negação, à idéia da regra. O contrário seria a
intencionais e repetitivos, entre alunos Revelações e surpresas Ela considera mais importante que de apatia, de tristeza, de angústia, de heteronomia, que corresponde à regra
de escolas públicas e particulares da O primeiro passo na trajetória segui- o bullying foi a revelação de problemas não-pertencimento, de impotência, que vem de fora. Quando isso ocorre,
região metropolitana de Campinas. O da pela pesquisadora consistiu de um com a autoridade, pois os professores de não-aceitação e de ansiedade. São o sujeito não consegue enxergar o prin-
estudo foca a violência entre pares – o diagnóstico da realidade escolar. Atra- envolvidos não assumem a responsa- meninos e meninas que não dão conta cípio que está por trás da regra e então
bullying – e aborda as características vés de um questionário bastante abran- bilidade, muitas vezes por ignorância e de se superar e de superar os problemas se prende a uma autoridade, à idéia de
do fenômeno e sua percepção junto gente ela procurou saber, entre outras por não entender do desenvolvimento decorrentes de não se sentirem perten- poder e age apenas em função dela, não
aos estudantes. coisas, se o aluno se sentia intimidado, infantil ou do adolescente, por não centes ao grupo. exercendo efetivamente a cidadania.
O estudo foi motivado pelas an- ameaçado, zombado, menosprezado acreditar que os problemas existam, A pesquisadora lembra que a presen- Embora os professores no geral pre-
gústias e preocupações da escola que, por algum colega, com que frequência, apesar de pesquisas mostrarem que a ça do público constitui uma caracterís- guem autonomia, enfatiza Luciene, suas
sozinha, não tem conseguido resolver em que locais isso preferencialmente escola precisa se abrir para as relações tica do bullying extremamente séria e atitudes reforçam exatamente a ideia
problemas de violência que se ma- ocorria e que tipos de intimidações ou interpessoais. Porque, enfatiza ela, “o importante na intervenção porque “tem de poder, porque diante de um ato de
nifestam no seu interior. Pesquisas agressões eram mais comuns. que fica da escola para esses meninos bullying quando tem público”. Embo- indisciplina encaminham o aluno para
realizadas no Brasil revelaram profes- O estudante era solicitado a indicar depois que eles a deixam não são os ra geralmente o fenômeno revela-se que seja punido pela direção. Impõem
sores que destinam 40% a 50% do seu as intimidações que mais o incomo- conteúdos, porque o próprio avanço da distante e escondido aos olhos da au- um poder sem que o aluno seja levado
tempo de aula no encaminhamento de davam, tais como apelidos, gozações, sociedade tecnológica se encarrega de toridade, sua manifestação tem expec- a ver outras possibilidades de atitudes e
problemas de indisciplina ou conflitos assédio moral, utilizando pessoas da alterá-los e aponta na direção de uma tadores atentos às ações dos líderes e às ações, porque o heterônomo consegue
de violência ligados à escola. É a partir família. O objetivo era determinar a escola diferente”. confirmações das vítimas, legitimando e pensar somente um ponto de vista de
da urgência que esses problemas im- presença efetiva do bullying, porque validando a ação do autor por medo de cada vez e agride porque não consegue
põem que as pesquisas sobre violência brincadeiras esporádicas não o carac- Outras pesquisas se tornarem à próxima vítima: “Trata-se perceber outros pontos de vista. Punido
na escola vêm acontecendo. terizam. Descobriu-se então que cerca Paralelamente, o grupo da profes- de ficar do lado do mais forte”. ele não é levado a reparar o problema.
O estudo do bullying não é antigo. de 30% dos alunos sofreram ou sofrem sora Luciene realizou levantamento em A intervenção precisa ser feita no Seria diferente se diante de um
Sua introdução no Brasil é recente e bullying constantemente na escola. escolas públicas e particulares de Cam- sentido de ajudar a vítima porque essa vidro quebrado ele tivesse que reco-
ocorreu através da professora Cleo No ensino fundamental II, em torno pinas e região para verificar a existência criança não tem auto-respeito, diz a lher os cacos, tomar providência para
Fante, que fez as primeiras pesquisas de 20% se dizem vítimas de bullying, de casos de bullying sem considerar docente, e por isso não consegue deixar sua reposição, enfim, fosse levado a
em São José do Rio Preto com o obje- o que ela não considera pouco. Cons- a questão da autoridade. Os dados já a sua condição. Por seu lado, o autor perceber as consequências. Diante
tivo de verificar se realmente existiam tituíram alvo dessa pesquisa alunos tabulados permitiram concluir que 10, também precisa de ajuda porque ele de situações cotidianas da escola o
problemas ligados a esse tipo de intimi- que freqüentavam do terceiro ano do 15, 20% dos alunos já sofreram ou se não coloca em primeiro lugar, numa professor ameaça, humilha, coloca em
dação e como aconteciam. A partir daí, ensino fundamental I ao segundo ano dizem vítimas de bullying na escola, hierarquia, valores morais, como ho- público o que deveria ser uma conversa
lembra a pesquisadora, começou-se a do ensino médio. porcentagens que são ainda maiores em nestidade, amizade, respeito. Os valo- particular. E acrescenta: “O professor
repensar o bullying com base em dados Resolveram ainda acrescentar ao relação a determinadas situações, como res mais presentes nele se relacionam não permite que a criança pense, ele
empíricos que dimensionam quanto levantamento realizado em uma das apelidos e referências à família. ao poder, à virilidade, à força física, à pensa por ela, ele decide por ela”.
meninos e meninas têm sofrido na es- escolas uma pergunta, que não constava A segunda parte desta pesquisa se impunidade. Reverter essa hierarquia A professora admite que tudo isso
cola com problemas de intimidação dos do questionário padrão original, em que atém mais ao aspecto psicológico e pro- de valores significa mexer nas imagens é muito complexo, envolve formação
pares, através de apelidos e violências procuravam saber se havia problemas cura elencar algumas questões ligadas que ele tem de si, de maneira a levá-lo de professores, mudança de postura,
físicas e morais. em relação às autoridades escolares. aos sentimentos desses personagens – a uma nova adequação social. entendimento de como se desenvolve
Surgiu daí a idéia de estender essas Diz ela que “foi aí que localizamos um como se vêem, com se identificam –, Luciene explica que “quando se o ser humano. Um dos problemas,
pesquisas para a região de Campinas problema que nos surpreendeu ainda com o objetivo principal, diz ela, “de mexe com o público que sustenta destaca, é que o professor entende sua
da qual não se tinham dados ainda. mais, pois cerca de 30% dos alunos se nos conscientizarmos de quanto não aquele comportamento, mexe-se, con- profissão como vocação e como tal
Criaram-se então duas frentes de pesqui- diziam vítimas dos professores”. levamos em conta o que esses meninos comitantemente, com as imagens que não vê necessidade de se especializar,
sas orientadas por ela e pela professora Este fato, afirma Luciene, mudou têm de mais precioso, que é aquilo o agressor tem dele – sou poderoso, já que vocação é inata. Infelizmente,
Telma Vinha, também da FE. A primeira todo o critério que orientaria a interven- que sentem. Queríamos conhecer os sou viril, sou forte –, porque o público não enxergamos a nossa atividade
para atender a solicitação de uma escola ção porque antes de um trabalho efetivo sentimentos dessas crianças, como se passa a sinalizar que não é adequado como profissão e a necessidade de se
particular de Campinas. A segunda, para superação do bullying, entre pares identificam em relação ao problema, bater nas pessoas, não é engraçado aperfeiçoar o tempo todo”.

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