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Sumário

1-Expor os factos

No dia 17/04/2011, cerca das 19:30, o arguido AA encontrava-se na sua residência,


acompanhado de seu amigo CC. A certa altura, o ofendido BB dirigiu-se a residência do
arguido, seu conhecido.

Tribunal 1 instancia
Disse o arguido que o ofendido teria pedido a AA para dormir em sua casa, já que
depois de beber, alegou não estar em condições para ir embora. O arguido teria então
negado tal dormida, mas depois de muita insistência, deixado. Foi então que enquanto
fazia a cama, o ofendido lhe teria dado dois empurrões contra a parede e agarrado seu
pescoço.

deslocou-se para a cozinha da sua residência onde pegou numa machada com
cabo de madeira, com comprimento total de 30 cm, com cabo em madeira,
torneado, com cerca de 18 cm e na face lateral uma lâmina de superfície
cortante com cerca de 10 cm de comprimento;

O arguido só parou com a agressão quando o ofendido deixou de oferecer


resistência, ficando caído inanimado no chão, ocasião em julgou estar o
mesmo morto;

Após o referido o arguido dirigiu-se ao anterior da residência acordando CC e pedindo-


lhe que fosse chamar os bombeiros. Como não existia na residência qualquer
meio de comunicação, designadamente telefone ou telemóvel, CC foi a casa
de uma vizinha a fim de pedir ajuda;

O ofendido saiu machucado do local afim de procurar ajuda. Quando o


arguido voltou ao barracão alegou não ter visto ninguém, julgando, então,
que o ofendido havia sido socorrido.

2- Tipo Ilícito

Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, na esteira da doutrina


tradicional, que o Art. 132º que prevê o homicídio qualificado seria um tipo especial de
culpa relativamente ao homicídio simples. O que justificaria a agravação da pena seria a
revelação de uma especial censurabilidade da conduta do agente, prevista no n.º 1, que
estaria apenas indiciada nos exemplos-padrão, previstos no n.º 2.
Esta orientação não pode ser seguida, na medida em que, segundo o princípio da
necessidade da pena, apenas os comportamentos ofensivos de bens jurídicos podem ser
objeto de incriminação, o que implica que o agravamento da pena tenha de ser
fundamentado também num maior desvalor da ação, no sentido de um mais intenso grau
de ilicitude; segundo o princípio da culpa, a culpa constitui limite da punição, mas
nunca pode ser fundamento – pelo menos, exclusivo – da punição; e, ainda, por um
argumento de coerência lógica com a Teoria Geral da Infração, porque a culpa tem
como objeto o facto ilícito praticado pelo agente, sendo um juízo negativo, no sentido
em que compreende as causas de desculpa e, assim, tem essencialmente como função
um desagravamento da responsabilidade penal.
Neste sentido, considera-se que o Art. 132º apenas contém circunstâncias agravantes do
homicídio que tenham como fundamento um maior desvalor da ação, ou seja, uma mais
intensa ofensividade de bens jurídicos ou a ofensividade a outros bens jurídicos, no
sentido em que revelam um maior grau de ilicitude da conduta do agente, que será, por
sua vez, alvo de um mero juízo de culpa na determinação da responsabilidade penal.
Deste modo, as alíneas do n.º 2 do Art. 132º constituiriam tipos especiais de ilícito, que
terão sempre uma posterior valoração de culpa, pelo que também não acarretam uma
aplicação automática, conquanto não há normas jurídicas de aplicação automática que
não passam pelo crivo da interpretação do julgador, nomeadamente, atendendo à
racionalidade e ao âmbito da norma.
Esta distinção não é meramente teórica. Em primeiro lugar, tem reflexos quanto à
aferição do dolo, já que a conceção de tipo especial de culpa se associa a uma conceção
introvertida de vontade, em que a vontade e representação da circunstância
qualificadora teria de ser aferida na perspetiva apenas do agente, como censurabilidade
do seu comportamento; ao invés da conceção de tipo especial de ilícito, que se associa a
uma conceção extrovertida de vontade, em que a vontade e representação da
circunstância qualificadora já seria aferida na perspetiva do que a comunidade
consideraria como revelando uma ameaça intensa ao bem jurídico vida, ou seja, um
maior desvalor da ação.
Por outro lado, tem reflexos importantes quanto à comparticipação criminosa, na
medida em que, se se tratasse de um tipo especial de culpa, segundo o Art. 29º, as
circunstâncias agravantes por culpa não seriam comunicáveis aos participantes, na
lógica da acessoriedade. O que pode facilmente ser resolvido, partindo de uma conceção
como tipo especial de ilícito, na medida em que as circunstâncias agravantes por um
maior desvalor da ação, contido na tipicidade como indicio de ilicitude, permite, através
do Art. 28º, que essas circunstâncias sejam comunicadas dos participantes aos autores,
não efetuando, em geral, um juízo de determinação da responsabilidade penal diferente
para os agentes que agiram em comparticipação.

3- Tipo de Culpa

Coloca-se, aqui, a questão de se perceber se no artigo 132º do Código Penal está em


causa um tipo de ilícito ou um tipo de culpa. Ou seja, se existe uma agravação da
pena por estar em causa maior ilicitude ou se, por outro lado, o que está em causa
é um maior grau de culpa.

Jorge de Figueiredo Dias, ao contrário do defendido por Maria Fernanda Palma, não
aceita já as circunstâncias como um tipo de ilicitude agravada, mas antes como
elementos constitutivos do tipo de culpa.
Num sentido oposto que Figueiredo Dias está Fernando Silva para quem (…) a
qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente
revela com a sua actuação, sendo um tipo de culpa. (…) o tipo do artigo 132º do
Código Penal integra elementos da culpa, traduzidos na maior censurabilidade ou
perversidade reveladas pelo agente, correspondendo a um grau de censura agravado
conformado através destes conceitos.
No fundo, estamos em presença de um tipo de culpa agravada assente numa
cláusula geral de culpa com recurso a conceitos indeterminados, que serão
explicados a seguir:

Sendo assim , pode - se afirmar que mesmo as circunstancias que respeitam a forma do
cometimento do crime , ou seja, o amior desvalor da conduta , são sempre mediadas por
um especial tipo de culpa. Exemplo: o veneno utilizado para matar não revela em si que
é homicídio qualificado e somente acompanhado de perversidade e censurabilidade de
acordo com Margarida silva pereira

Sendo assim, o homicídio qualificado nunca entra numa relação e concurso com o
homicídio simples já que a cada um desses preceitos prevalece um tipo especial e
diferente de culpa

Tendo isso em conta , o 131 e o 132 NÃO são dois tipo ilícitos autônomos como
sustenta souza e brito.O 132 estabelece uma pena agravada para caso especialmente
censuráveis ou perversos do homicídio
Assim sendo, cabe concluir que de outra forma que quando olhamos para o artigo
132º do Código Penal está em causa uma culpa agravada e não um maior grau de
ilícito. Parece-nos que de outro modo não faria sentido uma vez que tratando-se o
homicídio qualificado de um crime intimamente ligado ao homicídio simples e
tendo na base o mesmo tipo de ilícito, a agravação só poderia provir de uma culpa
agravada

Sendo assim , Figueiredo Dias e Teresa Serra, defendem que as circunstâncias


qualificadoras estão intimamente ligadas à atitude interna do agente, sendo que o
que está em causa é antes uma culpa agravada e não já um ilícito maior.57

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem ido precisamente neste sentido de


que o que está em causa na agravação do homicídio não é um acréscimo de ilicitude,
sustentando assim a nossa tomada de posição em crer que o homicído qualificado tem
no seu fundamento uma culpa agravada. “

Exemplo de jurisprudência :

Alínea h )
4- Meio perigoso - Argumento 1

IV) Todavia, a utilização de uma faca com essas características no cometimento de um


crime de ofensa à integridade física pode revelar-se como meio particularmente
perigoso, posto que é adequada, em abstracto, a causar lesões mortais ou ferimentos
graves. Mas não se pode considerar tal facto, por si só, como revelador de uma
especial censurabilidade ou perversidade do agente. = TRG 9/01/2017

Como pondera Figueiredo Dias - In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág.
37., a propósito do crime de homicídio, a exigência legal de que o meio seja
particularmente perigoso determina, por um lado, que ele revele uma
perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar – não
cabendo no exemplo padrão e na sua estrutura valorativa os revólveres,
pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes – e por outro, é
necessário determinar, com particular rigor, se da natureza do meio
utilizado – e não de outras circunstâncias coexistentes – resulta já uma
especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Meio particularmente perigoso é, assim, sinónimo de meio muito
desproporcional a causar o resultado pretendido pelo agente, ou seja, que
para além deste resultado visado, coloca ou tem virtualidade de colocar em
perigo outros bens jurídicos, em enorme desproporção com aqueles que era
necessário e suficiente colocar em perigo para obter o fim pretendido pelo
agente. É, pois, meio diferente dos instrumentos usuais de agressão, que são
aptos a produzir o resultado querido pelo agente e que são insuscetíveis de
colocar em perigo outros bens que não são objeto de referência do dolo do
agente. É aquele meio que, quando usado na prática de ofensa à integridade
física, encerra uma potencialidade de dano muito superior aos meios e
instrumentos normalmente usados na prática de agressões físicas.

Particularmente perigoso é aquele instrumento, método ou processo que,


para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, é
susceptível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que
ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal,
marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios mais comuns que,
por terem aptidão para provocar danos físicos, são já de si perigosos ou
muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já
especial censurabilidade do agente. Da qualificação estão, assim, afastados
os meios, métodos ou instrumentos mais comuns de agressão que, embora
perigosos ou mesmo muito perigosos (facas, pistolas, instrumentos
contundentes) não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do
exemplo-padrão (Acórdão de 02/03/2006, Proc. n.º 472/06, da 5.ª Secção,
relatado pelo Conselheiro Simas Santos e de que o relator deste processo foi
adjunto).

MESMO QUE A MACHADADA FOSSE, NÃO É DE APLICACAO


AUTOMATICA

“Depois, o ofendido teria pedido para dormir em sua casa já que alegava não
estar em condições de ir embora, dizendo o arguido que negou tal dormida,
mas como o ofendido insistia, acabou por lhe oferecer a cama no barracão.
Foi então que, enquanto fazia a cama que o ofendido lhe teria dado dois
empurrões contra a parede e agarrado o pescoço. Tendo "sacudido" o
ofendido, na sua expressão, com os nervos, foi à cozinha buscar a machada
e deu-lhe com ela assim que o avistou novamente à entrada do barracão.”

“Mais disse que o ofendido caiu e que pensou que o tivesse matado, indo
chamar o António à cama para chamar os bombeiros, indo aquele até casa
de uma vizinha, já que a casa do arguido não dispõe de telefone nem
telemóvel, mas o António disse que a vizinha não o tinha atendido. Referiu
ainda o arguido que voltou ao barracão mas já não estava lá o ofendido,
pensando que alguém o tivesse socorrido.”
“ Como não existia na residência qualquer meio de comunicação,
designadamente telefone ou telemóvel, CC foi a casa de uma vizinha a fim de
pedir ajuda”

“ O arguido utilizava habitualmente a machada referida em 4) para rachar


lenha para queimar”

Defesa
Impulsividade
Tentou socorrer
Meio simples
Sem grande cultura
Não podemos admitir que cresceu em um meio que não incitava a violência
Não tem antecedentes

CONCLUSÃO:

NÃO SÓ NÃO PODEMOS QUALIFICAR O MACHADO COMO UM MEIO


PARTICULARMENTE PERIGOSO, COMO TAMBÉM NÃO PODEMOS DIZER
QUE HOUVE PERVERSIDADE DO AGENTE, JÁ QUE NÃO HOUVE UMA
ESPECIAL PERVERSIDADE DO AGENTE, TENDO EM CONTA QUE O
SENTIMENTO DELE AO AGARRAR NA MACHADA E AO ESCOLHER A
MACHADA COMO MEIO NÃO FORAM SENTIMENTOS “MÁUS” OU
SENTIMENTOS PARTICULARMENTE REPROVADOS PELA SOCIEDADE, ELE
ESCOLHEU A MACHADA COMO MEIO, POIS ERA O QUE TINHA A SUA
DISPOSICAO PARA O PROTEGER.
TEMOS QUE TER EM CONTA QUE O ARGUIDO NASCEU EM UMA FAMILIA
RURAL, DE CONDICAO MODESTA EM TERMOS SOCIO - ECONOMICO E
CULTURAIS. PESSIO DE CULTURA MUITO RUDIMENTAR E AINDA POSSUIA
HABITOS ALCOOLICOS, VIUVO E SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS. OU
SEJA, NÃO É UMA PESSOA COM QUALQUER TIPO DE HISTÓRICO OU QUE
REVELE QUALQUER TIPO DE PERIGOSIDADE PARA A SOCIEDADE.

5- - Meio Perigoso - Argumento 2

O Supremo Tribunal de Justiça considerou que não se encontrava preenchido o tipo de


homicídio qualificado por utilização de meio particularmente perigoso, previsto na
alinea h) do n.º 2 do Art. 132º.
Se, como a doutrina dominante (FIGUEIREDO DIAS), reconduzíssemos as
circunstâncias da alinea h), nomeadamente, ao utilizar meio particularmente perigoso a
uma “ideia de particular perigosidade do meio empregado e da consequente maior
dificuldade de defesa em que se coloca a vítima”, estaria já subjacente uma certa ideia
de desvalor da ação e desvalor do resultado que se manifestariam de modo mais intenso
no homicídio qualificado, que são, desde logo, critérios de ilicitude material. Assim,
parece contraditório que FIGUEIREDO DIAS considere o homicídio qualificado como
um tipo especial de culpa, com relevo para a especial censurabilidade das circunstâncias
agravantes, que teriam como fundamento uma espécie de “desvalor da motivação” do
agente. A utilização de um meio perigoso assim configurado já parece revelar um maior
desvalor objetivo da ação, em que há uma colocação em risco tal do bem jurídico, do
que propriamente uma especial censurabilidade do comportamento do agente, haverá é
lugar a um mero juízo de culpa. Deste modo, para a configuração do crime de homicídio
qualificado exige-se ainda que se preencha um tipo especial de ilícito, em sede de
tipicidade e, neste caso, seria de ponderar a utilização de um meio particularmente
perigoso pelo agente.
Desde logo, o Parecer da Procuradora-Geral Adjunta suscitado no âmbito deste
processo e, em geral, a jurisprudência e doutrina dominantes, consideram que um meio
particularmente perigoso será um instrumento, método ou processo que criar dificuldade
significativa de defesa da vítima, no sentido em que o meio utilizado seja
desproporcional; mas, suscetível de revelar uma especial perigosidade, no sentido de se
traduzir num perigo qualitativamente superior ao que se encontra subjacente a qualquer
meio suscetível de causar a morte de outrem. Assim, não será qualquer meio que será
considerado, desde logo, particularmente perigoso no contexto de um homicídio, uma
vez que todos o serão, como qualquer arma ou objeto contundente, por exemplo, o que
se afigura aceitável.
No entanto, o Parecer da Procuradora sustenta que, tal como é defendido por
FIGUEIREDO DIAS, seria indispensável determinar se a natureza do meio utilizado
resulta de uma especial censurabilidade do agente, como resulta da cláusula geral do n.º
1, que, como se sabe, contém conceitos indeterminados para a doutrina e para
jurisprudência. Deste modo, de modo a colmatar, não só as exigências do princípio da
legalidade na vertente da reserva de lei, mas também, como se referiu, do princípio da
necessidade da pena e do princípio da culpa, impõe-se uma interpretação de tipo
redução teleológica, atendendo à racionalidade e ao âmbito da norma incriminadora,
que já contém inerente à valoração das circunstâncias que qualificam o homicídio a
ideia de um maior desvalor da ação, no sentido em que configuram um tipo especial de
ilícito e, devem, deste modo, ser articuladas com uma leitura social do comportamento
do agente com aquelas circunstâncias, o que permite torna-las em algo mais objetivo e
com mais segurança jurídica.
De facto, o Tribunal, seguindo a ideia inerente ao Parecer da Procuradora-Geral Adjunta
e tendo em conta os factos dados como provados, tais como que a machada teria um
comprimento de 30cm, em que se incluíam 10cm de lamina e que com esta golpeou em
várias zonas do corpo do ofendido, tendo lesões que o levaram a 12 dias de doença,
considerou que este meio não é particularmente perigoso, tem apenas uma aparente
perigosidade; pelo que nem sequer se coloca a questão da dificuldade de defesa da
vítima. Para além de que foi suscitada a questão se a machada constituía um meio ilícito
ou que fosse usado ilicitamente por ausência de licença, na qual se entendeu que não o
seria, pelo que, tendo implicações na verificação de um meio particularmente perigoso,
surge apenas como um indicio que não o seria. Por outro lado, quanto à exigência que
este meio particularmente perigoso revelasse uma especial censurabilidade do
comportamento do agente, o Tribunal apenas considerou que esses dados se
encontravam indevidamente na matéria de facto, quando deveriam constar da matéria de
Direito, pelo que se têm como não escritas. Com este raciocínio, o Tribunal entendeu
desqualificar o homicídio, neste caso.
No entanto, parece ser uma decisão algo contraditória com o pensamento da doutrina
dominante de que homicídio qualificado seria um tipo especial de culpa, em qual a
Procuradora-Geral Adjunta e o Tribunal se inspiram, ao exigir que a análise das
circunstâncias agravantes do Art. 132º contenha uma imagem global do facto agravada
que corresponderia ao seu especial conteúdo de culpa, pois aparentemente divide em
dois momentos o processo de qualificação deste crime, que só poderia ser operado em
sede de culpa.
Ora, ao contrário da conceção de tipo especial de culpa, o tipo especial de ilícito permite
valorar o comportamento do agente que se consubstancia na circunstância agravante,
segundo um juízo de uma leitura social e objetiva, com foco no maior desvalor objetivo
da ação, o que permite verdadeiramente ter “uma imagem global do facto agravada”, no
sentido em que se consegue descortinar um maior grau de ilicitude face ao homicídio
simples, que será sempre objeto de um posterior juízo de culpa.
Partindo desta conceção, teremos de ter uma interpretação mais restritiva do que se
entenda por “meio particularmente perigoso”, no sentido em que este meio terá de ser
percecionado, para sociedade em que se insere - não para o agente que o utilizou ou
mesmo para a vítima -, de revelar uma perigosidade qualitativamente superior aos que
são usualmente utilizados para praticar homicídios, manifestação de um maior desvalor
da ação.
Sabemos que um homicídio pode ser praticado por qualquer meio, por isso, o homicídio
qualificado terá de ser praticado por um meio qualitativamente superior a esses. Como
se referiu, a machada foi considerada como um meio licito, na medida em que era
utilizado habitualmente pelo agente para cortar lenha e o próprio objeto tem essas
características ou funções, embora possa ser também utilizado para cometer crimes
contra a vida, mas não deve ser considerado um meio particularmente perigoso pois isso
implicaria uma certa paralisação da vida social no contexto de uma sociedade de risco,
em que praticamente todos os objetos teriam essa perigosidade aparente
qualitativamente superior. Assim, uma machada, ainda assim, mesmo com as
características que esta tem, não pode ser inserido num meio particularmente perigoso,
pois tal como outros objetos contundentes, mesmo de maior dimensão, podem ser
percecionados como tendo um perigo normal relativamente ao que ocorre em homicídio
simples, tendo, de certo, consequências lesivas intensas para o bem jurídico vida do
ofendido, mas não tais que permitam inferir que essas consequências lesivas fossem
qualitativamente superiores perante o resultado morte, percecionado pela comunidade.
Ainda, de acordo com esta conceção, poder-se-ia dizer que um meio particularmente
perigoso teria de ser um meio que pudesse atingir terceiros indiscriminadamente, como,
por exemplo, gasolina ou outras substâncias inflamáveis, um automóvel ou outros
objetos de grande porte, que poderiam gerar uma maior perigosidade, manifestando um
maior desvalor do resultado, em que se verifique uma mais intensa ofensividade para o
bem jurídico vida. Com esta argumentação, também, seria difícil sustentar que a
machada utilizada constitua um meio particularmente perigoso, pois não se encontra a
esta associados grandes perigos, no sentido de provocar resultados desproporcionais
face aos que ocorreriam num homicídio simples.
Neste sentido, seria de considerar a machada como um meio não particularmente
perigoso, ainda, por um argumento de maioria de razão, tendo em conta que, partindo
de uma conceção de tipo especial de culpa, num caso, em certa medida, análogo,
decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03.12.2008, se chegaria à
conclusão que um taco de baseball seria um meio particularmente perigoso. Assim
sendo, praticamente todos os homicídios seriam qualificados por serem praticados com
um meio apenas perigoso, não revelando a tal especial perigosidade ou ofensividade ao
bem jurídico vida que é exigido pela alinea h) do n.º 2 do Art. 132º.
Por outro lado, de acordo com a conceção de tipo especial de culpa, a verificação do
dolo do agente, como intenção e representação do facto por ele realizado, implicaria que
fosse aferido com base na intenção e representação pelo próprio agente, que seria
colocada em juízo em sede de culpa, como que relevando uma conceção introvertida de
vontade; ao invés do que aconteceria se partíssemos de uma conceção extrovertida de
vontade, em que o dolo do agente teria por referência a intenção e representação que a
comunidade extrai do comportamento do agente, como manifestação de uma conceção
extrovertida da vontade, que, no caso do Art. 132º, permitiria reconduzir as
circunstâncias qualificantes a um maior sentido de ilicitude como desvalor da ação que
teria de ser averiguado em sede de imputação objetiva do facto ao agente. Daqui
decorrem já implicações de considerar o Art. 132º como tipo especial de culpa ou como
tipo especial de ilícito.
Considerando ser um tipo especial de ilícito, por razões já aduzidas, nomeadamente, de
conformidade ao princípio da necessidade da pena e do princípio da culpa, revelando o
meio particularmente perigoso um maior desvalor da ação, o dolo do agente teria de
referir-se à verificação do dolo do tipo, entendendo-o como circunstâncias de facto que
apenas agravam as referidas no tipo fundamental por conterem um maior sentido de
ilicitude, de ofensividade intensa ao bem jurídico vida. No caso, não se poderia
considerar que no momento da prática do facto e com as circunstâncias que o
envolveram haveria uma perceção pela comunidade que o bem jurídico vida da vítima
estivesse a ser colocado em risco de modo mais intenso; Assim, neste caso, nem
partindo do próprio agente, como faria o tipo especial de culpa, nem partido do que uma
leitura social do comportamento do agente, como faria o tipo especial de ilícito,
poderíamos verificar o dolo da culpa ou, ao invés, o dolo do tipo.
Ora, partindo da conceção desta circunstância agravante como um tipo especial de
ilícito, podemos, ainda assim, com argumentos diferentes, acompanhar a decisão do
tribunal ao não considerar esta machada como um meio particularmente perigoso de
cometer um homicídio e, assim, a desqualificação do homicídio.

6- Meio Insidioso - Argumento 1

No entanto, segundo esta interpretação que tem, como se disse, por base uma conceção
de tipo especial de ilícito, que tem em conta não como o agente ou a vítima
percecionam que as circunstâncias se verificaram, mas ao qual está associada uma ideia
que não há “linguagens privadas”, que as circunstâncias devem ser aferidas em atenção
à maior ofensividade do bem jurídico vida ou mesmo de outros bens jurídicos e, assim,
ao maior desvalor da ação e do resultado, como critérios de ilicitude material,
poderíamos ponderar se, no caso, apesar de não considerar que foi utilizado um meio
particularmente perigoso, estaria presente a utilização de um meio insidioso. Ora, desde
logo, o meio insidioso não pode ser confundido com o simples veneno, pois o próprio
veneno apenas indicia a utilização de um meio insidioso, que se podem naturalmente
referir a outros.
A utilização de um meio insidioso para a prática de um homicídio deve referir-se a
circunstâncias que integram o tipo de ilícito e operam a qualificação do crime. Logo,
para definir o que seja um meio insidioso o foco encontra-se essencialmente no desvalor
objetivo da ação, no sentido de uma mais intensa ofensividade do bem jurídico vida,
percecionado pela sociedade, que se revela essencialmente por o agente atuar,
atendendo às circunstâncias que envolvem a sua ação, de modo simulado ou traiçoeiro,
dificultando as possibilidades de defesa da vítima. Ora, neste caso, o agente, ao dar
guarida à vítima, criou a expectativa de lealdade e proteção, enquanto permanecesse no
lugar indicado para passar a noite, que não seria alvo de um ataque por parte de quem
tivesse acesso a esse lugar, tal como o arguido e, neste sentido, existiria também uma
afetação significativa das possibilidades de defesa da vítima, na medida em que não se
encontrava e nem sequer se poderia esperar que estivesse em modo alerta contra
eventuais ataques que viessem a ocorrer enquanto estivesse naquele local naquela noite.
Para além de que, quando o agente a atacou, ter utilizado um meio que, apesar de ser
comum, pois o agente usava a machada normalmente para cortar lenha, se concretizou
em circunstâncias que dificultaram a possibilidade de defesa da vítima, na medida em
que o agente atacou a vítima com uma machada, às escuras, pois, como se viu, o
barracão não tinha qualquer iluminação, o que não permitiria à vítima poder escapar ou
reagir contra o eventual ataque, como se viu, apenas conseguiu pôr os braços à frente do
corpo para evitar que as tais intensas lesões no bem jurídico vida pudessem culminar na
verificação do resultado típico do homicídio, a morte.
A uma interpretação diferente se poderia chegar, se partisse da conceção do Art. 132º
como um tipo especial da culpa, na medida a que se referia a uma especial
censurabilidade da conduta do agente e, que, na verificação do exemplo-padrão previsto
no n.º 2, al. i), da utilização de meio insidioso, se manifestaria especialmente numa
espécie de “desvalor da motivação”, em que se exigiria que o próprio agente o tivesse
praticado o crime de homicídio tivesse percecionado as circunstâncias que rodearam a
sua ação como contendo em si uma pré-determinação de traição, engano e ocultação.
No caso, o agente utilizou um meio comum, que utilizava habitualmente para cortar
lenha, encontrando-se na sua residência. Por outro lado, quando o arguido atacou a
vítima, ao entrar no barracão, que não tinha, desde logo, a possibilidade de ter
iluminação por si, não implicaria uma afetação significativa das possibilidades de
defesa da vítima, já que esta estaria já às escuras e em modo alerta quanto a um eventual
ataque, visto encontrar-se num barracão, não sendo a sua residência permanente. Assim,
nem seria suscetível de revelar especial censurabilidade esta circunstância, pois o agente
deixou o arguido ficar no barracão, por sua insistência, estando com receio quanto ao
comportamento deste perante a sua pessoa, nomeadamente, perante o risco que este o
atacasse.
Assim sendo, o homicídio qualificado como um tipo especial de culpa, tendo de revelar
as circunstâncias uma especial censurabilidade do agente, levaria à aferição do dolo em
sede de culpa, partindo do pressuposto que essas circunstâncias agravantes deveriam
revelar uma intenção e representação pelo agente e seriam objeto de um juízo de uma
especial culpa do agente. O agente não pode representar ou representou que a utilização
da machada, naquelas circunstâncias de ausência absoluta de iluminação no barracão,
configurasse um meio especialmente insidioso; mas, somente, representou que se
verificasse o resultado típico morte, que é comum ao homicídio simples. Assim, esta
conceção de tipo especial de culpa, levaria a concluir pela verificação do dolo do tipo,
mas já não do dolo da culpa, em que incluiria a tal indeterminada especial
censurabilidade do agente na realização da circunstância agravante, o que permitiria
punir por homicídio simples, de facto, mas já não por homicídio qualificado.
Como se pode ver esta conceção revela fragilidades que podem e devem ser superadas
através de uma objetivação das circunstâncias agravantes do n.º 2 do Art. 132º, como
revelando um maior desvalor da ação, nomeadamente, um maior desvalor subjetivo da
ação, que ainda se identifica com um critério de ilicitude material e se reconduzirá, em
termos práticos, à aferição do dolo em sede de imputação objetiva, não relevando em
sede de culpa, para efeitos da qualificação do homicídio. Ora, agora partindo de uma
conceção extrovertida da vontade, segundo uma leitura social do facto praticado pelo
agente se pode extrair que a circunstância agravante de utilização de um meio insidioso,
se verifica, em sede de dolo do tipo, pois o agente teve intenção e representou a
verificação dessa mesma circunstância agravante, ao atacar a vítima, embora com uma
machada que não deve ser considerada meio particularmente perigoso, mas em
circunstâncias tais que afetam as possibilidades fácticas de defesa da vítima, ao tirar
vantagem de que o barracão a que conduziu a vítima não tivesse qualquer instalação
elétrica, pelo que seria difícil de reagir contra um eventual ataque seu, colocando-a,
então, numa especial situação de vulnerabilidade, a qual, como se disse, só pode relevar
em sede de imputação objetiva.
Podemos ainda fazer um paralelo com casos semelhantes que foram decididos como
prática de um homicídio qualificado por utilização de um meio insidioso,
nomeadamente, o Acórdão do STJ de 27/09/2000, em que o agente age de surpresa,
seguindo à frente da vítima, se vira e a ataca. Ora, no caso em apreço, o que sucede, em
termos factuais, é precisamente o oposto, o agente indica a futura vítima a um lugar e,
sabendo que se irá manter naquele lugar, vai lá e ataca, adicionando o elemento da
escuridão que, definitivamente, põe em causa seriamente as possibilidades de defesa da
vítima.
Assim, ao contrário da conceção do Art. 132º como tipo especial de culpa, se pode
concluir pela verificação da circunstância agravante, por um maior desvalor da ação, da
utilização de meio insidioso, punindo o agente por homicídio qualificado.

7- Meio Insidioso - Argumento 2

Agente que age dissimuladamente ou traiçoeiramente, sem permitir que a vitima uma
possibilidade razoável de defesa.

I - O meio insidioso compreende não tão-só o meio particularmente perigoso usado pelo
agente mas também as condições escolhidas pelo mesmo para utilizá-lo de jeito a que,
colocando a vítima numa situação que a impeça de resistir em face da surpresa, da
dissimulação, do engano, da traição, lhe permita tirar vantagem dessa situação de
vulnerabilidade.

GIUSEPPE MAGGIORE, com a sua proficiência de grande penalista, escreve: "Meio


insidioso" é o que não somente pela sua natureza enganosa, mas também pela maneira
fraudulenta como se emprega, surpreende a vítima, tornando-lhe impossível ou difícil a
defesa.

MEIO INSIDIOSO

Recurso sub-reptício pelo qual o agente da infração penal, ardilosamente, executa a


ação típica. Qualifica o homicídio

Exemplos de Meio insidiosos de acordo com a Jurisprudência Portuguesa :

Mata a sua esposa com uma facada enquanto dormia


Aquele que se mune de uma pedra ou de uma navalha desde que sejam mantidas ocultas
até o seu uso
Aquele que age de supressa quando segue diante da vitima e repentinamente se vira a
ela empunhando uma faca
Aquele que espera a vítima em uma emboscada
Aquele que que se aproxima da vítima, sem que a mesma saiba do seu proposito e
quando a vitima se encontra sem possibilidade de fugir, dispara

Não houve surpresa

Não houve vulnerabilidade e

Não houve emboscada

Não manteve o objeto oculto

Não teve intenções fradulemtas

No caso o arguido não atinge o ofendido em um momento de particular


vulnerabilidade (por exemplo, enquanto dormia) , assim como o arguido também
não manteve oculto o uso da machadada até o momento do uso, fica claro que o
mesmo só recorreu a machadada depois do ofendido te-lo empurrado e do mesmo
ter insistido em lá dormir. Também no caso não houve qualquer tipo de surpresa
planejada, já que não foi algo premeditado e sim espontâneo. Não houve qualquer
tipo de emboscada, nem o arguido levou a vítima a um local que a mesma não
pudesse fugir.

De acordo com Figueiredo Dias, a diminuição sensível da culpa é o “reconhecimento de


que naquela situação (endógena ou exógena), também o agente normalmente «fiel ao
direito» («conformado com a ordem jurídico-penal») teria sido sensível ao conflito
espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de ter sido
estorvado o normal cumprimento das suas intenções”

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