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LUI S MANUEL TELES DE MENEZES LEJTAO

Doutor e Agregado em Diredo


Prolessor da Faculdade de Direito de Lisboa

/
TEMAS LAB ORAlS
(Estudos e Pareceres)

VOLUME I

J1A
ALMEDINA
A REPARAcA0 DE DANOS EMERGENTES
DE ACIDENTES DE TRABALHO*

Pubilcado originariamente em iNsinuTo DO DikEiro o Ts,\BATno (org.), Estudos


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PARTE I Os VARIOS SISTEMAS DE REPARAcAO DOS
ACIDENTES DE TRABALHO

1. Generalidades

o conceito jurIdico de acidente de trabaiho surge pela primeira vez


corn o advento da sociedade industrial. Efectivamente, é o desenvolvi
mento das inthistrias em escala e a concorrência desenfreada entre as
ernpresas que vai obrigar cada vez mais a utilizacao de máquinas corn
plexas, muitas vezes em fase ainda experimental, de manejo dificil e
corn riscos de utilizacao imprevisiveis que, por sua vez, desencadeiarn
urn aumento substancial do nürnero de acidentes relacionado corn a pres
tacão de trabaiho’.
Ao mesmo tempo, a celebracao e manutencão do contrato de traba
iho assumiu cada vez rnais irnportância, sendo na major parte dos casos
a mnica fonte de subsistência do trabaihador, e da sua famIlia2. Tornou-se

* 0 presente estudo corresponde a uma actualização e desenvolvimento do nosso


al-tigo “Acidentes de trabalho e responsabilidade civil (A natureza jurIdica da reparação
de danos emergentes de acidentes de trabalho e a distincão entre responsabilidades obri
gacional e delitual)”. na ROA 48 (1988), pp. 773-843, elaborada para efeitos da confe
réncia produzida no curso de pós-graduaçao em Direito do Trabaiho. realizada em 30 de
Maio de 2000.
Cfr. ANDRÉ TUNC, “Les problémes contemporains de Ia responsabilité civile delic
tuelle”. na RIDC 90 (1967), pp. 755 e ss., inaxime pp. 766-768.
2 Conforme sustentou MENNZE.S CoRIwcIo. Da situaçao jurIdica laboral; perspec

tivas dogincilicas do Direilo do Trabatho. Lisboa. Separata da ROA. 1982, p. 52. a


prestação de trabalho não apresenta especificades próprias em face das outras prestaçies
contratuais. As suas especificidades são sociais. derivantes do facto de a força de trabalho
ser a Onica mercadoria de que habitualmente as pessoas dispoem. tendo que ser colocada
no mercado para garantir a sobrevivência do seu titular. Essas especificidades sociais
desenvolveram um regime jurIdico prdprio de protecção laboral. mas esse regime nbo
nñe minim,mente em cmic n’ fi lzimenfric nc, ulirpitn c,r,s,,,dc, fl v_ n,
I0 Tenws Lijborais (Estudos e Parecere.c) A Reparaçao de Danos E,nergentes de Acidenies de Trabalho

por isso, corrente o trabaihador minimizar os riscos derivados desse 2. A responsabilidade civil como sistema de reparaçäo dos
contrato e, no local de isabalho, por forca da sua habituaçao ao perigo, acidentes de trabaiho
tornar-se inconsciente e temerário, possibilitando a ocorrência de urn
acidente a todo o momento3. 2.1. Pressuposto: a necessidade de urn nexo de irnputação
So que essa ocorrência do acidente vem normalmente desencadear
a ruIna económica do trabaihador da sua familia que ficarn sern meios A utilizacao da responsabilidade civil corno sisterna reparatório dos
de subsistência. Ora, so numa sociedade individualista se poderia defen acidentes de trabaiho é condicionada pela necessidade de verificaçao dos
der a aplicaçao do princIpio casum sentit dorninus a esta situacao, ideia pressupostos do instituto. Seguindo a sua formulaço mais sintética, que
que hoja se recusa. Corresponde a doutrina do Estado Social de Direito restringe esses pressupostos a dois (o dano e o nexo de imputacão)’.
a concepcão de que o acidente de trabaiho vern romper urn equilIbrio poderemos dizer que é necessário que o acidente possa ser imputado
jurIdico existente no contacto social e que se trata, portanto, de urn as a outro sujeito através dos diversos tItulos de imputação conhecidos
sunto que diz respeito nao sO ao lesado mas a toda a colectividad&. (culpa, risco ou sacrifIcio).
Desenvolve-se assirn a consciência de que se torna juridicamente
0 sisterna da responsabilidade civil permite fazer repercutir o aci
necessária a atribuição de urna reparação pelos acidentes de trabaiho. No dente na esfera jurIdica de outrem, através do surgimento de uma obri
intuito de dar resposta a essa necessidade foram-se desenvolvendo vários gacão de indernnizaçao (arts. 562.° e segs. do C.C.), por meio da qual a
sistemas reparatorios que, atribuindo rnaiores ou menores garantias con reparação se efectiva. Neste processo tern cabal irnportância a escoiha do
soante os casos, tutelaram a situação do trabaihador vitima de urn acidente. tItulo de irnputaçao uma vez que dele depende não so a existência de
Iremos examinar criticamente cada urn desses sistemas, procurando reparação corno também a deterrninaçao do prOprio sujeito responsável
averiguar a sua justiça e a forma pela qual dão resposta a situacäo do e, consequenternente, do modo como responde a imputacão que efectua
trabaihador lesado, avaliando os seus custos econOmicos e sociais, em
o Direito7.
terrnos de funcionamento5. Torna-se, por isso, necessário efectuar urn exame crItico dos diver
sos tftulos de imputação existentes, em funcão da tutela que atribuern ao
trabaihador lesado.
perspectiva crItica adoplada por HFNIuQuu SnXAS Mi-iia-i.ss. Marr e o Direito Civil (pam
a (rItica historica do “paradignia civil,ytico “). Coimbra, Separata do BFD 35 1990,
pp. 303 e ss. e 359 e ss. 2.2. A culpa coino izexo de imputação
Não é correcta a deja de que os acidentes de trabalho sejarn eventos essencial
mente fortuitos. As estat(sticas dernonstrarn que grande ndrnero desses acidentes é devido
a erro dos proprios lesados. podendo. portanto. ser imputado a urn acto hurnano. JORGE 2.2. 1. Consequências deste sistema
Srtov MOTEIRO. Estudos sabre a Responsabilidade Civil. Coimbra. 1983. pp. 48—49
defende. no entanto. ser absurdo neste caso responsabilizar o trabalhador pelos seus
Já foi. abandonada em todos os palses industrializados a utilizacao
actos. Equivaleria a sustentar que é poss(vel a urn operario trabalhar horns e horns
seguidas sern corneter urna faiha ou desatencäo. Dal que este autor defenda que a cha
do sisterna da responsabilidade por culpa como meio para atribuir uma
mada hurnana” nao colTesponde a urn acto culposo. em face do art. 487°. n.° 2. reparação de danos emergentes de acidentes de trabaiho.
Cfr. JoRc.E SI\oE M0NTEIR0. op. cii.. pp. 19-22.
Seguirernos. neste ponto. a obra notdvel de Gtiinn CSLABREsI. The ‘osr of
Accidents. A Legal and Economic Analysis, New Haven, London. Yale University Press. Cfr. MENEZES CoFnElRo, Direiio das Obrigaçôes. 2°. Lisbon. AAFDL. 1980, pp.
1970 (traducäo espanhola sob o titulo El Coste de los Accidenres. Analisis economico 280 e ss. e Tratado de Direito Civil, I Pane Geral. tomo I. Coimbra, Almedina. 1999.

jurIdico de Ia responsabilidad civil, Barcelona. Ariel, 1984. Sobre ela, veja—se. entre mis. pp. 215 e ss.
Joic,i SINDE MONTETRO. “Análise econórnica do Direito”. no BFD 57 (1981), pp. 245 e a
Seria, por exemplo. platónico. face pretendida protecçSo da situaçho de carên
ss.. e Jost CARLOS BRANDAO PROENçA, A conduta do lesado como pressuposto e criterio cia da vftirna, imputar a responsabilidade pelo acidente de trabalho a urna pessoa in-
AI.......4.... 1flñ7 17
12 Temas Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparaçao de Danos Einergenres de Acidentes de Trahalho 13

As caracteristicas deste sistema mostram-se, corn efeito, prejudi considerarão culposos em casos chocantes ou no caso de infrac
ciais para uma suficiente tutela da situacão do trabaihador lesado, pelas çao de norrnas especfficas de prevenção e seguranç&’.
razöes que a seguir se indicam.
No entender de CALABRESI o sistema de responsabilidade por culpa b) Relativamente a segunda caracteristica surgem-nos as seguintes
apresenta três caracterIsticas essenciais: consideraçoes:
Por urn lado a concepção de que o acidente sO diz respeito as
a) Pretende prosseguir outros fins além do fim reparatório, designa
partes envolvidas é contrária as concepçoes de solidariedade
damente fins de prevencão e sancionatórios;
social vigentes no ordenamento jurIdico.
b) Encara o acidente, nurna perspectiva individualista como urn
Por outro lado, a imputacãO dos custos do acidente de acordo corn
assunto que diz respeito unicamente as partes envolvidas im
a contribuiçao culposa das partes para a sua verificação (arts. 483.°
putando os seus custos de acordo corn esse entendimento e por
e art. 570.° do Codigo Civil) esquece a situaçao de necessidade da
forma casuIstica;
vItirna e é assim forma insuficiente de tutela do trabalhador lesado.
c) Permite que se segurem contra os custos dos acidentes tanto os
Por iiltimo o casuismo no funcionamento deste sistema vern re
ofensores corno as vItirnas, os primeiros através do seguro de
duzir ainda mais as possibilidades de reparacão dos danos den
responsabilidade civil e os segundos através do seguro de danos.
vados de acidentes’2. Basta dizer que face ao art. 483, n.° 1 essa
reparação vai defender da causa particular de cada acidente, mdi
As consequências deste sisterna em matéria de acidentes de trabalho
vidualizadora do sujeito responsável a tItulo de culpa. Em con
são os seguintes:
sequência, nao so a obrigacão de indemnizaçao pode ser atn
a) Relativamente a primeira caracterIstica a prossecução acessória bulda a qualquer sujeito independemente da sua solvência, como
de urn fim sancionatário implica que se faça do acidente urn juizo também será sempre exigido o funcionamento (tradicionalmente
moral em termos de culpa. Ora, a exigência desse juIzo vem lento) dos tribunais, uma vez que nao é previsIvel que os cida
prejudicar a atribuicao da reparaçao. Sendo esta de uma necessi dãos reajam pacificamente a imputação baseada na culpa. Haverá,
dade absoluta, em virtude da sua dependência econOmica da assim, uma multiplicacao de processos judiciais, sendo que em
prestacãO de trabaiho, não poderá ficar dependente da prossecu qualquer deles o resultado dependerá de eventos incontroláveis,
ção destes fins acessórios devendo antes ter por base urn sistema como os meios de prova disponIveis, a convicção do juiz sobre
exciusivarnente reparatório. A isto acresce que se torna rnuito eles ou a penicia do advogado3. A efectividade da reparacão dos
dificil elaborar urn juizo moral do acidente9. Tendo-se tornado danos emergentes de trabalho fica assim muito dependente de
este nurn fenómeno normal da nossa sociedade, inerente a acti factores aleatónios.
vidade social, so se pode efectuar urna condenacao do acto
praticado em terrnos de culpa, quando este for considerado social c) Finalmente, é platOnica a ideia de deixar a consideração de ambas
mente inaceitável, independentemente da psibilidade de condu as partes o segurar-se contra os custos do acident&4. Para os
zir ou não ao acidente’°. 0 resultado é qu os acidentes so se trabalhadores a contratação do seguro representa urna diminuicão
do valor lIquido do salánio, dal que subestimem a possibilidade

Cfr. CALABRIsI, op. cii.. pp. 243 e ss. “ Dal a extraordinária difusSo dessas normas por via legislativa ou regulamentar.
Cfr. CALABIusI, op. cii.. pp. 270 e ss. 2
Cfr. CALABRESI. op. cii., pp. 258 e ss. Entre nós. veja-se também CAIoos AI.EGRI4,
Isto porque a posibilidade de se verificar urn acidente existe em actos que se Acidenies de Trabaiho e Doencas ProjIssionais. Regime JurIdico Anotado. Coimbra,
praticarn diariamente que são admitidos por serern socialmente aceitáveis. CALABRESI, op. A1rdina, 2000, p. 10.
cii.. p. 35 refere neste ponto urn exemplo curioso: aceitou-se corno necessidade econó ‘ Cfr. FWRBEI.A DE ALMEIDA PIREs, Seguro de Acidente.s de Trabaiho. Lisboa, Lex,
mica a construçSo do tdnel de Monte Branco einbora se soubesse que urn trabaihador 1999. p. 22.
morreria por cada quilómetro de u.inel construldo. ‘
Cfr. CALASRESI, op. cit., p. 248.
A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho 15
14 Teinas Laborais (Es rudos e Pareceres)

de verificaçao de urn acidente. Para o empresário o seguro é urn A defesa desta solucao foi empreendida por SAUZET em Franca e por
custo a onerar a producão, repercutivel sobre os consumidores do SAINCTELLETE na Belgica’6. Para estes autores, em consequência do pexo
produto, mas nao existe justificacao para a sua celebraçao se a de subordinaçao existeflte no contrato de trabaiho, incumbiria tacitamente
sua responsabilidade ficar dependente dos factores aleatórios a eñfade patronal uma obrigacao de garantir a segurança do trabaiha
referidos atrás. 0 resultado é que nenhuma das partes se segura. dor. 0 trabaihador vItima de urn acidente poderia, por isso, dirigir-se a
entidade patronal que pagaria a indemnizacao, salvo se conseguisse pro-
var que a acidente ou a lesão provinham de urn caso fortuito ou eram
2.2.2. Consequências de quah/icacao de reparaçao dos acidente,v devidos a culpa do prOprio trabalhador’7.
tie traba/ho como responsabilidade delitual Esta teoria foi consagrada legislativamente na SuIça, pela Leide25
de Junho de 1881 e abandonada trinta anos depois, tendo também obtido
Todas as crIticas apontadas ao sisterna de responsabilidade por algurn sucesso nos tribunais belgas. Em Franca nunca chegou a ser aceite,
culpa, que demonstram a sua insuficiência como sistema reparatório dos tendo a jurisprudência sempre defendido que a entidade patronal so se
danos emergentes de acidentes de trabaiho, são agravados se essa res obrigava pelo contrato ao pagamento do salário.
ponsabilidade se qualificar como delitual, urna vez que al passa a correr 0 problerna desta construcao é, para alérn da sua artificialidade, o
por conta do trabaihador lesado o onus de prova de culpa do agente (art. não tutelar suficientemente os interesses do trabaihador. Por urn lado é
487.°, n.° 1). irreal a ideia de que do contrato de trabalho deriva tacitarnente urna
As dificuldades de prova dessa culpa são enormes, ate porque os obrigacao de seguranca. Mesmo que assim fosse as entidades patronais
meios de prova estarão quase sempre sob o contrôle efectivo da entidade facilmente a elidiriarn através da aposicão de cláusulas expressas de não
patronal (ex: o exarne das máquinas existentes na empresa pode não ser garantia. Por outro lado esta construção deixa o trabalhador desprotegido
fiável, já que estas podern ser alteradas ou substituIdas; o testemunho dos em face dos acidentes derivados da sua culpa ou de caso fortuito, sendo
outros trabaihadores pode não ser verdadeiro pelo receio das consequên esses a grande rnaioria dos acidentes de trabalho, pelo que a protecção
cias sobre a sua situação laboral). Mas mesmo admitindo que o trabaiha que atribui se revela insuficiente.
dor sinistrado consegue ter pleno acesso aos meios de prova, não deixa
de ser extraordinariamente difIcil a efectivaçao de urn juizo moral
do acidente, iinica base para a responsabilizaçao da entidade patronal. 2.2.4. A teoria dci inversão do onus dci prowi
o resultado é que o trabaihador fica completamente desprotegido em
caso de verificaçao de urn acidente de trabalho’5. 0 insucesso das teorias contratualistas neste domInio levou a con
sagração da ideia de que a responsabilidade da entidade patronal sO
poderia ser delitual. A dificuldade de prova dos acidentes a que aludirnos
2.2.3. Consequências de quali/icaçao da reparacao dos acidentes
de trabaiho coma responsabilidade obrigacional
16
Cfr. SAuzia’. Responsabilité des palron.v envers les oiitciees... Paris. Revue Cri
Urna primeira reacçao empreendida no sécilo passado contra esta tique. 1883 e S,\Isc’mLErrE. De ía Responsahilitd ci de ía garantie, Bruxelles. 1844.
situação foi a qualificação da responsabilidade emergente de urn aci obras a que nho conseguimos ter acesso.
Para urn referéncia a esta teorizaçio. cfr. Yvus S,\:NT-JosJls, Traiid tie Securitd
dente de trabalho corno responsabilidade obrigaciorial, fundada no con
Sociale, lii Les Accidents tin Travail. Paris, L.G.D.J.. 1982. pp. 9 e ss. e RuNEEJAIiJ
J:r,

trato de trabaiho. La [ante inexcusable em niatière d’accideni tin travail ci tie inaladie inofe.csionel le.
Paris, L.G.D.J.. 1980. pp. 22 e ss.
Alias. conforme refere FLoiEIA PIRIs, op. cii.. pp. 21-22 , no sisterna de res

S,swi’-Jouiss, bc. cii. e JAII.l,ET. bc. cii. refereni urna decisão da Cour tie
C’assation belga de 8 de Janeiro de 1886. 5.86.5.2.5.. que admite a existência de
urna
ponsabilidade civil delitual não se considera sequer existir especificidades prhprias a

tutelar nos acidentes de trabalho, sendo estes considerados corno urn fenórneno purarnente
obrigaçao de segurança no contrato de trabalho. embora sustentasse que era ao trabalha
social. que nho é objecto de tratarnento jurIdico diferenciado. dor que cornpetia provar a culpa da entidade patronal. o que vern inutilizar a construcho.
A Reparacao de Dano.r Emergentes de Acidentes de Trabaiho 17
16 Temas Laborais (Estudos e Pareceres)

atrás levou, no entanto, certa doutrina a defender que neste campo se a legislação norueguesa de 23 de Juiho de 1894, a Iegislacão inglesa de
deveria admitir uma inversão do Onus da prova, passando a correr por 6de Agosto de 1897 e a Iegislacao italiana de 17 de Marco, de 1898.
conta da entidade patronal a prova de que não tinha tido culpa na yen Diversos Estados dos Estados Unidos procederam igualmente a publicaçäo
ficaçao do acidente. de legislacao desse tipo, a qual em 1921 já abrangia todos os Estados22.
Esta formulaçao padece exactamente das mesmas crIticas que refe Entre nós, a consagracão da responsabilidade objectiva da entidade
rimos em relaçao a teoria contratualista, dal que nao assegure uma sufi patronal ocorreu durante a Primeira Repáblica, através da Lei n.° 83, de
ciente tutela dos acidentes de trabaiho. 24 d Juiho de 1913, regulamentada pelos Decretos
,OS
182, de 18 de
Outu1’o de 1913, e n.° 183, de 24 de Outubro de 1913, a que se seguiu
o Decreto n.° 5637, de 10 de Abril de 191923.
2.3. 0 risco como nexo de iinputacäo dos acidentes de trabaiho
22 Cfr. Gcioo AIj’A 1MAR11) BESSONE. La Re,cponsahilita Chile, Milano. Giuffrè.
2.3. 1. Generalidades 1976, p. 114. A t(tulo de exemplo. refira-se que o Estado de Nova York introduziu essa
legislaçho em 1910 (Workmen’s Compensation Law). mas cIa foi declarada inconstitu
A injustiça do sistema da responsabilidade por culpa, que fazia a cional pelo seu Court of Appeals, corn o fundamento em que privava a entidade patronal
reparação depender de urn juízo moral difIcil de efectuar e ainda mais de da sua propriedade. scm o due process of law. obrigando a urna alteraçho cia constituiçäo
do Estado em 1913. para que o Estatuto fosse aprovado. Cfr. liitp://www.als.edu/lih/
provar, levou a que se tentasse fundamentar a responsabilidade pelo
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acidente de trabaiho em critérios objectivos. A Lei n.° 83. de 24 de Julho de 1913. ja estabelecia a atribuiç5o aos trabaiha
Surge assim a teoria do risco que consagrou uma responsabilidade a
dores do direito assisténcia clInica. medicamentos e indemnizaçoes. sempre que tives
objectiva de entidade patronal neste domInio. Essa teoria surge primei scm sofrido urn acidente de trabaiho. “sucedido por ocasiäo do serviço profissional e em
ramente em Franca, por influência das escolas positivistas, iniciando-se virtude desse serviço” (art. 1.0). presumindo-se como tal o acidente sucedido durante a
corn a descoberta do art,. 1384 do Code Civil, como instituindo urn sis execução do trabalho (art. 1.0. § ilnico). Esse direito era, no entanto, restrito a certo
nOmero de actividades, que a lei tipificava (art. I
0),
estabelecendo-se ainda uma defini
terna de responsabilidade objectiva20, sendo a sua aplicação aos acidentes çSo restrita de acidente de trabalho como “toda a lesho externa ou interna e toda a
de tiabalho defendida principalmente por JOSSERAND e SALEILLES2, 0 que perturhaçho nervosa ou psiquica. que resultem da acçäo de uma violência exterior sdbita.
viria a ser consagrado legislativamente em Franca através da Lei de9de produzia durante o exercIcio profissional” e “as intoxicaçoes agudas produzidas durante
Abril de 1898. A maioria dos Estados europeus já se tinha porém ante e por causa do exercicio profissional. e as inflamaçOes das bolsas serosas protissionais’
cipado na publicaçao de leis consagrando a responsabilidade objectiva (art. 2°). Pe+as indemnizaçoes cram responshveis as entidades patronais. pOblicas ou
privadas (art.
30),
as quais poderiam transferir essa responsabilidade para companhias de
por acidentes laborais. nas quais ha que destacar a legislaç.ãoalemade seguros ou sociedades mOtuas (art.
30,
§ 2°. depois regulamentado pelo Decreto n.° 182,
6 de Julho de 1884, a legislaçao austulaca, de 23 de Dezembro de 1887, de 24 de Outubro de 1913). As indemnizaçOes consistiam numa pensho de montante
a
inferior perda salarial verificada (art. 6.°). salvo se o acidente tivesse sido provocado
dolosamente pela entidade patronal, caso em que a indemnizaç5o atingia. pelo menos. a
SO encontrOmos referências a esta teoria no livro de MIGUEL HERNAINZ MARQUEZ, totalidade do salhrio (art. 18.0). 0 lesado sO perdia o direito a indemnizaçho no caso de
Accidentes del Trabao y Enfermedade,c Profissionales, Madrid, Editorial Revista de ter provocado dolosamente o acidente ou se ter recusado a cumprir as ordens do medico
Derecho Privado. 1945. pp. 10-Il. que nem sequer refere Os seus defensores. Daf que (art. 17°), tendo. no entanto. o art. 6.° do Decreto n.° 183. de 24 de Outubro de 1913,
pensemos que tenha tido muito pouca aceitaçho. alargado as causas de exclusSo aos casos de acidentes ocorridos for a do local de trabalho
BsoAo Pl1ovcçA, op. cit.. p. 215 refere ter sido o arrêt Tefaine de 1896 (caso e causados por força rnaior.
da explosão da caldeira do rebocador Marie e consequente morte de urn mecanico) o 0 Decreto n.° 5637. de 10 de Maio de 1919 vejo ampliar bastante a regime ante
primeiro que levou a descoberta do art. 1384. prirneira parte, do Code Civil como ins rior, pois nao apenas generalizou a protecçho dos acidentes de trabalho a todas as situa
tituindo urn prlncIpio geral de responsabilidade do “fait des choses’. çOes de prestaçao de trabalho. como tambCm institui um seguro social obrigatario contra
Cfr. RAYMOND SALEILLES. Les Accidents do Travail et La Responsabilitd Civile, “desastres no trabalho” (art. I.° e § Onico). Outra grande novidade foi a extensSo da
Paris. Arthur Rousseau. 1897 e Joss[)RAND, Dc La Responsabilité des choses inanirnées, protecçao a “todos os casos de doenças protissionais devidamente comprovadas” (art. 3°,
Paris. 1897 (não pudérnos ter acesso a esta Oltirna obra). n.° 3). ainda que a carOcter vago dessa previsäo dificultasse a sua aplicaçäo prática.
I8 Teinas Laborais (Estudos e Pareceres)
A ReparaçãO de Danos Emergentes de Acidenies de Trahalho 19

Esta legislacao seria seguida no Estado Novo pela Lei n.° 1942,
de para a entidade patronal torna-se assim a base sobre a qual se efectua a
27 de Julbo de 193624, e depois pela Lei 2127, de 3 de Agosto de
1965, irnputação do acidente de trabaiho.
regulamentada pelo Decreto-Lei n.° 360/71, de 21 de Agosto25,
de que, Qutra teoria do risco muito difundida em matéria de acidente de
deve reconhecer-se, a actual legislacao pouco difere.
trabaiho foi a teoria do risco profissional27.. Para os seus defensores a
entidade patronal deve assumir os riscos do trabaiho perigoso efectuado
2.3.2. As dis’ersas concepçöes do risco pelos operários, dado o facto de esses riscos representarem urn encargo
geral da indOstria, urn custo a onerar a producao que. como tal, deve ser
0 conceitode risco ë, no entanto, sO por si insuficiente. Sendo toda repercutido nos consumidores do produto.
a actividade susceptIvel de causar riscos a responsabilidade tornar-se-ia Por iiltimo surge a teoria do risco de autoridade2 Segundo esta
urn fenOrneno purarnente causal. DaI que para responsabilizar o agente forrnulacão, a assunção do risco dos acidentes por parte da entidade
sO sejarn tomados em consideraçao certos tipos de risco, variáve de patronal é urna consequência de autoridade que esta exerce sobre o tra
is
acordo corn as diversas concepçoes da teoria. baihador no ârnbito do contrato de trabaiho.
A primeira concepçäo de teoria do risco (risque-profit) corresponde Conforme, se pode verificar, a separaçäo destas formulaçöes é
ao princIpio ubi coinmodu, ihi incommoda. Deriva das ideias de JOSSERAND muito pouco nftida. E impossIvel conceber o risco profissional disso
e SALEILLES segundo os quais se toda a actividade humana é suscep ciado do proveito ou de autoridade. Também é irreal separar o princi’pio
tIvel
de criar riscos vem a ser justo que cada urn assurna os riscos derivad ubi cominoda, ibi incommoda do risco profissional ou do risco de auto
os
das actividades de onde tira proveito25. A existência de urna vantag
em ridade2. Por aqui já se pode ver a imprecisão do risco como nexo de
irnputacão, não se podendo considerar este como urn critério preciso mas
24
antes como urn caminho para obter urn resultado socialmente desejado:
A Lei n.° 1942. de 27 de .Julho de 1936 caracterizou-se por
definiçSo mais abrangente de acidente de trabalho, ao nele
estabelecer uma a responsabilizacão da entidade patronal, independentemente da sua
abranger tanto os acidentes
ocorridos no local e no tempo de trabalho coino so verificados culpa, pelos danos sofridos pelo trabalhador.
na execuçao de ordens
00 serviços sob a autoridade da entidade patron
al. e ainda os que ocorram na execucão
de serviços espontaneamente prestados. de que possa resulta
r proveito pam a entidade 2.3.3. Consequências deste sistetna
patronal (art. 1°). Ficavam. porém. excluIdos os acidentes provoc
ados intencionalmente
pela vItima. os que resultarem do desrespeito de ordens expres
sas ou das condiçöes de
segurança estabelecidas pela entidade patronal; Os que resulta
rem de ofensas corporais o sistema de responsabilidade pelo risco representa, porém,
voluntárias; da priovação do iso da razão ou de força malor (art. forma mais justa de imputação do acidente de trabaiho, permitindo con
2°). A lei era ainda
extensiva a certos casos de doenças profissionais. taxativamente
25
enumerados (art. 8°). seguir três objectivos30:
A Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965. apenas efltrou em vigor
com o diploma
regulamentar, e portanto em 19/11/1971. Nos termos da sua Base a) Uma rnaior distribuicão dos custos dos acidentes tanto entre as
V.n.° 2 b) em acres
cento ii Iegislaçao anterior. passou a considerar-se igualmente como
acidente de trabaiho pessoas corno no tempo, uma vez que a sua consideraçäo como
o acidente de traecto, desde que existisse umnm risco especia ravado
l . Veio ainda a custos de uma actividade possibilita a sua repercussão nos con
estabelecer-se urna reparacäo mais benéfica para a vItima quand
o acidente resultasse
de dolo da entidade patronal (Base XVII). Para além disso, estab’l sumidores através do preco dos produtos, a constituição de pou
ecue-se a obrigaçao
de as entidades patronais transferirem o risco respeitante aos seus
trabalhadores através panças para os suportar, e estimula a efectuacão de urn seguro:
da celebração de coritratos de seguro (Base XLIII), e institui-se
um organismo destinado
a garantir o pagarnento das pensoes em caso de insolvéncia
2(
do respon sável (Base XLV).
Ao contrário de JOSSERAND. a doutrina de SALEILLES nSo se funda no
art. 1384 Foram seus principais defensores CAI3oLIIT e FAURE (cfr. JAHIET, 01). Cit., p. 44).
do Code Civil. partindo antes de uma interpretaçao objectiva da palavra
faute do art. Foi seu principal defensor ROUAsT (JAII.LET. op. cit.. p. 45).
1382 (SALEILI.Es, 01). Cit.. pp. 8 e ss.). Para este autor, as activid
ades baseadas num inte Cfr. Moiss DAHAN, Securilé Sociale ci Responsahilitd. Etude critique du recor,s
resse primordialmente econdmico devem custear as suas perdas da
. mesma forma que de In Securiié Socicile ((mire Ic tiers responsible. Paris. L.G.D.J.. p. 23. nota (23).
recebem as vantagens delas resultantes (ID. ibid.
p. 79). Cfr. CALABRESI. 0,0. cii.. pp. 38-39.
20 Tetnas Laborais (Estudos e Pareceres)
A Reparacao de Danos Ernergenies de Acidenies de Trabalho 21

b)Efectua a irnputacão do acidente a categorias abstractas de su


que as funçoes acessórias prosseguidas nos diversos titulos de imputacäo
jeitos que são normairnente solventes, neste caso a entidade
prejudicam a funçao reparatória e, por isso, a tutela do trabaihador. Para
patronal;
além disso, o indvidualismo patente no sistema da responsabilidade civil,
c) Permite atribuir o custo dos acidentes as actividades que normal
que considera o acidente como assunto respeitante apenas as partes, é
mente Os engendram, prosseguindo assim funcOes acessórias de
contrário as oncepcöes de solidariedade social vigentes no actual
prevencão.
ordenamento jhrIdico, as quais implicam que Os encargos respeitantes a
reparacão por danos emergentes de acidentes de trabaiho devern ser
A teoria do risco ainda se mostra, no entanto, insuficiente forma de
suportados por toda a colectividade, nao Sd porque o sinistrado contri
tutela dos acidentes de trabaiho. A funcao acessória de prevencao que
buiu utilmente para a sociedade através do seu trabaiho, mas também
prossegue vem limitar a sua protecção aos riscos especIficos, excluindo
porque esta não deve ficar indiferente a situacão de carência de urn
do seu campo, além dos eventos insusceptfveis de caracterizacao como
membro seu33. A reparacao dos acidentes de trabaiho terá, por isso. de
acidentes de trabaiho, a forca major e o facto de terceiro31. A necessi
7/
ser procurada noutro sistema reparatório.
dade de reparacão sentida pelo trabaihador é assim insuficientemente
tutelada.
Daiq.ueis leis dos acidentes de trabaiho tenham assumido carác
ter mais vasto que qualquer das concepcöes do risco. Note-se, a tItulo 3. A Reparação do Acidente de Trabaiho como dever emergente
de exemplo a protecçao concedida em caso de acidente de trajecto, da relação de trabaiho
que extravasa claramente da zona de riscos derivada da actividade
laboral, quase abrangendo situaçoes tIpicas do denominado general 0 reconhecimento de que a obrigacao irnposta a entidade patronal
risk of life32. -
de reparar o acidente de trabaiho tinha conteido muito mais vasto do que
Por outro lado a difusão do seguro vem destruir a necessidade a imputacao pe)os riscos da actividade, levou a considerá-la como erner
teórica de imputação pelo risco. Em vez de equaçao existência de riscos gente da relaçao de trabaiho enquanto prestacão acessória a retnbuição
— responsabilidade pelo risco seguro, não se conseguem os mesmo

do trabalhador. Foi esta a posicão defendida, entre nós. por MANUEL


resultados corn uma obrigacão de seguro? DU,RTE GOMES DA SILVA33, que encontrou, ao que pensarnos, acoihimento
no art. 19 e) da LCT.
Segundo a posicao de GOMES DA SIIvA a reparacao do acidente de
2.4. Insuficiencia da responsabilidade civil como sistema trabaiho não se apresenta como uma contrapartida do trabaiho prestado,
reparatório dos acidentes de trabaiho sendo antes uma prestação corn a qual a entidade patronal deve contn
buir para a vida digna do trabaihador e da sua famIlia, da rnesma forma
Desta análise pensamos poder já concluir que a responsabilidade que o trabaihador coopera na actividade da empresa.
civil se apresenta insuficiente para tutelar a situaçao de necessidade do Esta posicão fundarnenta assirn a reparacäo dos acidentes de traba
trabaihador, quer no sistema de culpa, quer no sistema do risco. Isto por iho na comunhão de esforcos existentes na empresa, o que corresponde
a teoria que ye na relaçao de trabaiho urna relacao comunitário-pessoal35.
Discordamosda ideia de que a comunhão de interesses possa ser
Em geral. pode ainda ser apontada como crItica a responsabilidade pelo risco o
facto de excluir a atribuição de indemnizaçao em caso de culpa do lesado (cfr. arts. 505.° explicativa da obrigaçao da reparacão dos danos emergentes de acidentes
e 570.° do Código Civil). No regime dos acidentes de trabalho. a situaçao. no entanto.
é colmatada ao se exigir uma culpa especialmente grave (cfr. art. 70, n.° I a) e b) da Lei
00/97. de 13 de Setembro). Cfr. FI.0RBEI.A PHEs, op. cit.. p. 20.
Cfr. art. 6., n. 2 a) da Lei 100/97. de 13 de Setembro, e 6°, n.° 2 do DL. 143/ Cfr. MANUEL DUARTE GoMos DA SIIvA, 0 clever de presiar e o clever de inmnizar.
/99. de 30 de Abril. Lisboa. s 1944, p. 146.
Cfr. MENEZES CORDERO. Do siruaçao jurIdica lahoral. pp. 13 e ss.
— Te,nas Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de l’rabalho 23

de trabaiho. Isto por que essa comunhão de interesses nao é diferente da


tividade levou a que se considerasse justo que os acidentes fossern
existente em qualquer relacao obrigacional36, norteada, corno se sabe, pelo suportados pelo Estado através de urn fundo ptiblico. Surgem assim os
princIpio de colaboraçao inter-subjectiva imposto pela boa fé37. Por outro
sistemas de Seguranca Social.
lado a tutela de situacao do trabaihador lesado é urn resultado de reivin
Em terrnos de reparacão dos acidentes de trabaiho, os sisternas de
dicacOes laborais35, representando, portanto, a solução juridica de urn seguranca social podem ser construIdos de acordo corn duas modalida
conflito de interesses. DaI que não concordemos corn esta formulacao.
des: a modalidade de seguro social e a modalidade de seguranca social
Afastada a ideia da comunhão de interesses, surge ateoria da remune universal. Na modalidade de seguro social, ha uma colectividade, mais
ração de SQHWERTNER segundo a qual todas as prestacoes patrimoniais
ou menos ampla, que é obrigada a custear, através de uma obrigação
atribucdas pela entidade patronal são contrapartida do trabalho prestado contributiva para urn fundo pdblico, a prevencãO dos riscos de danos
mesmo quando, por razão justificada, esse trabaiho seja interrompido. A sofridos por certas categorias de pessoas que a beneficiam. No sistema
reparacão do acidente de trabaiho seria assim uma remuneração da pres
de seguranca social universal verifica-se a oneraçãO de toda a colecti
tação de trabaiho. vidade corn deveres de solidariedade sociai, em ordem a precaver todos
Esta formulaçao traz vantagens, uma vez que perrnite sujeitar a
os seus rnembros contra os riscos de infortiniOs.
entidade patronal ao pagamento da reparaçao independenternente de
interposicao de urn nexo de imputacão, atribuindo assim rnaiores garan
tias ao trabaihador. Pensamos, no entanto, estar afastada da realidade. 4.2. (‘aracterIsticas deste sistema
uma vez que parece esquecer o carácter reparatorio da protecção conce
dida ao acidente de trabalho. A sua fundamentacao material não é a 0 sisterna de Seguranca Social parte de urna concepçãO mais ade
relacao de trabaiho mas o seu inverso: a incapacidade para o trabaiho e quada a situação do acidente de trabaiho, urna vez que se fundamenta no
a necessidade social da sua tutela. reconhecimentO de urn direito a seguranca económica dos membros da
colectividade41, a qual justifica a reparacão dos danos sofridos por eles,

4. A Reparaçao dos Acidentes de Trabaiho através do Sistema °


Cfr. FLORRHLA PIRR5. op. cii., pp. 24 e ss. Os seguros foram introduzidos em
da Seguranca Social jimeiro lugar na Alemanha por BISMARCK em 1883 (doenças dos trabaihadores de indds
tria). 1884 (acidentes de trabalbo) e 1889 (velhice e invalidez). apds o que se expandi
ram para toda a Europa e Esatdos Unidos. A criação do pnmeiro sisterna generalizado
4.1. Generalidades de seguranca social foi efectuada pela Lei neo-zelandesa de 1938, tendo essa ideia tido
tal aceitação em todos os palses industrializados, que a Declaracäo Universal dos Direitos
Todos os processos atrás examinados assegurarn a situação do tra do Homern veio a reconhcer (art. 22°) urn direito a seguranca social. Sobre a evoluçäo
histórica do instituto. cfr. SERVULO C0RREIA. “Teoria Geral da RelaçSo Juridica de Seguro
balhador fazendo correr por conta da entidade patronal certos custos do Sociar’ em ESC. ano VII, n.° 27 (Setembro 1968). maxiine pp. 17 e ss. e Ii.iDio DAS Nhvis.
acidente. A concepçao de que esse acidente, porérn, é u assunto que diz Direito da Seguranca Social, Coimbra, Coirnbra Editora. 1996. pp. 147 e ss.
respeito não so a entidade patronal e ao trabaihador ma a toda a colec Hoje a proteccão contra acidentes de trabaiho encontra-se integrada no Direito da
Seguranca Social em todos os paIses da União Europeia. corn excepçSo da Bélgica e
Portugal, que possuern urn sisterna privado obrigatório. Entre nós, o art. 63°. n.° 3. da
Constituicão irnpöe clararnente a integraçSo dos acidentes de trabalho no sisterna da segu
Cfr. MiNEzIs CoRDITRo. op. oil. cii.. p. 21.
rança social. mas essa integracSo, apesar de sernpre prevista na Lei de Bases da Seguranca

Sobre este princIpio do Direito das ObrigaçOes. cfr. MI.NEZES CoRnuRo. Direito
Social. tendo vindo a ser sucessivamente adiada (cfr. arts. 72.° e 83.° da anterior Lei 28/
da,c Ohrigaçôes. 1.0 vol.. Li.sboa, AAFDL. 1980, pp. 41 e ss. 490,
n.° I d) e 111.0 da actual Lei 17/2000. de 8 de Agosto).
84. de 14 de Agosto, e arts.
Nao deve ser subestimado o papel das associaçOes de trabaihadores na reivin “
0 sisterna de Seguranca Social visa essencialrnente garantir a seguranca econO
mica das pessoas. Conforrne refre ANToNIo SIIvA LEAI.. “0 Direito a Seguranca Social”,
dicacão de leis prolectoras dos acidentes de trabaiho. Cfr. Au’.\IBEssor’. op. cit.. p. 108.
Citado por Miizis CoRni-.iko. Do Siluacao Juridica Lahoral (cit.),
p. 46. em AAVV. E.studos sobre a Consiituicão. 2.° vol., Lisboa. Petrony. 1978. pp. 335 e ss. essa

24 Ternas Leiborais (Esrudos e Pareceres)
A Reparacão de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho 25

independenternente da possibilidade de efectuar a imputaçao desses


incompleta, uma vez que, estando os sistemas de Seguranca Social su
danos a outrem42.
jeitos a elevados constrangimentOS orçamentais, raras vezes atribuern
A proteccão que atribui é informada por principios de igualdade,
uma reparacão completa para os danos, limitando-se a aliviar a situação
universalidade, solidariedade e compreensividade43 e efectiva-se através
do 1esado4’. Daqui deriva que a responsabilidade civil não tenha ficado
da atribuicão aos cidadãos de urn direito subjectivo páblico a prestacöes
esquecida, mesmo nas situaçöes em que a reparacão do dano é contem
sociais, por forma a colmatar as situacöes de carência económica.
plada nurn sistema de seguranca social47.
E evidente que este sistema tutela muito melhor a situacao do tra
baihador vItima, ao atribuIr uma indernnizacao qualquer que seja a causa
do dano4 e ao garantir a solvéncia de entidade que a presta (neste caso,
o Estado). No entanto, casuisticamente, pode-se verificar ser essa tutela
PARTE II- A ACTUAL soLucAo DO DIREITO
PORTUGUES
protecçao da seguranca econórnica tern variado de acordo corn três diferentes concepçoes
do sisterna:
a) a concepcao una’ersalisia. segundo a qual o objecto do sisterna serh assegurar 1. Pressupostos da reparacäo dos danos emergentes de acidentes
urn rninirno vital a todos os cidadãos, definido nacionairnente ern independência
de urna situaçao laboral ou económica:
de trabaiho
h) a concepçao assistencialista, segundo a qual o objectivo do sisterna seria a protec
çho das pessoas ern situaçäo de caréncia econOrnica. tendo estas direito as presta
çöes sociais. quando provern estar nessa situaçao, independenternente da sua causa: 1.1. Generalidades
c) a concepçao lahorista. segundo a qual o objecto da protecção é a atribuição
do
rendirnento do trabalho anteriorrnernte auferido quando se produzarn eventos 0 nosso estudo ira agora incidir sobre a natureza da reparacão dos
que excluern ou reduzern a capacidade de trabalhar. danos emergentes dos acidentes de trabaiho, para a qual importa consi
Para SIl.vA LE\I. o art. 63°. n.° I da ConstituiçSo parece inforrnar a concepçSo uni
derar os seus pressupostos e as suas caracterIsticas.
versalista. rnas o actual art. 63°, n.° 3. incorpora as concepçöes assitencialista e
A nosso ver. do art. 63.° nao resulta qualquer directiva relativarnente ao tipo
laborista. Actualmente, a nIvel do Direito Comparado encontramoS em alterna
de sisterna
a adoptar. lirnitando-se a exigir a protecçao de certas situaçoes. tiva os os sistelnas de responsabilidade privada. em que o empresário é
Conforrne refere AIMEIDA CosTA. Dire/to c/as Obrigaçöes, 7° ed., Coirnbra,
Almedina. 1998. pp. 479-480, quer a responsabilidade civil, quer a segurança
procedern a reparaçao de danos, rnas enquanto a responsabilidade civil se baseia
social ‘
Cfr. ANDsi TUNc. CapItulo lntrodutorio ao vol. Xl (Torts) da international
nurna Encyclopedia of Comparative Lnw. p. 16.
ideia de justiça individual. ponderando os interesses do autor do facto
danoso e da °
Naturalrnente que o advento da Seguranca Social tern efeitos negativos na res
vItirna. a segurança social baseia-se ern consideraçães de justiça colectiva.
4 ponsabilidade civil. Ao fazer surgir na equaçSo responsabilidadeinderni1izacSo a figura
Para urna exposição cientItica destes princIpios. elaborada por Auousro VENTusi.
cfr. Sisviio CosREI,\. op. cii.. pp. 38 e ss. Actualrnente. os arts. 4.° e ss. da Lei do garante social (cfr. SisloNu D\vIn-CONST,\NT. “L’intluence de Ia Securité Sociale sur
de 8 de Agosto. diltarn consideravelrnente esta enurneração, consarando
17/2000, Ia Responsabilité Civile” em Mélanges offerts a René Savatier, Paris. Dalloz. 1965. pp.
pios gerais do sisterna de segurança social os principios da universadade. da
corno princI 235 e ss.). Ora, se este facto é benéfico para a vitima, pois ye garantida a indernnizacão.
da equidade social. da diferenciaçao positiva, da solidariedade. da; inserçSo social.
igualdade. vein quebrar a tradicional relação que se estabelecia entre cia e o responshvel. instituifl
conservaç5o dos direitos adquiridos e em forrnaçao, do prirnado da responsabilidade
da do-se antes duas relaçöes diferentes entre cia e o garante social (prestacSo social) e entre
blica. da cornplernentariadade. da garantia judicidria. da unidade, da efichcia,
pd este e o responshvel (direito de regresso). A responsabihdade civil so aparece assim em
da des segunda fase no recurso contra o responshvel (para urna análise das consequências dogma
centralizaçao. da participaçSo e da infonnaçho. A rnaior parte destes princIpios nho passa,
porern. de ideias jur(dicas gerais. de onde é dificil retirar qualquer conteddo vinculativo. ticas deste recurso. cfr. GsNlvuvE VINEY. Le Décliii de Ia Responsabilitd Inclivicluelle,
Paris. L.G.D.J. 1965 e de Moisu DAHAN. Securité Sociale et Re.5pausabilild. Paris, L.G.D.J..
Cfr. Sisvui.o CoRIUOA, op. cii.. pp. 274 e ss.
1963). passando a ser. nas palavras de JoRc;E SINDF: MoNrI:IRO, Estudos, p. 23, nota (38) urn
° Conduzindo assirn a urn igual tratarnento da
doença e do acidente. o que nSo é direito dos pressupostos do regresso. Não se deve. porém. esquecer que a reparaçho pelo
conseguido pelo sisterna da responsabilidade civil. Cfr. Josoc SINoE MoNTEilo. Estudos..
dano moral e pelo dano sobre coisas sO pode ser conseguida através do recurso a Respon
pp. 242 e ss.
sabilidade Civil, o que mostra corno este instituto esta longe do crepOsculo.
26 Temas Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes tie Trahalho 27

obrigado a assumir os riscos resultantes das actividades econórnicas que a) Urn sistema pib1ico, aplicável a funçao pfiblica, rios terrnos do
explora, que podem ser colmatados corn urn sistema de seguro obrigatório, Decreto-Lei 38523, de 23,de Novembro de 1951;
e os .ciste;nas de responsahilidade social, em que a assuncão do risco é
b) Urn sistema privado de base empresarial e estrutura juridica de
efectuada por pessoas colectivas de direito piiblico (como as “caixas de seguro comercial, embora legalmente obrigatório, nos termos da
previdência”), as quais são sustentadas financeiramente pelas contribui Lei 100/97, de 13 de Setembro, e Decreto-Lei ‘143/99, de 30 de
çOes patronais ou por transferências do orcarnento de Estado. e os sislemas Abril;
mivtos, em que coexistem os dois regimes, podendo
o lesado optar pelo
recurso a urn ou outro sistema, ou ser sujeito a urn limite mInirno de Restringindo o nosso exame ao sistema privado, verifica-se que
cobertura social, recorrendo a responsabilidade privada pelo excedente49. actualmente a proteccão contra acidentes ocorre tanto quanto aos traba
Entre nós, as doencas profissionais já são claramente abrangidas por ihadores deperidentes (art. 2.° da Lei 100/97, de 13 de Setembro), corno
urn sistema de seguro social. ficando as prestacoes respectivas a cargo de em relação aos trabaihadores independentes (art. 3.° da mesma Lei),
urn organismo pdblico, primeiramente a Caixa Nacional de Seguros de ainda que os sistemas variem. Em relaçao aos trabaihadores independen
Doencas Profissionais, criada pelo Decreto-Lei n.° 44. 307, de 27 de Abril
tes, eles são obrigados a efectuar urn seguro contra danos próprios, de
de 1962 e agora o Centro Nacional de Protecçao contra os Riscos Profis acordo corn o regime do D.L. 159/99, de 17 de Maio. Em relação aos
sionais (art. 29.° da Lei 100/97, de 13 de Setembro e arts. 82.° e ss. do trabaihadores dependentes, é a entidade empregadora que incumbe efec
Decreto-Lei n.° 248/99, de 2 de Juiho. Em relaçao aos acidentes de traba tuar as prestaçöes em que se corporiza a reparacão (art. 10.0 da referida
iho. foi prevista na Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, a sua integracao no
Lei), ainda que ela esteja obrigada a proceder a transferéncia da sua res
sisterna de seguranca social (art. 19.°), mas tal nunca foi concretizado pelo ponsabilidade para uma instituição seguradora (art. 37.° da referida Lei).
legislador, que manteve em vigor (art. 83.°, n.° 2) o regime da Lei 2127,
A reparação dos acidentes de trabaiho em relaçao aos trabalbadores
de 3 de Agosto de 1965 e Decreto-Lei 360/71, de 21 de Agosto, agora independentes não pode ser assim vista como uma situacão de respon
substituldos. corn poucas modificacoes pela Lei 100/97, de 13 de Setem sabilidade civil, já que se baseia totalmente num seguro contra danos
bro e Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro. A recenternente publicada
próprios. Já em relação aos trabaihadores dependentes é controvertida a
Lei 17/2000. de 8 de Agosto, mantém essa previsao de integracão (art.
sua qualificacão como responsabilidade civil, conforme iremos verificar
111.0). que não se sabe se alguma
vez virá a ser concretizada. de seguida, através da análise do seu regime.
Efectivamente, ao coritrário do que sucede na generalidade dos - 0 exame dos pressupostos da reparação de danos emergentes de
paIses industrializados, entre nos ainda não se verificou a integracao acidentes de trabaiho dernonstra que não são tutelados todos os danos
total do regime dos acidentes de trabaiho no âmbito do Direito da Segu produzidos pela actividade laboral. A sua reparação está dependente de
ranca Social49, surgindo-nos dois sistemas distintos de proteccão50:
trés ordens de factores:
a) a caregoria de trabaihador protegido. uma vcz que so são pro
Cfr. ANT(5Io TAvAsis DA SIl.vA. “0 enquadrainento jurIdico dos acidentes de tegidos pela reparação a cargo da entidade empregadora os tra
trabajho”, 420.
Contra essa ntegracho. PEDRO Ro1Arco MAIsTI’cIz, Direito do T’abaIIio. 11-2. 3.
balhadores por conta de outrern, determinados nos termos do art.
ed.. Lisbon. 1999. p. 210. e Luis G0NçAI.vEs DA Sii.v..s, A grevee Os acideniesde 2.°, n.° 2 da Lei 100/97 e do art. 12.° do Decreto-Lei 143/99, de
trabaiho.
I I Lisboa AAFDL 1998 p corn o aigurnento de que Seguvinca Social pass t 30 de Abril; relativamente aos trabaihadores independentes,
por dificu]dades financeiras, afirmando-se excessivarnente burocratizada.
A favor dessa cabe-ihes a eles assegurar a sua própria proteccãO contra os
lntegracao. FI.oRsul.A ThRIs. 0/). cii.. p. 25. nota (37). A verdade, no entanto. riscos de trabaiho, ainda que a lei iho imponha (art. 3.° da Lei
e conforme
refere IIJnIo RODRIGUEs. op. cit.. pp. 730 e ss. ë que a dicotornia existente
na protecço 100/97);
dos riscos profissionais. em que parte é integrada no sisterna cia segurança social
permanece for a dde se apresenta como manifestamente inadequada, quer
e parte b) a causa do dano, uma vez que so são tutelados Os danos deriva
pam as enti
dades patronais. quer pam os tmabaihadores. dos de acidentes de trabaiho ou de acidentes de trajecto (Art. 6.°
Cfr. Ii.ioio Ni-vi-is. op. cit.. p. 33. da da Lei 100/97 e art. 6.° do Decreto-Lei 143/99), sendo, porém,
28 — Tenias Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparaçao de Danos Einerçenies de Acidentes de Trabalho 29

exigido que não se verifiquern certos factores que, a darem-se, lei também vem presumir em ceilos casos de prestacão de tra
descaracterjzarn o acidente (art. 7•0 da Lei 100/97). baiho como resultado (cfr. art. 12.°, n.° 3 do D.L. 143/99, de 30
c) a espécie do dana, uma vez que so é tutelado o dano sofrido na de Abril).
pessoa da vItima que provoque a morte ou reduçao na capacidade
de trabalbo ou de ganho (art. 6.°, n.° 1, da Lei 100/97). 0 âmbito de proteccão da nossa Iei fica assirn delirnitado funcional
mente: visa tutelar a situaçao das pessoas econornicamente dependentes
Exarninemos sucintamente cada urn desses pressupostos. da sua prestação de trabaiho a outrem quando essa prestação é impossi
bilitada pela sua incapacidade fisica.
Mas não por qualquer causa, como iremos ver de seguida.
2. A categoria do trabaihador protegido

A nossa lei restringe a protecção do regime jurIdico dos acidentes de 3. A causa do dano
trabaiho aos trabaihadores por conta de outrem (Lei 100/97, art. 2.°, n.° 2)
que são detinidos em funçAo da sua vinculação por urn contrato de traba A reparacão de danos no regime jurIdico dos acidentes de trabaiho
iho ou por urn contrato legalmente equiparado, ou por uma situação de está sujeita a urn pressuposto causal. Resulta, corn efeito. do art. 6.°,
formação prática, como acontece corn os praticantes, aprendizes, e esta n.° I da Lei 100/97 a exigêricia de que o dano tenha derivado directa ou
giários ou ainda pela prestacao de urn serviço na dependência económica indirectamente de urn acidente de trabaiho ou de urn acidente a ele
da pessoa servida5. Este regime vem ainda a ser aplicável aos administra equiparado, ainda que em concorréncia corn outras causas, como a pre
dores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados (n.° 3). disposição patolOgica, a doenca ou lesão anterior e a lesão ou doença que
Resulta da lei que são necessarios dois pressupostos para se estar na seja consequência do tratamento (art. 9.°, n.° 1, 2 e 5 da Lei 100/97).
categoria de trabaihador protegido: Essa causalidade é presumida quando a lesão ocorre em seguida ao aci
dente (art. 6.°, n.° 5 da Lei 100/97). -
a) a prcstacao de trabaiho a outrem, quer como actividade (art.
A lei vem então exigir corno pressuposto da reparacão que a causa
1 152.° do C.C.) quer como resultado (art. I 154.°), incluindo o
do dano esteja inclulda dentro de uma certa zona de riscos. Essa zona é
exercIcio de funcoes de gerncia, administração, ou direcçao de
d\elirnitada através de uma relacao corn a prestação de trabaiho. Não se
pessoas colectivas;
exige, de acordo corn a nossa interpretacão do art. 6.° da Lei 100/97, urn
b) a dependência económica do trabaihador em relaçao a pessoa a
nexo de causalidade entre a prestaçao de trabaiho e os danos. 0 nexo de
quem presta trabaiho, considerada corno elemento natural em
causalidade so tern de se verificar entre o acidente e os danos. A relaçao
caso de existêncja de urn contrato de trabalho52, mas que a
entre o acidente e a prestação de trabaiho é urna relaçao diferente, de
natureza etiolOgica, que se estabelece através da ocorréncia do acidente
Poderho. por exernplo. abranger-se aqui Os agentes que dependarn econornica no rnomento em que o trabaihador pratica actos. de alguma forma liga
rnente do principal. Cfr. ROMANO M.RTINEz. op. cit.. p. 200.
dos a sua prestacao de trabalho53.
Tern-se levantado na doutnna a questho de saber se a dependéncia ecnórnica do
trabaihador é urn elernento do contrato de trabaiho. Corn MoNmIlc) FERNANDE5, ‘Direilo do
Trahalho, I mt roduçao. Relaçoes individuals, 11 ed. Coirnbra. Almedina, 1999, p. 134.
Ern sentido diferente, R0MAN0 MARTINEZ, op. cii., p. 204, exige urna relaçao de

.

entendernos que a dependência econórnica nao é urna caractstica jurIdica do contrato de


trabaiho. urna vez que pode bayer casos ern que essa dependncia näo se verifica. os quais causa adequada entre o acidente e o trabaiho. Pensarnos. porérn. que essa exigéncia tor
iio descaracterizarn o contrato corno de trabalho. Pensarnos, no entanto. que essa depen naria indtil o art. 7.° da Lei 100/97, que e bastante rnais restritivo no estahelecirnento da
déncia econrnicaé urna caracterIstica socia dee_co.tjoe que o Direito não pode ficar descaracterizaçao do acidente de trabalho. Na hipdtese de o acidente ter sido causado por
indiferente a essa realidade social. Dal que se adrnita que o legislador dela faça urna urna brincadeira de urn colega no local e ternpo de trabalho. poclerd haver responsabili
presunçao absoluta no caso de contrato de trabalho. e que seja corn base nela que se efectua zaçho desse colega ao abrigo do art. 31.° da Lei 100/97. rnas nho deixa de haver acidente
a equiparaçao dos casos de prestacao de serviços a prestaçao de trabalho. de trabaiho. urna vez que essa situaçho näo é exclulda no art. 7.° da Lei l00/97.
30 Temas Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparaçao de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho 3I

Assirn, e considerado acidente de trabalho o acidente que se verifica privacãO da sua razão não derivada da prestacao de trabaiho ou a caso
no mornento da prática dos seguintes actos: de forca major, entendida esta como facto devido a forcas inevitáveis da
a) actos devidos no prestocoo de irabaiho, como sucede quando o
natureza, estranho a prestacao de trabalho55 (art. 7.° da Lei 100/97).
acidente se verifica “no local e no tempo de trabalho” (art. 6.°, Naturalmente que o onus da prova dos factos que importarn a descaracte
n.° I. da Lei 100/97): rização incumbe a entidade patronal ou seguradora57.
b) aclos possihilitadores dessa prestaç’ão: é o que sucede no acidente São ainda excluIdos da proteccao legal os acidentes derivados da
restacão de servicos eventual ou ocasional, ou de curta duraçäo em acti
de trajecto, em que, ao contrário do que resultava do regime
vidades de exploracão familiar ou não lucrativa (art. 8.° da Lei 100/97).
anterior, actualmente os arts. 6.°, n.° 2 a) da Lei 100/97 e art. 6.°
Que poderemos concluir desta delimitacao? A nosso ver, que a
do D.L. 143/99 define em termos bastantes amplos como todo o
reparacão do dano sO é atribulda quando a sua causa corresponder a
ocorrido no trajecto de e para o local de trabaiho, independente
verificacao de um risco da situacão laboral estando exciuldos da repara
mente do meio de transporte utilizado ou dos riscos do percurso;
c) actos ‘t’alorizadores dessa presto cao, como sucede nos casos de
cao os danos estranhos a essa situacao. Poder-se-a, por isso, pensar que
existe aqui uma imputacãO pelo risco a entidade patronal, semelhante a
execucão de servicos espontaneamente prestados e de que possa
dos arts. 499.° e segs. do Codigo Civil?
resultar proveito econOmico para a entidade empregadora, fre
Pensamos que não. São tutelados riscos mais vastos do que os que
quência de cursos de formacao profissional, ou fora do local e do
qualquer imputacão pelo risco permitiria atribuir a entidade patronal.
tempo de trabaiho, quando na execução de servicos determinados
A tutela do acidente de trajecto é um exemplo tIpico. Não é o proveito
pela entidade empregadora ou por esta consentidos (art. 6.° da da entidade patronal nem o risco profissional ou o risco de autoridade
Lei 100/97, als. b), d) e
que pode justificar a atribuicao de uma reparacão nesta situação5.
d) actos normal ou eventualmente inerentes a essa prestação, como
a extensao do local de trabalbo, os actos preparatdrios ou as
interrupcoes laborais (art. 6.°, n.’0 3 e 4 da Lei 100/97). o que a levou a considerar falta grave e indesculpbvel urn trabalhador de 16 anos cair
de urn atrelado de tractor quando atirava pedras a urn cão (ac. STJ 11/6/1980 (SANT0S
e) actos correspondentes ao exerctcio de alguns direitos laborais, VIT0R). no BMJ 298 (1980), pp. 187-191) um trabalhador surdo atravessar a via por detrhs
como o de reunião ou representação de trabalhadores, procura de de urn autocarro, expondo-se a urn atropelamento por uma motorizada (Ac. RE 8/10/1987
emprego durante o crédito de horas, recebimento de remuneracão (CosTA S0ARES) em CJ XII (1987), 4. pp. 321-322). Pelo contrário. nSo foi considerada
ou de assistência por acidente de trabalho (arts. 6.° n.° 2 c) e e) comq falta grave e indesculpável urn menor de quinze anos ter atravessado urna passadeira
corn urn sinaI vermelho (Ac. STJ 30/1/1987 (MuI.o FsANC0). no BM.I 363 (1987). pp. 378-
da Lei 100/97 e 6.° n.° 4 do D.L. 143/99, de 30 de Abril)54.
-383); urn trabalhador de obra ter-se atirado a urn poco pam socorrer urn colega que nele
tinha caldo (Ac. STJ 19/5/1989 (LIciNlo CAsulko). no BM.J 387 (1989), pp. 415-423): e urn
0 acidente descaracteriza-se como de trabaiho quando for devido a trabalhador se introduzir numa vala nho escorada. sendo vitirnado por urn desabarnento de
dolo da vItima, ou de acto ou omissão que importe violacao sem causa terms (Ac. STJ 29/4/1991 (SousA MAcEDo), no BMJ 406 (1991). pp. 489-494.
justificativa das condiçoes de seguranca, a negligência grosseira55, a
56
A jurisprudência considerou corno tal a rnorte do trabalhador devida a queda de
urna parede da fábrica onde trabalhava. provocada por vento ciclónico (ac. RP 2/7/1979
(SALvIAN0 ra SousA), na C’.! IV (1979), 5, pp. 1515-1517. Foi. porern. recusada essa

Nho se encontra aqui. no entanto, abrangida a situaçho de greve, salvo e o tra qualificaçSo nurn caso de rnorte de urn pastor alentejano. que foi atingido por urn mb.
balhador se encontrar no curnprimento dos servicos rnInirnos. Cfr. PiDso R0MAN0 MARnNz.
por se ter considerado esse fenOrneno corno urn risco inerente as condiçbes de trabalho
(Ac. STJ 30/3/1989 (MLaTo AuoNso). no BMJ 385 (1989). pp. 491-495).
Direito (10 Trabalho. 11-2. 3.’ ed.. Lisbon. 1999, P. 210, nota (1), MAsIA IX) RosAloo PALMA
Neste sentido. cfr. Ac. RL 7/5/1979 (Bu.o S,\I.GuEao). no BMJ 291 (1979).
RAIAIFlo. “Sobre os Acidentes de Trabalho em Situaçäo de Greve”, na ROA 53 (1993),
p. 530 (surnbrio), e Ac. RL 14/5/1979 (BELO S\LouIiio). em C.! IV (1979), 3, pp. 839-
pp. 521-574 (mLime 567 e ss.) e Luis G0NçAI.vus DA SIIvA, op. cii.. pp. 90 e ss.
—841. Ac. RC 11/3/1982 (FsuDEIoco CATv\i.FIAo). no BM.I 317 (1982). p. 304 (surnbrio).
Tern sido discutido na jurisprudência se esta negligbncia grosseira (a anterior
Ac. STJ 8/10/1991 (PsAzsRI.s PAls), em BMJ 410 (1991), pp.565-569.
rnente denorninada “falta grave e indesculphvei”) é apreciada em concreto, tomando-se
Para urna anhlise da discussho em Franca sobre o fundarnento da equiparaçSo do
em consideraçio a diligéncia particular da vItima, ou em abstracto. segundo um padrSo
acidente de trajecto no acidente de trabalho. cfr. Moisu DAITAN. Securiid Soda/c ci
geral de conduta. A jurisprudbncia tern-se orientado maioritariamente no pnmeiro sentido,
Responsahiliié. Paris. L.G.D.J.. 1963. pp. 206 e ss.
32 Ternas Laborais (Estudos e Pareceres) A Reparaçao de Danos Ernergentes de Ac’identes de Trabalho 33

A proteccao da lei é restringida a certo tipo de riscos. Mas esses não E óbvio que corn a perda de urn rnernbro, por exemplo, se verificarn
são os derivados da actividade da entidade patronal. São antes os que o principalmente danos não patrimoniais, representantes do desgosto, so
próprio trabaihador corre ao colocar no mercado a sua força de trabaiho. frimento e da modificacao de vivências daf derivada. Mas é erróneo
Encontrarnos então o terceiro pressuposto da aplicação do regime pensar que a vItima nao sofreu danos patrimoniais. Urn trabalhador que
jurIdico dos acidentes de trabaiho: o de que a causa do dano possa ser não tenha outras fontes de rendimento além da sua forca de trabaiho,
considerada urn risco da colocaçao da força de trabaiho no mercado. sofre urn grave prejuIzo econOrnico quando sofre um dano fIsico, o que
corresponde a urn dano patrimonial.
Ora, quando o art. 6.° da Lei 100/97 se refere unicamente a morte
4. A espécie do dano ou reducao da capacidade de trabaiho ou de ganho, sem abranger outros
danos, está unicamente a contemplar os prejuIzos patrimoniais derivados
A delirnitacao do dano indemnizável constitui urn problema que da lesão sofrida. o que alias se verifica pela fixação de indemnizaçao
tern levantado amplas discussöes equacionadas quer no próprio conceito
jurIdico do dano, quer na sua relevância em termos do desencadeamento
pp. 5-303 (9) refere que tanto ha dano quando se dirninui o patrirnónio dano
dos mecanismos reparatórios. patrimonial corno quando se ofende o corpo. a vida. a honra. o bern-estar e o crédito

No campo dos acidentes de trabalho, o art. 6.° da Lei 100/97 con — dano não patrirnonioal. PESS0A J0RGI-:, Ensaio sabre as pressupostos da responsahili
sidera dano “a verificaçao da lesão corporal, perturbacao funcional ou dade civil, Lisboa, C.E.F., 1968, reimp.. Coimbra, Alrnedina. 1995,
P. 373 chama, no
doenca da qual resulte reducao na capacidade de trabaiho ou de ganho entanto. a atençho para o facto de a lesho de bens de personalidade poder dar origern
a
danos patrirnonials. como a perda de capacidade para o trabalho.
ou a morte”. As incapacidades de trabalho são classificadas pelo art. 9.° A nosso ‘er. esse é urn problerna que deve ser resolvido rnediante urna correcta
do D.L. 143/99, como podendo ser ternporárias ou permanentes, sendo construçSo cientIfica do conceito de dano. Parece-nos, neste ponto. de aceitar a constru
as incapacidades temporárias classificadas em parciais ou absolutas e as ção efectuada por GoMEs DA SILvA, 0 dever de prestar e o dever de inde,nnizar, Lisboa,
incapacidades permanentes em parciais, absolutas para o trabaiho habi 1944. p. 80, que defende ser o dano a privaçao de urn ou mais benefIcio concretarnente
tual e absolutas para todo e qualquer trabalho. Nos termos do art. 10.° do considerados (frustracao de urn ou rnais tins em especial) ou de urna generalidade de
benefIcios (perda da utrilidade do bern), rnotivada pela colocaçao do bern corn o qual era
D.L. 143/99, a determinaçao das incapacidades é efectuada de acordo
Ilcito ao prejudicado atingir esse benefIcio em situaçho de ele nSo o poder utilizar para
corn a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabaiho e tal firn. Não nos parecem justas as crfticas que Ihe forarn feitas por CAsrko MENois. Do con
Doencas Profissionais, que actualmente consta do D.L. 34 1/93, de 30 de ceito jurIdico de prejuizo. Lisboa. Separata do Jornal do Foro. 1953. a p. 26. urna vez
Setembro. que correspondem a uma averiguação do dano em relaçho a urn resultado final obtido
e
Desta disposicao podemos desde logo inferir que a lei so atende a não a frustraçAo de urna utilidade sentida pelo sujeito. A definiçao que este autor dd
de
dano: “a diminuicSo do auxIlio. efectiva ou potencialmente necessário. que nos é devido
urn tipo especIfico de dano, referenciado em relacao a lesão de urn bern
pelos outros homens ou que podemos extrair das coisas corn o objectivo de prosseguirmos
fisico de personalidade, seja ele a vida ou a integridade fisica. Tratando Os flOSSOS fins”, nSo nos parece adequada aos danos fisicos da pessoa.
Quando estes
-se esse de urn bern pessoalissimo e, portanto, insusceptIvel de avaliaçao sucedem. o auxfiio que nos é devido pelos outros hornens aurnenta de acordo corn os prin
pecuniária, poderiarnos pensar estar-se aqui perante uma reparacão por cipios de solidariedade social que nos regem e não se verifica a dirninuiçao do auxIlio que
danos não patrimoniais (art. 496.° n.° 1). podernos extrair das coisas (uma vez que a pessoa nho pode ser considerada urna coisa).
Definirfarnos entho o dano corno a frustraçao das utilidades que urn sujeito retira
Mas essa ideia é, neste caso, infundada e corresponde a ima con
de urn bern. No caso de lesSo de bens de personalidade, essa frustração pode ser de duas
cepçao errónea de identificaçao do dano corn a lesão de urn bern e não ordens:
corn a frustracao das suas utilidades59. a) frustraçao de utilidades econórnicas dano patrimonial:

b) frustraçSo de utilidades espirituais — dano nho patrimonial.


Encontrarnos por yeses na doutrina a idela de que a destruiçao de bens de perso ° Ao contrario do que refere MAISIA DO RosAroo RAMALHG
, ROA 53 (1993), pp. 550
nalidade dh lugar apenas a reparação por danos morais. Assim, VAz SERRA, “Obrigação e ss., nho partece correcto falar aqui de urn duplo resultado danoso, tratando-se antes de
de indemnização (Colocaçao. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Exten uma restrição aos danos que podern resultar de urna lesão especItica. lirnitando-se a indern
são do dever de indernnizacho). Direito de abstençao e de rernoçho”. no BMJ 84 (1959), nização a alguns deles. No mesrno sentido. Ro•1Aco MAuTINEz. op. cii..
p. 220. nota (1).
34 Temas Lc,borais (Esiudos e Pareceres) A Reparacao de Danos E,nergentes tie Acidentes tie Trabalho 35

em dinheiro em funcao da retribuicao (art. 17.° da Lei 100/97 e arts. 41.° acidentes de trabalho so é considerado dano reparável a frustracao das
e segs. do Decreto-Lei 143/99) e pelo facto de ser considerada reconsti utilidades que derivavarn para o trabalhador e seus familiares da regular
tuicão natural a restauracao da capacidade de trabaiho ou de ganho da colocação no rnercado da sua força de trabaiho.
vItirna (art. 10.° a) da Lei 100/97).
Verificamos, então, que neste domInio so são reparáveis os danos
patrirnoniais, ficando a reparacao por danos morais dependente da yen 5. Conclusão
ficaçao dos normais pressupostos da responsabilidade civil61.
Pensamos, no entanto, que nem sequer todos os danos patrirnoniais De todas as consideraçoes feitas neste capItulo resulta a conclusão
derivados da lesão fIsica podem ser objecto desta reparaçao. Vejamos urn de que a reparacão de danos emergentes dos acidentes de trabaiho está
exemplo real retirado de urna recolha de casos efectuada por FERNANDO sujeita aos seguintes pressupostos:
MANuEl. OLlvuiEA E SA62: Urna operária sofre amputacao de dedos da mao
esquerda em consequência de urn acidente de trabaiho. Sendo o seu
trabaiho a pintura em loicas, considerou-se que o acidente em quase nada
( a) Prestacão de trabalho a outrem, quer como actividade, quer corno
resultado;
b) Dependência econOmica dessa prestação, averiguada pela exis
influiu na sua capacidade de trabaiho, sendo-lhe atribuldo urn coeficiente tência de urn contrato de trabalho ou presurnida nos outros casos
de incapacidade perrnanente parcial de 2,4 %. Verifica-se, porém, que de prestacão de trabalho;
essa operária passa a ter extraordinárias dificuldades em executar traba c) Venificacao de urn acidente, compreendido dentro dos riscos
ihos domésticos como lavar a roupa ou a loica. Imagine-se, então, que genéricos da colocacao da forca de trabalho no rnercado;
por forca da sua incapacidade era obrigada a contratar uma empregada d) Verificacao de urn dano muito especifico: a frustraçao )ias utili
doméstica para efectuar esses serviços, tendo que ihe pagar urn salário. dades económicas denivadas dessa colocacão.
E óbvio que do acidente resultaram danos não cobertos pela reparacão
atribulda. E nAo parece bayer dj1vida de que se trata de danos patrimoniais. Por aqui se ye como regime juridico dos acidentes de trabalho tern
Verificamos entäo que a reparacAo de danos emergentes de aciden como centro gravitacional a dependéncia econOrnica do trabaihador em
tes de trabaiho esté limitada a urn dano patrimonial especifico. Importa relacao a sua prestacão de trabaiho, sendo esse o ponto de partida e o
precisar o seu contetido para chegarmos a algurna conclusão sobre a ponto de chegada da tutela assegurada.
natureza dessa reparacao. Esse regime é assim baseado numa concepçho de hoino aecono
Examinemos de novo o art. 6.°, n.° 1 da Lei 100/97 que exige que o ,nipus, o que explica esta restrição a reparação de danos. Essa restniçao
acidente produza <<lesão corporal, perturbacao funcional ou doenca de que pode ser, no entanto, cniticada> em face do esquecimento dos rnciltiplos
resulte a reduçao na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte>>. outros aspectos de vigência humana como os biologicos, psicolOgicos,
Parece-nos óbvio que esta disposicao se refere a uma situacao onde sociais e culturais, que nao deixem, de se repercutir na prestação de
se verifica uma multiplicidade de danos patrirnoniais e não patrimoniais trabalho.
(a lesAo de urn bern da personalidade fIsicaY’3 mas a reparacão de danos E importante verificar que estes pressupostos não são os da respon
é lirnitada em funcao de urn factor: a prestacao de trabalho a outrern. sabilidade civil. Verifica-se, corn efeito, urn dano mas não existe qual
So importa então considerar o dano patrimonial que deriva da quer nexo de irnputacao desse dano a outra pessoa. A protecção é
impossibilitaçao dessa prestacão de trabalho. No regime ju&Jo dos
64
Cfr. op. cit., pp. 258 e ss.
CAIAElmsl.
Cfr. o art. 18°. n.° 2 da Lei 100/97 °
op. cit., p. 248
(2 FrsNAND0 MANUEl. OT,IviIiA SA. “A Segurança Social em Acidentes de Traba MENI1ZE5 CoIDEllo. 7’ratado c/c Dire flo Civil. I Porte Gem?. t. 1. Coimbra,

Iho. Equlvocos e Abdicaches”. em RDES. 22 (1975). p. 124 Almedina, 1999, p. 219 refere que a reparaçho de danos emergentes de acidenrntes de
Note-se que curiosamente é inclulda no regime jurIdico dos acidentes de trabaiho trabalho corporiza uma imputaç5o pelo risco baseada em profundas motivaçoes de )ustlça
a lesSo de apareihos de prótese e ortopedia (art. 38.° do DL. 143/99. de 30 de Abril). socia]. Pensamos que é nina formula demasiado vaga. As razhes de justiça social podem
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A Reparaçao de Danos Linergenies de Ac/denies de Traba/ho 39
38 Temas Laborais (Esludos e Pareceres)

3. 0 carácter tarifário e limitado da reparação


perante o sistema da responsabilidade civil. uma vez que a reparacbo não
é atribuIda se não se verificarern Os pressupostos desse instituto. Verif’ica-se, para além disso, que a reparação é atribulda em abs
Discordamos desta ideia, por nos parecer puramente teOrica e tracto, corn base em tarifas legais que não cobrern senão uma parte do
formalista e, por isso mesmo, afastada da realidade prática. A responsa dano sofrido (cfr. os arts. 20.° e ss. da Lei 100/97 e arts. 41.° e segs. do
bilidade civil não representa aqui a razão da obrigação o seguro. Se assirn Decreto-Lei 143/99). Esta derrogaçao ao princfpio da reparação integral
fosse. a funcão deste seguro teria de ser a protecçao da entidade patronal (cfr. o art. 562.° do Código Civil, em sede da obrigação de indemniza
contra o risco de eventuais accoes de responsabilidade, o que não é o que cao) necessita de ser coerentemente explicada.
acontece. A verdadeira funçao deste seguro é outra: a de garantir a A atribuiçao da reparaçAo dos danos ernergentes de acidentes de
reparação do trabaihador. trabaiho calculada corn bases em tarifas legais foi instituIda pela prirneira
Pensarnos, por isso, que quando a lei fala em <responsabilidade> é vez na lei francesa de 1898. No pensamento dos seiis autores estava a
:1
unicarnente no intuito de delirnitar urna zona de riscos que são objecto ideia de estabelecer um compromisso entre os interesses da vItima e os
da obrigacao de seguro. A <responsabiIidade> é aqui concebida corno interesses da entidade patronal, não prejudicando os ernpresários france
mera construcao para chegar a cobertura do risco, i.inico factor importante ses em face da concorrência internacional. Corn base num cálculo esta
na pnItica7. A prova de que essa <<responsabilidade patronal>> era mera tIstico da contribuiçao de cada uma dessas partes para os acidentes.
mente teórica é o facto de a evolucão legislativa ter vindo continuarnente estabeleceu-se uma tabela de indemnizaçoes abaixo do montante real do
a alargar a zona de riscos inicialmente tutelada, abrangendo actualmente, dano. A redução dos direitos da vItirna que isso representaya foi
conforme se referiu, situacôes de risco a que falta qualquer conexão corn explicada através do recurso a noção de transacção. A vItirna’transigiria
a entidade patronal. Este seguro assume-se, portanto, cada vez mais corno no montante de indernnização recebendo em troca a garantia da sua
urn seguro directo no interesse das vItimas72. efectividade7>.
o nosso regime jurIdico dos Acidentes de Trabaiho é, então, difi Discordamos da possibilidade de se conceber unia transacção
cilrnente qualificável como responsabilidade civil. A nosso ver, apre estabelecida por lei. Parece-nos uma construção artificiosa. A explicaçao
senta-se muito mais próximo do sistema da Seguranca Social. A reparação para o carácter limitado da reparação terá de ser outra.
efectua-se através de urn seguro privado obrigatório, mas o fundamento A nosso ver, o facto de o regime juridico dos acidentes de trabaiho
deste seguro é cornurn ao fundamento da Seguranca Social: a tutela da atibuir uma reparação limitada demonstra que ele apenas lirnitadarnente
seguranca económica do trabalhador73. exerpe uma funçao indemnizatória. A sua funçao principal não é a de
reparar o dano sofrido mas sim a de tutelar a situação do trabaihador que,
economicamente dependente de uma prestação de trabalho, ye essa pres
tação impossibilitada pela sua incapacidade fIsica, ficando, em conse
quência, sem meios de subsistência. Neste pressuposto podemos afirmar
C Sioi M NThIo. Esiudos. pp. 29 e ss., que referern que o seguro efectua urna
colectivizaçflo da responsahilidade civil. fazendo perder o carhcter tradicionalmente
ifl— que a reparação de danos emergentes de acidentes de trabaiho não tern
dividualisia que tinha este instituto. uma carácter estritamente reparatório, sendo a sua funcao antes de carác
Refere RuNE S,v,Tiiu<. Les Ivietamorphoses ec000mique.s et soci/aes c/u Droll ter alimentar. As suas caracterIsticas são como que as de urna obrigaçao
Civil d ‘aujourd ‘hal. Paris. Dalloz. 1964. p. 357. que no domInio do seguro ohrigatório de alimentos fundada numa situação de necessidade o que, sO por si,
de responsabilidade. as contas efectuam-se sempre entre 0 segurador e o sinistrado. explica o seu carácter lirnitado (cfr. o art. 2004.° do Código Civil). Nessa
fazendo desaparecer coma intermedihrio irnitil a pessoa teoricamente responshvel.
Josa Luis Huisuouuo. La responsabilic/ad sin cu/pa. Barcelona. Nauta, 1964,
p. 174. Cfr. Rusuu J,.ir.i.rr, op. cii.. pp. 42 e ss. e Moisu DAiiA\. op. cii., pp. 45 e ss.
\o sentido de que Os fundamentos do seguro obrigatOrio de responsabilidade e 7s
Essa ideia também é utilizada no Parecer da Câmara Corporativa sobre a pro
do sistema de segurança social sio cornuns. dr. Giusuppu C,\RACC’ioi.o. “Obbligo posta de lei a.° 67. suplemento n.° 74 ao Dihrio das Sesshes da Assemhleia Nacional. de
contributivo e rischio nullo nela assicurazioni contro gli infortuni”. na Rivista lw/lana Fevereiro de 1936.
cli Diritto i/el Lavoro, 3 (1984), pp. 345 e ss.. nicaime, pp. 364 (34) e 365.
40 Temas Lciborais (Estudos e Pareceres)
A Reparaçao de Danos Ernergenies de Acidenies de Trahalho 41

medida, estamos bastante próximos do sistema de seguranca social, reparar integralmente o dano sofrido pela ditima (art. 562.° do Código
onde vigora, corno se sabe, o princfpio da compensacAo relativa, apenas Civil) sendo portanto proporcional a esse prejuIzo. Esse dano é, no
se reparando parcialmente a perda ou reducão dos rendimentos de entanto Iivrernente apreciado pelo Tribunal, não podendo a reparaçao
trabalho’. atribulda exceder o pedido do lesado.
No regime jurIdico dos acidentes de trabaiho, como virnos, a in
demnização é calculada em abstracto corn base em tarifas legais abaixo
4. A inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade da medida do dano. Os juizes não tern, em consequência, qualquer poder
dos créditos derivados de acidentes de trabaiho de apreciaçAo, tendo de determinar a indemnização corn base numa
tabela precisa, calculada em funcao da retribuicao-base. da gravidade e
o art. 35.° da Lei 100/97 estabelece que os crdditos derivados de da duracão da incapacidade para o trabaiho (20.° e ss. da Lei 100/97).
urn acidente de trabaiho são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritI Pensamos, por isso, que o regime jurIdico dos acidentes de trabaiho
veis. A nosso ver, essas caracterIsticas confirmam a natureza de presta é estranho ao instituto da responsabilidade civil.
ção social da reparação de danos emergentes de acidentes de trabaiho. Qual será então o fundamento da reparação atribuida em sede de
Verifica-se que a sua atribuicao tern por funçao aliviar a situacão de acidentes de trabaiho? Verificámos atrás que essa reparação tern urn
caréncia em que o trabalhador se encontra. carácter hIbrido, simultaneamente indemnizatório e alimentar. Vimos
A lei vem por isso impedir que essa reparacao possa vir a desem também que essa reparacão tern como ponto de partida e ponto de che
penhar qualquer outra funcao económica. gada a situaçao de dependência económica do trabalhador da sua pres
tacao de trabaiho. 0 que a lei vem garantir é que essa situacão nOo seja
afectada pela superveniência de qualquer acidente.
5. Conc1uso: A natureza jurIdica da reparacão de danos o seu fundamento terá, portanto, de ser o reconhecimento legisla
emergentes de acidentes de trabaiho tivo de urn direito absoluto do trabaihador a sua segurança a sernelhança
do sistema da Seguranca Social79. No domInio na legislaçao dos aciden
Da análise que efectuárnos pensamos poder concluir que o regime tes de trabaiho o dano so revela se e enquanto atenta contra a segurança
jurIdico actualmente consagrado se afasta do sistema de responsabilidade económica do trabalhador.
pelo risco. - A lei vai evitar que o acidente provoque a sua ruIna econOmica
Efectivarnente, as caracterIsticas que atrás examinámos nao são as atribuindo-Ihe uma reparação.
da responsabilidade civil77. Nesta a indemnizacao deve, em princfpio79 o processo através do qual a lei atribui uma tutela desse direito a
segurança é a irnposição de urn dever jurIdico a entidade patronal. Tendo
esse direito a seguranca carácter de direito absoluto discordarnos, corno
Cfr. MARIA JOAO Ton, “Segurança Social (Direito da)”, em Diciondrio JurIdico
alias referimos atrás, que o dever juridico que incumbe a entidade patro
cia Achninisiraçdo PlibliCa. I .°
Sup. 1998, pp. 439-458. nal tenha por base o contrato de trabaiho. Segundo pensamos, trata-se de
Cfr. M0IsE DAF-I..\N. op. Cit.. p. 49. urna obrigaçao imposta por lei e fundada em razöes de solidariedade
Por vezes. verifica-se no campo da responsabilidade civil, a fixacao de limites social. A sua imposição a entidade patronal, funda-se numa presunção de
indemnizatórios abaixo do montante do dano (cfr. arts. 494.°. 508.° e 510.° CC.). Essas capacidade económica, derivada da utilização do factor trabaiho por essa
situaçöes revestem claramente cariz excepcional. em face do art. 562°. No domInio da
responsabilidade por culpa. esse limite parece como consequêncla da prossecuçho de urn
entidade. Pensamos, por isso, que esse dever se pode qualificar coino urn
funçäo sancionatdria e. portanto. so em casos restritos deverh prejudicar a funçho geral dever de assistência social.
de reparaçho dos danos. JO a utilizaçho de limites indemriizatórios no dominio da impu Em princfpio esse dever terá unicamente como objecto a celebracao
taçOo pelo risco. que prossegue apenas acessoriamente func s de prevenço. parece de urn contrato de seguro. A contratacão do seguro vai permitir que seja
contraditória e reveladora cIa insegurança do legislador em.stabelecer certos casos de
responsabilidade objectiva.
Cfr. MOIsE DAHAN. op. cit.. p. 19.
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46 Tenas Laborais (Estudos e Pareceres) A Rcparação de Danos Emergenles de Acidentes de Trahalho 47

e sanção que esse sistema prossegue. Neste caso, uma vez que está asse Discordamos desta soluçao por que confunde as consequências da
gurada uma reparaçao para o dano (cfr. o art. 37.°, n.° 2 da Lei 100/97) verificacao de uma responsabilidade civil corn o regime dos acidentes de
a funcao sancionatória do instituto torna-se mais visIvel7 sendo por isso trabaiho sendo estes, como vimos atrás, sistemas corn fundamentos dife
que surge esta discussão. rentes. A partir do mornento em que existe urn nexo de imputacão do
o art. 18.° da Lei 100/97 e, então, urn caso de responsabilidade civil dano a urn sujeito as normas da responsabilidade civil devem ser plena
da entidade patronal no domInio dos acidentes de trabaiho. Note-se, no mente aplicadas, independentemente de quern seja esse sujeito. 0 esta
entanto, que este agravamento da taxa de indemnizacao, apesar de actual belecirnento de urna limitaçAo da reparacao. que vigora mesmo em casos
mente ser igual a retribuiçao ou reduçao da incapacidade, pode nao ser de dolo ou mera culpa da entidade patronal, é urna soluçäo de duvidosa
suficiente para cobrir a totalidade do dano patrimonial sofrido, uma vez constitucionalidade, tarnbérn em face do art. 13.° da nossa Constituicäo.
que tern corno limite a retribuicao do trabalbador, sendo que o acidente Neste ponto a solucão correcta seria a lei admitir a possibilidade de o
pode provocar-Ihe outros danos patrimoniais. lesado optar por demandar a entidade patronal segundo as regras da res
o que a Iei chama agravação de indemnizaçao não representa senão ponsabilidade civil, o que apenas se admite em relação aos danos morais
urna limitacao de responsabilidade subjectiva da entidade patronal fun- (art. l8.°, n.° 2, da Lei 100/97)S2.
dada, a nosso ver, nurna contrapartida prestada a essa entidade em face o art. 18.° da Lei 100/97 admite, por outro lado, urn caso de res
da sua oneração corn o dever de assistência social, a que referimos atrás. ponsabilidade pelo risco, a da entidade patronal pelos actos do seu repre
Coloca-se-nos porém, a questao de saber se esta solução é justificada. sentante. Interessa-nos examinar o conteido dessa responsabilidade e o
Discutiu-se em Itália se o facto de a responsabilidade da entidade seu fundarnento.
patronal pelo acidente de trabalho se a afastar do direito comum90, não o que está em causa quando a lei fala em s<representante>> não
representaria uma violaçao inconstitucional do principio da igualdade em parece ser urna verdadeira representacäo em sentido juridico mas antes
face do lesado (art. 3.° da Constituiçao Italiana). A doutrina italiana o facto de a entidade patronal admitir outra pessoa a exercer os poderes
pronunciou-se em sentido contrário51, considerando que a posicao do de autoridade e direccao a que o trabaihador se subordinou pelo contrato
trabaihador lesado era objecto de tutela de urn conjunto de normas que de trabalho. Neste ponto podemos encontrar duas soluçoes tfpicas:
abrangiam os acidentes derivados da sua culpa e de caso fortuito ao a) Delegaçao dos poderes de direccao noutro membro da empresa
mesmo tempo que os derivados da culpa da entidade patronal. A posicão por força da normal hierarquia de funcoes dos seus rnernbros.
do trabaihador lesado vista em funcao deste conjunto de normas não b) Transferência dos poderes da direccao para outro ernpresário,
representaria, então. qualquer infraccAo ao principio de igualdade. corno no caso de cessão de mao de obra. ou trabaiho em comum
sob a direccao de outrem.

Refere GENsvIvL Vcsv. Le Déclin. pp. 311 e ss.. que a abolicho dos limites o primeiro caso é semeihante a responsabilidade pelo facto de
indernnizatórios em caso de verificação da culpa é explichvel por urn retorno a funçao outrern prevista nos arts. 500.° e 800.° do Codigo Civil. A lei imputa o
sancionatona do instituto, quando se liberta da funçao reparatória. Neste enquadramento dano a urna pessoa diferente daquela que o causou tendo em atencao o
é. porém. contesthvel a rnanutençho dos limites indemnizatórios. ainda que mais elevados
anexo de subordinacao existente entre os dois, conseguindo que seja urna
no art. 18.° da Lei 100/97.
0 art. 1 8°. n.° 2 remete a reparacho do dano moral para o direito cornurn da (mica entidade econórnica, a empresa, a suportar os danos causados. Trata
responsabilidade civil. -se, entäo, da responsabilidad indirecta.
Conforme refere ROMANO M\ISTINEZ. op. cit. p. 187 alérn dos danos sobre coisas
(v.g. relhgio), podera dar-se o caso de o trabalhador prestar ainda trabalho noutra em
presa. sendo o acidente causa de perda também do segundo salário que auferia.
52
Ro\IANO MARTINEZ. O. cii.. pp. 188 e ss.. vem defender nan ter a Lei 100/97
Esth sujeita ao D.P.R. de 30/6/1965 pretendido afastararesponsabilidade civil subjectiva da entidade patronal. pelo que o
Cfr. Di Cupis. “Constituzionalith della limitazione della responsabilità civile trabaihador poderia continuar a recorrer a cia. Esta soluçao é. proém. dificilmente defen
deii’impreditore per l’infortunio sul lavoro”. recolhido em ID. Studi e questioni di diritto save] em face do teor do art. I 8°. n.° 2.
chile. Milano. Giuffrè. 1974. pp. 335 e ss. e Girsuppu MAR.NDo. O. cit.. pp. 56 e ss. Cfr. Yvis S,INT-JoiRs, op. cii.. pp. 211 e ss.
48 Ternas Laborais (Estudos e Pareceres)
A Reparaçao de Danos Eniergentes de Acidentes de Trabalho 49

No segundo caso a responsabilidade funda-se nao num nexo de tacOes que pagou a vitima ou também pelas despesas corn o medico na
subordinacao, que nao existe, mas antes em razöes de prevencão. Pre fixaçAo da taxa de incapacidade ou dos inquéritos corn o acidente?
tende-se evitar que a entidade patronal ponha os seus trabaihadores ao As caixas de Seguranca Social francesas levantararn este problema,
servico de empresários pouco diligentes, que eles não escoiheram ao defendendo não sO a possibilidade de recorrer contra o responsável por
celebrar o contrato de trabaiho. essas quantias, corno também a de invocar inclusive os danos morais
A lei admite urn direito de regresso da entidade patronal contra o sofridos pela vItima quando a condenaçao em danos patrimoniais não
representante. 0 facto de, por natureza, o direito de regresso so se poder chegasse para cobrir essas despesas4.
efectuar pela quantia paga equivale a estender o privilégio da limitacao A nosso ver, esta questão tern soluçao legal expressa. 0 fundarnento
da responsabilidade em relaçao ao representante. Conforme referirnos deste direito de regresso reside no art. 592.° do Código Civil, que esta
atrás é de entender que este regime do art. I 8.° da Lei 100/97 se apre belece uma sub-rogacao legal quando o terceiro que cumpre a obrigacao
senta contraditório por confundir os pressupostos de dois sistemas está. por qualquer forma, interessado na satisfacao do crédito. E este,
reparatórios distintos. obviarnente, o caso em análise.
Quem está obrigado a indernnizacao por força do primado jurIdico
da responsabilidade civil em relacao ao regime dos acidentes de trabaiho
4. 0 acidente de trabaiho causado por terceiros ou companheiros é o terceiro responsável. A entidade patronal ou seguradora tern, no
de trabaiho entanto, interesse na satisfacao desse crédito, urna vez que. por força do
seu dever de assistência, estaria obrigada a indemnizacao se se frustrasse
Quando o acidente de trabaiho é causado por terceiros ou compa o estabelecirnento de uma responsabilidade. Ora, corn base no art. 593.°
nheiros de trabaiho a lei já adopta urna soluçao correcta, admitindo a do Codigo Civil o sub-rogado so adquire os poderes que cornpetiam ao
possibilidade de o lesado intentar uma accão segundo o direito civil credor na medida da satisfacao dada ao seu direito. Parece óbvio, então.
contra o responsável. Se a vItima receber desse responsável alguma in que a entidade patronal ou seguradora so tern direito de regresso pelas
demnizaçao a entidade patronal ou seguradora ficará desonerada da sua quantias efectivamente pagas ao trabalhador lesado. Näo pode, por isso,
obrigacao ate esse montante, tern direito a ser reembolsada pela vitima invocar danos morais sofridos pela vitirna, urna vez que a indemnizacão
das quantias que tiver dispendido e terá direito de regresso contra o que atribui não cobre esses danos.
responsável se a vitirna não ihe tiver exigido a indemnizacao no prazo V
Pensamos que essas despesas da entidade patronal ou seguradora
de urn ano a contar da data do acidente (art. 31.° da Lei 100/97). constituem parte do objecto do dever de assistência social que se man-
Podemos verificar, em face deste norma, que a reparacäo de danos V
tern, existindo ou näo fundarnento para atribuir a reparacao de danos
emergentes de acidentes de trabaiho se apresenta como que subsidiária emergentes de acidentes de trabalho. 0 mesmo se passa corn a obrigação
em relaçao a responsabilidade civil. Pode-se ver, portanto, que o dever de pnmeiros socorros. Cfr. o art. 7°, n.° 3, da Lei 100/97 e o 24.° do
da assistência social, que incumbe a entidade patronal e dá origem a Decreto-Lei 143/99.
protecçAo do seguro, cessa no momento em que a vItima adquire uma
indemnizacao através da responsabilidade civil. Pode haver lugar, por
tanto, a repeticao do indevido (art. 31.°, n.° 2 da Lei 100/97 e art. 476.° 5. Conclusão
e segs. do Codigo Civil) ou a urn direito de regresso contra o responsável
(cfr. art. 31.°, n.° 4 da Lei 100/97). Como pudemos verificar o regime dos acidentes de trabaiho lirnita
DiscutIvel é determinar qual o verdadeiro conteádo desse direito de -Se a tutelar a segurança econOmica do trabaihador, atribuindo urna repa
regresso. Por exemplo, a seguradora que despende corn a vitima certas racão minima do dano emergente do acidente, quando essa reparacão não
quantias em consequência das prestacöes a que está obrigada por forca do
art. 10.0 da Lei 100/97, tern direito de regresso unicamente pelas pres
Cfr. Moisi D-\IIAN. op. cit., pp. 166 e ss.
50 Teinas i,borai.v (Estudos e Pareceres)
F
possa ser obtida através das regras da responsabilidade civil. Näo é, :
no entanto, afastada a aplicaçAo deste instituto urna vez que, corno
virnos. este assegura uma reparação integral do dano. DaI que o dever
de assistência social que cabe a entidade patronal se reduza a urn con
te(ido mInirno quando se consegue imputar o dano a urn responsável. No
entanto. quando esse responsável é a entidade patronal essa responsa-
bilidade é limitada devido a sua oneracão corn o dever de assistên
cia social.

F,
o PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
TRIBUTARIO DE LIQuIDAçA0
E COBRANA DAS coNTRIBuIçOEs
PARA A SEGURANA SOCIAL

I Publicado originariarnente em TRIat,\I. 1)1: CoNr\s (ore.) .Sen,inurio “Direito do


SegurancaSocial”. Lishoa. 2(XJO. pp. 199-220.

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