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1 - UM POUCO DE HISTÓRIA
Tanto o direito trabalhista como o direito previdenciário trouxeram, desde suas origens, regras para
proteger o indivíduo contra os acidentes do trabalho.
Carlos Alberto Pereira de Castro, citando Victor Russomano, afirma que “não raramente se observa
que os primeiros ensaios de uma legislação social foram feitos no domínio dos acidentes e das
moléstias profissionais”.1
Considerando que o tomador dos serviços auferia lucro e se beneficiava da mão-de-obra de seus
funcionários, a proteção contra acidentes ficava a cargo exclusivo da empresa2. O acidente era visto
como um risco profissional (risco inerente ao exercício da atividade, suportado financeiramente pelo
empresário). Para minimizar esse risco, o empregador poderia, facultativamente, contratar seguros
de acidente de trabalho em benefício de seus trabalhadores.
Com o advento da Constituição Federal de 19343, o que era tido como mero risco profissional passou
a ser entendido, também, como um risco social. De fato, como os custos do acidente eram
integralmente arcados pela empresa, a sistemática anterior deixava os trabalhadores vulneráveis em
caso de insolvência.
1
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 13 ed. São Paulo: Conceito
Editorial, 2011, p. 568.
2
Conforme o Decreto n. 3.724/1919, que regulava as obrigações resultantes de acidentes no
trabalho.
3
Art. 121, §1º, h.
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O ônus de garantir a manutenção da vítima de acidente do trabalho (ou seus dependentes) foi
transferido para o regime previdenciário. O seguro indenizatório (facultativo) continuou previsto na
legislação específica. Assim, a responsabilidade e os custos passaram a ser divididos entre o
empregador e a sociedade.
Em 1944, o Decreto-Lei n. 7.036 tornou o seguro por acidente de trabalho obrigatório. A Constituição
Federal de 1946 confirmou essa obrigatoriedade.
Vale notar que o mencionado decreto-lei determinou que o seguro deveria ser realizado perante a
instituição de previdência social a qual estivesse filiado o empregado (estávamos na época dos IAP -
instituto de assistência e previdência dos ferroviários, dos comerciários, dos bancários, etc). Desde
então, a cobertura do risco de acidente do trabalho passou a ser um monopólio estatal: a) o governo
concede o benefício previdenciário e b) o governo mantém o seguro indenizatório.
Ao longo dessa história, a proteção também foi se tornando mais ampla. O que inicialmente dizia
respeito apenas ao acidente de trabalho estrito senso passou a incluir as moléstias profissionais e
outras situações a elas equiparadas, como a lesão in itinere e as concausas.
A lei n. 6.195/74 estendeu o SAT aos rurícolas, que desde então fazem jus ao recebimento de
benefícios acidentários.
Percebeu-se que não bastava proteger o trabalhador depois que o acidente já tivesse ocorrido. Por
isso, o governo passou a adotar medidas para evitar os acidentes, punindo determinadas condutas e
estimulando outras. Foram criados institutos para direcionar a atuação empresarial.
Nessa aula, veremos o que vigora atualmente com relação ao tema “acidente do trabalho”, incluindo
algumas regras trabalhistas e também as ferramentas utilizadas pelo governo para estimular as boas
práticas protetivas.
2 - PANORAMA ATUAL
A Constituição Federal de 1988 menciona a proteção contra os acidentes do trabalho em duas
ocasiões:
• no art. 201, §10 (regime geral de previdência social), recentemente alterado pela EC 103/19.
In verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
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XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
§ 10. Lei complementar poderá disciplinar a cobertura de benefícios não programados,
inclusive os decorrentes de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo
Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado. (Redação dada pela EC 103/19)
É essa previsão do art. 7º, XXVIII, da CF/88 que justifica a contribuição adicional exigida das empresas
pela lei n. 8.212/91 (contribuição para o SAT):
Como se vê, as empresas ajudam a financiar o sistema previdenciário como um todo (art. 23). Além
disso, pagam, também, uma contribuição específica para o financiamento do seguro contra acidente
do trabalho (art. 22, II).
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Benefícios Decorrem de acidente do trabalho (e
ACIDENTÁRIOS equiparados)
Em 1995, a lei n. 9.032 unificou as regras e a forma de cálculo, trazendo uma equivalência que
superou muitas discussões relativas à origem da incapacidade, à competência jurisdicional, etc. Essa
uniformidade vigorou por quase 25 anos.
No que tange à concessão dos benefícios, o Brasil adota a teoria do risco social (seguro social). A
responsabilidade é objetiva: havendo acidente do trabalho, o benefício será devido pelo governo
independentemente da existência de culpa ou dolo de terceiros, ou do próprio segurado. De nada
interessa saber se o trabalhador foi imprudente, negligente ou se agiu de forma deliberada para
causar o acidente de trabalho.
Por outro lado, o art. 7º, XXVIII, da CF/88, menciona que o trabalhador fará jus a uma indenização
adicional por parte do empregador, se ficar demonstrada a ocorrência de culpa ou dolo daquele.
Aqui, sim, temos responsabilidade subjetiva a ser comprovada caso a caso, nos termos da legislação
civil.
Isso se dá porque o benefício previdenciário não tem cunho indenizatório. O intuito é apenas garantir
a manutenção do trabalhador ou de seus dependentes no momento do infortúnio. Ocorre que,
muitas vezes, do acidente derivam danos morais/patrimoniais que não são reparados pela mera
implantação de um benefício. Estes danos devem ser reparados pelo agente causador em ação
autônoma, se houver ato ilícito e nexo causal.
4
Art. 26, §3º, II, da EC 103/19.
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Portanto, quando o empregador é omisso na sua obrigação de fornecer ou cobrar o uso dos
equipamentos de proteção individual, ou age de forma imprudente ao exigir jornadas de trabalho
longas e exaustivas, poderá ter que pagar esta indenização adicional prevista na própria CF/88.
Passando ao art. art. 201, §10, da CF/88, vemos que foi prevista a participação da iniciativa privada
na cobertura do risco de acidente do trabalho.
A lei prevista desde a EC 20/98 jamais foi editada. Talvez por isso, a nova redação informa que lei
(agora complementar) poderá disciplinar...
Tendo em vista que a CF/88 menciona a participação do setor privado, parcela relevante da doutrina
afirma que vigora no Brasil, hoje, um sistema misto entre a teoria do risco social e a teoria do risco
profissional.
No entanto, a participação do setor privado tem sido muito tímida, pois os empregadores (já
compelidos a pagar pelo SAT estatal) não possuem atrativos para contratar seguros na iniciativa
privada.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional projeto de lei com o intuito de efetivamente acabar com
o monopólio do governo na cobertura do risco dos acidentes do trabalho, mediante sistema de
seguros contratados com recursos exclusivos das empresas e dos trabalhadores, como acontece em
outros países. Mas são apenas planos, por enquanto.
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3 - DEFINIÇÃO
Perceba que a CF/88 não especificou o que é “acidente do trabalho” e nem qual seria a cobertura
conferida ao público-alvo.
Atualmente, a cobertura dos riscos de acidente do trabalho é regida pela lei n. 8.213/91.
De acordo com o art. 19 da lei n. 8.213/91, acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do
trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos
segurados especiais que tenha provocado lesão corporal ou perturbação funcional que cause a
morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho, de forma permanente ou temporária.
Lembro que, por força do art. 7º, XXXIV, da CF/88, todos os direitos concedidos aos empregados são
extensíveis também aos avulsos.
Importante ressaltar que nem todo acidente ocorrido na empresa dará direito a benefício
acidentário. Se não houver morte, perda ou redução da capacidade laborativa, ainda que temporária,
não haverá repercussão previdenciária.
No entanto, tratando-se de benefício acidentário, temos regra especial. Fica garantida a manutenção
do contrato por um período mínimo de 12 meses, independentemente da conversão em auxílio-
acidente. É uma estabilidade provisória que não existe no caso dos benefícios comuns.
Ademais, durante o afastamento por acidente de trabalho, o tomador de serviços fica obrigado a
continuar recolhendo o FGTS em favor do empregado, doméstico ou avulso.
Outro aspecto interessante: as faltas ou ausências decorrentes de acidente do trabalho não são
consideradas para os efeitos de duração de férias e cálculo da gratificação natalina, conforme a
súmula n. 46 do TST.
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O auxílio-doença acidentário e a aposentadoria por invalidez acidentária dispensam o cumprimento
da carência de 12 meses, exigida (em regra) na modalidade comum destes benefícios.
Na lei n. 8.213/91, encontramos dispositivo que impõe à empresa a responsabilidade pela adoção e
uso das medidas coletivas e individuais de proteção do trabalhador. Portanto, não basta entregar
luvas e capacetes. A empresa é obrigada a fiscalizar o efetivo uso dos equipamentos de proteção,
podendo demitir por justa causa o funcionário que se recuse a utilizá-lo.
Como dito um pouco acima, a cobertura dos riscos profissionais não se limita apenas à hipótese do
acidente de trabalho. Outras situações também garantem a proteção especial, como vemos na lei n.
8.213/91:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes
entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do
trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada
pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de
condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente,
constante da relação mencionada no inciso I.
Acidentes são fatos súbitos, violentos, inesperados. As doenças, por outro lado, geram seus efeitos
nocivos de forma paulatina. Em ambos os casos, para que sejam consideradas acidentárias, as
morbidades devem possuir um nexo de causalidade com a atividade laborativa do indivíduo.
No caso dos acidentes, o nexo de causalidade em geral é óbvio: uma queda, explosão, amputação,
etc. No que tange às doenças, por outro lado, nem sempre é fácil verificar a conexão.
As doenças profissionais são típicas de determinadas atividades, como a silicose, a asbestose (lesão
no pulmão decorrente da aspiração de pó de amianto) e as contaminações decorrentes do contato
frequente com flúor, mercúrio, etc. Quando um trabalhador da indústria do amianto desenvolve
asbestose, o nexo causal entre a atividade e a morbidade é presumido, estando previsto (em rol
exemplificativo) nos anexos do Decreto n. 3.048/99.
Por outro lado, as doenças do trabalho correspondem às morbidades que, não sendo típicas de uma
atividade, podem ser desencadeadas em razão da forma de exercê-la. Um exemplo é a lesão por
esforço repetitivo – LER. O indivíduo pode apresentá-la por uma questão ergonômica no trabalho ou
por jogar tênis nos finais de semana. Quando a morbidade surge, somente será enquadrada como
acidentária se o nexo causal for comprovado.
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Resumindo:
Nexo de
Doença Típica da
causalidade
profissional profissão
presumido
Forma de
Doença do Nexo deve ser
exercer a
trabalho comprovado
atividade
As moléstias profissionais também geram discussões no que tange à data de aquisição do direito.
Sendo, em geral, progressiva e paulatina, a doença profissional ou do trabalho precisa de um marco
para que o benefício acidentário seja concedido.
Seria ideal que o benefício sempre fosse concedido a partir da efetiva data de início da incapacidade.
No entanto, os peritos precisam de algum elemento concreto para que a DII seja fixada de forma
retroativa. Citamos, como exemplo, o dia em que o segurado não conseguiu mais operar uma
máquina ou o dia em que foi internado em razão da doença.
Ausente esse marco objetivo, o benefício por incapacidade terá início na data de realização do
diagnóstico. Essa será, para todos os fins, a data de início da incapacidade – DII.
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Por outro lado, quando temos um pequeno acidente do trabalho (como uma leve torsão) e um
evento paralelo, externo, nitidamente mais grave se sobrepõe e dá causa à incapacidade, afasta-se a
natureza acidentária do benefício.
Quando o segurado está no curso de programa de reabilitação profissional e sofre um novo acidente,
este segundo será considerado um agravamento do primeiro, mantendo-se a natureza acidentária
se o acidente original fosse acidentário (art. 337, §2º, do decreto n. 3.048/99).
A lei n. 8.213/91 enumera situações que não são consideradas como doença do trabalho, por não
haver conexão entre a profissão e a morbidade:
Com efeito, dificilmente o empregador poderia ser culpado pelo aparecimento de Parkinson ou
Alzheimer em seu funcionário. Da mesma forma a pressão alta, diabetes e catarata, que são doenças
típicas da terceira idade.
Com relação às doenças endêmicas, chamo a atenção para a parte final da alínea d. Um engenheiro
gaúcho que seja contratado para acompanhar determinada obra na Amazônia terá direito ao
benefício acidentário se, lá chegando, for contaminado pela malária. Outro engenheiro, residente na
região, receberia o auxílio-doença comum (previdenciário).
Existem situações que são equiparadas ao acidente do trabalho para fins de concessão de benefícios,
apesar não terem, necessariamente, uma relação direta com a atividade exercida.
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
(...)
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência
de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de
trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao
trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de
trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força
maior;
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III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua
atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou
proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta
dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do
meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que
seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Percebe-se que, no local e horário de trabalho, praticamente tudo que gere a morte, perda ou
redução da capacidade laborativa poderá ser caracterizado como acidente de trabalho, ainda que
seja um caso fortuito e absurdo.
Quando o indivíduo estiver fora do local e horário de trabalho, exige-se um liame mais forte para que
o infortúnio seja equiparado ao acidente de trabalho.
Volte um pouco e leia mais uma vez as hipóteses acima, porque elas costumam cair com bastante
frequência nas provas!
De acordo com a jurisprudência, pequenos desvios (como a parada para comprar pão) não
descaracterizam o acidente de trabalho in itinere.
Vale notar que, nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de
outras necessidades fisiológicas (no local do trabalho ou durante este) o empregado é considerado
no exercício do trabalho.
Apesar do caput mencionar apenas a empresa e o empregador doméstico, lembre-se que os avulsos
e os segurados especiais também fazem jus aos benefícios acidentários.
Atenção também aos prazos de que dispõe a empresa: primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência;
ou de forma imediata, em caso de morte.
Em termos práticos, o sistema foi construído de forma que o caráter acidentário de um benefício
acabava sendo definido pela existência (ou não) da CAT. Sem ela, o auxílio-doença ou a aposentadoria
por invalidez seriam concedidos como benefícios comuns (previdenciários).
No entanto, ao emitir a CAT, muitas vezes a empresa estará reconhecendo sua própria
omissão/negligência (e chamando a atenção das autoridades para esse fato).
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A multa administrativa (variável entre o mínimo e o máximo do salário-de-contribuição) nem sempre
é eficaz para estimular as empresas. A seu turno, os demais legitimados também deixam de elaborar
o documento por simples falta de conhecimento ou de interesse sobre o caso.
Como resultado, sempre tivemos índices altíssimos de subnotificação dos acidentes do trabalho, o
que prejudica o indivíduo e também a visão geral do problema por parte do governo.
Para trazer novos contornos ao tema, a legislação foi alterada em 2006 para criar uma outra forma
de estabelecimento do nexo causal. É o que veremos a seguir.
A partir dela, passou-se a presumir a existência de nexo causal entre o trabalho e a lesão, sempre
que verificada a relação entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da
incapacidade.
Em outras palavras, quando o segurado vier a requerer o benefício, a perícia médica do INSS deverá
verificar se há relação estatística entre a profissão exercida e a patologia apresentada.
Para esse cruzamento de dados, são utilizadas as informações da tabela CNAE – Classificação
Nacional de Atividades Econômicas e da CID-10 – Código Internacional de Doenças.
Detectado o nexo técnico epidemiológico, o benefício será concedido como acidentário, ainda que
não tenha sido emitida a correspondente CAT.
Tal sistemática implica uma inversão do ônus da prova: uma vez estabelecido o nexo técnico
epidemiológico pela perícia do INSS, caberá ao tomador de serviços demonstrar que não concorreu
para a lesão ou morte, desde que traga documentos suficientemente fortes para afastar a presunção
legal.
Dessa forma, o NTEP permite que o governo tenha dados mais precisos no que tange à quantidade
de acidentes de trabalho ocorridos, ao tempo em que também resguarda o direito dos trabalhadores.
In verbis:
Lei n. 8.213/91
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Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará
caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de
nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a
atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da
incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade
com o que dispuser o regulamento. (Redação dada pela Lei Complementar nº
150, de 2015)
§ 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando
demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. (Incluído
pela Lei nº 11.430, de 2006)
§ 2o A empresa ou o empregador doméstico poderão requerer a não aplicação do nexo
técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso, com efeito suspensivo, da
empresa, do empregador doméstico ou do segurado ao Conselho de Recursos da
Previdência Social. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
O §3º do mesmo dispositivo estabelece que o governo, com base nas estatísticas de acidentes do
trabalho, poderá alterar o enquadramento das empresas para efeito da contribuição a que se refere
o inciso II, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.
Dando concretude a essa norma, o decreto n. 3.048/99 estabeleceu o FAP – Fator Acidentário de
Prevenção:
A depender do FAP atribuído à empresa, esta pagará mais ou menos contribuições previdenciárias
para o financiamento do SAT (em acréscimo de até 100% ou redução de até 50%). Com isso, o
governo consegue estimular as iniciativas empresariais voltadas à redução de acidentes.
A alíquota será estabelecida para cada empresa individualizada pelo seu CNPJ, “ou pelo grau de risco
da atividade preponderante quando houver apenas um registro” (conforme a Súmula 351 do STJ,
posteriormente incorporada ao decreto).
Seguindo a mesma lógica, quando tivermos um grupo formado por matriz e filial(is), cada empresa
(individualizada por seu CNPJ) terá um FAP específico.
Os fatores acima serão ponderados em razão da média de 50% (gravidade), 35% (frequência) e 15%
(custo).
O FAP é calculado de acordo com os dados obtidos nos últimos dois anos, atualizados anualmente.
Após a divulgação anual, a empresa possui 30 dias para apresentar recurso administrativo contra o
valor que lhe foi atribuído.
1 - COMPETÊNCIA DE JULGAMENTO
A partir do que vimos na aula, podemos cogitar três situações distintas:
A ação manejada pelo trabalhador contra o INSS para que seja concedido um benefício acidentário;
A ação manejada pelo trabalhador contra o tomador de serviço para que seja concedida uma
indenização por danos morais/patrimoniais fundada na responsabilidade civil; e
A ação manejada contra o INSS para que seja re visada a renda mensal inicial, o salário-de-
==1934c4==
De acordo com o art. 109, I, da CF/88, “compete aos juízes federais processar e julgar as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.
Portanto, as ações contra o INSS que tenham como causa de pedir o acidente do trabalho serão
processadas na justiça comum estadual.
A seu turno, a ação manejada contra o tomador de serviços para obter indenização por danos morais
ou patrimoniais será competência da justiça especializada do trabalho, como decorre da
jurisprudência do STF cristalizada na Súmula Vinculante n. 22:
No que tange à competência para revisão de benefício derivado de acidente do trabalho, ainda se
verifica alguma oscilação na jurisprudência.
Nessa hipótese, a causa de pedir próxima não é a ocorrência de um acidente de trabalho. É, sim, o
eventual erro do INSS em processar da forma devida o benefício.
Por uma questão de uniformização dos entendimentos, entendo que a competência deveria ser da
Justiça Federal, como já decidiu o STJ no Conflito de Competência n. 119.921/2012 e também no CC
n. 139.399/2016.
Nesses precedentes (e em diversos outros), o STJ entendeu que a ação revisional de pensão por
morte derivada de acidente de trabalho é de competência da justiça federal, pois o liame entre o
pedido de revisão e o acidente do trabalho é muito fraco.
No entanto, com relação aos pedidos de revisão em que o próprio acidentado ainda está vivo, vem
prevalecendo o entendimento contrário. Como se vê no aresto abaixo, o STJ entende que a
competência será da Justiça Estadual Comum, pois a causa de pedir remota envolve a matéria
acidente do trabalho:
Em homenagem à coerência do sistema, entendo que a solução deveria ser a mesma para ambos os
casos.
- Revisional de pensão por morte decorrente de benefício acidentário: justiça federal (o liame entre
o acidente sofrido pelo segurado e a revisão pretendida pelo dependente é fraco demais para
justificar a competência da justiça estadual).
2 - PRESCRIÇÃO
O art. 104 da lei n. 8.213/91 estabelece um prazo prescricional de 05 anos para as ações movidas
contra o INSS referentes a benefícios acidentários:
A prescrição atinge apenas as parcelas vencidas no quinquênio que antecede o ajuizamento da ação.
O fundo de direito permanece intacto, pois não há previsão de decadência para o ato de requerer o
benefício. Nesse sentido, vide o seguinte acórdão do STJ:
Com relação às ações indenizatórias (ajuizadas contra o tomador de serviço) a Súmula n. 278 do STJ
define o termo inicial na data de ciência inequívoca da incapacidade:
O prazo prescricional também é de cinco anos, mas, aqui, ela fulmina o próprio fundo do direito
(decorrido esse prazo, o segurado não poderá mais pleitear o recebimento da indenização).
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No entanto, tratando-se de benefício acidentário, essa regra de “carência” fica
dispensada, como decorre do art. 77, §2º-A da lei n. 8.213/91:
Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos
de: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
I - negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas
para a proteção individual e coletiva; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Essa hipótese de ação regressiva se funda na culpa (lato sensu) da empresa, que poderia ter evitado
o acidente, mas deixou que ele ocorresse.
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Nas palavras de Daniel Paulino, “o seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará
para que as empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador fiquem acobertadas
de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso estímulo a esta prática
socialmente indesejável”.5
A doutrina e a jurisprudência entendem que a ação regressiva deve ser ajuizada não somente em
caso de negligência, mas também nos casos de dolo, imperícia ou imprudência do tomador de
serviços (culpa genérica).
De acordo com o art. 121 da lei n. 8.213/91, o pagamento das prestações de acidente do trabalho
pela Previdência Social não exclui a responsabilidade civil da empresa ou do causador do dano.
Isso significa que o INSS deve implantar o benefício de forma objetiva para garantir a ampla proteção
ao indivíduo, independentemente da análise de culpa ou dolo. Em todo caso, se houver culpa por
parte da empresa/tomador de serviço, ela poderá responder em ação de regresso. A culpa é
requisito apenas da ação regressiva!
O pagamento da contribuição para custeio dos benefícios acidentários (contribuição SAT) também
não exime a empresa dessa responsabilidade regressiva. A empresa deve fazer todo o possível para
evitar o acidente! Seria um absurdo que essa obrigação caísse por terra pelo simples fato de já ter
sido pago um seguro público ou privado!
Tratando-se de ação movida pelo INSS contra o causador do dano, a ação tramitará na Justiça Federal
de 1º grau (autarquia federal no polo ativo).
Tudo o que foi dito acima decorre da autorização inserta nos arts. 120 e 121 da lei n. 8.213/91, que
prevê ação regressiva do INSS em caso de omissão da empresa no que tange às normas de segurança
do trabalho.
Ocorre que existem também outras hipóteses em que a ação regressiva é cabível!
5
Revista de Previdência Social. São Paulo: LTr, n. 182, p. 16.
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c) Acidente de trânsito (culpa/dolo do motorista – ex: dirigir embriagado);
Percebeu-se que o INSS frequentemente concede benefícios em razão de ato ilícito praticado por
terceiros. É o caso do motorista embriagado que mata um indivíduo e dá ensejo à pensão por morte,
ou do companheiro que aleija a esposa e ocasiona sua aposentadoria por invalidez.
Em todos esses casos, o governo utiliza a ação regressiva não apenas em busca do dinheiro, mas
também como uma ferramenta para estimular a população a agir de determinada maneira. Se a
multa de trânsito não assusta, pense em quanto você gastaria para ressarcir ao INSS o valor de uma
aposentadoria por invalidez, paga pelas próximas décadas!
Estamos nos referindo ao INSS, mas a lógica é a mesma para os regimes próprios de previdência e,
também, para o cidadão individualmente considerado. A lei n. 8.213/91 menciona algumas das
hipóteses possíveis (acidente do trabalho e violência doméstica contra a mulher), mas a ação
regressiva decorre de ato ilícito praticado por terceiros, com base no Código Civil e diversas outras
hipóteses de ajuizamento possíveis.