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A Ovelha Perdida
Livro 1
Todos os direitos reservados.
ISBN- 978-65-00-59992-3
Músicas mencionadas na história ou que me inspiraram durante
a escrita.
Fevereiro
No começo daquele mesmo ano, em fevereiro, quando eu
entrei na BHS, Emily me recebeu com toda gentileza e tentou me
enturmar. Gentilmente, eu fui me afastando daquele grupo. Logo de
início, eu pude perceber que eles não viviam um estilo de vida que
batia com os meus princípios. Eu passava a maior parte do meu
tempo na biblioteca lendo algum livro, praticamente fugindo daquele
grupo. Em um desses dias, um colega de sala que reconheci de
vista me olhava sem parar. Quando os meus olhos o atingiam, os
seus desviavam. Cansada daquela situação, fechei o livro e fui até
ele.
— O meu nome é Sophie, muito prazer! — digo com um
sorriso amigável enquanto ele levanta os seus tímidos olhos azuis.
— Oi — ele balbucia. — Matheus. O meu nome é Matheus.
Nós somos da mesma sala — ele se apressa em se justificar por ter
me olhado tantas vezes. Sorrio.
— Você sempre estudou aqui? — pergunto me ajeitando na
cadeira a sua frente sem ser convidada.
— Sempre. Você veio de qual escola?
— Eu morava em outra cidade, mudei há pouco tempo —
digo.
— Xiu! — a bibliotecária nos chama atenção e rimos juntos.
— É melhor conversarmos lá fora — e assim seguimos
conhecendo um ao outro.
Matheus era uma pessoa amistosa, o que tornou tudo mais
fácil para mim. As primeiras semanas de aula são as piores. Era
uma escola difícil de fazer amizade, as pessoas eram muito
fechadas e havia várias panelinhas. Eu percebia que as pessoas se
afastavam de mim logo nas primeiras conversas quando eu dizia
que o meu programa favorito aos finais de semana era ir à igreja.
Além dos deboches, eu perdia as chances de fazer novos amigos.
— Domingo eu não posso, eu vou para o culto — recuso um
convite de Matheus para um evento de livros organizado pela
prefeitura da cidade.
— Culto de quê?
— Da igreja — sorrio achando a pergunta engraçada.
— Ah, sim. Os seus pais te obrigam? Os meus pegam no
meu pé por causa disso. Todos os domingos eles vão à missa e me
dão mais sermão do que o próprio padre.
— Não, eles não me obrigam. Na verdade, os meus pais não
frequentam a igreja.
— Então, por que você vai?
— Porque eu sou cristã — Matheus processa o que eu disse.
— Entendi.
Eu já esperava que aquela pudesse ser a nossa última
conversa. Não era fácil aceitar que eu não teria amigos por conta da
minha profissão de fé, mas eu jamais a negaria por pessoa alguma.
Com Matheus foi diferente. As nossas conversas não eram focadas
na fé, pois ele não era aberto a isso, e eu respeitava. Nós tínhamos
cada vez mais proximidade com o passar das semanas. Ele era o
meu colega de sala e o meu parceiro de trabalho escolar. A nossa
amizade fazia com que pessoas pensassem que estávamos
namorando, mas não era o caso. No entanto, na minha cabeça
estava claro que o nosso relacionamento não tinha nada de
romântico, mas na de Matheus as coisas estavam um pouco
diferentes.
— Matheus, está tudo bem? Você parece nervoso —
pergunto após a garçonete nos servir um cappuccino de chocolate
em uma tarde de sábado. Ele estava inquieto. As mãos afastavam a
franja de sua testa suada repetidamente. A perna não parava um
segundo e os estralar de dedos me causava aflição. Ele, então,
tomou coragem e confessou os sentimentos.
— Eu gosto de você, Sophie.
— Eu também gosto de você — ele sorri com as minhas
palavras. — Você tem sido um amigo incrível para mim — o seu
sorriso desaparecera.
— É… — ele pigarreia. — Eu me refiro a outro sentimento.
— Ah… — coloco o cabelo atrás da orelha e encaro a minha
xícara sem saber o que dizer.
— Esquece o que falei — ele tenta quebrar o clima estranho
que ficou entre nós.
— Tudo bem, Matheus.
— Eu não quero perder a sua amizade, você tem sido muito
importante para mim. Podemos, por favor, fingir que isso não
aconteceu?
— Aconteceu o quê? Eu não sei do que você está falando —
colaboro para sairmos daquela situação o mais rápido possível.
Matheus e eu continuamos a nossa amizade normalmente
depois disso, éramos muito bons em fingir esquecimento. No
entanto, a sua declaração mexeu comigo e passei a olhar Matheus
diferente. Entretanto, pela nossa diferença de fé, ter algo romântico
com ele estava fora de cogitação. Com tantos trabalhos da escola, a
melhor opção era deixar para lá e focar no que era importante.
Junho
O tempo passou voando, já estávamos no começo do
mês de junho e a contagem regressiva para as férias de julho já
começavam. E, com ela, a correria para passar de semestre com
boas notas. Enquanto Matheus e eu compartilhávamos nossas
expectativas sobre as férias, risadas e mais risadas invadiram o
corredor da escola. Matheus me olha sem entender. Vários alunos
comentavam algo entre si e riam, e o grupo de Brian fazia o mesmo.
— Ela realmente acreditou que eu tinha algum interesse nela
— Brian diz rindo aos colegas que o acompanham em gargalhadas.
— A Emma é uma boboca — um aluno comenta.
— Quem é Emma? — Matheus me pergunta, mas não obtém
resposta. Eu não conhecia nenhuma Emma.
— Matheus, eu vou ao banheiro — senti que deveria ir até lá,
algo estava errado. Se Emma estava sendo alvo de risadas,
provavelmente, teria se escondido no banheiro, e eu não estava
errada. Uma garota com o rosto vermelho de tanto chorar me olha
pelo espelho.
— Está esperando o quê para me ofender? — ela diz na
defensiva com olhar cheio de raiva. A porta do banheiro abre em
seguida e Rebecca entra preparada para provocá-la.
— Parabéns, Emma, por ganhar o prêmio Imbecil do Ano.
Você achou mesmo que o Brian Winters te daria bola? Ah, como
você é burrinha! Aproveita que está de frente para o espelho e
enxerga o quão patética você é! — ela debocha e sai do banheiro
aos risos.
— Você se envolveu com o Winters? — pergunto.
— A escola inteira está rindo da minha cara por causa disso e
você ainda pergunta? — ela chora e sinto a dor em sua expressão.
Em seguida, pego um pedaço de papel higiênico e ofereço, ela pega
de minhas mãos e não diz nada.
Brian tinha todas as características do garoto popular da
escola. Não era difícil de encontrar uma menina apaixonada por ele.
Atleta, alto e forte, dono de belos olhos verdes, sobrancelhas
marcantes, cabelos castanho claro bem cortado, postura ereta e
cheio de confiança. Por onde ele passava captava a atenção de
todos. Sem dúvidas, ele era o alvo de muitos olhares, exceto o meu.
Mas, de Emma, ele não tinha apenas o olhar, mas também o seu
coração.
— Você é de qual sala? — pergunto.
— 2º B.
— Eu sou do 2ºA — ela franze o cenho e já entendo o
motivo. — Sim, eu sou da mesma sala do Brian.
— O que você quer comigo? — ela entra no modo defensivo
novamente.
— Eu entrei aqui e te vi chorando… Olha, eu não sei o que
ele te fez, mas você claramente não está nada bem e eu não
conseguiria ignorar isso.
— Ele te mandou aqui para brincar com a minha cara, não
foi?
— Não! Eu não sou amiga do Brian e jamais faria isso —
defendo-me.
— Sei… — ela não acredita em mim. — Olha só, seja lá
como você se chama, eu não caio mais nessa, tá legal? O Brian se
apresentou como um cara perfeito, e você está se fazendo de
amiguinha. Qual é o próximo passo? Fingir amizade, arrancar algo
de mim e me ridicularizar ainda mais? Já não é suficiente o que
estão fazendo comigo? — ela sai do banheiro como um foguete e
fico sem reação.
No refeitório, durante o intervalo das aulas, observo as pessoas
ainda rindo de Emma. Não consegui localizá-la após a nossa
conversa. Uma coisa que eu aprendi durante a minha caminhada
cristã é levar comigo os seguintes questionamentos: “o que Jesus
faria nessa situação?” e “e se fosse comigo, como eu gostaria de
ser acolhida e tratada?”. Todavia, eu continuava sendo humana
como qualquer pessoa e sentia muita raiva pelo comportamento dos
meus colegas. Era um sentimento ruim, que eu não gostava de
sentir e era custoso lutar contra.
— Brian é tão escroto — Matheus comenta enquanto
tomávamos o nosso lanche da manhã.
— Beleza e dinheiro não são tudo na vida — comento.
— Você o acha bonito?
— Ele é bonito, Matheus, não tem como negar isso — ele
parece incomodado com a minha resposta. O foco muda por alguns
segundos quando Jake aparece como um furacão distribuindo
panfletos nos pedindo para fazer o mesmo. Curiosa para saber do
que se tratava, leio.
— Hum, tem jogo de Football semana que vem. Vamos
assistir? — convido Matheus.
— Para quê? Para você ver o Brian jogar e falar que ele é
bonito? Não, muito obrigado! — Matheus se levanta e sai furioso.
Confesso que fiquei chateada com a atitude dele. Os
sentimentos de Matheus por mim estavam vivos e eu tinha medo de
machucá-lo por isso. Poucos minutos para o sinal bater, decido ir
até o campo de Football e me sento na arquibancada por alguns
minutos para digerir o que havia acontecido. Eu gostava de fazer
isso, era um momento em que eu conversava com Deus em
pensamento. O campo estava vazio, mas a arquibancada contava
com algumas pessoas, o que não deixava um ambiente totalmente
silencioso como eu gostaria. Observo o céu, os pássaros, as
árvores. Tudo o que Deus criou é tão perfeito. Que esforço nós
fazemos para que o Sol nasça todos os dias? Começo a pensar na
grandiosidade de Deus. Fecho os olhos e encho os meus pulmões e
sinto o vento fresco bater em meu rosto. Ao abrir os olhos, vejo
Emma sozinha parada olhando para o campo. Apressadamente,
pego a minha mochila e vou até ela.
— Por favor, não fuja de mim! — ela me olha e o seu
semblante é triste, porém mais calmo que da última vez que a vi. —
Eu sinto muito por tudo isso que está acontecendo.
— O que você quer comigo? — a sua voz é quase inaudível.
— O meu nome é Sophie, sou do 2ºA, não sou amiga do
Brian nem do grupo dele. Entrei na escola esse ano e tenho apenas
um amigo, o Matheus. Eu te vi sozinha aqui, e eu estava sozinha lá
— aponto para arquibancada —, e achei que se ficássemos juntas
seria melhor — dou um sorriso amigável.
— Sophie, eu estou extremamente machucada e eu peço que
não me machuque mais porque eu não vou suportar — ao mesmo
tempo em que as palavras saem de sua boca, os seus olhos se
enchem de lágrimas.
— Emma, eu te dou a minha palavra que não estou te
enganando, e Deus sabe como eu estou sendo sincera. Eu não sei
o que aconteceu exatamente entre você e o Brian, mas eu sei que o
que ele está fazendo agora é muito errado.
— Você não viu o que aconteceu? — ela pergunta
envergonhada.
— Na verdade, não. Eu apenas escuto comentários
fragmentados.
— Ele… fingiu estar apaixonado por mim. Encheu-me de
esperanças, conversava comigo todos os dias, era um ótimo
ouvinte, bons nas palavras, fazia elogios certeiros e… eu comecei a
corresponder verdadeiramente um sentimento falso que era apenas
uma brincadeira entre eles. Eles armaram a maior cena em público
e me humilharam na frente de todos dizendo que o Brian e nenhum
outro garoto olharia para mim. Era tudo uma mentira, ou melhor,
uma brincadeira, como eles preferem chamar.
— Isso não é nenhuma brincadeira! Isso é errado! Emma,
eles não tinham o direito de te humilhar e te expor dessa maneira.
— Fala isso para eles! E ainda assim não adiantaria — ela
limpa os olhos na camiseta.
— Realmente não adiantaria. Você contou para diretora?
— Claro que não! A diretora é a maior fã do Brian. Com
certeza, eu passaria outra vergonha.
— Bom, mas você não pode ficar se escondendo deles para
sempre.
— Para você é fácil falar, não é você que está sendo exposta
— o seu tom muda.
— Eu não quis dizer dessa forma, desculpa se soou
insensível — apresso em dizer. — Eu só quero que saiba que se
você quiser, eu te ajudo.
— Como?
— Voltando a viver a sua vida normalmente. É ele que deve
sentir vergonha, não você. Vem! — estendo a mão. — Eu vou te
levar até a sua sala, daqui a pouco o sinal vai tocar — tento animá-
la, mas ela não se move.
— Melhor não. Se você andar comigo, será também o alvo
deles.
— Eu não ligo. Eu não fiz nada de errado assim como você
também não fez. Vamos? — insisto em gestos e ela me olha
desconfiada. Em pensamento, peço a Deus que me ajude. Emma
pega a sua mochila e me acompanha em passos lentos e inseguros.
— Por que está me ajudando, Sophie?
— Porque se eu estivesse no seu lugar, eu gostaria de ter
alguém ao meu lado. E se eu posso fazer isso por alguém, por que
não?
Ao entrarmos no refeitório, alguns olhares e comentários
surgem. As risadas não eram nada discretas. Se eu estava
constrangida, penso em como Emma se sentia ao ser o alvo
principal.
— Não olhe para eles, foque em nossa conversa — tento
distrai-la. — Você é daqui mesmo? Eu vim de outra cidade.
— Sim, eu sou bolsista. Eu estudava em uma escola pública
e tinha muita vontade de estudar aqui, eu só não imaginava que
viveria esse pesadelo.
— Que legal! Parabéns! — ignoro a parte do pesadelo.
— Ei, Emma — Rebecca chama, mas é ignorada.
— O que eu faço para não pular no pescoço dela?
— Eu também morro de vontade de fazer isso — digo
baixinho, e Emma sorri suavemente.
— Ei, Emma — um garoto que está sentando a mesa em que
passamos diz. — Você deveria agradecer o Brian por ter feito você
se sentir desejada uma vez na vida — ele ria ao dizer essas
palavras. A reação de Emma foi tão rápida que eu não consegui
fazer nada a não ser abrir a boca em choque. Ela virou na direção
do garoto e pegou um copo de suco que estava na mesa e jogou
todo o líquido em seu rosto. Revoltado e xingando com muitos
palavrões, o garoto se retira para se limpar. Em passos firmes e
ligeiros, Emma sai do refeitório, e eu corro para alcançá-la.
— Emma, espera!
— A minha vontade é fazer isso com o Brian, mas pior. Ah,
como eu queria jogar um copo de café bem quente para derreter
daquela cara nojenta!
— Não vale a pena, Emma. Um dia, a conta chega e o Brian
vai ter que pagar. A vida é assim.
— É o mínimo que ele merece! — as suas palavras eram
carregadas de raiva.
O sinal toca e me despeço de Emma convidando-a para se
juntar a mim e Matheus nos próximos dias, ela aceita ainda um
pouco insegura. Eu não a conhecia, mas sentia algo bom nela. Já
Brian tinha fama e não era nada boa. A quantidade de meninas que
se ele envolveu desde que eu entrei na BHS era grande. Eu sabia
como ele agia. Eu precisava ajudar Emma a superar aquele trauma,
e pensei que contaria com Matheus para isso, mas ele estava
estranho e mal conversava comigo após o seu ataque de ciúme.
— Bom final de semana! — é a única coisa que ele me diz
assim que o sinal toca na hora da saída.
Lucas 6:32
“Se vocês amarem apenas aqueles que os amam, que mérito
têm? Até os pecadores amam quem os ama.” (NVT).
Novembro
Com o passar dos meses, Emma e Matheus foram se
conhecendo. Para minha surpresa, eles se deram bem logo de cara
quando descobriram um gosto em comum: Harry Potter. De lá para
cá, a amizade foi se fortalecendo. Os dois foram capazes de me
deixar estudando sozinha a matéria que eu mais temia para ir a um
evento de Harry Potter em uma tarde de terça-feira de novembro,
na última semana de provas. No entanto, o que aconteceu naquela
tarde quase rendeu uma briga entre mim e Emma.
Por ser semana de provas, a biblioteca estava cheia. Por
sorte, dois alunos desocuparam uma mesa assim que cheguei. Ali,
eu comecei a estudar um terror chamado Matemática. A minha
atenção estava voltada ao meu caderno com a folha gasta de tanto
escrever e apagar. Os resíduos de borracha eram bastante visíveis
em cima da mesa e, provavelmente, também era possível ver
fumaça saindo pela minha cabeça enquanto eu queimava os meus
neurônios. E foi quando eu ganhei uma companhia.
— Para qual prova? — aquela voz me tira da imersão nos
números. Brian se senta na cadeira vazia a minha frente.
— Matemática — respondo.
— Isso ajuda? — Brian me mostra o livro que a professora
recomendou, mas estava esgotado. — Você é péssima em
Matemática, não é?
— Está tão na cara? — pergunto de forma descontraída, ele
ri.
— Dá para ver a sua raiva de longe apagando o caderno —
fico sem graça e ele logo estende o livro em minha direção. — Pode
ficar com ele, eu tenho facilidade com os números.
— Obrigada — aceito por medo de reprovar.
— Você se incomoda de dividir a mesa comigo? A biblioteca
está cheia hoje.
— Não — dou de ombro e volto a minha atenção ao meu
caderno. Como poderia recusar dividir a mesa com ele depois de
me emprestar o livro?
Minutos depois, consultando o livro, bufo de raiva e apago a
conta que fiz pela milésima vez. Brian me olha com um sorriso
debochado.
— Com qual exercício você está brigando?
— Da questão 5 — ele abre o seu caderno em busca de
entender o problema.
— É sério? — ele debocha novamente.
— É impossível! — bufo. — Todas as alternativas do
exercício não batem com o meu resultado. Com certeza esse livro
está errado! — ele ri com o meu desespero.
— É simples! Presta atenção — ele abaixa a voz, explica o
problema e me ensina a como resolvê-lo. Aos poucos e lentamente,
eu vou entendendo. A paciência de Brian me surpreendeu, e para
me ensinar Matemática precisava de muita, muita mesmo.
— Viu? Isso não vale a sua raiva, deixe-a para usar comigo
— ele pisca.
— Obrigada pela ajuda — digo secamente. Fecho o caderno
e devolvo o livro depois de longos minutos exaustivos para o meu
cérebro.
— A prova é depois de amanhã, pode ficar com ele, eu não
vou usar. Na quinta-feira, você me devolve. E se precisar de ajuda…
— ele oferece. Eu estava receosa pela gentileza dele e me
questionando se deveria ter aceitado o livro. Mas, era isso ou um
enorme zero escrito em vermelho no topo da folha da minha prova.
Na quinta-feira, procuro por Brian e o vejo em seu armário.
Com o livro em mãos, aproximo-me. De longe, era possível sentir o
seu perfume misturado ao cheiro de banho tomado pela manhã.
— Brian? — chamo-o. Ele me olha rapidamente e logo volta
os olhos para os livros que estava organizando no armário sem
dizer nada. — Eu vim devolver o livro de Matemática. Obrigada,
realmente ajudou muito! Estou positiva quanto à prova — ele retorna
o olhar para mim e pega o livro de minha mão, fecha o armário e sai
em silêncio em direção à biblioteca. Fico parada processando, mas
desisto. É impossível entender os homens ainda mais Brian Winters.
Emma, subitamente, para ao meu lado com os braços cruzados
carregando uma expressão aborrecida.
— O que aconteceu, Emma?
— O que aconteceu? Eu que te pergunto! O que você estava
falando com o Brian?
— Como é?
— Eu vi vocês dois conversando.
— Aquilo não foi uma conversa, eu te garanto.
— O que você falou com ele? — Emma insiste e eu respiro
fundo.
— Ele me emprestou um livro para a prova de Matemática e
eu estava devolvendo.
— Por que ele te emprestou o livro dele? Por que você não
tem o seu? — eu conseguia perceber que Emma segurava sua
irritação para não ser grossa comigo.
— Ontem eu fui à biblioteca para estudar e ele estava lá. Nós
estávamos dividindo a mesa por não ter mais lugares disponíveis, e,
então, ele me emprestou o livro que eu tentei pegar, mas estava
esgotado — explico detalhadamente.
— Vocês estudaram juntinhos, foi?
— Emma, para com isso! Você está criando algo que não
existe. Nós somos da mesma sala, temos as mesmas matérias e
provas, só isso.
— Ele deu em cima de você?
— Não!
— Você disse que vocês não são amigos.
— E não somos! Mas isso não significa que eu vou ignorá-lo.
Emma, eu odeio o que o Brian fez com você! Eu não quero a
amizade dele e nenhum tipo de proximidade. Nós apenas
conversamos como colegas de sala sobre a prova, só isso.
— É assim que ele age. No começo, ele é gentil, amigo,
educado, um príncipe. E depois que te ganha…
— Eu sei! — corto Emma. — Ele só me emprestou o livro
porque ele é bom com números, ele mesmo disse isso.
— Para prova de matemática até pode ser, mas aposto que
ele já perdeu as contas de quantas meninas ele já saiu.
— Emma, isso não me interessa. Eu realmente não dou a
mínima para o Brian. Nós podemos ficar aqui logo cedo discutindo
sobre ele ou simplesmente mudar o foco para algo mais
interessante.
— Desculpa! Eu fiquei com ciúmes de imaginar vocês dois
juntos.
— Credo, Emma! — rimos.
— Vamos deixar esse babaca para lá — Emma engancha no
meu braço e me leva até a sala de aula. — Boa prova! — ela
deseja. — E que ele tire um zero bem redondo!
A nota da prova saiu uma semana depois e a minha não tinha
sido das melhores, mas eu estava na média e passei de semestre
raspando. Valeu a pena correr risco, o livro realmente havia me
ajudado.
Dezembro
Como num piscar de olhos, estávamos em dezembro. Todo o
nosso foco já não pertencia mais as provas finais, mas à festa de
encerramento do ano que estava prestes a acontecer. A mesma
festa em que Brian me defendeu. O meu vestido azul acero de poá
em tecido tule caía perfeitamente no meu corpo. A sandália de salto
alto e a bolsa preta davam um toque especial. Com os cabelos
soltos e maquiagem leve, ajeito-me para ir ao encontro de Emma na
porta movimentada da escola. Ela estava com o seu vestido preto e
branco, cabelos preso em um penteado trançado e sua maquiagem
era marcante. Depois de muitos elogios uma sobre a outra, Matheus
chega para a sua vez.
— Olha o Matheus, que gato! — Emma ajeita a sua gravata e
alisa o seu paletó. Ele estava muito bonito, ela tinha toda razão.
Emma engancha o seu braço no dele e eu faço o mesmo do outro
lado, e entramos na escola seguindo em direção ao som alto que
vinha da quadra. Enquanto Emma falava com empolgação sobre um
filme que havia assistido, os meus olhos e os de Matheus se
encontraram diversas vezes. Eu tinha um sentimento por ele que eu
não sabia nomear. A nossa amizade era maravilhosa, mas nossas
ideias e valores de vida divergiam muito. Mas, naquela noite, o meu
coração bateu mais forte, estava difícil ignorar aquele sentimento e
aquela vontade de estar perto dele. Eu não sabia se era a
empolgação do momento ou pela vestimenta dele, ou por eu ter
fingido muito bem que não havia sentimentos por ele durante todo o
ano e hoje eles vieram à tona. O que estava acontecendo comigo
aquela noite? Eu havia perdido o juízo? Será que o ambiente, a
música e momento estavam me influenciando ao que eu não
deveria sentir?
— Você quer dançar? — ele me convida assim que Emma
encerra a sua resenha crítica do filme.
— Eu vou dar uma voltinha — ela me deixa a sós com ele. Eu
pego em sua mão estendida e seguimos em direção à pista de
dança. Ao som de Jackson Browne cantando Sky Blue and Black,
Matheus envolve os braços em minha cintura. Os seus olhos azuis
fixam os meus. Se a música não estivesse alta o suficiente, correria
o risco das batidas aceleradas do meu coração serem ouvidas. Os
meus olhos estavam hipnotizados nos de Matheus. Ele estava tão
bonito aquela noite. A música estava perfeita. Tudo parou de existir
ao nosso redor.
— Se o céu estiver azul ou cinzento eu estarei com você.
Basta você me chamar, Sophie — ele faz referência à música.
— Essa música é linda!
— E ela deixa esse momento ainda mais perfeito — sorrio
com as suas palavras.
Aqueles seis minutos foram intensos, mas, no final, o meu
olhar se desviou de Matheus e foi em direção a Emma que estava
sentada olhando Brian dançar aos beijos e abraços com uma
garota. Sinto o incômodo e a tristeza nos olhos dela. Matheus e eu
deixamos a pista de dança e nos sentamos ao seu lado.
— Você ainda tem sentimentos por ele? — pergunto
abraçando-a.
— Eu achava que ele era uma cara legal, só isso — ela dá de
ombros. — Eu achava que eu tinha encontrado o amor da minha
vida e que um dia estaríamos juntos daqui uns anos relembrando o
ensino médio.
— Por que as meninas imaginam um futuro tão distante? Se
vocês vivessem mais o presente sofreriam menos.
— A culpa é minha, Matheus? É isso que você está dizendo?
— ela se irrita.
— Não, Emma! Eu estou dizendo que você tem que ir com
calma. Você conheceu o Brian e dias depois você já tinha planejado
um futuro todo com ele. Aposto que você imaginou até o nome do
filho de vocês.
— Claro que não! — Emma gagueja. — Eu só acho Noah e
Liah nomes muito bonitos — entreolhamo-nos e rimos juntos. — Por
que somos assim, Sophie? Não é fácil ser mulher! — ela apoia a
cabeça nas mãos. — Coitadinha daquela menina, vai ser tão trouxa
como eu fui.
A festa durou cerca de cinco horas encerrando-se a meia
noite. Emma foi para casa de carona com uma colega de sala e
Matheus fez questão de me acompanhar até a minha. Aceitei devido
ao que ocorreu no corredor com os alunos da Parker aquela noite.
Assim que nós chegamos, eu o convidei para entrar esperando que
ele recusasse devido ao horário, mas ele aceitou de imediato. E foi
aí que começou o meu arrependimento.
— Obrigada por me acompanhar — digo enquanto caminho
pela sala.
— Eu precisava me certificar que você chegaria bem — ele
diz se aproximando de mim. — Vou sentir sua falta nas férias. Não
acredito que não vou te ver todos os dias até fevereiro.
— Você não vai viajar nem eu, então, nós podemos nos ver
— digo sorrindo aparentemente bastante nervosa com a presença
dele.
— É o que eu mais quero — ele diz e dá alguns passos, para
diante de mim. — Eu estou indo, então.
— Tá bom. Boa noite!
— Boa noite! — ele diz e se aproxima. O beijo suave em
minha bochecha causa um arrepio por todo o meu corpo. Logo
depois, Matheus olha para a minha boca, e eu faço o mesmo. Dessa
vez, sem música para disfarçar o meu coração que pulava dentro do
peito. Ele chegava cada vez mais perto e eu era capaz de sentir a
sua respiração.
— Sophie… — ele sussurra e sinto o meu corpo tremer. O
seu dedo polegar desliza sobre os meus lábios e, imediatamente,
fecho os olhos e sinto os seus lábios tocarem os meus. Retribuo o
beijo sentindo muito forte em meu coração que deveria interromper
aquele momento, pois certamente me arrependeria. Eu, porém,
esqueço-me de tudo, apenas me entrego àquele desejo até a culpa
invadir o meu coração. Volto a raciocinar e afasto-me de Matheus o
mais rápido que posso.
— Vai embora, por favor — peço sem conseguir olhá-lo.
— Mas, por quê?
— Isso não deveria ter acontecido. Vai embora, Matheus, por
favor — peço novamente. Ele, confuso e sem entender, atende o
meu pedido.
O passado invadiu o meu peito e gerou um vazio imenso
dentro do meu coração. Eu conseguia ouvir vozes que diziam o
quanto eu era nojenta, impura e uma vergonha. Imagens que
haviam sido apagadas da minha memória voltaram com força. Com
esperanças de que aquele beijo saísse o mais rápido possível da
minha memória, tento dormir molhando o travesseiro com as minhas
lágrimas.
As quatro horas mal dormidas chegaram ao fim quando o
despertador tocou. Sem ânimo, eu fui em direção à cozinha para
tomar um café preto, puro e forte. A minha mãe, que estava lendo
jornal, parou e me olhou com um sorriso curioso.
— Bom dia! Como foi a festa? — ela demonstrava bom
humor.
— Foi boa — respondo sem vontade.
— Tão boa que estendeu para cá? — ela diz sugando toda a
minha atenção. — Você se cuidou, né? Não vai arrumar filho aos
dezesseis anos!
— Não aconteceu nada, mãe.
— Engane-me que eu gosto! — ela ri. Coloco café em minha
caneca com o rosto ardendo de vergonha. Nada do que ela estava
pensando tinha acontecido, e mesmo que eu repetisse isso, ela não
acreditaria em mim. Ela viu a intensidade do nosso beijo e sabia do
meu passado.
— Você tem que aproveitar mesmo — ela continua. — Você é
jovem e bonita. Aposto que tem muitos meninos morrendo de
amores por você. Eu não ligo de você trazer os meninos para cá,
viu? Ah, e, por favor, traz uns meninos bonitos, e não igual aquele
seu namorado do ano passado que parecia um bandido — a voz da
minha mãe fazia a minha cabeça formigar. Eu não tinha forças para
dizer uma palavra sequer para as coisas que ela me dizia. Em meio
a mais um de seus conselhos desastrosos, o telefone toca me
salvando daquele constrangimento. Subo para o meu quarto e
tranco a porta, eu precisava ficar sozinha. Eu precisava daquele
espaço.
No domingo, eu estava no culto precisando mais e mais de
Deus ainda que a minha vontade fosse me afastar por tamanha
vergonha que eu sentia diante Dele. Mas, eu me lembrei do que a
minha discipuladora sempre diz: quanto menos vontade de estar
com Deus é a hora que mais devemos buscá-lo; e foi exatamente o
que eu fiz. Eu precisava de perdão e de recomeço. E esse
recomeço aconteceu às dez e meia da manhã quando eu fui à casa
de Matheus após sair da igreja. Eu precisava conversar com ele
sobre o que havia acontecido. O meu coração dispara assim que ele
abre a porta.
— Oi — ele abre um sorriso. — Eu já estava ficando
agoniado de esperar.
— Nós podemos conversar? — digo sem esboçar uma
alegria sequer. Matheus me convida para entrar e seguimos para
um espaço reservado. Os seus pais estavam em outro cômodo e
não tive chance de cumprimentá-los, o que de certa forma foi bom,
eu não sabia que rumo aquela conversa tomaria. Quando nos
acomodamos no sofá da varanda de seu quintal, nos encaramos por
alguns segundos. Tomo coragem e procuro as palavras certas para
dizer sem enrolação.
— O que aconteceu entre nós… foi um erro e não vai mais
acontecer. E eu vim me desculpar se isso gerou algum tipo de
esperanças, não foi a minha intenção.
— Eu não entendo. Por que foi um erro? A gente se gosta!
Pelo menos foi o que eu senti. Você não corresponderia aquele beijo
se não gostasse de mim, certo? — sinto o meu rosto queimar.
— Isso não importa! — retruco.
— Importa, sim! — ele protesta. — O que nos impede de
viver o que sentimos um pelo outro?
— Tudo! — digo e consigo visualizar os pontos de
interrogação na expressão de Matheus. Já não estávamos mais
conversando, mas, discutindo. — Nós somos diferentes. Nós temos
propósitos diferentes, fé diferente, sonhos diferentes, planos
diferentes e opiniões diferentes sobre assuntos muito importantes
para mim.
— Nós também temos muita coisa em comum.
— O quê? Música? Filme? Comida? Isso são coisas
superficiais.
— Nós temos uma amizade incrível!
— E nós devemos continuar assim — insisto. — Apenas
amigos.
— Olha, Sophie, se você está esperando por alguém que vai
ser parecido com você em tudo, você não vai encontrar. Eu sinto
muito em te informar.
— Eu sei! E não é por isso que eu espero.
— Ah sim, você espera um cara da igreja. Você acha que
quem está lá dentro é melhor do que eu?
— Não, e você também não é melhor do que ninguém.
Matheus, eu não espero que você me entenda, mas eu espero que
respeite a minha decisão.
— Você quer que eu vá à igreja com você, é isso? Tudo bem,
eu vou com você. Esse é o seu requisito? — sinto irritação em sua
voz.
— Não! Eu não quero isso! Eu quero alguém que queira ir por
Cristo e não por minha causa, esse é o meu requisito. E uma
pessoa não se torna cristã por ir à igreja, Matheus. E por mais que…
— Tá bom — ele interrompe. — Você não precisa pregar
para mim — o clima fica desconfortável entre nós.
— Eu vou embora — decido antes que a situação piore.
Levanto e caminho até a porta da varanda, mas cesso os meus
passos quando Matheus me chama.
— Como será daqui para frente? — ele pergunta, viro-me
para ele.
— Eu não gostaria de perder a sua amizade, mas eu
entenderia se isso acontecesse. Vamos deixar o tempo acalmar
tudo isso entre nós.
— Por quanto tempo?
— Por muito tempo — digo com firmeza. — Pelo menos por
todos os dias das férias.
— E quando voltar às aulas nós fingiremos que nada
aconteceu?
— Se ainda quiser a minha amizade, sim. — digo por fim. Ele
balança a cabeça concordando e não diz mais nada. Retiro-me e
caminho o mais rápido possível para fora da casa de Matheus para
evitar o encontro com os seus pais. A dor que eu sentia era tanta
que não conseguiria segurar a vontade de desabar por muito tempo.
Eu sabia que não seria tão simples. Eu amava a companhia de
Matheus. E por mais sentimento que eu tivesse por ele, eu sabia
muito bem o que eu queria e, principalmente, o que eu não queria
para a minha vida. Ainda que ficar longe de Matheus fosse difícil,
era a melhor decisão. Eu não poderia colocar em risco a nova vida
que Deus me deu e voltar ao meu passado. Eu sei de onde Jesus
me tirou e do que Ele já me perdoou. Matheus nunca entenderia,
mas eu entendia muito bem onde eu me afundaria se eu pulasse de
cabeça nesse mar de pecado que eu já experimentei. Eu andei na
beirada e quase caí.
25 de Dezembro
O meu aniversário e o Natal chegaram. Ou melhor, os dois ao
mesmo tempo. Eu sempre amei o Natal. Era uma época
encantadora aos meus olhos. Em minhas orações, por diversas
vezes, eu pedia a Deus para me dar a oportunidade de viver esses
momentos com a família que eu sonho em formar um dia. Eu
sempre gostei dos comerciais de televisão com a casa cheia e todos
sentados à mesa em família durante a ceia. Por enquanto, a minha
realidade era baseada em casa cheia de colegas dos meus pais que
eu não conhecia, músicas com letras depreciativa e bebedeira. Os
filhos dos colegas dos meus pais eram extremamente arrogantes e
não esboçam um sorriso convidativo para iniciar uma amizade.
Sendo assim, todas as minhas tentativas de me enturmar foram
fracassadas. Eu passava o tempo todo mexendo no celular
agradecendo pelos “Parabéns”, afinal, também era o meu
aniversário. Eu nasci na madrugada do dia 25 de dezembro e,
adivinha, eu nunca tive uma festa. E nunca ouvi comentários como
“você foi o presente da noite” porque eu não fui. A minha mãe,
inclusive, seria a primeira a discordar disso. Ela sempre reclama por
eu ter nascido nesse dia e interrompido a festança de final de ano
como se eu tivesse culpa. Desde o nascimento, sinto que estrago
todos os planos dela. Em alguns aniversários, ela estava tão focada
na organização da casa para receber os seus amigos que se
esquecia de me parabenizar. Com o tempo, eu acostumei a não
esperar mais por isso.
Além de tudo isso, eu também precisava lidar com a insistência
da minha mãe em me jogar constantemente para cima de algum
garoto. E, dessa vez, o escolhido era o Brian. Ela era especialista
em fazer comentários bem desagradáveis sobre isso. O ano
mudava, mas ela continuava a mesma pessoa.
Erros e Recomeços
O sinal tocou indicando o fim da aula daquele dia. Os alunos
se despediam animados para irem para casa. Eu, no entanto, fui em
direção à biblioteca para devolver alguns livros que pesavam a
minha mochila e ocupavam espaço desnecessário no meu armário.
Os corredores estavam vazios e me causavam uma sensação
estranha. Porém, ao atravessar o refeitório vejo Evelyn sozinha
aparentemente triste. Aproximo-me dela discretamente para não
assustá-la.
— Evelyn? — capto a sua atenção enquanto me acomodo na
cadeira vazia. — O que está fazendo aqui sozinha?
— Tentando me acalmar.
— O que aconteceu?
— Eu vi a Emily e o Brian juntos — ela conta.
— De novo?
— Como assim?
— Eles têm um relacionamento de vai e vem. Evy, você e o
Brian estavam juntos?
— Rolou um beijo… — ela diz envergonhada.
— Evelyn, ele não é para você.
— Eu sei… — ela esfrega os olhos. — E pensar que a Emily,
que era a minha amiga…
— Ela nunca foi a sua amiga — interrompo.
— Eles estavam juntos pelas minhas costas. Isso é nojento!
Eu não sei o que fazer.
— Evy, você merece alguém que te valorize, que te ame e te
respeite. Não é de hoje que o Brian age dessa forma.
— A Emily me contou sobre a Emma, e contou aos risos.
— Pois é. O que eles fizeram foi maldade.
— Eu deveria ter mantido a amizade com vocês e jamais ter
me afastado. Eu caí na lábia de todos eles.
— Evelyn, eles estão errados. Eu sei que a gente se sente
mal por parecer óbvio, mas eu sei que você tentou ser a melhor
pessoa naquele momento. Eles, não. Eles tinham más intenções
desde o início e isso é horrível.
— Eles pareciam tão legais… Era tudo fingimento. Será que
há chances de eles mudarem um dia?
— Eu acredito que somente Jesus transforma
verdadeiramente uma pessoa.
— Você é cristã, Sophie?
— Sou — ela sorri com a minha resposta.
— Eu também. Bom, eu era mais. Eu sinto que estou
distante. Eu sinto como se Deus não se importasse comigo, e,
depois do que aconteceu, eu estou envergonha de me aproximar
Dele de novo — sinto o meu coração se aquecer.
— Quando nós nos sentimos assim é a hora que mais
devemos buscá-lo. E quando você sentir a paz Dele, você
perceberá que Ele se importa, sim, com você. Nós é que vacilamos
muito.
— Eu queria ter essa fé que você tem.
— Está disponível para todos. Eu busco diariamente. A cada
dia eu vejo o tanto que tenho a melhorar.
— Você? — ela ri.
— Sim, com certeza. E por ter sido transformada por Jesus
eu sei exatamente o que eu estou falando — aproximo-me dela e
sussurro — Eu não era nenhum anjo. Na verdade, eu era terrível!
— Não acredito! Você?
— Sim, Evy, eu era uma péssima pessoa, filha e amiga,
enfim. Eu odiava a vida que eu tinha e sentia muita rejeição dos
meus pais. Eu prefiro não entrar em muitos detalhes sobre isso, mas
eu busquei preencher o vazio do meu coração em lugares, garotos e
outras coisas. Um dia, depois de ter brigado com os meus pais, eu
estava… considerando tirar a minha vida.
— Sophie…
— Pois é. Eu estava sentada no banco da praça pensando
que eu não faria falta, que eu era um erro, um acidente e que eu
atrapalhava a vida dos meus pais. Eu me sentia uma ninguém. Eu
chorava muito. E, então, uma senhora que passava pela praça viu o
meu estado e se sentou para conversar comigo. Ela tinha o perfume
de Jesus. Eu podia sentir algo diferente, bonito e agradável nela,
mas eu não sabia o que era como eu sei hoje. Ela, uma completa
desconhecida, deu-me a sua total atenção. Era tudo o que eu
precisava. Eu pude abrir o meu coração sem julgamentos, sem
críticas ou humilhações. É por isso que eu sempre tento ver além, a
gente não sabe pelo o que a outra pessoa está passando. Eu só
precisava ser vista por alguém e receber um pouco de carinho. Ela
me ouviu e começou a falar de Deus. Eu estava muito brava e a
confrontei sobre quem Ele era e por qual motivo Ele permitia tanto
sofrimento na minha vida sem eu ter feito nada para merecer aquilo.
Foi então que eu entendi o real significado do livre arbítrio e as
consequências de nossas escolhas, que também atingem outras.
Ela me deu vários conselhos e eu a retrucava, mas com paciência
ela foi introduzindo Deus de maneira gentil e com sabedoria. As
coisas foram fazendo sentido e eu não tive como escapar. Eu queria
saber mais e mais. Ela foi enviada por Deus para me salvar.
— Quem é ela?
— Avó da Emma, acredita?
— Sério?
— Eu soube um tempo depois, no velório dela — Evelyn me
olha com pesar. — Eu pedia a Deus que eu pudesse reencontrá-la
para que ela soubesse a diferença que ela fez na minha vida. Eu só
não esperava que fosse dessa maneira. Eu estava tão focada nos
meus problemas quando a conheci que não dei atenção a mais
nada. Eu passei um tempo acreditando que ela era um anjo.
— E o que mais ela te disse?
— Que somente Ele dá a paz que o mundo não dá. Para o
mundo, a paz é ausência de conflitos. E a paz na vida de um cristão
é presença de Deus em meio ao caos e fora dele. A paz que não
cessa. Deus tinha a paz que eu queria e que eu precisava e tanto
buscava. Eu achava que ignorar a minha mãe ou me defender ou
lutar contra ela iria me dar paz ou me fortalecer, mas não, nada
disso acontecia. Na verdade, eu só me sentia pior e pior. Essa
senhora me recomendou ouvir um louvor e disse para eu pedir a
Deus por essa paz, e eu fiz vencida pelo cansaço de sempre estar
em guerra com os meus pais. Eu também tenho culpa nisso, eu
gostava de provocá-los.
— Não consigo te imaginar assim — ela estava custando a
acreditar.
— Deus transforma, Evy. Eu era uma péssima pessoa.
— Até parece.
— Eu era. Eu sei de onde Deus me tirou e a faxina que Ele
fez em mim. Eu passei a olhar para os meus pais com carinho. Mas
não pense que foi fácil. Tudo é um processo lento e doloroso.
Somente a fé e a oração são capazes de mudar todas as coisas. E,
como eu disse, o caos continuou, mas eu estava em paz.
— Como foi essa mudança?
— Primeiro eu ouvi o louvor que aquela senhora tinha me
recomendado, chama ”With All I am” da Hillsong Worship. Eu fechei
os meus olhos como ela disse para eu fazer e chamei por Jesus
sem saber nada sobre Ele. Eu praticamente segui um roteiro que ela
tinha me passado, e, de repente, eu fui para um lugar longe daqui.
Quando eu percebi eu estava em lágrimas, orando, pedindo perdão,
pedindo ajuda, pedindo para conhecê-lo, pedindo até prova de sua
existência. E Ele me deu. Eu nunca senti tanta paz em toda a minha
vida. É inexplicável o que aconteceu aquele dia. Ele é bom, Evy, e
teve toda a paciência do mundo comigo. Aquela senhora disse para
eu ler a Bíblia, mas eu não tinha uma, então, eu comprei essa —
pego na mochila uma Bíblia pequena de capa preta imitação de
couro e letras miúdas. — Quando comecei a ler, eu não entendia
nada. Procurei uma igreja e o pastor me orientou como começar.
Um dia, eu quero passar essa Bíblia para alguém que precise muito
dela. Eu oro para que Deus coloque a pessoa certa no meu
caminho, por isso eu sempre a carrego comigo.
— E o que aconteceu depois?
— Eu estava levando aquilo muito a sério, eu tinha sede de
saber mais. Eu comecei a conversar com Jesus todos os dias e
fazê-lo o meu melhor amigo. A partir daí, eu nunca mais me senti
sozinha. Ele começou a fazer presença e inexplicavelmente eu me
sentia forte quando eu estava fraca. O relacionamento com os meus
pais não se tornou maravilhoso, mas eu encontrei uma paz e uma
força para lidar com tudo isso que eu não sei te explicar. E, assim, o
meu olhar sobre as coisas se transformou.
— Eu entendo perfeitamente.
— Eu mudei muitos hábitos, desde as minhas roupas, o meu
estilo de música, as minhas atitudes… Algumas coisas foram
naturais e outras foram decisões dolorosas e difíceis.
— Tipo o quê?
— Um exemplo, eu falava muito mal das pessoas, eu
criticava tudo por prazer.
— Não acredito! Eu nunca te vi falando mal de uma formiga
— ela ri.
— Ainda bem que você me conheceu na minha melhor
versão. Mas, não se engane, eu tenho muito a melhorar. A minha
conversão acontece todos os dias.
— Todos nós temos, Soph.
— Segurar a língua não foi fácil para mim. E, obviamente, eu
acabo falhando, mas ainda assim eu continuo firme. Eu não sou
uma pessoa melhor que as outras, mas melhor para os outros e
para mim mesma. Quando eu entrei na BHS eu havia me tornado o
alvo dos comentários e eu bebi do meu próprio veneno. E não foi
nada legal.
— Você conheceu o Matheus nessa época?
— Eu o conheci assim que eu entrei na BHS.
— Ele não é cristão, né?
— Ele acredita em Deus, mas não O serve. Acreditar em
Deus até o diabo acredita, né, Evy?
— Mas o Matheus é uma boa pessoa, ele tem um ótimo
coração. E gosta de você.
— Eu sei. Eu também gosto dele.
— Deve ser difícil para vocês.
— É, e muito. Mas eu não posso colocar a minha fé em
segundo lugar, e seria jugo desigual de qualquer maneira. Eu quero
alguém que não me olhe com estranheza quando eu falar da minha
fé e das minhas experiências sobrenaturais. Essa é a parte mais
importante da minha vida.
— É verdade.
— Eu já fiz coisas que eu me arrependo muito e não quero
cometer os mesmos erros.
— Em relação ao Matheus?
— Também — digo envergonhada. — É uma longa história.
No entanto, eu não quero que ele aceite Jesus por minha causa. Eu
quero que seja verdadeiro e honesto. Eu quero que ele O aceite por
ele mesmo, por amor ao Senhor e não por amor a mim.
— Mas você não acha que há pessoas que se dizem cristãs,
mas não são?
— Claro que sim. Infelizmente, há muitas. Mas, também há
os que levam a sério e vivem verdadeiramente o Evangelho. Eu
quero alguém que ore comigo, que converse sobre a pregação do
culto, que leia a Bíblia, que me dê conselhos baseados nela. O
Matheus não entende dessas coisas e para mim isso é fundamental
no relacionamento. No começo, Evelyn, é tudo muito bom, é fácil
aceitar as diferenças, mas com o tempo as coisas vão se
estreitando. Se cada um seguir um caminho, como poderão andar
juntos? Eu não quero um namorado crente, eu quero um namorado
comprometido com Jesus.
— Faz sentido — ela pensa.
— Se as pessoas acham isso um absurdo, tudo bem, eu as
respeito, mas essa é a minha vida e é assim que eu prefiro viver,
entende?
— Com certeza, Sophie, você está certa!
— As pessoas me acham chata e fanática por isso, mas a
verdade é que Deus é tão bom que eu só queria que elas também O
conhecessem.
— Exatamente! Sabe quando você ama um filme ou uma
música e quer que todo mundo conheça e ame da mesma maneira
que aconteceu com você? É assim só que maior. Bem maior.
— Inexplicavelmente maior — digo sorrindo. Eu podia sentir
que Evelyn estava sendo tocada naquela conversa.
— Queria ter tido essa conversa antes dessa situação com o
Brian. Agora eu terei que lidar com as consequências das minhas
escolhas erradas.
— Imagina as consequências que ele terá que lidar, Evy.
— Pois é. Enfim… Conte-me, como foi para você entrar na
BHS?
— Foi bom! Eu morava em outra cidade e vir para cá foi um
recomeço para mim. Eu havia me convertido havia seis meses
quando entrei na BHS — conto.
— O Brian deu em cima de você também?
— Não, eu nunca tive problemas com ele. Na verdade, o
Brian, apesar dos comentários desnecessários que ele faz sobre
mim, sempre me tratou “bem” — faço aspas com os dedos.
— Sério? — assinto. — É até estranho ouvir algo positivo
sobre ele, talvez seja por eu estar arrependida por ter me envolvido
com aquele grupo.
— Você se arrependeu, Evy. Agora não repita o erro. Só pelo
fato de você se sentir mal por feito isso já prova que você tem um
bom coração.
— Diferente deles que tem prazer em fazer isso sem se
importar com os danos causados.
— Pessoas feridas, ferem. Eles não conhecem a Verdade, é
compreensível que ajam dessa forma. Eu já fui assim, como eu te
disse, então, eu acho que eu os entendo.
— Você tem razão — ela exala. — Além da Emily, Brian anda
conversando com uma tal de Kelly. Você sabe quem é?
— Eu não faço ideia.
— Sempre que eu estava com ele, o celular notificava o
nome dela na tela. Ele desconversava, mas nunca me disse quem
é. Deve uma namorada bem cheia de energia que o faz ficar a noite
toda acordado. Você reparou como ele tem dormido nas aulas e
está constantemente com cara de cansado?
— Sim, eu reparei. Ele treina bastante no clube que ele joga
fora da escola, deve ser isso. Sem contar os treinos da BHS e as
aulas, provas, trabalhos…
— Para mim, tem algo a mais. Enfim, eu não quero mais
saber do Brian nem do grupo dele. Eu quero recomeçar e fazer as
coisas certas. Eu quero me reconectar com Deus e voltar a sorrir de
verdade.
— É a melhor decisão, Evy.
— Obrigada, Sophie. Você transmite algo tão bom. E mesmo
depois de tudo o que eu fiz, você ainda fala comigo.
— Pessoas erram, Evelyn. Se nós descartarmos todas as
pessoas que temos desentendimentos, ficaremos sozinhos no
mundo. Relacionamento é assim, temos que resolver os problemas
e ajustar o que é necessário. Pessoas não são um papel em branco
que na primeira rasura, amassamos e jogamos fora. Podemos usar
borracha ou um corretivo — brinco, ela sorri. — Você será bem-
vinda ao nosso grupo de novo!
— Tem certeza? A Emma deve estar chateada comigo.
— Como eu disse, basta resolver.
— Eu ria dela, falava mal de vocês… que vergonha, Soph! —
ela diz tapando o rosto. Eu percebia um arrependimento genuíno em
Evelyn.
— Evy, não fique remoendo. Apenas recomece. Peça
desculpas e mude o seu comportamento. Esse é o verdadeiro
arrependimento.
— Tem certeza que você não é anjo? — ela brinca.
— Absoluta! — encho a boca para falar me lembrando de
todos os meus pecados.
— Um pena o ano ter passado tão rápido e não ter
aproveitado as boas amizades. Eu joguei fora a oportunidade de
viver um ano incrível com vocês.
— Ainda temos alguns meses para criarmos boas memórias.
— Eu vou fazer a minha parte para isso, com certeza!
A Formatura
O nosso último dia como alunos da BHS chegou. A beca azul
estava impecável. O céu limpo e ensolarado nos enchia de energia,
sem previsão de chuva para nos preocuparmos. Era lindo ver aonde
chegamos. Os meus pensamentos foram para longe ao imaginar a
minha colação de grau na faculdade que eu ainda nem havia
começado. Perguntava-me como eu estaria daqui quatro anos. Eu
não fazia ideia, mas acreditava que o melhor ainda estava por vir
em minha vida.
— Eu não acredito que estamos nos formando no ensino
médio! — digo desacreditada. — Eu vou sentir tanta saudade!
— Quem diria, né? — Emma diz. — Evelyn cursando
Jornalismo; Sophie, Fisioterapia; Matheus, Direito. Eu não poderia
estar mais orgulhosa de vocês!
— E você, Emma?
— Ah, Evy, eu estou com alguns planos. No momento, eu
não sinto que seja hora de entrar em uma faculdade, eu não sei o
que eu quero fazer.
— Cada um tem o seu tempo, a sua realidade e o seu
caminho, Emma — digo, ela sorri levemente.
— Ah — Emma se lembra de algo —, eu soube que o projeto
de Jerry Lee Rice vai continuar no esporte.
— Quem? — Matheus pergunta.
— O Brian.
— Tá, mas quem é Jerry Lee Rice?
— O melhor wide receiver[1] da história da NFL[2]?
— Ah, sim. Eu não sou muito fã de Football.
— Deu pra perceber.
— Seja todos bem-vindos! — diretora Alessandra toma o
microfone. — É uma grande alegria estar aqui hoje e ver vocês,
nossos queridos alunos, prontos para encarar esse mundo vasto e
cheio de oportunidades. Para dar início à nossa celebração, gostaria
de chamar o orador da turma, Brian Winters, que foi escolhido por
vocês para representar esse momento especial.
— Eu não o escolhi, só para deixar bem claro — Emma
sussurra no meu ouvido.
— Vamos recebê-los com uma salva de palmas!
— Bom dia, Brazil High School! Eu me chamo Brian Winters e
é uma honra ter sido escolhido como orador da turma.
— Blá, blá, blá — Emma reclama baixinho.
— Hoje, sem dúvidas, é um dos dias mais importantes da
nossa vida na etapa em que estamos. Independente do tempo de
BHS que você tenha, essa escola te marcou em muitos aspectos. E
hoje estamos fechando um ciclo para iniciaremos uma nova etapa
de nossas vidas. A mensagem que eu quero deixar a todos os meus
colegas é: aonde quer que você vá, faça o seu melhor. Dedique-se!
Acredite que você é o melhor mesmo que você ainda não seja.
Como diz Mário Sérgio Cortella, “Faça o teu melhor, na condição
que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para
fazer melhor ainda.”. Eu gostaria de pedir que vocês sempre
encorajem a si mesmos e olhem com positividade sobre quem
vocês são e os sonhos que vocês têm. Ninguém poderá fazer por
vocês aquilo que vocês almejam ser e ter. Seja o seu melhor amigo.
Seja o seu maior incentivador. É com grande alegria e grande
tristeza que deixo essa escola como aluno. Eu sei que esse texto,
que foi muito difícil de escrever, não faz jus ao que essa escola
proporcionou para mim. E eu tenho certeza que dessa turma sairão
grandes profissionais com um futuro brilhante, basta cada um de
nós acreditarmos em nós mesmos. Esse é o fim de uma etapa e
início de outra com novas conquistas. Gostaria de agradecer em
nome de todos, aos nossos familiares, amigos, à escola BHS,
professores, funcionários, treinadores, colegas de sala e time.
Desejo sorte e um futuro de sucesso para cada um de vocês.
Obrigado! — aplausos encerram o discurso de Brian que recebe um
abraço apertado e cheio de orgulho da diretora que parecia ser sua
fã número um. Boa parte das meninas estava com os olhos
marejados tentando a todo custo não borrar a maquiagem. As
lembranças vieram e a saudade já estava fazendo morada. E,
assim, o ensino médio termina: capelos voando, abraços e lágrimas,
sorrisos, fotos e música. Agora, sem me importar com a maquiagem
borrada, despeço-me dos meus amigos.
— Sophie! — minha mãe me chama, aproxima-se de nós e
me abraça forte — Parabéns!
— Obrigada, mãe! — sorrio estranhando aquele
comportamento, mas retribuo o raro carinho, ou eu deveria chamar
isso de disfarce por estarmos em público? — Você se lembra da
Evelyn?
— Ah, sim. Como vai? — ela lhe oferece um sorriso forçado e
recebe o mesmo de Evelyn. Em seguida, minha mãe direciona o
olhar para alguém atrás de mim, viro-me, era mãe de Rebecca. —
Tchau, querida! Eu amei te conhecer! — ela diz. Conforme elas se
distanciavam, surge um de seus comentários desagradáveis. —
Essa mulher é uma nojenta! E a filha tem cara de ser uma fresca
também!
— Podemos ir? — ignoro o comentário, claramente,
envergonhada por Evelyn estar ali ouvindo tudo. Mas, ela conseguiu
deixar tudo pior quando Brian passou por nós.
— Parabéns, Brian! — ela comenta, olha-a com repreensão e
vergonha. Ele olha para nós com expressão confusa e agradece
sem entender o porquê uma mulher desconhecida o
cumprimentava. Assim que ele segue adiante, ela abaixa a voz para
fazer mais um de seus comentários.
— Parabéns duplamente, diga-se de passagem, né? — ela
me cutuca.
— Mãe! — o meu rosto arde em vergonha enquanto ela ri. Eu
queria cavar um enorme buraco no chão e ali permanecer.
— Perdeu a oportunidade de ouro. Agora, que chances você
tem de encontrar Brian Winters de novo? Poderia ter laçado esse
garoto para você, mas ficou dando bobeira.
— O meu único foco nesse momento é o meu futuro como
fisioterapeuta.
— Poderia ter os dois — ela responde, mas prefiro ficar em
silêncio. — Eu estou te esperando no carro, não demore — ela
coloca os óculos de sol e segue para o estacionamento com suas
pisadas firmes no salto alto e postura ereta.
— Desculpa por isso, Evy.
— Tudo bem.
Enquanto conversávamos, Brian passa novamente ao nosso
lado. Dessa vez, ele falava ao celular com expressão preocupada.
— Eu passo na farmácia antes de ir para casa. Não se
preocupe, Kelly — ele diz. Quando Brian se afasta, Evelyn me lança
um olhar interrogativo, mas ela não diz nada.
— Como está em relação a Matheus? — ela pergunta.
— Do mesmo jeito e tudo saindo conforme eu imaginei. Ele
vai para outra cidade estudar Direito e eu continuarei aqui para
estudar Fisioterapia. Foi difícil, mas foi melhor assim.
— Estou orgulhosa de você!
— E eu de você! Você vai estudar Jornalismo no Rio de
Janeiro! Você está muito metida, Evelyn Bastos!
— Ah, eu estou confiante quanto a isso.
— Há tantas coisas para vivermos nessa nova fase. Eu estou
ansiosa para isso! — digo sem ter ideia do que estava por vir.
PARTE II
Brian
— E aí, meu campeão? — Spencer me cumprimenta com um
sorriso enorme que fazia com que eu me questionasse como ele
conseguia ter tanto bom humor àquela hora da manhã. — A Sophie
está atrasada por causa da chuva. Vamos começar sem ela, está
bem? — assinto enquanto me acomodava na maca. — Aliás, meu
amigo, que bom que você está sentando. Eu preciso contar uma
coisa para você. A Sophie está afim de mim — ele sussurra.
— Como é? — seguro a risada.
— A Sophie estava me consolando ontem porque eu levei um
pé da tonta da Amanda, mas o que essa tonta não sabe é que o
cara aqui é um sucesso — ele se gaba.
— Espera aí, deixe-me ver se eu entendi direito. A Sophie, a
estagiária e sua assistente, está afim de você?
— Sim, cara.
— O que ela disse exatamente para que você pensasse isso?
— Ela disse que há muitas mulheres no mundo e bastava eu
olhar a minha volta. Ela, obviamente, estava falando dela, irmão.
— Foi isso que você entendeu?
— Não é óbvio? — eu tentava disfarçar a cara de deboche, mas
não sei se consegui.
— Na verdade, o que entendi foi que além da Amanda há
outras mulheres, e isso não necessariamente inclui a Sophie.
— Você está com inveja — rio.
— Qual é, Spencer? A Sophie é muito careta para mim, não faz
o meu tipo. E sinto te informar, mas você também não é o tipo dela.
— Como você sabe? — ele cruza os braços.
— Eu conheço a Sophie há anos.
— Como assim? De onde você a conhece?
— Nós estudamos juntos no ensino médio.
— Sério? — assinto. — Por que não me disse isso antes?
— Porque não era nada demais.
— Isso me deu uma boa ideia! Você poderia falar com ela sobre
mim.
— Não, não me coloque no meio disso.
— Qual é, Brian? Você me ajuda com a Sophie, e eu te
apresento uma amiga minha, que é muito gata!
— Não, estou bem, obrigado.
— É só falar com ela, Brian. O que custa?
— E falar o quê?
— Diz algo como “Você viu, Sophie, como o Spencer é um cara
incrível, bonito, solteiro e tal?”.
— Está falando sério?
— Muito sério! — ele realmente falava sério.
— Eu vou ver o que eu posso fazer por você.
— E se a Sophie for o amor da minha vida?
— Até ontem você achava isso da Amanda.
— Mas a Sophie mexeu comigo. Eu nunca tinha me dado conta
o quão linda ela é. Ela é tão meiguinha, tão pequenininha…
— Você sabe que ela é crente, né?
— As certinhas são o meu ponto fraco, irmão.
— Eu nunca vi a Sophie com ninguém na escola. Não sei o
quanto de chance você tem. Ela, provavelmente, nunca beijou na
boca e deve estar se guardando para o casamento igual a minha
avó em 1950.
— Talvez eu seja quem ela está esperando.
— Cara, você tem uma autoestima invejável.
— Eu vou te apresentar a minha amiga como forma de
agradecimento. Ela trabalha aqui. O nome dela é Samantha. Ela é
linda, te garanto.
— Ah, é? E por que você não sai com ela?
— Por que nós somos muito amigos. É um pouco estranho para
gente, entende?
— Sim, totalmente.
— Ah, Brian, eu não posso deixar de te agradecer.
— Pelo o quê?
— Por ter voltado para Fisioterapia.
— A Dra. Brianna me convenceu.
— Graças a Sophie, minha anjinha, que falou com ela.
— A Sophie falou com a Dra. Brianna?
— Sim. Eu encontrei a Dra. Brianna mais cedo, e ela me
perguntou como você estava indo e acabou me contando da
conversa dela com a Sophie. Se você não tivesse voltado, além das
complicações com o seu joelho, ela teria perdido o estágio e eu não
poderia mais vê-la — começo a ligar os pontos.
— Ela perderia o estágio se eu não voltasse?
— Sim. E também perderia a oportunidade de indicação para o
primeiro emprego ou uma vaga aqui mesmo no final da faculdade. E
para que isso aconteça ela precisa apresentar resultados do seu
tratamento. E sabe o que eu ouvi dizer? — ele abaixa a voz. —
Estão dizendo que a mãe da minha anjinha comprou a vaga de
estágio dela. Parece que a Sophie não tinha nota suficiente para
entrar. Mas, pelo o que tudo indica, a Sophie não sabe disso. Eu
não sei se é verdade. Eu ouvi um pessoal comentando sobre os
novatos — ele dá de ombros.
Agora tudo fazia sentido. Então foi por isso que a Sophie se deu
o trabalho de ir até a minha casa me convencer a continuar. Ela não
poderia perder a chance de ouro que o hospital lhe oferecia. Era
óbvio. Era puro interesse. Sophie jamais se preocuparia comigo.
— Bom dia! — ela chega para a sessão e entra na sala
apressadamente. Sigo-a com o olhar em cada movimento que ela
faz. — Desculpa pelo atrasado, a chuva causou um trânsito horrível!
— Tudo bem, Sosô. Eu separei os exercícios e vou deixar você
comandar novamente porque você está indo muito bem — com
rapidez, Spencer sai da sala lançando-me um olhar que dizia para
que eu conversasse com Sophie sobre ele.
— Como você está hoje? — ela pergunta e se aproxima da
maca com aquele sorriso sonso.
— É por isso que você queria que eu voltasse, não era? —
disparo.
— Não entendi.
— Spencer me contou que se eu desistisse da Fisioterapia você
perderia a sua vaga no hospital, e por isso você foi a minha casa
aquele dia, não foi?
— Você acha que eu fui até sua casa por causa disso?
— Obviamente.
— Mas eu realmente quero que você volte a jogar, não é
apenas pelo estágio.
— Você precisa apresentar resultados no final do estágio,
certo? E, por isso, foi até minha casa me convencer. E claro que
você pediu a Dra. Brianna que me dissesse palavras bonitas e
incentivadoras para que você garantisse o seu lugar ao sol, não foi?
— Eu li sobre o seu caso e vi que muitos pacientes precisam de
motivação por estar com o psicológico abalado. Eu vi a sua
desmotivação e, por isso, eu conversei com a Dra. Brianna. Ela te
conhece, tem experiência, e claro, é uma excelente médica e…
— Uma excelente médica que entrou na faculdade, tirou ótimas
notas e conquistou por ela mesma o cargo que ocupa, não é?
— Sim, com certeza.
— Diferente de você que precisou comprar a sua vaga de
estágio.
— Como assim? — ela parece não entender.
— Além de você ser sonsa, Sophie, você é uma profissional
meia boca. A sua mamãe precisou comprar a sua vaga de estágio
porque as suas notas não eram suficientes para o cargo.
— Eu entrei aqui pela nota, assiduidade nas aulas e
recomendação dos professores — ela parecia nervosa, rio.
— Não, Sophie. Você entrou aqui por comprar uma vaga
desonestamente ocupando o lugar de outra pessoa que estudou e
merecia estar aqui. E, como você não se garante, optou por outros
meios para não perder o paciente e, consequentemente, a sua vaga
no melhor hospital do país. Audaciosa!
— De onde você tirou isso? — ela pergunta com a voz trêmula.
— Ah é, você não sabia disso, foi mal! — finjo preocupação e
paro os exercícios. Saio da maca, apanho lentamente as minhas
muletas, paro diante dela. — Deve ser horrível ser você! — sigo em
direção à porta encerrando a sessão que mal havia começado.
08
— Sophie! — minha mãe dispara a falar assim que eu entro em
casa. — Você se lembra de uma amiga minha que tem uma filha da
sua idade? Ela está voltando do intercâmbio dos Estados Unidos.
Eu tenho certeza que vocês serão ótimas amigas!
— Você não faria isso comigo, não é? — digo torcendo para
que fosse tudo mentira de Brian.
— Qual é o problema em fazer uma nova amizade?
— Eu não estou falando sobre isso, mãe.
— O que é, então?
— Eu soube que você comprou a minha vaga de estágio. É
verdade?
— Como você soube?
— Então, é verdade? — o meu coração dói. — Como você
pode fazer isso comigo? Eu sou a sua filha! — eu estava brava, e
ela, inesperadamente, começa a gargalhar, e isso me deixa com
mais raiva.
— Você precisava ver a sua cara! — ela ri novamente. — Ai,
Sophie, para de ser tonta, é óbvio que não! De onde você tirou isso?
Mas…, pensando bem, não teria sido uma má ideia, não é? Você é
aluna mediana e entrou lá por sorte, sei lá como.
— Tem certeza de que você não sabe como?
— Tenho, Sophie. Para de drama! E mesmo se eu tivesse feito,
você deveria me agradecer. Você tem noção de como isso influencia
na sua carreira? Você está tratando o caso do Brian Winters! — ela
diz como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio.
— Você quer que eu seja reconhecida pelo Brian Winters ter
sido o meu paciente?
— E você tem uma ideia melhor do que ser reconhecida por ter
sido a fisioterapeuta de um dos melhores jogadores de Football
Americano da atualidade no nosso Estado? Isso não é maravilhoso?
— De forma desonesta? Não, não é! — digo brava e
inconformada. — Eu não quero ser reconhecida como uma boa
fisioterapeuta por eu ter tido Brian Winters como meu paciente. Eu
quero ser uma boa fisioterapeuta, ponto. E, por causa disso, Brian
Winters me contrataria. Percebe a diferença? — ela revira os olhos.
— Se você tivesse essa capacidade toda seria uma boa
alternativa, mas não é o seu caso. Aproveita a oportunidade que
conseguiu e deixa de ser tonta, Sophie.
— Qual é a dificuldade em acreditar em mim, mãe? Eu sou
realmente tão ruim assim aos seus olhos?
— Ai, Sophie, não começa! No final do ano você estará
terminando o seu estágio, Brian estará recuperado e sua carreira
será um sucesso. E, sim, por causa dele.
— Mãe… — aproximo-me dela —, olha nos meus olhos e me
diz a verdade — eu não conseguia acreditar nela. Ela se posiciona
lentamente na minha frente, cruza os braços e me olha nos olhos.
— Eu não te devo nenhuma explicação. Coloque-se no seu
lugar. Eu já disse que eu não fiz nada. Se você não acredita, não é
problema meu — mordo os lábios para evitar que palavras cortantes
saiam da minha boca, pois com certeza me arrependeria depois.
Mesmo não acreditando nela, encerro aquele assunto e tomo uma
decisão.
Brian
Naquela manhã, após me ajeitar na maca do consultório da
Dra. Brianna, vejo em cima de sua mesa os resultados dos meus
exames. Eu torcia para que eu estivesse me recuperando de forma
surpreendente. Antes que ela fechasse a porta para dar início a
minha consulta, Sophie aparece. A sua cara de surpresa ao me ver
era nítida.
— Desculpa, eu não sabia que estava atendendo. Eu volto
outra hora.
— Tudo bem. Entre, você faz parte do caso.
— Na verdade, não mais — ela diz, e eu observo a conversa
entre as duas em silêncio.
— Como assim?
— Eu estou me demitindo e, não, dessa vez, eu não volto atrás
— Sophie diz, e Dra. Brianna lança-me um olhar em seguida.
— O que foi? — pergunto. Ela retoma o olhar para Sophie.
— Entra, Sophie. Vamos resolver isso.
— Eu posso esperar aqui fora.
— Você ainda é funcionária desse hospital e eu ainda sou a sua
superior, então, eu peço, por gentileza, que entre na minha sala, por
favor — Sophie entra com o rabo entre as pernas segurando
algumas papeladas.
— O que está acontecendo aqui? — Dra. Brianna pergunta
cruzando os braços e o silêncio toma conta. Sophie me encara e eu
retribuo friamente. — Eu estou esperando alguém me responder.
— Ela/Eu não deveria estar aqui — Sophie e eu dizemos a
mesma frase ao meu tempo em sincronia alterando apenas o
pronome. E isso deixa Dra. Brianna com um olhar indagável.
— Por que você não deveria estar aqui, Sophie?
— Porque há boatos de que a minha mãe comprou a minha
vaga.
— Boatos? — debocho.
— Como assim, Sophie? — Dra. Brianna estava confusa.
— Como eu disse são boatos. Eu a questionei, ela negou.
Porém, como isso pode tomar uma proporção maior e gerar um
grande problema, e pelo Brian estar insatisfeito comigo, eu acho
melhor eu abrir mão da minha vaga.
— E eu não posso ser tratado por alguém com a vaga
comprada, não é? — ambas me olham processando aquela
situação.
— Sophie, eu aprecio a sua honestidade, mas…
— Eu vim aqui pedir para que você assine a minha desistência.
Eu sinto muito, mas eu não vou mais aparecer nas sessões do Brian
sendo que ele mesmo não deseja isso, e ele tem todo direito.
— Você deveria estar cursando Artes Cênicas — digo.
— Olha só, eu entendo que é uma situação um tanto
complicada. Mas, Brian, eu estou com os resultados dos seus
exames. Há um progresso significativo — o meu coração dispara
com a notícia —, e eu soube pelo Spencer que a Sophie tem
participado muito dos seus exercícios — olho para ela e lembro-me
de todas as ausências de Spencer nas sessões. — Você gostando
ou não, ela esteve lá com você. Você deveria ser pelo menos um
pouco grato. Ela é uma excelente profissional ainda que não seja
uma oficialmente.
— Nem honestamente pelo o que parece — não me aguento
ficar calado.
— E, você, Brian — ela ignora o que eu disse —, tem se
esforçado bastante. E, pelo o que eu vi e ouvi sobre você, a
desmotivação havia tomado conta. E quem te ajudou nisso também
foi a Sophie. Então, saiba que você está perdendo uma pessoa
muito importante no seu processo de recuperação.
— Não existe só ela. Há outras pessoas no mundo, basta olhar
em volta — ela me olha possivelmente recordando da frase que
dissera a Spencer.
— É verdade! Há muitos profissionais incríveis, mas nenhum
desses será a Sophie. Tem certeza de que quer isso?
— Tanto faz — digo com indiferença.
— Sophie, eu vou cuidar do seu caso e assim que possível eu
entro em contato, tudo bem?
— Claro! Obrigada — Sophie sai da sala mostrando derrota me
deixando sozinho com a minha médica.
— Então, vamos ao que interessa. Eu estou melhor? Quando
eu posso voltar a jogar?
— Não é assim, Brian. Há uma melhora significativa, eu não
estou te dando alta. Eu conversei com o Spencer e ele me contou
que você está quase na dobra perfeita. Meus parabéns!
— Obrigado — sorrio.
— Acredito que em mais algumas sessões você conseguirá
andar sem o auxilio das muletas. E quando isso acontecer, eu
espero que não ande para cima e para baixo ou corra uma
maratona. Você não pode fazer isso ou voltará à estaca zero. E
sobre a Sophie…
— Eu não ligo para essa impostora — interrompo-a.
— Ela não é impostora, Brian. A Sophie me pediu demissão na
sua primeira sessão. Ela não estava nem um pouco preocupada
com o futuro dela quando fez isso, eu que precisei frear a sua
decisão. Ela estava verdadeiramente preocupada com você, até
pesquisou e estudou sobre seu caso, conversou com professores e
me pediu para que eu te motivasse. Ninguém me contou isso, eu vi.
Ela será uma excelente fisioterapeuta, e quando isso acontecer,
Brian Winters vai lamentar por não ter sido o paciente dela.
— Bom, ela vai acabar saindo do estágio de um jeito ou de
outro depois do que a mãe dela fez.
— E se for mentira? Você acha justo vocês dois perderem essa
oportunidade? Vocês estão indo muito bem! A Sophie tem muito
potencial!
— E uma péssima família — digo por fim, e Dra. Brianna sorri
desistindo de argumentar comigo.
— Conta para mim, Brian, como está a Clara?
— Está bem. Eu vou me encontrar com ela hoje — sorrio.
— Eu fico muito feliz por vocês! Ela é um doce!
— Com ela, eu realmente entendi o que é amar alguém.
— Eu espero viver isso um dia.
— Eu desejo que você viva, é muito bom!
09
No dia seguinte, em silêncio entro na sala de Spencer à espera
de Brian completamente desanimada obedecendo à ordem da Dra.
Brianna. Eu precisava ser profissional e continuar trabalhando até
que ela resolvesse o meu caso. Eu não queria mais estar li, mas ao
mesmo tempo eu queria, era confuso para mim. Definitivamente,
Brian não merecia nada, mas eu tinha tudo para ajudá-lo. Tirá-lo das
minhas lembranças não era fácil, mas eu queria aquela
oportunidade. Verdadeiramente, eu queria que ele voltasse ao time
e continuasse dando orgulho à torcida e sendo reconhecido pelo
seu talento nato.
— O que está fazendo aqui? — Brian pergunta com a sua
sobrancelha franzida como de costume assim que me vê.
— A Dra. Brianna disse que está muito ocupada com o caso de
um paciente e pediu para tivéssemos um pouco de paciência para
que ela resolvesse o nosso problema. Enquanto isso, eu deveria
continuar vindo.
— Que absurdo!
— Nós dois vamos sair ganhando se levarmos essa sessão em
paz até que tudo se revolva e você possa dar continuidade com
outro profissional que te passe confiança.
— E isso inclui o atendimento a domicílio? — ele pergunta e me
deixa confusa.
— Esse atendimento não tem vínculo nenhum com o hospital.
Eu ofereci ajuda para que você mantivesse a disciplina, mas diante
das coisas que aconteceram, acredito que a minha presença não
seja necessária.
— Se você quer continuar sendo profissional até o fim como
você diz, cumpra a sua palavra e o seu combinado comigo até o fim
— ele queria judiar de mim, estava claro, era proposital.
— Está bem — concordo mantendo a minha postura. — O
Spencer passou mais exercícios. Quer ver? — direciono o papel
com as anotações para Brian, mas ele desvia os olhos.
— Bom dia, Brian. Bom dia, princesa — Spencer faz reverência
a mim e correspondo apenas com um bom dia comum. Em silêncio,
Brian faz todos os exercícios e, dessa vez, Spencer não me deixou
sozinha nem por um minuto.
Brian
Eu estava na sentado na área da piscina com diversos
exercícios tediosos e uma preguiça gigantesca de fazê-los à espera
de Sophie. De certa forma, com ela aqui eu não teria outra escolha
a não ser fazer os exercícios sem procrastinar como eu estava com
uma enorme vontade de fazer naquele momento.
— Ué, e menina? — Day pergunta ocupando uma cadeira a
minha frente.
— Que menina?
— A fisioterapeuta.
— Está para chegar, e eu espero que ela venha. Porém, em
breve, ela não será mais a minha fisioterapeuta, então…
— O que você fez, Brian?
— Por que eu tenho que ter feito alguma coisa? — irrito-me.
— E não fez? Eu te conheço!
— Não. Ela fez!
— O que ela fez?
— Ela comprou a vaga de estágio.
— Não acredito! — ela fica chocada. — Aquele dia que ela veio
aqui me pareceu bastante séria e preocupada com você.
— Preocupada com o estágio dela, isso sim — explico a Day as
consequências que Sophie sofreria se eu desistisse da Fisioterapia.
— Você faria o que no lugar dela? — calo diante da pergunta.
— Você aceitaria numa boa que o seu paciente desistisse? Eu tenho
certeza que você lutaria para permanecer lá assim como ela estava
fazendo. Ou você esperava que ela tivesse você como o foco da
vida dela? Ah, para com isso, Brian! A vida é assim mesmo, a gente
corre atrás. A Sophie estava garantindo o futuro dela e ainda
tratando você como eu nunca vi um fisioterapeuta tratar um
paciente. E eu te conheço, você não é nenhum anjinho — lanço um
olhar franzido. — Aquela menina não é boba, já você…
— Você se esqueceu da parte que ela comprou a vaga?
— Será, Brian? Existe aquilo que você acha e o que é real —
relembro Sophie pedindo demissão. — Foi provado que ela
comprou a vaga?
— Não, são apenas boatos.
— Ah, Brian! — ela perde a paciência. — Para mim, ela
pareceu bastante honesta.
— Day, nem tudo o que parece, é.
— Realmente. Você parecia bastante esperto, e olha só!
— Qual é a sua, Day? — perco a paciência.
— Brian, quando eu comecei a trabalhar aqui eu percebi que
você fazia as coisas do seu jeito. Você sempre amou questionar
tudo e encontrar motivo para o seu pai me demitir porque achava
que eu queria dar o golpe nele. Você implicava comigo o tempo
todo!
— Você tem que admitir que a minha teoria fazia sentido. Você
é jovem e bonita, e o meu pai, um velho rico.
— Muito obrigada pelo elogio, embora a minha beleza seja
consequência de plásticas muito bem realizadas — ela ri. — A
verdade é que eu amo o seu pai, Brian.
— Eu sei disso.
— Eu estava desempregada e desesperada, e foi ele que me
estendeu a mão. Você acha que eu não fiquei com medo de
trabalhar em uma casa com dois homens adultos sendo linda como
eu sou? — sorrio. — Não é fácil ser mulher, Brian. Eu tive medo,
mas eu precisava trabalhar. E aquela foi a única mão estendida que
eu tive. A Sophie também está com a mão estendida para você.
— São situações completamente diferentes, Day.
— Esses seis anos com o seu pai foram os mais lindos da
minha vida. Se eu tivesse deixado o orgulho me dominar eu teria
perdido a família linda que eu tenho hoje — ficamos em silêncio por
alguns segundos. — Brian, você pode ter essa chance de volta se
você for corajoso e humilde o suficiente para reconhecer que
precisa de ajuda, e você sabe de quem. A Sophie está levando a
sério o seu tratamento. Não se atreva a desperdiçar isso. E, se eu
fosse você, eu levantava agora e iria correndo atrás dela para pedir
desculpas.
— Correndo, é?
— Ou pulado em uma perna só, se preferir — ela sugere com
deboche e começa a cantar uma música infantil. — O saci desce do
cipó. Pula, pula, pula numa perna só — a sua risada estridente puxa
a minha em seguida. Ela joga uma almofada em minha direção. —
Eu acho que estou passando muito tempo no universo infantil.
— Você acha? Eu tenho certeza! — rio.
O interfone toca. Sophie havia chegado. Day segue para dentro
para recepcioná-la. Eu estava aliviado por não passar aqueles
minutos em puro tédio. Em uma coisa Sophie tinha razão, o
incentivo fazia toda diferença.
Sophie
— Obrigado por vir — Brian diz assim que me vê. Inicio a
sessão falando somente o necessário relacionado aos exercícios.
Brian, em contrapartida, começa a falar.
— Eu estou focado em voltar a jogar, eu preciso disso. Eu sinto
falta do Football da mesma forma que eu preciso de comida quando
sinto fome. Sabe o que é isso?
— Eu posso imaginar — digo sem estimular o assunto.
Após quarenta minutos de exercícios feitos em paz e
tranquilidade, na qual eu era grata por isso, preparo-me ir embora
da casa de Brian e começo a guardar as minhas coisas. O interfone
toca anunciando a chegada de alguém.
— Nos vemos depois de amanhã? — ele assente parecendo
bastante desconfortável. E, de fato, aquela sessão estava sendo
insuportável.
— Olha quem está aqui — a voz de Day puxa a minha atenção.
Ela vinha em nossa direção de mãos dadas a uma linda menininha
de cabelos loiros e lisos presos em maria chiquinhas. Quando
aqueles lindos olhinhos verde veem Brian, ela solta a mão de Day e
corre em direção a ele.
— Papai!
Papai? Ela chamou o Brian de… papai? Ela o abraça com
carinho enquanto ele retribui com expressão confusa e um pouco
sem graça pela minha presença.
— O que está fazendo aqui, princesa? — ele pergunta à
menina sorridente. Eu observo aquela cena ainda atônica.
— A mamãe foi trabalhar — ela diz, e ele sorri suavemente
afastando a franjinha de seus olhos com ternura.
— A Kelly foi chamada para um evento em cima da hora e
ficará alguns dias fora — Day explica. — Ela pediu desculpas por
não ter avisado antes.
— Tudo bem. Obrigado, Day, eu cuido dela.
— Quem é você? — ela nota a minha presença. Brian me olha
sem jeito, mas faz as devidas apresentações.
— Essa é a Sophie, a minha fisioterapeuta. Sophie, essa é a
Clara, a minha filha — fim do mistério. Então, era com ela que Brian
conversava apaixonadamente ao telefone. Disfarço a surpresa o
máximo que posso. Eu não esperava por aquilo. Brian Winters tem
uma filha! Eu queria poder falar em voz alta ou gritar para me
convencer de que aquilo era real. Os olhinhos curiosos de Clara
estão focados para o que estava em volta do meu pescoço.
— Você tem o negocinho de ouvir — ela se referia ao meu
estetoscópio. — Eu posso ver?
— Pode, vem cá — ela salta do colo de Brian e corre em minha
direção. Agacho para ficar a sua altura, tiro o estetoscópio do
pescoço e delicadamente o coloco em seu ouvido posicionando em
meu coração para que ela o ouça. O seu sorriso é espontâneo e
empolgação é nítida.
— É de verdade! — ela se admira. — Que legal! A minha mãe
disse que não é brinquedo, por isso ela não pode me dar um.
— Você quer ser médica?
— Veterinária.
— Que legal! — olho para Brian que nos observa.
— Clarinha — Day a chama —, quer tomar sorvete?
— Eu posso, papai? — ela pergunta de uma maneira meiga
que derreteria qualquer brutamonte.
— Só um pouquinho — ele responde com os olhos brilhando.
— Tchau, Sophie — ela acena e segue para a cozinha com
Day. Olho para Brian em silêncio ainda processando. Ele percebe.
— Sim, eu tenho uma filha. É a única… que eu saiba — olho
reprovando o comentário — Eu estou brincando. Ou, não.
— Eu não imaginava — digo.
— Eu não escondo, mas também não exponho — ele dá de
ombros.
— Quantos anos ela tem?
— Quatro. E, sim, no ensino médio eu já era pai. E, não,
ninguém sabia. Na verdade, ela nasceu no último ano do ensino
médio. Foi uma loucura!
— Eu ainda estou em choque — digo, ele ri.
— Eu sei bem como é. Eu não estava preparado para notícia da
paternidade aos dezesseis anos. Eu fiquei em estado de choque por
vários dias.
— Ela é muito linda! Parabéns! — digo com sinceridade.
— Obrigado. Eu consegui fazer ao menos uma coisa boa na
minha vida.
— Então, ela é o seu motivo?
— Sim, ela é o meu motivo — sorrio.
10
— Desculpa a demora! — Spencer entra na sala para mais uma
sessão. — Pode deixar comigo, Sophie, eu comando daqui para
frente. Quero te ensinar um novo exercício para começarmos a
fazer semana que vem com mais intensidade. Sabe o porquê,
Brian? Pelo andar da carruagem, você ficará livre desses pedaços
de pau o mais rápido do que você imagina, lá pela semana que
vem.
— É sério? — Brian escancara um sorriso enquanto Spencer
assente. Brian me olha transbordando felicidade. Sorrio.
— Com licença! — Dra. Brianna aparece em nossa sala. —
Que bom vê-los!
— Dra. Brianna, o Spencer disse que semana que vem eu
ficarei livre das muletas!
— Tudo indica que sim, mas…
— Eu já sei. Eu não posso correr uma maratona.
— Isso mesmo! — ela reforça. — Que bom que eu consegui um
tempinho para me encontrar com vocês. Eu vim dar uma resposta
sobre o boato de que a mãe de Sophie havia comprado a vaga —
nos entreolhamos. Spencer parecia mais sem jeito que Brian e eu
por ter contribuído para esse assunto circular. — Bom, a Sophie tem
notas boas, mas, realmente, para entrar no programa deveriam ser
um pouco mais altas. Porém, devido à sua assiduidade nas aulas,
trabalhos voluntários e entrega de trabalhos acadêmicos antes do
prazo com ótima qualidade, ela subiu na lista ganhando o lugar que
ocupa. Em resumo, Sophie, você é bem-vinda e pode continuar
trabalhando com o seu coração em paz. Não há nada que comprove
a compra da vaga, mas há provas de que você merece estar aqui —
sorrio em saber que estou trabalhando de forma honesta. — Agora,
como adultos, espero que vocês resolvam isso entre vocês. E, por
favor, não criem mais boatos assim. O tempo que eu resolvi isso eu
poderia ter tirado uma longa soneca considerando que eu trabalho
como louca, está bem? — Dra. Brianna sai da sala e o silêncio
prevalece. Spencer pigarreia e, com muito custo, inicia a sessão
deixando aquele assunto morto como se nunca houvesse existido.
Após quarenta minutos, Brian vai embora com altas expectativas
para a semana que vem.
— Eu sabia que tudo daria certo! — digo.
— Mais ou menos, Sô.
— Como assim, Spencer?
— Sobre o seu estágio, sim, deu tudo certo e fico feliz que
continue com a gente, mas essa melhora do Brian não significa
retorno ao esporte. Eu acho que ele está se iludindo um pouco.
— Mas talvez com o tempo ele consiga retornar.
— Não vai, Sophie. O joelho dele vem respondendo bem, mas
a agilidade dele vai ficar comprometida. Sabe quando você quebra
um vaso e cola os pedacinhos? Pode-se ver o vaso inteiro, mas
nunca será como antes.
— Mas ainda consegue cumprir a sua função.
— Sim, mas ainda que ele volte a jogar, não será mais
destaque e, por esse motivo, ele pode decair muito e até não ser
aceito em um time. Ele será desvalorizado. Logo ele, que era
considerado o melhor, será o mediano e talvez esquecido. Um vaso
remendado é facilmente substituído por um outro melhor — engulo a
seco e o meu coração se aperta. Eu sabia que no fundo ele tinha
razão, mas eu lutava para não acreditar nas palavras de Spencer.
Eu focava na minha fé, porém nem sempre era fácil.
— Spencer… — mudo de assunto —, por que surgiu o boato
que minha mãe havia comprado a vaga? Você sabe me dizer?
— Ah, Sô, inveja, né? O pessoal fica tão inseguro com os novos
estagiários e ficam vasculhando as fichas. De todos que passaram
no projeto, você teve a nota mais baixa.
— Eu fui tão mal assim? Eu tirei 9,0.
— Precisava de 10, raspando uns 9,5. Você não é ruim, mas
aqui é um sistema muito rígido, um ponto é muita coisa. Você
realmente entrou porque o Dr. Dalton deveria estar de bom humor,
ou sei lá por qual outro motivo. Talvez seja aquilo que a Dra. Brianna
disse, assiduidade nas aulas, trabalhos voluntários, enfim.
— Pode ser — digo um pouco chateada, mas aliviada por saber
que a minha mãe não estava metida nisso, coisa que era muito
capaz de ter acontecido.
— Bom dia — Brian diz assim que entra na sala naquela manhã
ensolarada de sábado para mais uma sessão.
— Bom dia. Como você está hoje?
— Bem. Eu não dormi muito bem hoje, então, podemos
começar logo para que eu possa ir embora? — o seu tom não é
grosseiro, mas impaciente.
— Claro! — começo a orientar Brian sobre os movimentos que
Spencer havia me passado e ele faz a sua parte e segue as
repetições. — Como está a Clara?
— Bem.
— Ela parece ser muito carinhosa, cheia de energia e bastante
esperta.
— Por que você acha que eu dormi mal essa noite? Alguém
sugou a minha energia. Não sei de onde eu vou tirar mais energia
hoje e amanhã. Eu canso o dobro com essa perna imóvel.
— Você não tem sentido melhora?
— Um pouco. Eu já consigo dar pequenos passos mancando
bastante.
— Isso é ótimo! Em breve, você não precisará mais das suas
muletas. E, a partir daí, eu recomendo um energético, uma boa noite
de sono ou uma babá — ele ri.
— A Day é a babá da Clara, mas ela vai viajar com o meu pai
hoje à noite e eu vou cuidar em tempo integral da minha filha em
câmera lenta até domingo à noite quando a mãe dela voltar para a
cidade. E ela quer que eu faça cookies. Olha pra mim, Sophie, eu
tenho cara de quem sabe fazer alguma coisa na cozinha?
— Comer — digo, ele ri. Brian estava falante. Talvez a falta de
sono tenha desconfigurado o seu sistema, eu não o reconheci
naquela manhã. Eu gostava daquele Brian, mas eu sabia que aquilo
passaria em breve e ele voltaria ser o mesmo grosseirão de sempre.
— Não se preocupe, cookies é simples e fácil de fazer — digo.
— Você sabe fazer?
— Sei, e, modéstia à parte, são deliciosos!
— Eu não sei se vou poder dizer o mesmo dos meus.
— É fácil descobrir se são bons ou não, criança não mente. A
Clara será a melhor jurada.
— Você parece gostar de crianças.
— Eu amo crianças! — dou ênfase no verbo. — E eu acho que
elas gostam de mim também — ele sorri levemente com os lábios.
Alguns segundos depois em silêncio, eu consigo sentir o olhar de
Brian sobre mim enquanto massageava o seu joelho, mas ignoro.
Acredito que ele, naquele tempo, estava tomando coragem para
falar algo, e eu não estava errada. Ele se senta na maca, e eu o
olho nos olhos que estavam a minha altura e de forma mansa e sem
jeito ele diz o que pretendia.
— Sophie, desculpa pelo transtorno causado por aquele boato.
— Você não estava errado, Brian — ele me olha confuso. — A
maneira que você agiu que não foi legal. Eu nunca te tratei mal
mesmo tendo motivos para isso, e eu esperava o mesmo de você,
só isso. Mas, você estava certo ao querer um profissional que confie
e que trabalhe de forma honesta, também não seria correto da
minha parte continuar aqui se esse boato fosse, de fato, verdade.
— Mas não é. Desculpa, de verdade.
— Tudo bem. Eu aceito as suas desculpas, principalmente,
porque você não é o tipo de pessoa que faz isso, não é? — brinco
para quebrar o clima estranho.
— Eu não era, mas eu melhorei um pouquinho — ele se
defende com humor. — Você é uma boa fisioterapeuta, eu preciso
reconhecer isso — aquele elogio me surpreende. — Eu nem sinto
falta do Spencer.
— Mas eu só reproduzo o que ele passa para mim, os créditos
são todos deles.
— Todos, não. Você tem parte nisso. Eu diria que, apesar de
ele ter elaborado os exercícios, é você que tem sustentado isso.
— Você também tem o seu papel nos resultados, não se
exclua.
— Eu não estou me excluindo. Mas, você, claramente, tem
dificuldade em receber um elogio. Eu te elogiei e tudo o que você
fez foi elevar as outras pessoas.
— Eu estou sendo justa.
— E aonde entra você nessa história? Quando alguém te fizer
um elogio, agradeça. Então, vamos começar de novo. Sophie,
desculpa pelo o que aconteceu. E você é uma ótima fisioterapeuta!
— Obrigada pelo gentil elogio, Brian Winters. E eu aceito as
suas desculpas — estendo a mão e ele corresponde apertando-a
com firmeza sorrindo. — E, boa sorte com os cookies.
— Ah, não! — ele finge um choro desesperado. Rio.
11
A semana era corrida devido à faculdade, provas e trabalho,
mas o final de semana era o tempo de descanso. Então, ali, deitada
na cama em pleno domingo à tarde olhando para teto penso no que
fazer. O celular toca causando-me um susto em meio ao silêncio do
meu quarto. O número desconhecido aparece na tela.
— Alô?
— Sophie? Oi, é o Brian. Tudo bem?
— Oi — sento-me na cama achando aquela ligação um pouco
estranha. — Estou bem, e você? Aconteceu alguma coisa?
— Não, não, está tudo bem. Eu peguei o seu número com o
Spencer. Eu queria falar com você.
— Ah, sobre o quê? — estranho mais ainda. A voz de Brian
estava mansa.
— Você lembra que eu te falei que a Clara ficará comigo por
esses dias? — respondo positivamente. — Então, você tem planos
para hoje à tarde? Ela perguntou se você poderia vir aqui.
— Ela vem, papai? — escuto a voz de Clara no fundo.
— Ela, aparentemente, gostou de você por causa do seu
“negocinho de ouvir” — rio com o que ele dissera imitando a forma
que Clara falava. Lembro-me de que eu era como ela. Os meus
olhos se enchiam quando eu via um jaleco, um estetoscópio ou
objetos relacionados. Eu não nasci sabendo exatamente o que eu
queria fazer, mas eu sabia que seria na área da saúde.
— E aí? — ele esperava a minha resposta.
— Eu posso dar uma passadinha — aceito sem jeito. Eu queria
conhecer mais aquela menininha linda e doce que vi aquele dia.
— Ótimo! Estamos te esperando! — escuto Clara comemorar, e
isso me anima.
Eu sempre estava com a minha roupa de trabalho, scrubs da
clínica, cabelo preso e tênis. No entanto, eu não estava em horário
de trabalho. Eu precisava me arrumar normalmente. De frente ao
meu guarda-roupa, olho peça por peça e escolho um short jeans de
lavagem clara, uma camiseta branca, tênis branco e alguns
acessórios simples. Era uma roupa perfeita para um domingo à
tarde com criança. Eu amo a energia dos pequenos, a
espontaneidade e, principalmente, a sua inocência. Eu amo a
demonstração de amor vindo delas, é uma pureza que eu sentia
falta de viver.
A Culpa
Eu precisava conversar com alguém e necessitava de uma
orientação, eu estava ao ponto de explodir. O estresse tomou conta
de mim e estava acabando comigo sem que eu me desse conta, e,
por isso, procurei a minha discipuladora assim que sai da casa de
Brian. Eu precisava me acalmar.
— Sophie, qual é a história de vida do Brian? — Sarah me
pergunta.
— Eu não sei.
— Geralmente, uma pessoa que machuca foi machucada,
lembra? Assim como uma pessoa curada, cura.
— Independente da história do Brian, o que ele fez à Emma foi
muito errado, nada justifica — digo.
— Você está certa, Sophie. Não justifica, mas para tudo há uma
motivação por trás, e é isso que eu quero que você pense. O Brian é
tão vítima de alguém como a Emma foi nas mãos dele. Se essa
raiva permanecer no coração de vocês fará mal a vocês mesmas.
— A Emma não pensa assim. Ela odeia o Brian com todas as
forças mesmo depois de todos esses anos, e agora eu acho que ela
sente o mesmo por mim.
— Por que você foi a casa dele, Sophie?
— Porque eu sou uma tonta! — eu estava brava comigo
mesma. — Eu estava sem nada para fazer e a filha dele pediu que
eu fosse lá, e eu fui.
— Você está… — ela pigarreia — apaixonada pelo Brian?
— Quê? — esbravejo. — Nunca! Eu não sinto nada por ele. Eu
me odiaria se eu me apaixonasse pelo Brian.
— Tudo bem. Desculpa. Sophie, você não precisa escolher um
lado. Eu sei que é uma situação delicada para Emma, mas você não
pode tomar as dores dela como se fosse você tivesse vivido o que
ela viveu.
— Doeu em mim. Eu vi pelo o que ela passou. Eu não odeio o
Brian, mas eu odeio o que ele fez. E eu sei que eu já errei muito,
mas eu me arrependi e mudei. Já ele…
— E você vai nutrir essa raiva por ele pelo fato da Emma não
querer mais falar com você? Vocês estavam se dando bem e se
tornando amigos.
— Amigos? Jamais!
— Sophie, que fisioterapeuta vai à casa do paciente para fazer
cookies?
— Era para a filha dele — ela me encara em silêncio.
— O que você pretende fazer?
— Eu não posso deixar o estágio. O meu erro foi ter ido até a
casa dele. Onde eu estava com a cabeça, meu Deus? Semanas
atrás, ele estava querendo me expulsar do caso e, de repente, eu
estava fazendo cookies com ele — repito a mim mesma para
enxergar a escolha absurda que eu fiz. — Se eu não tivesse ido,
isso jamais teria acontecido. A Emma sabia do estágio, mas ficou
furiosa porque achou que eu estava me envolvendo com ele. Eu
jamais me envolveria com ele!
— Calma, Sophie! — Sarah segura a minha mão. — Continua
no estágio normalmente e não desconte a sua raiva no Brian.
— Vai ser difícil, foi ele que causou tudo isso!
— Continue tentando falar com a Emma e se não conseguir,
siga com a sua vida. A gente precisa aprender a respeitar a decisão
do outro. Às vezes, a vida vai nos colocar em situações em que
vamos ter que nos adaptar e, nisso, algumas pessoas sairão da
nossa vida para que outras entrem.
— Eu não quero perder a amizade dela.
— Você também não queria que o Brian fosse o seu paciente. A
gente não tem o controle de tudo na vida. Nem sempre a gente vai
entender o porquê das coisas, Sophie, mas tudo o que acontece é
para nos ensinar algo. Talvez o Brian, o mais improvável, seja a
pessoa que Deus quer usar para ministrar sobre a sua vida. A poda
da vida é difícil. No entanto, é necessário passar por essas coisas
para que a gente possa crescer.
— Ele nem é cristão, Sarah.
— Deus fez uma jumenta falar, por que Ele não usaria o Brian?
— ela diz e caio na gargalhada. — Nada disso é sobre o Brian,
Sophie. Eu só quero que você dê uma chance a essa nova fase, ela
tem muito a te ensinar. Ninguém cresce no conforto, mas sim no
desconforto e no confronto, está bem?
Brian
— E aí? — Spencer sussurra assim que Sophie sai da sala.
— E aí, o quê?
— Falou com a Sophie sobre mim?
— Ah, sim, eu falei. E, na boa, Spencer, como eu te disse, ela
não tem interesse.
— Por quê?
— Ela é crente, cara, eu te disse. Deve estar esperando casar
com um pastor ou algo assim.
— Ela não sai com ninguém?
— Eu não sei, Spencer, eu acho que não.
— Como ela consegue ser feliz sem beijar e tal?
— Cara, eu não sei — digo já sem paciência, e Sophie retorna
de mãos vazias.
— Não tinha nenhum carregador lá — ela diz.
— Eu acho que estou distraído, devo ter pegado quando
cheguei e colocado na mochila. Obrigado, Sô — observo a desculpa
esfarrapada.
— Com licença — diz uma funcionária ao entrar na sala. —
Spencer, aqui estão as bandagens que você me pediu.
— Obrigado, Sam! Já que você está aqui, deixe-me apresentar
vocês. Esse é o Brian, aquele que eu te falei.
— Samantha, né? — estendo a mão para cumprimentá-la.
— Eu mesma — ela sorri, eu conhecia aquele tipo de sorriso. —
Que prazer te conhecer, Brian Winters!
— O prazer é meu — digo e percebo, de canto de olho, Sophie
reagir com um rolar de olhos.
Sophie
Que cena ridícula! O Brian caía de dez para zero com uma
facilidade gigantesca. A cena fofa com a filha despencou para uma
cena nojenta. Mais uma vítima nas mãos de Brian bem diante dos
meus olhos. E eu pude recordar naquele momento como ele
costumava a ser no ensino médio. Eu estava com raiva de Brian
pelo afastamento de Emma e qualquer coisa que ele fizesse me
irritaria sem a menor sombra de dúvidas. Eu me conheço e, muitas
vezes, consigo disfarçar, mas havia situações que faziam o meu
interior borbulhar. Samantha deixa a sala sendo acompanhada pelos
olhos de Brian. Credo! Minutos depois, após encerrarmos a sessão,
estou sozinha com ele e tento focar em algo para evitar conversar,
mas, provavelmente, a minha cara entregou tudo.
— Por que eu acho que você está me julgando?
— Não estou — digo.
— Você está com ciúmes da Samantha? — ele pergunta
brincando e recebe um olhar sério.
— Brian, eu não tenho interesse nenhum em você — deixo
claro.
— Nem eu em você.
— Ótimo! — digo com firmeza.
— Ei, o que você tem? Eu estou brincando, calma!
— Eu estou calma! — eu não estava. Ele ignora a minha cara
fechada.
— Nos vemos amanhã de manhã na minha casa?
— Sim.
— Ok — ele diz achando estranho o meu tratando e sai da sala
em seguida após o fim daquela sessão. Eu estou muito, mas muito
incomodada. Com tudo isso girando dentro de mim, tento entrar em
contato com Emma pela milésima vez, sem sucesso.
Sinal de Paz
Brian abre a porta para mim às três da tarde apoiado em sua
bengala. Em passos lentos e silenciosos, seguimos até a academia
que estava sendo desocupada por Day que aparentemente havia
passados longos minutos ali.
— Uau! Estou morta! Hoje eu posso me afundar em balde de
chocolate.
— Você vai sair com o meu pai hoje?
— Sim, e estou atrasada! Eu vou tomar um banho correndo e
vou me encontrar com ele na doceria. Quer alguma coisa?
— Não, Day, obrigado!
— Mesmo você recusando, você sabe que eu sempre trago
alguma coisa para você.
— Eu não posso ganhar peso por causa da perna, Day, você
sabe disso.
— Logo você recupera e volta a malhar — ela diz e olha para
mim. — Hoje o George e eu completamos mais um ano juntos,
Sophie — os parabenizo com sinceridade e ela abre um sorrisão
apaixonado e segue se preparar para o seu encontro romântico
enquanto Brian e eu seguimos desanimados para academia. Sem
jeito, olho para ele em silêncio.
— O que foi? — ele pergunta impaciente.
— Eu estou me sentindo desconfortável.
— Ah, não, Sophie, eu não estou a fim de discutir de novo.
— Eu não quero discutir. Eu só quero dar um sinal de paz da
minha parte. Eu quero trabalhar sem conflito.
— Tudo bem por mim.
— Ótimo!
14
Quando a Chuva Leva Embora O Que
Ficou
Era quase quatro horas da tarde quando teve início uma
ventania. O céu estava coberto por nuvens carregadas prestes a
desabar uma chuva forte com raios e trovões.
— É melhor eu ir embora antes que chova — no momento que
finalizo a minha frase o céu cai com toda força e barulho. Ignoro —
Nos vemos depois de amanhã?
— Você não está pensando em ir embora nessa chuva, não é?
— Não está tão forte — ele franze a testa processando o que
eu havia dito. Outro estrondo vem do céu.
— Eu não vou deixar você sair nessa chuva. É perigoso! É
melhor você se sentar. Essa tempestade não vai passar tão rápido.
Contra a minha vontade, acomodo-me no chão da academia
junto a ele. Ele tinha razão, a chuva era pesada e eu não tinha outra
escolha. Brian e eu estávamos sozinhos naquele pequeno espaço
em meio a uma tempestade. Oro ao Senhor pedindo para que a
chuva cesse para que eu possa ir embora o mais rápido possível.
Desde que começamos o tratamento, Brian jamais sequer me olhou
com segundas intenções, o que parecia bastante estranho se
tratando dele. Até chego a me questionar se ele me achava feia ou
algo assim, afinal, bastava ser mulher para ele ir para cima. E se
essa fosse uma oportunidade para ele dar o bote? Aquela
tempestade não ia parar tão rápido, então, puxo assunto com Brian
para quebrar aquele desconforto e me distrair.
— Eu tinha muito medo de trovão quando eu era criança —
comento.
— A Clara também tem.
— Eu não sei se vai funcionar com ela, mas quando eu era
criança a minha babá me dizia que quando chovia, Deus estava
fazendo faxina no céu, e o trovão era Ele arrastando os móveis. Se
você falar isso para ela, talvez ela se sinta melhor. Funcionou
comigo, penso nisso até hoje mesmo sabendo que é historinha.
— Sophie, você sabe que eu sou…
— Ateu — completo sua resposta. — Eu sei — tento disfarçar a
tristeza em minha voz para não criar uma situação desconfortável e
mudo de assunto. — Conta mais sobre como foi descobrir que seria
pai — pergunto curiosa, e ele sorri levemente.
— Eu fiquei em choque quando a Kelly me contou, fiquei vários
dias processando sem saber o que fazer.
— Ela era a sua namorada?
— A Kelly? Não! — ele responde como se eu tivesse feito uma
suposição absurda — Eu nunca namorei, Sophie.
— Nem a Emily?
— Não. Eu tinha alguns momentos com a Emily, mas não era
um compromisso. Já a Kelly trabalhava no clube de esportes que eu
jogava. Nós ficamos muito amigos lá. Somente amizade de ambas
as partes — ele reforça. — A gente passava horas conversando e
desabafando um com o outro no final do dia bebendo alguma coisa
sentados no campo ou na arquibancada. A gente se deu bem logo
de cara mesmo ela sendo aluna da Parker. A gente tinha assunto,
sabe? Algo que eu nunca tive com as meninas da nossa escola. A
Emily e Rebecca, por exemplo, eu não conseguia conversar sobre
nada. Ou elas estavam falando de moda ou maquiagem, ou de mal
de alguém.
— E quantas vezes eu estive nessas conversas?
— Algumas — ele confessa. — Mas a Kelly foi amizade à
primeira vista — ele brinca. — Ela era apaixonada pelo meu colega
de time, e eu tentava juntar os dois, mas não deu certo porque ele
gostava de outra. A Kelly é uma irmã para mim, e eu sei que é
estranho falar isso por termos uma filha juntos, mas isso só
aconteceu por ficamos absurdamente bêbados em uma festa —
ouvia tudo atentamente. — Ela se declarou para o meu colega
mesmo depois de eu a ter aconselhado a não fazer aquilo.
Resultado: ela estava deprimida e com raiva, e eu também estava
do mesmo modo por ter sido suspenso de um jogo. E, então, nós
bebemos muito aquela noite e perdemos a noção total da situação.
Algumas semanas depois, Kelly me entregou o exame de sangue
que havia feito, e a palavra positivo estava grifada por uma caneta
fluorescente. E a única coisa que eu consegui dizer foi:
— Eu não acredito que isso está acontecendo! Por que você
teve que se oferecer para mim, Kelly?
— Como é? — ela esbraveja.
— Foi você que se jogou em cima de mim, você queria que eu
fizesse o quê? Eu estava deprimido e bêbado.
— Eu também estava deprimida e bêbada! Em sã consciência
eu jamais teria alguma coisa com um babaca como você! A partir do
momento em que você se deixou levar também assumiu os riscos,
não jogue só para mim algo que nós dois fizemos! — encaro-a. —
Se você tivesse tomado iniciativa, com certeza, também me culparia
dizendo que eu te provoquei a isso. É sempre culpa da mulher, não
é? — fico em silêncio ao perder o argumento.
— O que a gente vai fazer? — pergunto em desespero.
— Olha só, Brian, eu vim aqui te contar porque você é o pai,
mas eu quero deixar bem claro que eu não vou te obrigar a nada.
Eu não queria ser mãe agora, mas é o que é e eu vou encarar isso.
Essa criança vai nascer e eu vou cuidar dela, você querendo isso ou
não. Eu não vou exigir nada de você, mas essa criança não tem
culpa da nossa irresponsabilidade. Então, se você quiser fazer parte
ativamente da vida dessa criança, nos bons e nos maus momentos,
ótimo. Se não, por favor, não atrapalhe. Pior que ter um pai ausente,
é ter um pai babaca, e disso você entende muito bem. Dos dois
males, o menor. Essa criança não tem culpa de nada — ela
desabafa em lágrimas e passa ao meu lado furiosa, mas a seguro o
seu punho cessando os seus passos.
— Desculpa, Kelly, eu só estou com medo — lágrimas enchem
os meus olhos.
— E eu estou apavorada, Brian! Nós só temos dezesseis anos!
Você consegue imaginar como será daqui para frente? As pessoas
vão me olhar e me julgar o tempo todo, comentários vão circular
pela escola e eu vou ter esconder quem é o pai para não ser
massacrada por causa dessa rivalidade estúpida entre as nossas
escolas. A sua vida aparentemente vai continuar a mesma, a minha,
não — ela soluça em tentativa de contar o choro, e vai embora em
seguida.
Eu ouvia atentamente cada palavra que Brian dizia disfarçando
a minha indignação com a atitude dele com Kelly. No entanto, eu
continuei ouvindo.
— E, então — ele continua —, eu me sentei no sofá da sala
tentando processar tudo até que a Day chegou e me viu naquele
estado. Ela me olhou assustada, sentou ao meu lado e perguntou:
— O que aconteceu, Brian?
— Você se lembra da Kelly?
— Ela morreu?
— Não — ela se acalma colocando a mão no peito. — Ela está
grávida!
— Meu Deus! Ela tem a sua idade, né? — assinto. — Ela deve
estar desesperada! Que irresponsabilidade! E o pai da criança?
Outro irresponsável! Espero que ele não seja um babaca com ela.
— Sou eu, Day — digo por fim.
— Você o quê?
— Eu sou pai dessa criança. Eu engravidei a Kelly.
— Quê? Como assim, Brian? Vocês eram só amigos.
— A gente sempre foi, mas aconteceu — dou de ombros.
— Ai, Brian — ela coloca a mão sobre a testa.
— O meu pai vai me matar! — esfrego as mãos no rosto.
— Você vai assumir, não é? — não respondo. — Brian, essa
criança precisa de você! Ela não se importará com a sua idade, se
você ainda está na escola, se foi um acidente ou não. Ela precisa da
sua presença — fico em silêncio. Quanto mais a Day falava mais eu
me desesperava.
— Eu não vou ser um bom pai, Day, eu sou uma péssima
pessoa.
— Brian, você não é uma péssima pessoa!
— Você não me conhece de verdade.
— Bom, você se achar uma péssima pessoa só soa como uma
desculpa para fugir da sua responsabilidade. Uma criança com o
seu sangue virá ao mundo e você sabe como ausência de um pai e
de uma mãe dói. Você não preferiria, ainda que de modo difícil, que
seu pai tivesse sido mais presente na sua vida? A sua ausência vai
abrir um buraco no coração de uma criança inocente que não pediu
para vir ao mundo. E a Kelly também precisa de você mais do que
nunca. Você não pode pular do barco agora e deixar a Kelly sem
rumo — ela pausa por alguns segundos. — Eu quero que saiba que
você não estará sozinho nessa, está bem? Eu vou te ajudar — olho
para Day. — Conta comigo! — ela coloca a mão no meu ombro,
mas não consigo dizer nada. — Você será um bom pai se você se
abrir a essa possibilidade.
— A Day é muito acolhedora, né? — digo.
— Sim, e eu nem me dava bem com ela nessa época. Eu
estava tão desesperado que me abri com ela.
— E o que você fez depois? Você contou para o seu pai? —
pergunto.
— Contei. Eu fui muito xingado nesse dia. Ele disse que
esperava mais de mim como uma vitória de um jogo importante, e
não um neto, no caso, uma neta. Eu confesso que esperava uma
reação pior. Embora tenha doído algumas palavras que eu ouvi, eu
fiquei feliz por não ter apanhado dele — ele diz com naturalidade. —
Ele agiu de maneira estranha comigo por muitos meses. Eu diria
que só depois que a Clara nasceu que ele começou a me perdoar.
— E você sendo um jogador de Football esperava por um
menino?
— Pra quem descobriu que seria pai aos dezesseis anos, o
sexo do bebê era o que menos importava. Já o meu pai esperava
por um menino. Quando eu contei a ele que seria uma menina, ele
chegou a dizer que eu não prestava nem para fazer filho. Para ele,
era importante que eu tivesse um menino para me substituir
futuramente no esporte.
— O que você acha disso?
— Que é uma ideia completamente sem noção! Ainda que eu
tivesse um menino que garantia isso me daria de que ele iria gostar
de Football? Eu sei que a maioria dos meninos gosta, mas eu não
quero impor nada, eu sei o quanto isso é ruim. E a Clara também
pode jogar no time feminino se ela quiser, mas ela não liga para
esporte, e tudo bem. Eu quero que ela seja o que ela quiser. Se eu a
forçasse a fazer o que eu quero, eu não estaria amando a Clara, eu
estaria amando a mim mesmo — ouvir as palavras de Brian foi um
soco no estômago. Ao mesmo tempo em que eu ficava feliz por ele
pensar de uma forma tão bonita, eu senti inveja de Clara por ter pais
tão legais. — Hoje, o meu pai e eu temos uma relação boa. Com o
tempo, Clara o conquistou e agora ele é apaixonado por ela.
Pergunta se ele a troca por um menino. Ela o deixou todo bobo.
— O poder feminino já nasce com a gente.
— É verdade! A Clara me desmonta todinho — ele diz, sorrio.
— E como as coisas se resolveram com a Kelly?
— Eu fui até a casa dela no dia seguinte após a minha
conversa com o meu pai. Ela estava brava comigo, mas aceitou me
ouvir. Eu disse a ela que eu não teria como saber como as coisas
seriam dali para frente, mas eu prometi que estaria com ela e que
faria o meu melhor para ser um bom pai. E, apesar de todos os
meus defeitos, Sophie, uma coisa que eu faço é cumprir as minhas
promessas. Se eu te disser que estarei com você, tenha a certeza
de que você nunca estará sozinha — ele respira fundo. — Eu…
tenho medo de não conseguir ser um bom pai para ela. Você sabe
que eu não sou a melhor pessoa desse mundo — ele diz com
preocupação no olhar e isso me gera um pouco de culpa.
— Brian, eu quero te pedir desculpa pelas coisas que eu te falei
aquele dia sobre a Clara. Você é um bom pai, qualquer um vê isso
— ele sorri levemente com o que eu digo.
— Está tudo bem, Sophie. Na verdade, foi bom. Às vezes, a
gente precisa ouvir algumas coisas.
— Agora, sobre ser a melhor pessoa do mundo, realmente, está
deixando muito a desejar — brinco.
— Eu melhorei muito, tá? Eu aprendi muitas coisas nesses
quatro anos.
— O quê, por exemplo?
— Trocar fralda — ele brinca, e eu reviro os olhos rindo em
seguida.
— Eu esperava uma resposta profunda — tento extrair mais
dele.
— Sei lá — ele dá de ombros. — A Clara trouxe leveza para a
minha vida. Eu sempre estive envolto em um ambiente
extremamente masculino. E as coisas mudaram quando a Day
chegou e em seguida veio a Clara. Eu sempre morei com o meu pai
e passava a maior parte do tempo jogando Football com um bando
de homem suado e fedorento. O Football é esporte bruto e,
querendo ou não, nós somos treinados a sempre estarmos fortes e
manter uma postura. E quando eu estava em casa com a minha
filha eu conseguia relaxar. A nossa casa era fria, desorganizada e
exalava testosterona por todo lado, mas a Day mudou o ambiente. A
criação de vínculo com a Clara permitiu com que eu colocasse para
fora um lado sensível que eu mesmo não sabia que eu tinha. Elas
deram o toque feminino que faltava na nossa vida.
— Então, valeu a pena? — pergunto sorrindo sabendo da
resposta.
— Valeu muito! Com certeza, eu teria me arrependido de ter
agido como um babaca irresponsável. Eu teria perdido a melhor
parte da minha vida. Não foi fácil, Sophie, foi absurdamente difícil.
Eu nunca tinha segurado um bebê na minha vida. Eu não sabia
nada, e até hoje eu não consigo diferenciar choro dos bebês. Eu
aprendi tudo do zero. Eu me esforcei e fiz o meu melhor, e continuo
fazendo. A cada dia eu aprendo uma coisa nova. Eu não sou
perfeito, e você muito bem disso. Eu me irritei diversas vezes. Eu
brigava muito com a Kelly e deixei de fazer muitas coisas por
cansaço e birra. E eu nunca vou conseguir agradecer a Day o
suficiente por toda ajuda que ela nos deu. Eu demorei a sentir esse
amor pela Clara, era como se… Eu a rejeitasse de alguma forma,
sabe? Eu achava que eu nunca conseguiria sentir esse amor que
todo mundo diz sentir pelo filho, e foi a Day que me ajudou muito
nesse processo. Ela lia livros sobre bebês só para me ensinar. Eu
estava ali apenas por obrigação, e a Day me ajudou a enxergar com
sensibilidade quem era aquele ser pequenininho frágil e totalmente
dependente de mim. Eu comecei, aos poucos, a olhar para a Clara
especificamente, e não como se ela fosse um bebê qualquer. Eu
tentei agir de maneira mais leve, a brincar mais e eu fui me
apaixonando toda a vez que a Clara sorria ou me olhava nos olhos,
pedia o meu colo ou se acalmava quando eu a abraçava. São
pequenas coisas que… — ele respira profundamente — eu nunca
havia experimentado na minha vida.
— Quando a Kelly engravidou vocês não consideram ficar
juntos? — pergunto curiosa.
— Não, eu não consigo imaginar algo romântico entre nós, nem
ela. Ainda assim, eu fico feliz por ela ser a mãe da minha filha — eu
conseguia ver carinho genuíno em suas palavras. — Ela é
sensacional! E uma ótima mãe. Mas, a Kelly é bocuda. Ela fala
umas coisas que eu, muitas vezes, não espero. E como eu não sou
muito diferente dela, a gente já bateu boca várias vezes, mas a
gente sempre acaba se entendendo depois. Eu não tenho irmãos,
mas eu imagino que seja mais ou menos assim.
— E ela superou o seu colega de time?
— Sim. Hoje ela namora o Kevin, e estão juntos há dois anos.
Ele é gente boa e tem um relacionamento muito bom com a Clara.
No começo, não foi tão simples. Eu tinha receio que ele tentasse
ocupar o meu lugar e eu implicava muito com a presença dele. Nós
tivemos uma conversa aberta e foi a melhor coisa que fizemos. Ele
respeita muito o meu relacionamento com a Clara. Mas, às vezes,
eu ainda sinto ciúmes dos dois.
— Mas ele nunca será você — ele sorri ao me ouvir falar. —
Qualquer pessoa consegue ver que a Clara é doida por você.
— Eu também sou doido por ela. Eu nunca imaginei que
conseguiria amar tanto uma pessoa a ponto de dar a minha vida.
Não sei o que eu fiz para merecer a Clara. Ela é uma menina
maravilhosa e extremamente carinhosa.
— E muito linda.
— É a minha cara, né? — ele brinca.
— Não precisa de exame de DNA. Embora eu ache que a Clara
se pareça bastante com a Kelly, eu também consigo ver que ela é
você de vestido — ele ri. — Ela tem os seus olhos — digo. O olhar
de Brian fixa no meu e desvio segundos depois. — A diferença é
que ela tem um olhar doce e não carrancudo igual do pai — brinco,
ele ri.
— Não posso nem discordar de você.
— Os seus olhos brilham quando você fala da Clara, é bonito
de ver.
— É um amor inexplicável, Sophie.
— Eu espero sentir esse amor um dia.
— Para uma mãe deve ser mais intenso ainda.
— É o meu maior sonho! — o meu coração se aperta.
— É mesmo? — assinto. — Não era o meu, eu nunca quis ser
pai.
— Sério? — ele positivamente com a cabeça.
— Eu nunca me achei uma boa pessoa para criar alguém e
também não tive uma boa experiência familiar na minha vida.
— Bom, disso eu entendo muito bem.
— Você não tem um bom relacionamento com os seus pais? —
ele pergunta.
— Não. Os meus pais gostam de falar que eu fui um acidente.
— A Clara também foi.
— É diferente, Brian — sinto vontade de chorar. — Quem me
dera o meu pai ter brincado uma vez na vida de boneca comigo, ou
ter tomado um dos meus chás imaginários sem dizer “agora não,
Sophie, eu estou fazendo algo importante” deixando claro que eu
estava atrapalhando com uma brincadeira boba — os meus olhos se
enchem de lágrimas, mas as contenho.
— Nossa, eu não fazia ideia. Eu sinto muito — forço um sorriso
suave com os lábios. — E a sua mãe?
— Ela consegue ser pior que o meu pai — ele se espanta. —
Ela é uma pessoa difícil e não mede as palavras quando se chateia
com algo. Eu acho que decepciono os meus pais desde que eu
nasci, e o pior é que eu não sei exatamente o por quê.
— E eu achava que você era filhinha de papai e mimada.
— As pessoas tem uma ideia de quem somos, mas elas não
conhecem realmente os bastidores da nossa vida — respiro fundo
para não cair no choro. — E sua mãe? — indago.
— Ela morreu quando eu tinha dez anos.
— Desculpa, eu não sabia. Eu sinto muito, Brian — o meu
coração aperta.
— Tudo bem. O meu pai conta que ela sonhava em ser mãe.
Infelizmente, ela sofreu um acidente de carro fatal. Eu sinto muita
falta dela — vejo os seus olhos marejarem. — O meu pai ficou
arrasado e acabou bebendo muito nessa época e chegou a me
bater muitas vezes. A nossa relação era péssima. Eu acho que por
isso eu fui tão revoltado na escola. Foi uma fase muito difícil para
mim, ela se foi de repente. Hoje eu entendo o meu pai. Ele a amava
muito e não soube lidar com a perda assim como eu também não
soube.
— Como ela se chamava?
— Clara — um arrepio tomou conta do meu corpo e os meus
olhos se encheram de lágrimas. — Não vai começar a chorar,
Sophie! — ele me reprime com impaciência. — A Kelly ficou
chorona igual você quando eu sugeri o nome. Eu só queria que ela
continuasse a fazer parte da minha vida de alguma forma — Brian
pega o celular e me mostra uma foto de uma mulher lindíssima de
cabelos castanhos e olhos verdes com um enorme sorriso
carregando ele, ainda bebê, em seu colo.
— Você tem os olhos dela — deslizo o dedo indicador sobre a
foto.
— Sim, e eu passei adiante — ele sorri. — A minha mãe era
muito bonita. Quando ela tinha vinte e cinco anos, foi trabalhar e
estudar nos Estados Unidos como babá onde conheceu o meu pai.
Ele é americano e aprendeu a falar português por causa dela.
— Você nasceu lá?
— Nasci. Eu vim para o Brasil com três anos de idade. Talvez
se tivéssemos ficado lá, ela ainda estaria viva.
— Mas você não teria a outra Clara.
— Pois é. A vida me compensou de outra forma.
— Por que você não contou a ninguém da escola sobre a
Clara?
— Porque estávamos no último ano quando ela nasceu. Você
sabe como o pessoal da escola era. A Kelly estudava na Parker, o
que já era um bom motivo para nos rotularem de traíra. Ela era líder
de torcida do time de lá, e eu, jogador do BHS. Todo mundo
detonaria a gente.
— Mas a Kelly não conseguiu esconder a gravidez.
— Ela simplesmente dizia que não queria falar sobre isso. Não
foi fácil para ela. Mas, se a gente falasse seria pior, então,
decidimos juntos não falar nada.
— E os pais da Kelly?
— Eles moram em outro Estado. A Kelly morava com os tios
paulistas porque tinha o sonho de estudar na BHS ou na Parker. Ela
tentou a bolsa nas duas escolas e conseguiu na Parker. E, para
ajudar nas despesas, começou a trabalhar no clube do tio dele, o
mesmo que eu jogava. Quando ela engravidou, os tios não queriam
essa responsabilidade para eles e, então, a Kelly foi morar comigo
nos primeiros meses da Clara. Quando as coisas se ajeitaram, a
Kelly voltou a trabalhar e conseguiu fazer a vida dela. Logo
conheceu o Kevin e foram morar juntos.
— Deve ter sido muito difícil para ela. Ela é uma guerreira.
— Ela é. Além de tudo, nós tínhamos que manter boas notas na
escola para não reprovar. O meu rendimento caiu muito no último
ano e eu tive medo de reprovar. Você e eu éramos os melhores
alunos da sala, lembra? — assinto. — E eu passei para os piores. A
diretora Alessandra me chamou para perguntar o que estava
acontecendo, mas eu inventei várias desculpas. Aliás, eu não sei se
você vai se lembrar do primeiro dia de aula que você e eu
estávamos na sala de espera da diretora e eu cochilei enquanto ela
atendia você.
— Lembro. Ela queria te parabenizar pela entrevista no jornal
de esportes.
— Exatamente! No dia anterior, além de treinar, eu dei
entrevista, comemorei o retorno das férias com time e não dormi a
noite inteira porque a Clara não parava de chorar. Ela tinha acabado
de completar um mês de vida.
— E eu achei que você tinha voltado de alguma noitada.
— Com certeza. Nos embalos de um bebê na madrugada de
uma segunda-feira.
— É impressionante a capacidade do ser humano em julgar…
— E você?
— Eu, o quê?
— Já namorou? — fico sem graça ao ouvir a pergunta.
— Sim, eu já namorei.
— Sério? Quem? Um pastor? — ele debocha.
— Antes fosse… — sinto um nó na garganta.
— Se não quiser falar, tudo b…
— Ele era abusivo — disparo. — Era ciumento e possessivo
que me culpava por tudo e me humilhava, agredia verbalmente e
físicam… — pigarreio pela falha na minha voz. — Ele bebia e se
drogava, também me traía, entre outras coisas — olho para o chão
tentando me recompor. Sinto as minhas mãos tremerem.
— Nossa…
— Aquele dia, na festa, em que você me defendeu dos garotos
da Parker…
— Eu lembro.
— Eu senti tanto medo — desabafo. — Um filme passou pela
minha cabeça e eu revivi por minutos os sentimentos horríveis que
senti um dia com ele.
— Aqueles caras eram uns covardes!
— E eu amei um covarde como aqueles. Sim, eu o amava
muito. É horrível dizer isso e talvez não faça sentido, mas ele fazia
com que eu me sentisse amada. Ele reparava em mim mesmo que
fosse para me criticar. E parecia algo bom…
— Como você conseguiu sair desse relacionamento?
— Ele foi assassinado por dívida — Brian arregala os olhos. —
Eu sofri muito. Eu comecei a sair com vários garotos para me sentir
amada e suprir a ausência do Hugo, esse era o nome dele. Eu
estava na pior fase da minha vida, indo para festas e chegando
bêbada em casa aos quinze anos. Ele era mais velho que eu. Foi o
ano mais maluco da minha vida.
— Por quanto tempo você namorou o Hugo?
— Cinco meses. Foram poucos meses, mas eu me entreguei
completamente. Eu o conheci em uma festa que eu fui com uma
amiga. E nesse tempo, eu fiz tudo que eu mais me arrependo na
vida. Eu vivia em guerra com os meus pais, eu passava noites fora
de casa e bebia muito. Embora, eu tenha me perdido totalmente
nesse relacionamento, era com ele que eu conseguia a atenção que
eu não tinha em casa. Eu me contentava com tão pouco…
— Isso são coisas que não parece que você faria.
— Eu sei. A morte do Hugo gerou em mim um vazio maior do
que eu. E aí, sentada em praça, eu considerei tirar a minha vida.
Então, uma senhora sentou ao meu lado e conversou comigo. Essa
senhora era avó da Emma e eu não fazia ideia, eu ainda não estava
no BHS. Foi ela que me apresentou Jesus, O Homem que me amou
de forma pura e verdadeira. Aquele que curou a minha dependência
emocional, o vazio que eu tinha dentro de mim, que me tratou com
respeito, com valor e me fez uma nova pessoa — as bochechas já
estavam encharcadas pelas lágrimas.
— Eu não sei nem o que dizer.
— Não precisa dizer nada. Esse foi o motivo da minha
discussão com você. Eu sei o quanto dói ser usada, e também
conheço o outro lado, eu também usei pessoas. Como também sei o
que é ver o meu pai saindo a cada dia com uma mulher diferente.
Eu só não queria que a Clara passasse por isso. Mas, você tem
razão quando diz que não é da minha conta com quem você sai ou
deixa de sair, mas hoje eu sou tão feliz e completa que eu só queria
que todos experimentassem a mesma coisa.
— Nem tudo que te faz feliz me fará feliz, Sophie.
— Você se sente feliz depois de cada encontro? Eu me refiro à
felicidade plena.
— Não, claro que não. Eu me sinto… Sei lá. É bom,
simplesmente isso. Ou, melhor dizendo, momentaneamente bom.
— Eu me arrependo muito de ter permitido que mãos estranhas
tocassem o meu corpo. Hoje, eu guardo cada parte dele para uma
única pessoa. Se essa pessoa não tem o meu coração, porque ela
teria o meu corpo? Ambos são tão meus e tão preciosos, como eu
pude dar a qualquer um? — desabafo.
— E se você se casar e não for bom? Eu me refiro ao… sexo.
— E isso é o mais importante no relacionamento?
— Não, mas também é importante.
— É verdade. Mas, sinceramente, quando a gente se entrega a
uma única pessoa na vida não temos com quem comparar. Ambos
estarão desfrutando daquilo sem passado. Isso é tão especial —
digo e Brian ouve atentamente.
— É… Talvez — ele pausa. — É bom saber que você superou
tudo isso. Ainda que eu quisesse, não seria possível para mim como
foi pra você.
— Por que não?
— A minha lista é enorme, Sophie.
— Não importa. O que verdadeiramente importa é um coração
disposto.
— Sei lá… — ele dá de ombros.
— Você comentou que… — enxugo as lágrimas com as mãos
— que havia mais coisas por de trás do caso da Emma.
— Sim, tem. Mas eu não quero discutir sobre isso de novo —
ele adianta.
— Eu prometo que vou ouvir calada se você me contar.
— Tá bom — ele respira fundo antes de começar a falar. — Eu
fui a uma festa com o pessoal da escola e estava rolando pôquer. O
Eric me desafiou, mas eu estava tranquilo quanto a isso, ele sempre
foi péssimo nesse jogo. No entanto, ele, eu não sei como, ganhou a
partida. E foi aí que ele propôs que eu enganasse a Emma. Na hora,
eu recusei, mas com pressão de um monte de gente em volta da
mesa, eu aceitei. No dia seguinte, eu continuei a minha vida, mas o
Eric insistia com aquela história. Eu disse a ele que não faria aquilo.
Só que eu… — ele engole a seco e parece um pouco envergonhado
pelo que diria em seguida — Eu… tinha feito uso de doping.
— Brian…
— Eu sei. Mais uma coisa na lista de decepções que eu causo
nas pessoas. Foi só uma vez! Foi o próprio Eric que me arrumou e
ele usou isso para me ameaçar depois. Ele ia contar para o nosso
treinador e eu ia ser expulso do time.
— Eles não fazem o teste sem aviso prévio?
— Sim, e eu quase fui pego no exame toxicológico. E, por
medo, eu não usei mais. Eu não podia correr o risco de perder o que
eu mais sonhava na vida. Eu sempre joguei limpo depois disso. Eu
não queria ter feito o que eu fiz com a Emma, Sophie. Eu juro pela
minha filha, se essa é a única maneira de te convencer — ele diz
olhando nos meus olhos. Ele não juraria pela filha se não fosse
verdade, certo?
— Por que a Emma? — pergunto para entender mais a fundo.
Eu queria ouvir a versão dele.
— A Emma tinha acabado de entrar na escola, era alvo fácil.
— Eu também era nova na escola naquele ano.
— Mas você era da nossa sala, a Emma não. Sem contar que
você é muito bonita, né? — coro imediatamente. — O Eric achava a
Emma bastante esquisita e, para ele, seria mais divertido rir dessa
situação usando ela, entende?
— Que absurdo! — digo com raiva. — E depois?
— Depois o quê?
— Por que você ficou se exibindo e rindo da situação?
— Por causa dos outros. Era a escola inteira e uma única
menina para eu lidar, eu fiz a escolha mais fácil.
— E egoísta! Tem noção do quanto isso a feriu?
— Tenho! Eu quis ganhar aprovação de um bando de idiotas. E,
eu, era mais um no meio deles. Olha só, Sophie, eu não culpo o Eric
por isso, embora ele tenha armado tudo, eu fui o errado. Para
começar, eu não deveria ter feito uso de doping e muito menos ter
aceitado a proposta. Eu fui covarde, eu sei disso! Porém, hoje eu
consigo ver melhor isso do que na época.
— Você já considerou pedir perdão a Emma?
— Já, mas eu não tenho coragem suficiente para fazer isso.
— E a Evelyn?
— A Evelyn não foi o mesmo caso da Emma.
— Você ficou com ela.
— Fiquei, e daí? — ele se irrita. — Ela quis ficar comigo
também. O jeito que você fala dá entender que são mulheres
indefesas e que eu as forcei a alguma coisa. Você pode não
concordar em ficar com alguém, e tudo bem, é seu direito, mas eu
não sou um monstro. A Evelyn não foi nenhuma santinha, não, ela
sabia muito bem o que estava fazendo. Você fecha os olhos para
isso porque ela é a sua amiga. Você lembra muito bem quando ela
se afastou de vocês na escola e passou a andar com o meu grupo,
ninguém estava fazendo a Evelyn de refém ali — ele se defende.
Eu, mais uma vez, estava tomando as dores da Evelyn como fazia
com a Emma. — E você nunca ficou com o seu amigo Matheus? —
paraliso ao ouvir aquela pergunta, não havia possibilidade de fugir
daquele momento arrumando alguma desculpa para ir embora
mesmo com o céu desabando, não é? — Sophie? — ele chama. Eu,
literalmente, travei. Volto os meus olhos para ele em silêncio. —
Você já ficou com ele, né? — ele saca pelo meu silêncio. — Eu
sempre desconfiei. Tudo bem, eu não posso nem te julgar por ficar,
mas com ele, Sophie? Sério? Que mau gosto hein!
— Você ainda tem contato com os seus amigos da escola? —
mudo de assunto imediatamente.
— Não, ninguém. E, para ser sincero, eu não quero.
— Os seus amigos são os seus colegas de time? — pergunto e
vejo uma tristeza preencher seus olhos.
— Não, não mais. Nunca foram, na verdade. Antes da lesão, eu
sempre me encontrava com eles nas festas, assistíamos aos jogos
aqui em casa ou nos bares, mas depois que eu me lesionei, nenhum
deles sequer me mandou uma mensagem. A conclusão que eu
cheguei é que enquanto o meu nome estava na boca das pessoas e
na mídia, eu era alguém — ele pausa por alguns instantes. — Eu
perdi tudo, Sophie. Eu perdi o meu time, os meus amigos, a
admiração, os contratos, as oportunidades, até as mulheres que
costumava a sair.
— Você não tem mais time? Não pertence a nenhum clube?
— Não. Quando eu lesionei o joelho, o meu contrato já estava
vencido. Eu tinha horário marcado com o meu treinador na manhã
do dia seguinte para assinar a renovação, mas isso não aconteceu.
Foi em um final de tarde de domingo que a minha vida mudou. Eu
fui jogar com os meus amigos para me divertir, coisa normal de se
fazer em um final de semana livre. Eu estava ótimo e, de repente,
eu estava no chão me contorcendo de dor. Eu fui, imediatamente,
para o hospital, fiz a cirurgia e aqui estamos. Eu desejei morrer
quando me contaram que eu não poderia mais jogar Football.
Tantos anos de dedicação indo embora tão de repente — ele conta
como se pudesse reviver cada detalhe daquele dia. — O meu
treinador me visitou uma vez e depois nunca mais deu notícias. O
meu time voltou a treinar e rapidamente eu fui substituído. Como eu
não tinha mais vínculo contratual, eles não tinham mais obrigação
nenhuma de prestar suporte. Isso me decepcionou muito. Quando
eu estava bem, eu servia para eles. E com o tempo, eu perdi
trabalhos que eu fazia para algumas marcas, ouvia comentários
sobre o meu futuro que não contribuíram em nada na minha
recuperação e recebi olhares de pena que eu odiava. Você foi a
única pessoa que acreditou em mim — ele me olha — Eu não posso
dizer que a Day, a Kelly e o meu pai não estiveram ao meu lado,
mas eles também me olhavam como se eu fosse um coitado ainda
que falassem palavras de encorajamento. E com você foi diferente.
Você não teve dó de mim. E acho que isso me afrontou um pouco
no início — ele respira fundo. — Você tem ideia do que é conquistar
tudo e perder tudo do dia para a noite? Eu perdi a minha mãe e,
praticamente, também perdi o meu pai durante o processo de luto
que a gente estava vivendo. Eu aprendi a me virar sozinho em
absolutamente tudo. Eu não tinha ninguém para cuidar de mim. Eu
evitava me apegar por medo de lidar de novo com a perda. Eu
comecei a cuidar de mim mesmo na adolescência para fugir daquela
realidade. Eu foquei no esporte para não surtar. Eu comecei a cuidar
do meu corpo, a ser vaidoso e comecei a reparar no interesse das
meninas por mim. Estar com elas era um conforto. Elas me
abraçavam e me davam a oportunidade de sentir o toque da pele
com a pele que eu não tinha com ninguém. E eu não digo apenas
no sentido sexual, eu digo no sentido de receber carinho. Eu não
tinha isso. Elas me elogiavam e me admiravam, enchiam o meu ego
e me davam prazer. E busquei mais e mais me preencher com isso
para não enlouquecer. Eu conquistei o meu dinheiro e tornei
independente muito cedo. Eu estava seguro quanto a isso. Eu tinha
um bom dinheiro todo mês na minha conta. Hoje, eu não tenho mais
esse dinheiro mensal e eu tenho uma filha para sustentar. E o medo
de não voltar a jogar constantemente me visita.
— Você vai voltar! — digo com firmeza olhando em seus olhos.
— E eu vou estar na arquibancada segurando um pompom enorme
com muito glitter — digo, ele ri.
— Eu tento todos os dias pensar dessa forma positiva, mas não
é fácil. Eu me sinto tão fracassado.
— Não tinha como você prever isso, Brian.
— Se eu tivesse assinado a renovação, eu teria uma segurança
financeira e uma futura recolocação no time.
— Se a gente viver pensando no “se…” a gente deixa de viver o
que é para ser vivido hoje. Você precisa pensar daqui para frente. O
que você precisa no momento é focar na sua recuperação. A volta
para um time é outra etapa, não pense nisso agora.
— Você acredita mesmo que eu vou conseguir?
— Eu não tenho dúvida! — lhe passo essa confiança pela
milésima vez. — Brian, você é um excelente jogador e você sabe
disso.
— Eu sempre fui confiante em mim mesmo, mas depois da
lesão ficou tão difícil.
— Talvez você precise olhar com mais gratidão ao que você
tem hoje e não é pouca coisa. Você teve momentos difíceis com o
seu pai, mas ele está ao seu lado e está te ajudando nesse
processo. Você tem a Day que você mesmo disse que mudou o
ambiente.
— Ela é uma boba alegre, ri de tudo e acaba nos contagiando
também.
— É perceptível o carinho que ela tem por você, pensou em te
trazer até um doce. A minha mãe não faria isso. E a Kelly é a sua
amiga a qual você tem um apreço enorme. Quantos pais vivem em
constante conflito por terem que manter contato e fingir bom
relacionamento pelo bem do filho? E, nessa lista, eu nem preciso
mencionar a importância que a Clara tem. Brian, você tem uma casa
muito boa, tem uma cama confortável para dormir, um chuveiro
quente e tem comida na sua despensa. Você tem um carro bom e
todos da sua família estão bem e saudáveis. Você faz tratamento
em uma das melhores clínicas com profissionais excepcionais, e eu
me incluo nessa — ele sorri levemente. — Você não perdeu tudo.
Você tem tudo o que você precisa e muito mais. O que aconteceu
com você foi um acidente, um período difícil que vai passar assim
como essa chuva, os trovões, os raios, o vento, as nuvens. Não
permita que essa fase ruim defina o seu presente e o seu futuro. Eu
também passei por momentos horríveis e todos eles passaram e me
fizeram alguém melhor hoje — ele pensa em minhas palavras por
alguns segundos.
— Você é feliz? — ele pergunta um pouco sem jeito.
— Eu sou! Eu não tenho tudo o que eu queria ou sonhava, ou
que eu achava que merecia, mas eu tenho Jesus e Ele é suficiente.
— Você fala de Jesus como se Ele fosse alguém de carne e
osso que mora com você.
— É mais ou menos isso mesmo. Ele já viveu como nós aqui,
em carne e osso, e agora vive dentro de nós.
— Desculpa, Sophie, mas eu acho isso tão patético. Olha só,
você tem razão sobre eu ter uma vida abundante, eu concordo.
Mas, porque o seu Deus, sendo bom como você diz que Ele é, tirou
o que eu mais amava fazer? Romper o ligamento do joelho dói
muito para sua informação. Por que comigo?
— Por que não com você? O que te torna mais especial que os
outros? Jesus não nos prometeu uma vida fácil. Ele prometeu estar
conosco. Deus poderia ter evitado a morte do Apóstolo Paulo, que
foi decapitado. Ou evitado a morte de Pedro, que foi crucificado de
cabeça para baixo. Eles pregavam a Palavra de Deus, por que Ele
não evitou esse mal? Porque não é sobre essa vida, é além dela.
Há algo muito bom a nossa espera. Aqui é o nosso preparo — o
silêncio pesa. — Brian, desde que eu te conheci e, principalmente,
durante a sua recuperação, eu ouço você dizer que o Football é a
sua vida, é a sua maior paixão, é o seu sonho.
— Mas, é!
— Quem é Brian Winters sem o Football? — ele pensa e não
responde. — Você tornou o Football o seu deus. Você atribui ao
Football toda a sua vida. Assim que você perdeu o Football, como
você diz, tudo na sua vida perdeu o sentido. O Football faz parte da
sua vida, mas não pode ser a sua vida. Você diz que perdeu seus
amigos. Na verdade, eles nunca foram os seus amigos, então, você
não perdeu nada. E as mulheres que você saía eram interesseiras,
ou seja, você não perdeu nada. Sem contar que você poderia ter
caído em algum golpe e ter engravidado qualquer uma por aí
interessada no seu dinheiro e na sua fama. Vendo por esse lado, eu
acho que você foi poupado, e muito, de algo pior — ele se assusta
com o que eu digo.
— Será? — ele se preocupa.
— Se isso tivesse acontecido, algumas delas já teria te
procurado, não se preocupe — tento acalmá-lo. — Mas ainda pode
acontecer se continuar nessa vida promiscua — ele parece
considerar as minhas palavras. — Eu não tenho o poder de te
convencer que Deus é tudo o que você precisa, Brian, mas se você
falar diretamente com Ele, você vai entender o que eu estou vivendo
e tentando te explicar.
— Sophie, você não entendeu. Eu sou ateu. Eu não acredito
que exista um Deus, como eu vou falar com alguém que, para mim,
não existe? E eu não tenho interesse nenhum em virar crente.
— Eu não gosto muito dessa palavra, soa como algo ruim na
boca das pessoas. Eu prefiro cristã — pego a Bíblia que sempre
carrego na bolsa e ele começa se irritar. — Toma! — entrego a ele.
— Você está tirando uma com a minha cara, né? Por que vocês
querem enfiar goela abaixo a crença de vocês? Depois vocês
reclamam quando são perseguidos pela falta de bom senso.
— Presente a gente recebe e agradece. Toma! Não precisa ler
se não quiser, mas aceita, por favor.
— A Day tem uma Bíblia. O meu pai tem uma Bíblia. Na internet
tem Bíblia. E…
— Só falta você, toma! — interrompo.
— Eu ia dizer que eu tenho fácil acesso. Se eu não leio é
porque eu não quero.
— Você sempre foi educado, nem estou te reconhecendo —
coloco a Bíblia ao seu lado. — De nada! — digo.
— Você é muito inconveniente e irritante!
— Você não fica muito atrás.
— Eu não vou ler! — ele insiste.
— Tudo bem — ele revira os olhos.
— A chuva parou — levanto-me. — Nos vamos semana que
vem? — ele assente e vou embora carregada de muitas
informações daquela conversa. Eu tinha conhecido um novo Brian.
— Até amanhã!
— Até! — ele diz.
Brian
Quando Sophie fecha a porta e me deixa sozinho começo a
refletir sobre tudo o que ela disse. Deposito o meu olhar sobre a
Bíblia que estava ao meu lado, pego-a e folheio sem intenção. Era
tamanho pequeno, com letras miúdas, capa preta de imitação de
couro. Levanto-me do chão com dificuldade e caminho até o meu
quarto onde guardo o presente no fundo da gaveta. Ignoro a
recomendação de repouso e ando pela casa. Sophie tinha razão, eu
tinha muitas coisas. Eu tinha muito pelo o que agradecer, mas não
sabia a quem fazer isso. Ou sabia, mas era muito abstrato para mim
e parecia maluquice.
— Chegamos! — a voz de Day ecoa pela casa. — Menino, que
chuva! — ela diz quando me vê em pé perto da bancada da cozinha.
— Olha o que eu trouxe para você! — era pedaço de bolo de
chocolate bem recheado e decorado. — É uma delícia! E eu sei que
você não pode ganhar peso, mas é só um bolinho, né? Mas, se
você não quiser, não será perdido — eu a encaro segurando um
sorriso ao mesmo tempo em que pego um garfo na gaveta e provo o
doce.
— Uau! — digo.
— Eu disse! — ela sorri. — É o céu na terra.
— Onde é esse lugar? Eu preciso levar a Clara lá! — digo entre
uma garfada e outra.
— Eu te passo o endereço.
— A Day é o cardápio ambulante, sabe todos os sabores da
doceria — o meu pai diz e arranca gargalhada dela.
— Deixa de ser bobo, amor. Eu sou uma formiga muito contida,
eu poderia ser pior. E eu malho para isso, oras — ela se defende.
Em seguida, os olhos do meu pai pousam sobre mim.
— Que bom que está em pé e andando — ele comenta. —
Quando você volta a jogar?
— Eu não sei, pai. Em breve, eu espero.
— Não pressione o menino, George.
— Eu só perguntei.
— O seu pai comeu um monte de doce e continua amargo. Se
bem que eu também gosto bastante de meio amargo — ela dá um
beijo em meu pai.
— Ei, isso é nojento! — eles riem enquanto raspo o garfo na
embalagem do bolo.
— Eu vou tomar um banho — o meu pai diz e sobe para o
quarto. Day me olha com olhos curiosos se coçando para falar algo.
— O que foi, Day?
— Nada. Eu só queria saber como você está.
— Bem, eu acho. Por quê?
— Por nada, só para saber.
— Eu estou bem — reforço. Em poucos passos, chego perto de
Day e a envolvo em um abraço amigável, coisa que eu nunca tinha
feito. — Obrigado pelo bolo — quando me afasto percebo a sua
expressão de espanto. O abraço foi tão de repente e espontâneo
que lhe causou estranheza.
— Esse menino não está bem — ela diz como se eu não
pudesse ouvir.
— Eu estou bem, Day — respondo rindo e ando com
dificuldade em direção ao meu quarto.
Entro no banho e lembro-me do que Sophie me disse.
Enquanto a água quente molha o meu corpo, sinto uma fraqueza me
possuir e choro, choro muito. O alívio vem. As lágrimas se misturam
com água do chuveiro levando embora todo sentimento ruim que eu
estava carregando. Sinto-me mais leve depois que fecho o chuveiro
após passar longos minutos ali. Envolvo uma tolha na cintura e
esfrego a mão no espelho embaçado. Encaro a minha imagem no
espelho e uma pergunta me atormenta: Quem é Brian Winters sem
o Football? Eu havia me perdido? Essa foi a minha verdadeira perda
nesse acidente todo? Enxugo o restante das lágrimas e termino de
me arrumar. Começo a me vestir e a minha cicatriz suga toda a
minha atenção. Passo o dedo por ela e sinto raiva. Toda gratidão
era momentânea. Quando os meus pensamentos dão lugar às
lembranças, revolto-me novamente. Sinto raiva por tudo o que eu
disse a Sophie, e por tudo o que ela me disse. Lembro-me de como
eu fui substituído pelo meu treinador, e de como fui esquecido pelos
meus colegas. E por mais que eu tivesse tudo o que eu precisava
financeiramente, isso não duraria para sempre. Com raiva, visto-me
bem, passo o meu perfume e decido sair de casa para relaxar. O
carro automático permitia que eu pudesse dirigir sem problemas. As
ruas ainda estavam molhadas e o ar estava úmido, por conta disso,
não havia muitas pessoas na rua àquela hora. Era por volta das sete
e meia da noite quando estaciono o carro em frente a um bar, mas
desisto de entrar. Com o celular em mãos, faço uma ligação.
— Samantha?
Sophie
Sempre soube? Para quem apareceu na hora boa, é fácil falar.
— Você vai voltar para o seu time, pegador? — ela pergunta.
— Recebedor — ele a corrige ao dizer a posição errada no
time.
— Você entendeu — ela pisca e morde o lábio. Que nojo!
Reviro os olhos, pois o estômago já estava revirado.
— Eu vou falar com o meu treinador hoje mesmo!
— Se quiser passar no meu apartamento depois, eu estarei lá.
Ok, eu estava sobrando ali, ou servia com uma vela bem
apagada para aquele casal sem química. Era pura física e música
bem descompassada, ruído estridente aos meus ouvidos e enjoado
demais para engolir. Antes que eu passasse mal com aquela
nojeira, decido ir embora após pegar os meus documentos de
término de contrato e fazer o agendamento da minha apresentação
de caso para o Dr. Dalton.
Depois de todo trabalho que fizemos juntos, Brian comemorou
com Samantha ignorando a minha presença. No entanto, eu sabia
do meu valor e iria provar que eu sou uma boa fisioterapeuta para
aquela clínica e iria lutar para entrar lá! Era um alívio não ver mais
Brian. Caso encerrado. Eu estava livre!
16
Brian
Depois de um longo período de recuperação, eu estava pronto
para voltar ao campo e fazer o que eu mais amava. O clube estava
cheio aquele dia e não era dia de jogo, o que me causou
estranheza. Em direção à sala do treinador, observo a minha volta e
capto poucas palavras de alguns grupos de pessoas que passavam
por mim. Elas basicamente diziam “ele está aqui”. Contenho o
sorriso. Certamente estavam sabendo da minha volta. Depois de
tanto tempo afastado, ainda falavam de mim. Alguém ainda
esperava pela minha volta e isso me deixou cheio de esperança
para assinar o meu novo contrato. Não havia mais motivos para eu
estar fora do meu time e, com certeza, Hamilton também pensava o
mesmo já que eu sempre fui o seu jogador favorito.
— Brian? — o seu olhar expressava surpresa ao ver-me entrar
em sua sala quando bati na porta que estava aberta.
— Como vai, Coach?
— Bem. Você parece bem também, diferente da última vez que
te vi naquele hospital.
— Sim, foram meses muito difíceis.
— Não duvido disso.
— Agora estou bem, 100% recuperado e pronto para voltar a
jogar.
— Que ótimo! Fico feliz pela sua recuperação.
Sophie
Uma lembrança desagradável invadiu os meus pensamentos na
manhã seguinte. Lembro-me das diversas vezes em que eu acordei
em outro lugar que não era a minha cama só para fugir da realidade
em que eu estava inserida. Era uma manhã fresca, nem frio nem
quente, e o Sol batia na janela às oito horas. Ali, sentada naquela
cama, recordo a noite anterior e sinto muita vergonha de descer a
escada. Eu comecei a pensar dez vezes se eu tomava banho ou
não, mesmo depois de Brian ter me dado essa liberdade. Eu
precisava de um banho. Eu já estava acabada emocionalmente,
queria estar apresentável fisicamente, pelo menos. E assim faço.
Não me demoro no banho como costumava fazer, visto-me com a
toalha rosa enrolada no cabelo e faço uma maquiagem leve para
disfarçar a minha situação. Enquanto penteio os cabelos, lembro-me
de que não peguei o meu secador de cabelo. Então, eu abro os
armários de Clara. Ela deve ter um secador, certo? Sim, eu estava
certa. Mas, e se barulho incomodar? Ainda é cedo. Eu não sabia
que horas eles costumavam acordar. É horrível não se sentir em
casa. Com a preocupação em ser desagradável, seco os cabelos
com a toalha repetidamente para tirar todo excesso de água. Com
os cabelos úmidos, parada na porta no quarto tomando coragem
para dar as caras, eu respiro fundo e em passos lentos, desço
degrau por degrau enquanto cutuco o cantinho das unhas. Ao
chegar ao final da escada, encontro Day, que estava subindo.
— Bom dia, Sophie! Dormiu bem? — ela pergunta de forma
gentil e concluo que Brian já estava acordado e a atualizou do
ocorrido.
— Oi… Bom dia! É… Sim, dormi bem — digo sem jeito. — Eu
vou não vou ficar por muito tempo, Day, eu não quero atrapalhar.
— Sophie, você não atrapalha em nada. Pode ficar o tempo que
precisar. Eu sinto muito pelo o que aconteceu!— ofereço um meio
sorriso.
— O Brian está em casa?
— Sim, ele está na sala esperando você acordar para tomar
café. Eu vou subir e trocar de roupa para malhar um pouco. Se
precisar de alguma coisa, é só me falar. Se quiser que eu compre
algo no supermercado ou se você precisar de alguma coisa
feminina, não fique com vergonha e venha me pedir, está bem? —
concordo com a cabeça lutando para não mostrar que eu havia
ficado emocionada com tanta atenção e carinho. Day sobe para
cumprir os seus planos para aquele dia, e eu vou ao encontro de
Brian na sala de estar. A televisão transmitia um desenho animado,
até considerei que Clara estivesse com ele, mas não estava.
— Bom dia! — digo.
— Oi, bom dia! A criança que mora em mim está bem viva
como você pode ver — ele sorri, desliga a televisão e para diante de
mim. — Você está mais calma?
— Sim.
— Eu pedi para Day ajeitar o quarto de hóspedes para você.
— Brian, não se preocupe. Eu vou arrumar um lugar para ir hoje
mesmo.
— Mas, por quê? Temos um quarto vazio, a casa é grande e
você precisa. Relaxa, Sophie. Hoje mesmo a Day disse que vai
deixar tudo limpo e organizado para você.
— Então, eu mesma o limpo e organizo. Pode ser?
— Nesse caso, você se resolve com a Day.
— Eu vou te pagar por isso, tá? — digo com firmeza.
— Pagar pelo o quê?
— Por me deixar ficar aqui.
— Aqui não é hotel, Sophie.
— Eu sei, mas eu prometo que vou te pagar.
— Eu te deixo livre dessa promessa. Eu não quero o seu
dinheiro.
— Uma pessoa é mais um gasto. Você ainda não está
trabalhando, tem as despesas da casa e tem a Clara que…
— Sophie! — ele puxa minha atenção. — Essas preocupações
não são suas, são minhas. Você escutou a parte em que eu disse
que você pode ficar o tempo que quiser e que você não está
atrapalhado? O meu pai concordou, a Day está feliz em te ajudar, e
eu também. Você esteve comigo no meu pior momento, é mínimo
que eu posso fazer por você — engulo o choro com as suas
palavras.
— Eu não sei como agradecer.
— Eu sei — ele diz e o meu corpo gela com medo de alguma
proposta indecente. — Deixando-me tomar café da manhã, eu estou
morrendo de fome — respiro aliviada e sorrio. — Você também deve
estar, não é?
— Sim, bastante! — confesso antes que a minha barriga me
acusasse e sigo Brian até a cozinha.
— Qual é a sua cor favorita? — ele pergunta enquanto abre o
armário.
— Verde — digo.
— Sério? — ele duvida.
— É uma cor bonita.
— Verde?
— É uma cor bonita — repito.
— Tá bom — ele evita discutir e me entrega uma caneca verde
musgo muito linda.
— Pelo menos combina com os seus olhos — ele fixa o seu
olhar no meu para analisar a cor, gelo instantaneamente. — Eles
são verde escuro, são diferentes e bonitos — fico sem reação. Ele
sorri levemente com os lábios e pega a cafeteira.
— Como você gosta do seu café? Com leite, açúcar…?
— Forte e puro!
— Uau! Só pessoas sem alma tomam café assim.
— Credo, Brian! — ele ri enquanto me serve.
— Eu digo isso porque é assim que eu também gosto — Brian
se senta depois de colocar todos os itens do nosso café em cima da
bancada. Day passa por nós sorrindo com a sua roupa de ginástica
cor amarelo neon. Brian repara e comenta.
— Falando em olhos, eu acho que fiquei cego.
— É uma cor alegre, não é, Sophie? — concordo.
— Você está parecendo um marca texto.
— E você um velho rabugento aos vinte um anos — rimos. —
Não se esqueçam do meu croissant! — ela avisa.
— Ela vai falar desse croissant o dia todo — Brian comenta,
sorrio. Observo Brian em tudo o que ele estava fazendo até que ele
nota segundos depois que os meus olhos estão sobre ele.
— O que foi?
— Nada.
— Você está com vergonha, não está? — ele pergunta.
— Sabia que quando uma pessoa está com vergonha fica mais
envergonhada com uma pergunta dessas?
— Desculpa! — rimos.
— Eu vou procurar um estágio ou emprego hoje mesmo —
asseguro.
— Como vai fazer com a faculdade?
— A minha mãe bloqueou o meu cartão. O único dinheiro que
eu tenho é o que eu ganhei no estágio. Eu o coloquei em uma conta
bancária à parte. Se eu gastar um centavo desse dinheiro, eu não
vou conseguir concluir a faculdade, e foi por isso que eu não fui para
um hotel. É tudo que eu tenho no momento.
— Mais um motivo para você continuar aqui.
— Está difícil processar tudo — confesso.
— Eu não me conformo que eles tiveram essa… Eu ia dizer
coragem, mas foi covardia mesmo. Eu não entendo.
— Nem eu.
— Eles sempre te trataram assim?
— Sim. Eles me manipulavam muito quando eu era criança,
mas quando eu cresci, percebi como eles agiam. Eu não aguentei
ficar calada e foi assim que as coisas chegaram nesse ponto — ele
força um sorriso com os lábios mostrando lamento. — E você? Algo
em vista no Football?
— Sim, eu decidi ir atrás de um clube e me oferecer para jogar
na tentativa de entrar em um time novamente.
— Isso é ótimo!
— Mais ou menos, né, Sophie? Eu sou atleta profissional e eu
vou pedir para entrar em um time muito inferior ao que eu estava
acostumado a jogar. Isso chega a ser humilhante.
— Você precisa recomeçar de algum lugar.
— Foi o que eu pensei. Os clubes já sabem da minha alta e
nenhum entrou em contato comigo. Ninguém acredita que eu possa
jogar novamente.
— Isso é questão de tempo. Assim que eles te virem em campo
vão se arrepender de não ter te contatado antes — ele sorri.
— Eu espero que sim! Depois da rejeição do Hamilton por
causa do Tutu…
— Tutu?
— Um palhaço que todo mundo lambe o chão onde ele pisa.
— Eu nunca ouvi falar sobre ele.
— Não está perdendo nada. Ele tomou a minha posição no time
que eu estava, e o treinador é o maior puxa saco dele. Ele era assim
comigo também, mas…
— E quando você pretende ir ao clube?
— Hoje.
— Eu estarei orando para que tudo dê certo!
— Obrigado! — ele diz timidamente.
23
Brian
Estacionado em frente ao clube SP Lions, e sinto uma
insegurança enorme tomar conta de mim. Eu estava com medo de
sofrer outra humilhação. Com a postura que eu aprendi com o meu
antigo treinador, anuncio o meu nome na portaria e sou liberado
pelo porteiro e direcionado por ele o caminho que deveria seguir
para chegar à sala de Gabe, a treinadora. O espaço era muito bom,
organizado e com o símbolo do time por todo canto. Um leão
rugindo com toda a sua força era o destaque. As cores do time eram
mostarda e preto. Aproximo-me da porta da sala de Gabe, respiro
fundo e sigo em frente.
— Bom dia, Coach Gabe — bato na porta que estava aberta e
ela autoriza a minha entrada. Com a mão estendida, apresento-me
— Eu sou o Bri…
— Brian Winters — ela interrompe e ignora a minha mão
estendida. — o ex-jogador do American Football in Brazil, ou AFB.
Considerado o melhor wide receiver no ano retrasado, três
touchdowns no último jogo e o mais rápido em campo antes de
sofrer uma grave lesão no joelho esquerdo após invadir um terreno
para jogar com os colegas em uma tarde de verão. Além de ver a
carreira desmoronar, ainda teve que lidar com o fato de ter invadido
uma propriedade privada sendo poupado pelo dono do espaço que,
gentilmente, não prestou queixas pelo simples e importante fato de
seu filho gostar muito de ver você em campo e não te tornar uma
grande decepção ao pequeno sonhador que tem como referência,
você. Ou tinha — ela diz sem perder o fôlego, resumindo a minha
própria vida melhor do que eu mesmo deixando-me completamente
sem graça. — Em que eu posso te ajudar, Winters?
— Eu gostaria de entrar para o seu time — digo sem pensar
com medo de perder a coragem. Ela, por sua vez, encara-me
seriamente por alguns segundos e cai na gargalhada.
— Desculpa — ela tenta se conter. — Desculpa — ela pede
novamente, respira e volta a seriedade com esforço. — O Hamilton
virou as costas para você, não foi? — assinto envergonhado. —
Então, você veio aqui com o rabo entre as pernas pedir para que eu
o aceite no meu time. Por que eu faria isso? — ela cruza os braços.
— Porque eu amo o que eu faço e sou bom nisso, você
conhece o meu histórico e sabe que ele é bom.
— De fato, você era muito bom — ela coloca ênfase no verbo
no passado. — Como eu posso saber se você vai avacalhar com o
meu time ou elevá-lo?
— Com todo respeito, Coach, o seu time não está entre os
melhores — ela me encara. Era tudo ou nada. — E eu quero
compensar todo o tempo em que fiquei em recuperação dentro de
campo. Tudo o que eu preciso é de uma oportunidade para dar o
meu melhor. Eu estou apto e quero jogar, e entendo do esporte.
— Vamos supor que você realmente esteja melhor do que você
foi um dia, quando o seu destaque vier e o seu nome estiver na
boca de todo mundo, você vai me dar às costas?
— Se você me der essa oportunidade, eu te dou a minha
palavra que eu continuo no seu time — digo com firmeza, ela pensa.
— Dizem que o seu desempenho caiu.
— Quem disse? Eu ainda não joguei para que tirassem
conclusões como essa. Se eu entrar em campo, eu provo que eu
estou pronto.
— Eu me lembro de você ainda garoto, catorze anos mais ou
menos, sendo comentado pelo Hamilton, que já estava de olho em
você. Você, no entanto, era um rapazinho muito arrogante que se
achava melhor que os seus colegas, que ria dos erros dos outros e
achava que todos eram um fracasso, menos você.
— Eu tinha catorze anos, eu era imaturo.
— E você está disposto a aceitar que uma pessoa do sexo
feminino te treine ou vai bater de frente comigo se achando melhor
do que eu pelo simples fato de você ter nascido homem?
— Talvez o Brian de catorze anos fizesse isso, mas eu não sou
mais aquele adolescente, muita coisa aconteceu na minha vida que
fez com que eu precisasse engolir o meu orgulho e ser uma pessoa
melhor. Acredite, eu não estaria aqui se eu não tivesse mudado.
— Na verdade, você não teve muita escolha, não é? — dou de
ombros, ela tinha razão.
— Eu quero que saiba, Coach, que eu sou pai de uma menina
— digo.
— E o que isso tem a vê com o Football?
— Pelo simples fato de que uma das coisas que eu mais desejo
para ela é que ela seja respeitada em todos os níveis e em tudo que
ela escolher fazer na vida. Ela não será menos capaz de nada por
ser mulher. Eu ensino isso a ela desde cedo. Então, não, isso não
faz com que eu te respeite menos. Aliás, ver o time crescer por ser
comandado por uma mulher não vai inspirar só a minha filha, mas
diversas outras meninas. Se eu discordar de você em algo, não será
pela diferença de sexo, mas, sim, por simples opiniões diferentes
como qualquer outra situação — sinto o meu corpo tremer.
— Muito bonito, Winters! Você acha que usar de
sentimentalismo seria uma boa estratégia para me convencer por eu
ser, naturalmente, um ser mais emocional do que você?
— Não, Coach, eu… — tento me defender, mas sou
interrompido antes de começar.
— Escuta! — ela diz. — Tem um uniforme na sala dez, deve
servir em você. Quero você em campo em uma hora para o
treinamento, esteja aquecido e preparado. Eu não quero as suas
palavras bonitas. Eu quero ver o seu desempenho em campo e
quantos pontos você faz para o meu time. Eu não estou nem aí se
você é Brian Winters, o Obama, o Papa ou o Zé Pangaré. O Tom
Brady não é famoso pelo nome ou pela família linda que ele tem,
mas por ser um jogador excepcional. Eu quero o seu melhor em
campo! Consegue fazer isso?
— Sala dez, né? Eu te vejo em uma hora, Coach! — digo
olhando no fundo de seus olhos escuros e firmes.
Corro em direção ao meu carro e piso no acelerador para
chegar em casa. Eu precisava buscar a minha chuteira, o capacete,
os protetores, calça elástica e, meu Deus, são muitas coisas, eu não
estava preparado para aquilo. Começo a pensar em desistir ao ver o
ponteiro disparar pelo relógio. A velocidade em que corro para
dentro de casa e subo a escada já estavam sendo um bom
aquecimento. Visto-me o mais rápido que consigo, desço correndo
torcendo para não ter me esquecido de nada.
— Está tudo bem? — Sophie pergunta ao me ver descer a
escada com rapidez sem entender o que estava acontecendo.
— Tudo. Depois eu te conto.
Jogo as coisas no carro e dirijo em velocidade alta para chegar
o mais rápido possível no clube. Correndo, chego na sala dez,
acendo a luz, olho ao redor e vejo equipamentos, bolas, cones e
todos os acessórios de Football. Procuro a camiseta do uniforme e a
visto. Começo a me aquecer faltando quinze minutos para o horário
combinado. Respiro fundo e percebo que o meu corpo treme, a
ansiedade e o medo estavam tomando conta de mim. Olho-me no
espelho vestindo o meu uniforme e sinto o meu peito queimar de
alegria e desespero. Eu estava onde eu deveria estar, mas eu, de
fato, estava pronto para isso?
— Oi — digo baixinho a Deus. — Eu sei que ainda estamos nos
conhecendo, mas eu preciso te pedir que me ajude, eu não sei se
vou conseguir. Eu preciso mostrar confiança para Coach Gabe, mas
no fundo eu estou apavorado. Eu tenho medo do meu joelho
arrebentar de novo e por medo disso acontecer, mostrar baixo
desempenho — eu não sabia se eu estava orando certo, eu não
sabia se Deus estava me ouvindo, eu não sentia nada. Mas, ainda
assim, eu fiz lembrando-me de Sophie e me sentindo bastante idiota
depois. Eu respirei fundo, peguei o meu capacete e pensei do que
eu falei para Clara e repeti para mim mesmo olhando fixamente em
meus olhos diante do espelho: Você é um vencedor!
Faltando dois minutos para o horário, aproximo-me de Coach
Gabe que fazia anotações em sua prancheta. Ela nota a minha
presença, apita e pede para que os outros jogadores se aproximem.
— Pessoal, eu quero apresentar uma pessoa.
— A gente sabe quem ele é, Coach.
— Eu não te perguntei nada, camisa 82. Como eu estava
dizendo, esse é o Brian Winters e vai fazer alguns testes. Se ele
passar, será o novo colega de time de vocês. Espero que o recebam
bem! — ela é direta.
— E ele vai tirar o lugar de quem, Coach?
— Ele vai jogar na posição de Wide Receiver.
— Quê? Logo na minha posição?
— Algum problema?
— Claro! Isso não é justo!
— A vida não é justa, Tom! Se o Brian jogar melhor do que
você, ele fica nessa posição, fim de papo. Apenas dedique-se e
colherá os frutos do seu esforço, isso me parece justo. Se você não
quer que ele tome seu lugar, fale menos e jogue mais — recebo um
olhar de ódio fuzilante dele, mas permaneço em silêncio. Eu estava
sendo um Tutu para ele.
— Em posição — ela grita e apita. Corro para a marcação e me
posiciono. Analiso cada movimento e calculo os meus passos.
Football era um jogo estratégico e precisava de muita atenção.
Aguardo o som do apito e o arremesso da bola. Disparo e pego
velocidade, driblo os meus adversários e salto o mais alto que
consigo, agarro a bola que bate diretamente no meu peito.
Comemoro discretamente. Como eu sentia falta disso! Essa
adrenalina, essa corrida contra o tempo e os passes de agilidade
me dão uma satisfação que não caberia em palavras.
— Winters! — Coach gesticula me chamando, corro em sua
direção na expectativa de ouvir um elogio. — Você pulou muito alto
sem necessidade. Contenha-se! É para você jogar e não para se
exibir. Estamos em um treino e não na final de um campeonato —
assinto e volto para a minha posição para outra jogada. Gabe
instruía cada jogador e orientava a equipe com propriedade. Ela era
bastante grossa desnecessariamente, mas era nítido que ela
entendia de Football e sabia exatamente o que estava falando.
Eu estava começando a ficar cansado devido ao meu
condicionamento físico atual. Fazia pouco tempo que eu havia
voltado ao hábito de me exercitar diariamente, então, o meu corpo
ainda estava em processo de adaptação. Com falta de ar pronto a
desabar no chão, Gabe apita encerrando o treino. Que alívio! Em
passos rastejantes e corpo suado, tento controlar a respiração para
conversar com Gabe sem demostrar exaustão.
— Eu esperava mais de você, Winters.
— Como é? — considerei ter entendido errado.
— Eu esperava mais de você — ela repete.
— No que eu deixei a desejar, Coach?
— O seu condicionamento físico está baixo. É nítido que você
perdeu o fôlego várias vezes. Enquanto os outros estão cheios de
energia, você está se arrastando para sair de campo. Está faltando
garra, tática, visão.
— Vou me atentar a isso — digo contendo a minha irritação.
— Te espero amanhã às cinco horas.
— Certo!
— Cinco da manhã — ela dá as costas e fico sozinho no
campo. O Sol estava se pondo, o ar gelado batia em meu rosto
quente. Agarro uma garrafa de água e me refresco. Reparo que um
dos meus colegas de time estava parado me observando.
— Vai me escorraçar como todos os outros estão se roendo
para fazer, QB[5]? — aproximo-me e puxo conversa.
— Não — ele ri. — Eu percebi que você estava sem fôlego e
como eu já senti isso antes eu achei melhor ficar de olho. Eu
desmaiei, e não foi nada legal.
— Eu estou bem, obrigado — digo com gratidão sincera dando
um tapa amigo em seu ombro. — Não é fácil voltar. Eu estou me
sentindo um idoso no meio dos jovens. E o que deixa tudo pior é
que temos praticamente a mesma idade.
— Você foi bem!
— Não sei se a Gabe acha a mesma coisa.
— A Coach Gabe precisa ser durona. Esses caras são muito
folgados. No começo, eu tinha muita raiva dela, mas hoje… Ela é
uma das pessoas que eu mais admiro, de verdade. E, quanto a
você, pode contar comigo — ele estende a mão, e eu sinto um
pouco de desconfiança, mas retribuo.
— Eu nem acredito que eu vivi o dia de hoje. Que loucura! Eu
não esperava estar em campo assim tão de repente — digo
enquanto seguimos para o vestiário. — Mas, graças a Deus, deu
tudo certo — digo sem pensar e sem perceber o que eu havia dito.
— Você é cristão? — ele pergunta.
— Humm… Bom… — pigarreio. — Não exatamente. Eu estou
aprendendo ainda, eu não sei dizer.
— Eu sabia! — ele diz com convicção.
— Sabia o quê?
— Você tem algo diferente!
— Diferente como?
— Sei lá, cara, você transmite algo bom.
— Eu?
— É! Sei lá, você parece ser uma boa pessoa.
— Muitas pessoas discordariam de você.
— Nem Jesus agradou a todos, não é? — evito prolongar o
assunto e fico quieto. Já bastava a Sophie para me encher com
esse assunto, eu não precisava de mais uma pessoa para isso.
— Olha só o Michael — é a primeira coisa que ouvimos quando
entramos no vestiário. — O virgem tentando converter o promíscuo.
— Não liga, não, Brian — Michael me diz.
— Ou ao contrário, né? — diz outro jogador que em passos
lentos e bem direcionados para na minha frente de peito aberto. —
Talvez o Winters esteja tentando fazer o Michael cair na gandaia
com ele levando a irmã dos outros para cama — inesperadamente
levo um empurrão e bato as costas no armário. Michael entra no
meio e sana a briga que estava por vir. Respiro fundo para não virar
um soco na cara dele.
— Você se lembra da Samantha, seu babaca? Ou já se
esqueceu que saiu com a minha irmã?
— Eu não baixo a ficha familiar das garotas que eu saio, mas
eu deveria ter feito isso antes de sair com alguém da sua linhagem
— provoco e ele vem para cima, mas a briga é impedida pelos
demais jogadores. — Mas, respondendo a sua pergunta, sim, eu me
lembro dela. Ah, e como eu me lembro! Foi um prazer conhecer a
sua irmã, se é que você me entende!
— Eu te arrebento, Winters! — ele avança e é impedido
novamente. — Eu te arrebento!
— Manda as minhas lembranças para ela. Saudades, inclusive!
— Chega! — Michael encerra a discussão e me lança um olhar
que me convence a ficar quieto. Separados, cada um em um canto
do vestiário, Michael se aproxima.
— O que foi aquilo? — ele diz e bato a porta do armário.
— Não é fácil aguentar calado, é um desafio para mim. Mas, de
certa forma, eu agi diferente hoje. Por mim, eu teria quebrado a cara
dele e eu não fiz isso.
— Cuidado para não cair na provocação deles e perder a
oportunidade que você está tendo.
— Porque você está me ajudando?
— Por que eu não ajudaria se eu posso fazer isso? — Michael
parecia gente boa, mas ainda assim eu tinha receio de acreditar em
sua bondade gratuita.
De banho tomado e muito cansado, saio do clube em alerta
para me defender caso eu fosse atacado por algum daqueles
idiotas. No entanto, eu consigo chegar em paz em casa, mas não
encontro as minhas chaves. Na pressa em estar no horário do treino
devo ter me esquecido de pegá-las. Bato na porta, e Sophie a abre.
Olhar para ela era como se tudo voltasse a ter calma novamente.
Todo aquele turbilhão de sentimentos e negatividade se desfaz. Ela
me passava a leveza que eu precisava.
— Você está cansado, não está? — ela pergunta. Eu amava o
fato de Sophie estar sempre atenta a tudo e observar cada detalhe
das pessoas. Estar com ela era ter a sua total atenção. Naquele
momento, eu era o seu foco, e isso fazia com que eu me sentisse
especial. Ou também poderia considerar que a minha cara estava
tão acabada que era impossível não reparar a minha bateria
descarregada. Mas, eu ainda prefiro pensar que ela é detalhista.
— Que dia, Sophie! Eu estou acabado! E amanhã tem mais!
— Conta tudo! — ela pede. Então, nós nos sentamos na
banqueta da cozinha enquanto eu esquentava a comida do jantar.
Volto os meus olhos para ela e conto em detalhes tudo o que havia
acontecido.
— Sério? Você jogou? — ela se alegra.
— Foi incrível! Eu não ainda não acredito que joguei depois de
todos esses meses parado — ela ainda sorria. — Mas eu acho que
a treinadora não gostou de mim. Eu espero que amanhã eu jogue
melhor, e ela passe a acreditar mais em mim.
— Ela disse para você jogar de novo, não disse?
— Sim, amanhã às cinco da manhã.
— E você tem dúvidas se ela gostou de você?
— Você acha que ela gostou?
— Eu acho.
— Espero que sim! Ah, sabe quem é o meu colega de time? —
ela nega com a cabeça e, então, eu lhe conto.
— O irmão da Samantha? — ela se choca.
— Dá para acreditar? Qual a probabilidade? Eu sou muito
azarado!
— Não tem nada a vê com azar, Brian. Isso é consequência da
sua vida promiscua. Para começar, você não deveria ter alimentado
a provocação. Segundo, você não deveria ter falado desse jeito
sobre o que aconteceu ainda mais por ser a irmã dele. Isso deve
ficar entre você e a Samantha, não interessa a mais ninguém.
— Eu sei. Eu ainda estou aprendendo a me controlar. Eu ainda
menti. O que eu tive com ela nem foi tão bom assim.
— Brian! — ela me repreende. — Você está fazendo isso de
novo!
— Desculpa — passo as mãos no rosto e esfrego os olhos para
me manter acordado. — Vou dormir cedo hoje, certeza! Na verdade,
eu espero que eu consiga dormir. Eu estou ansioso.
— Vai dar tudo certo!
— Que bom que você está aqui. Depois de tudo que eu passei,
a primeira pessoa que eu queria compartilhar tudo isso… era você
— sorrio levemente com os lábios e ganho o mesmo de Sophie e
também o seu silêncio tímido.
Ela me fazia companhia e me escutava atentamente. Eu
devorava o meu prato de comida e falava sem parar para descrever
o meu dia para ela. Quando sinto o cansaço me derrubando
lentamente, busco coragem para me levantar dali, não apenas pela
necessidade de dormir, mas porque era bom conversar com Sophie.
Ela era uma ótima companhia, e eu queria continuar ali… com ela.
— E você, procurou estágio ou emprego?
— Sim — ela estava desanimada. — Eu não encontrei nada.
— Vai ficar tudo bem, Sophie — ela assente. Levanto-me
finalmente para lavar a louça, mas sou impedido.
— Deixa! Eu lavo para você! Você está cansado e não me custa
nada. Vai descansar. Já são quase dez horas e amanhã você
precisa acordar cedo.
— Obrigado, Soph!
— Boa noite e bom descanso! — ela diz com a sua voz doce.
— Boa noite! — fico alguns segundos olhando em seus olhos,
dou um pequeno passo e deposito um beijo em sua testa que
representava afeto e respeito que eu tinha por ela. Quando me
afasto, percebo que ela não esperava por aquilo. Preocupo-me por
instantes, mas evito pensar. Depois de tudo o que ela passou, talvez
precisasse de um pouco de carinho. Dou as costas e subo para o
meu quarto.
24
Logo cedo, Day e eu damos um jeito no quarto de hóspedes. A
faxina foi completa: aspiramos o pó embaixo da cama, nas cortinas,
nos rodapés, limpamos o banheiro, trocamos as roupas de cama e
até decoramos de maneira bem simples e clean.
— Day, não precisava de tanto, e eu mesma poderia ter feito
sozinha — digo enquanto ajeito as almofadas.
— Ah, Sophie, se você soubesse o prazer que eu tenho em
arrumar uma casa você ficaria chocada. Eu amo fazer isso! Eu
tenho prazer em servir as pessoas, em cozinhar, em limpar cada
cantinho. Eu me alegro quando o meu marido chega em casa e está
tudo limpinho e cheiroso. Ou quando o Brian chega cansado e eu
tenho comida fresca para oferecer. Eu sei que tem muitas mulheres
pirariam só de me ouvir falar, mas eu amo.
— É muito bonito, Day! Eu também gosto, eu confesso.
— Eu sou uma mocinha tradicional, embora eu não aparente.
— Você é bem resolvida e tem personalidade, e isso é para
poucos.
— E incomoda muitos — ela ri. — Vamos descer as suas
coisas? Eu te ajudo.
Brian
Acordado desde as cinco da manhã quando o Sol ainda não
havia dado o ar da graça, entro no vestiário e vejo o irmão de
Samantha. Decido trocar uma palavra com ele.
— Eu vim na paz — aviso. — Foi mal por ontem e… foi mal
pela sua irmã. Podemos deixar isso para lá? O meu foco é o time.
Eu não quero confusão — na real, eu não estava sendo 100%
sincero. Eu não gostava dele e tinha raiva de Samantha por causa
do que ela fez à Sophie, mas tentei dar sinal de paz para não perder
a oportunidade que eu tinha em mãos. Ele me olha de cima abaixo e
me dá as costas. Engulo a vontade de falar algumas coisas.
Em campo, fazemos flexões, abdominais e outros exercícios
antes de treinarmos alguns lances. Coach Gabe, que estava mais
amigável, passava-me instruções bastante pertinentes. Ela tinha
uma boa visão e movimentação dos jogadores o que resultava em
grandes jogadas. No entanto, eu percebia desânimo e baixo
rendimento do time em suas posições atuais. Considero algumas
alterações, mas não sabia se eu daria um tiro no meu próprio pé se
falasse alguma coisa. Espero, então, por uma oportunidade para
fazer isso.
Após duas horas e meia em campo, somos dispensados por
aquele dia. Eu passei a observar as conversas que rolavam no
vestiário e comecei a me envergonhar por um dia ter feito parte
disso.
— O marido da Gabe deve ter feito um bom trabalho essa noite,
ela está feliz — o babaca do irmão da Samantha comenta e todos
riem menos Michael e eu — a única coisa que eu pensava era que
um dia, caras babacas como aqueles, fariam o mesmo com a minha
filha. Eu estava sentindo um incomodo muito grande dentro de mim.
Eu já não gostava mais do Brian que eu costumava ser, mas eu
também não sabia quem eu era ou queria ser. Porém, eu algo
estava mudando dentro de mim, e era bom.
Sophie
A companhia de Day era maravilhosa. Eu amava a sua risada e
o seu bom humor. O pensamento dela era rápido tanto quanto a sua
fala. Era muito bom ter uma companhia feminina para conversar
sobre coisas que a maioria das mulheres gosta: cosméticos, roupas,
séries, etc. Day tinha trinta e oito anos e compartilhava comigo
vários perrengues que passou ao longo da vida. Eu amava ouvir
história de outras pessoas, sempre havia coisas que me inspirava a
ser uma pessoa melhor. Eu estive tão imersa naquele momento que
fui capaz de me esquecer de tudo. Eu queria fazer aquilo mais
vezes sem sombra de dúvidas, mas eu não sabia se teria essa
oportunidade. Em breve, eu iria embora daquela casa e perderia o
contato com ela. Enquanto isso não acontece, eu iria aproveitar ao
máximo o que eu tenho hoje.
— O Brian está tão diferente — ela comenta enquanto
estaciona na garagem após a nossa ida ao mercado.
— Diferente como?
— Ele era tão seco e ríspido. Agora ele parece em paz, não sei
explicar. Ele era carinhoso apenas com a Clara, mas quando ele me
olha eu vejo tanto carinho que até me choca. Você mudou esse
garoto, Sophie.
— Não, Day, não fui eu.
— Então, eu não sei, mas ele está diferente! — ela reafirma e
sai do carro. Faço o mesmo carregando um sorriso suave. — A
Clara já está aí — Day comenta ao abrir a porta de casa. Ela tinha
razão. Escuto a voz de Clara e a sua risada gostosa acompanhada
de gritos agudos, típico de quando uma criança está se divertindo
muito. Em seguida, ouço a voz de Brian e também o escuto rir. Ele
tinha uma risada engraçada que me fazia sorrir. Os dois corriam no
corredor do andar de cima.
— Eles estão brincando de pega-pega — Day conta. — É uma
delícia de ver os dois brincarem! — o meu coração se aquece.
— É tão bom vê-lo correndo, ainda mais em uma cena como
essa — digo organizando as compras na despensa que ficava perto
da escada.
— Eu imagino! Você contribuiu para que isso acontecesse,
Sophie.
Brian desce as escadas com Clara gargalhando sendo
carregada sobre o seu ombro de cabeça para baixo.
— Ei, Sophie, aceita uma criança como pagamento das minhas
futuras sessões?
— Essa, eu aceito — ele a coloca no chão e a conduz em
minha direção.
— Toma!
— Não — ela diz rindo.
— Não? — ele pergunta colocando o cabelo atrás de sua
orelha. Ela balança a cabeça em negação e abraça a sua perna.
— Clarinha, vamos tomar um pouco de água, você está
precisando — Day a chama e fico a sós com Brian.
— A Gabe estava certa. O meu condicionamento físico está
baixo, eu já estou cansado. Eu achava que voltar ao Football seria a
melhor conquista dessa recuperação, mas nada supera esses
momentos que eu tenho com a Clara, sabe? — assinto. — Eu quero
criar essas memórias com ela. A minha mãe brincava assim comigo
e foi muito especial para mim. Ela deixava tudo de lado nem que
fosse por dez minutos, mas aquele tempo era totalmente nosso.
— E a Clara parece gostar muito também.
— Sim. Às vezes acontece uma queda acompanhada de um
choro estridente que encerra a brincadeira, mas…
— Nada que um colo e um carinho não cesse, não é? — olho
em seus olhos.
— É… — ele retribui o olhar. E, por alguns segundos, os
nossos olhares ficam fixos um no outro. O mundo parecia ter
congelado. Era como se eu pudesse ter acesso à parte mais
sensível de Brian apenas por olhar no fundo de seus olhos.
— Você quer ter mais filhos? — pergunto.
— Agora? — ele olha no relógio brincando como se eu tivesse
feito uma proposta e me arranca um sorriso e uma virada de olhos.
— Talvez um dia. Você quer?
— É o meu maior sonho.
— Você será uma ótima mãe — ele diz.
— Você acha mesmo?
— Eu acho. Você tem um jeito maternal.
— Tenho?
— Tem. Você se preocupa, é atenciosa, tem um olhar doce e
tem jeito com criança. E consegue ser chata também como toda boa
mãe — rio.
— Eu tenho medo de ser igual a minha mãe.
— Não carregue isso com você, Sophie. Quebre esse ciclo. Eu
tenho um bom relacionamento com o meu pai hoje, mas você sabe
que não era assim. Eu tive um péssimo pai e hoje eu tento ser o
melhor pai que eu posso ser. É uma decisão e escolhas conscientes
que só dependem de você. Não é fácil, mas se você me aguentou
esse tempo todo…
— Uma criança é fichinha.
— Exato! — ele ri.
— Eu fiquei muito feliz de ver você correndo. Você parece bem.
— Eu me sinto muito bem.
— Mas, ainda temos muitos exercícios preventivos para fazer.
— Eu sei.
— Você vai continuar o tratamento com o Spencer?
— Não, claro que não! Eu não vou à clínica desde daquele dia.
— Você precisa continuar o tratamento de prevenção, Brian.
— Eu sei. Eu verei isso. Quando você se forma mesmo? —
sorrio.
— Logo.
— Ah! A Clara pediu para eu te perguntar se ela pode ver seu
estetoscópio de novo — sinto uma dor no peito e a minha expressão
muda.
— Hum…
— Tudo bem, não precisa se não quiser. Eu explico para ela.
— Não é isso. Na verdade, eu não me importaria e ficaria feliz
em mostrar.
— Então, por que parece incomodada?
— Porque eu não o tenho mais.
— Era da clínica?
— Não — ele parecia confuso e esperando algo a mais de mim.
— A minha mãe destruiu quando soube que eu havia sido
dispensada do estágio — digo com um nó na garganta e a
expressão de Brian muda de confuso para irritado. Clara surge e
agradeço por isso em pensamento, eu não estava com vontade de
falar sobre aquele episódio triste.
— Papai, a Day falou que vocês vão fazer cookies para mim.
— Nós? Nós é muita gente, filha. A Sophie vai.
— E o seu pai também!
— Quê? — ele me olha e balança a cabeça em negação.
— Sim — eu ordeno com discrição. — Você quer cookies,
Clarinha? — pergunto animada.
— Sim! — ela responde com empolgação.
— Nós vamos fazer para você, né, Brian? — ele não responde,
mas eu sabia que o tinha convencido.
— Eu posso fazer também?
— Claro que sim, princesa! — ela sorri. — Vem cá! — pego-a
no colo e seguimos até a cozinha. — Vou te mostrar tudo o que
compramos.
25
Parecia cena de um filme, mas não era. Era real. Com todos os
ingredientes na bancada, Brian ajudava Clara a colocar as medidas
certas para despejar na tigela. Com toda mistura da massa feita e
gotinhas de chocolate sendo apanhadas por pequenos dedinhos,
colocamos o cookies no forno e iniciamos a limpeza, ou melhor, a
bagunça. Brian volta aos seus cinco anos de idade e desliza a mão
cheia de farinha pelo meu rosto arrancando uma gargalha de Clara.
Ali, parada e processando, faço o mesmo em Brian, mas ele desvia
e me provoca.
— Escolheu a pessoa errada. Esqueceu que eu sou o melhor
Wide Receiver e desvio dos meus adversários? — ele fala andando
para trás com bom humor.
— Mas eles não tem o que eu tenho aqui — levanto o saco de
farinha entrando na brincadeira até mudando o tom de voz ao cerrar
meus olhos.
— Ela vai pegar você, papai.
— Vamos ver — ele provoca.
— Eu te ajudo, Sophie.
— O quê? Traidora! — ele faz drama. Saio correndo atrás dele
e Clara me ajuda. Nós duas conseguimos encurralar Brian em um
canto da cozinha depois de várias voltas ao redor da bancada entre
risadas e um “olé”.
— Eu me rendo — coloco a mão dentro do saco de farinha e
apanho a maior quantidade que consigo para jogar nele, mas Brian
é mais rápido e segura o meu pulso com uma mão e, com a outra,
arranca o saco de farinha virando-o tudo em cima de mim.
Desacreditava, eu jogo tudo o que tenho em mãos, nele. Ele
continuava a me segurar conforme eu tentava sujá-lo. Clara me
ajuda pegando do chão e jogando nele.
— Para! — ele diz rindo até se sentar no chão e levar mais
farinhada de nós, sendo rendidas ao cansaço também sentamos ao
chão com ele. Com o rosto todo branco, nos entreolhamos e rimos.
— Olha a bagunça que vocês fizeram — ele diz.
— Como é? — jogo mais farinha nele e a sua risada é como
uma canção aos meus ouvidos. — Vamos ter um trabalhão para
limpar tudo isso — comento.
— Day? — Brian a chama baixinho.
— Ela não é sua empregada, Brian.
— Ela era.
— Não é mais. Você fez a bagunça, você limpa!
— Só eu?
— Você começou!
— Sophie, você está se sentindo bem? — ele cerra os olhos. —
Você está um pouco pálida.
— Há, há! Palhaço!
— Está um pouco sujo aqui — ele aponta para perto da boca
debochando da minha cara branca e ri.
— Vocês deveriam se casar — Clara comenta de repente e o
silêncio fica gigante entre nós, nem a farinha seria capaz de cobrir o
meu rosto vermelho de vergonha.
— E eu acho que a Sophie deveria dar uma olhada nos cookies
enquanto eu pego o aspirador de pó. E, você, mocinha, vai me
ajudar.
Levanto-me e bato a roupa para não espalhar mais farinha e
vou até o forno checar o andamento dos cookies, que ainda
precisavam de alguns minutinhos. Assim que fecho o forno, viro-me
dando de encontro com Brian. Estávamos tão perto um do outro que
o meu coração chegou a acelerar. E, para contribuir, Brian passa a
mão em meu rosto limpando a farinha.
— Desculpa, eu te sujei bastante — ele sorri e me olha nos
olhos. — Se você quiser ir para o forno, já está untada — caio na
gargalhada. Ele se afasta sorrindo para pegar o adaptador de
tomada que estava no balcão.
Enquanto Brian aspirava, eu passava um pano úmido. Sem
contar que ainda tínhamos que limpar a nós mesmos.
— Posso entrar? A porta está aberta — uma voz feminina ecoa
pela sala.
— Entra, Kelly! — Brian diz.
— O que aconteceu aqui? Cadê a minha filha? — ela se choca
com o nosso estado e leva no bom humor.
— Aqui — Clara diz levantando as mãos.
— Onde? — Kelly brinca girando a filha. — Não, não pode ser
— ela limpa o rosto de Clara e finge surpresa. — Oh, você está aí!
— Eu disse!
— Clara, por que você não dá um abraço na sua mãe? Ela está
com saudade de você.
— Nã… — antes que Kelly pudesse dizer alguma coisa, Clara
agarra as pernas da mãe que usava uma calça jeans preta que,
agora, estava cheia de farinha.
— Eu te mato, Brian! — ela o ameaça com humor.
— Kelly, nós fizemos cookies. Eu vou separar para Clara levar.
— Obrigada, Sophie! Os seus cookies são deliciosos! Vamos
embora para casa, mocinha? Fala tchau para o papai e para a
Sophie, e agradece pelos cookies.
Ainda que Kelly e Brian não fossem um casal, eles eram mais
família do que os meus pais, que viviam em casamento sem um
pingo de respeito. Era lindo ver a relação de amizade que eles
criaram. Clara não tinha culpa do deslize deles. E, a cada dia, eu me
apegava àquela menina. Eu chegava a sentir saudade quando ela
se despedia. A casa ficava maior e silenciosa.
— Você e a Kelly continuam próximos? — puxo assunto
enquanto ainda limpávamos a bagunça.
— Não muito. Depois que a Clara nasceu a gente se distanciou
bastante. Embora nós tenhamos um ótimo relacionamento, não é
mais como antes.
— Ela parece ser uma boa companhia.
— Ela é! Eu acho que não te contei, mas nós passamos todos
os natais juntos.
— Sério? Que legal!
— É muito bom! Se você quiser passar o natal aqui, será bem-
vinda! Não sei quais são os seus planos, mas… já está convidada.
— Eu não sei nem o que vou fazer amanhã. O meu futuro está
tão incerto.
— O futuro é incerto, Sophie. Em um dia você está em um lugar
e no outro… Enfim.
— Você está bem? — preocupo-me.
— Estou. É que… eu me lembrei de uma coisa. Ou melhor, de
uma pessoa.
— Quem?
— Eric. Ele tentou me assaltar um tempo atrás — choco-me
com o que ele dissera. — É triste ver como a droga destrói um ser
humano. O Eric… — ele exala — era um bom amigo até se envolver
com umas pessoas tranqueiras. Depois disso, ele não pensava duas
vezes antes de passar a perna em alguém, inclusive eu, que sou o
amigo de infância dele.
— A Evelyn se preocupava muito com ele na época da escola.
Se ela souber como ele está agora ficará muito triste.
— Eu fiquei. Enfim… — ele fica pensativo e muda de assunto
— Você quer assistir alguma coisa? — ele convida e dá de ombros
com o meu silêncio.
— Quero! — digo, e ele sorri. — Mas eu acho melhor a gente
tomar banho primeiro.
Com mau humor por não ter dormido bem, Brian surge em
minha frente na manhã seguinte de bom humor, e isso me irrita um
pouco. No entanto, tento me conter, mas não consigo. Aquele “bom
dia” sorridente me impossibilitou de segurar as palavras em minha
boca.
— Você se divertiu bastante ontem à noite? — ele me lança um
olhar, mas não diz nada. — Ou aquela companhia não foi do seu
agrado?
— Você está me espionando, Sophie?
— Não, mas o meu quarto é do lado da cozinha, não foi difícil
ouvir risadas, beijos e copo caindo no balcão.
— É que estava muito bom, foi difícil nos contermos — ele
provoca. — Eu peço desculpas se nós te acordamos. Eu só estava
vivendo a minha vida a qual eu não devo satisfação a ninguém. E
você deveria fazer o mesmo. Eu recomendo! — pelo seu tom até
parecia uma conversa amigável, mas eu podia garantir que não era.
— Você cai de dez para zero no meu conceito em questão de
segundos — digo e depois sussurro. — Ele não sabe o que faz,
Senhor, tenha misericórdia.
— E você acha que eu estou preocupado com o que você
pensa sobre mim? — o olhar dele havia perdido o brilho, era
carregado de raiva como costumava ser, diferente do que eu vi dias
atrás. — Sophie, eu não me importo com o que você acha ou o que
o seu Deus pensa, se é isso que você vai começar a falar. Eu vou
viver a minha vida do jeito que eu quiser. Eu quero ver você ou seu
Deus me impedir.
— Cuidado com o que diz, Brian — assusto-me com o seu
enfrentamento a Deus. Ele pega uma caneca de café e sai para a
área da piscina.
Eu sabia que não era da minha conta, mas Brian era teimoso
demais! Bom, eu também era. As pessoas nunca vão entender os
convertidos até conhecerem Jesus de verdade. Eu sabia que eu não
tinha o poder de fazer Brian acreditar Nele e mudar de vida, e,
justamente por saber disso, eu me sentia frustrada. A única coisa
que eu poderia fazer por ele era orar, orar muito. Eu não vou negar
que nesses últimos meses eu comecei a sentir um afeto por ele. A
convivência nos permite ver o outro lado. Brian era uma pessoa
muito agradável de estar por perto, dava para ver que ele era um
homem bom e cheio de potencial. Eu só pedia que Deus
trabalhasse naquele coração mesmo depois de Brian não frear a
sua língua.
Que situação chata! Durante todo aquele dia, Brian não falou
mais comigo. Ele estava bravo. De certa forma, eu também estava
ao continuar a procurar emprego sem obter resultados. Eu estava
acreditando que só conseguiria ser contrata após a formatura.
Insegurança e medo do futuro resumiam o meu atual estado.
Quanto tempo mais eu ficaria na casa de Brian? Ao mesmo tempo,
eu estava triste por deixá-los. Eu passei o dia no quarto sem
vontade de conversar pensando sobre a vida. Quando o relógio
apontava por volta das oito horas da noite vejo Brian descendo a
escada arrumado, perfumado e… muito bonito.
— Vai me criticar? Se for, seja rápida — ele diz enquanto ajeita
a gola de sua camisa azul clara.
— Não, não vou — digo desanimada sem expressão e passo
por ele. Percebo a sua estranheza pela minha indiferença ao sentir
o seu olhar me acompanhar, mas o silêncio prevalece.
27
Brian
— Esse é o evento que você disse que era legal? — pergunto a
Kelly que estava com a câmera na mão registrando todos os
momentos da inauguração de um bar na avenida principal da
cidade.
— Olha só, você veio!
— Com quem você deixou a Clara? — pergunto.
— Com a minha mãe. Ela está na cidade.
— Você podia ter deixado em casa.
— Eu sei, mas minha mãe queria passar um tempo com a
Clara. Ela é a avó dela, né, Brian?
— Ah, não diga! — ela revira os olhos e faz mais alguns
cliques. — Eles não tinham uma temática melhor, não? Hawaii?
Sério?
— Eles devem ter uma vaga para organizador de eventos. Caso
seja do seu interesse, favor, anexar currículo.
— Que mau humor, hein! — digo e me afasto de Kelly seguindo
até o bar. O que eu mais enxergava era um bando de homem sem
camisa usando um colar havaiano com bermuda florida. Nem
preciso comentar o quanto aquilo era ridículo.
— Ei, você não está vestido a caráter!
— Ainda bem, né? — respondo a uma garota que faz um
pedido no bar.
— Você não gosta de festas havaianas?
— Não sou fã.
— E por que você veio?
— Boa pergunta! Uma amiga me convidou.
— Apenas amiga? — ela mostra interesse.
— 100% só amiga.
— Bom saber… — ela sorri com outras intenções. — Sabe... Eu
também não sou muito fã de festa havaiana, então, se você quiser ir
para outro lugar… — uau! Esse foi o encontro mais rápido que eu
arrumei em meses. O que eu tinha a perder?
Apesar de ter massageado o meu ego, havia algo diferente. Por
mais que eu quisesse estar com ela, no fundo eu estava
incomodado. Era um sentimento estranho, não chegava a ser culpa,
mas era parecido. Eu não entendia muito bem o que era, mas nunca
senti aquilo antes.
Dentro do carro ao som de alguma música aleatória que tocava
na rádio e com a voz daquela desconhecida cantarolando ao meu
lado, seguimos para um motel. Eu estava decidido a me esquecer
de todos os meus problemas, pessoas, dos conselhos intrometidos
de Sophie e, principalmente, o Deus dela. Eu estava cansado de
todo mundo palpitar sobre a minha maneira de viver. Eu era adulto e
sabia o que eu estava fazendo. E tudo o que eu queria naquele
momento era aproveitar cada segundo com Aline, ou era… Alana?
Algo assim. Desligo o meu celular para aproveitar cada momento
sem interrupção. Porém, eu não fazia ideia do que eu estava
prestes a viver naquele quarto. Tudo estava estranho. Eu estava
inquieto. No entanto, eu segui em frente sem imaginar que aquela
noite seria crucial para minha vida. Era o meu fim. Naquela noite, eu
morri.
28
Sophie
Eram dez e meia da noite e eu estava tentando dormir, mas
insistentes batidas na porta do meu quarto fazem com que o meu
coração dispare e acelere os meus passos para atender a pessoa
impaciente.
— Brian? — assusto-me com o que vejo. Brian estava
chorando, com os olhos vermelhos e, nitidamente, desesperado.
— Sophie, me ajuda? Por favor? — ele implora balbuciando as
palavras. Eu o abraço, e ele chora sobre os meus ombros.
— O que aconteceu? — pergunto, mas ele não responde. — Eu
vou pegar um copo de água para você — corro em direção a
cozinha para buscar um copo de água, e apanho, também, uma
caixa de lenços. A porta do quarto estava encostada e o meu
coração estava apertado e ansioso pelo o que ele me diria. Ele
estava sentado na minha cama com o olhar distante.
— O que aconteceu?
— Eu não sei explicar. Foi horrível! — com dificuldade ele
começa a me relatar algo surpreendente e sobrenatural. — Antes
que você me julgue pelo o que eu fiz, por favor, escute — assinto. —
Eu estava em um motel com uma mulher que eu conheci em um
bar, e algo aconteceu. Eu estava deitado e ela estava em cima de
mim, mas não estávamos fazendo nada ainda — ele diz e começo a
me perguntar o porquê ele está me detalhando a sua intimidade —,
e, de repente, ela começou a me bater — franzo a testa. — Ela tinha
uma força que eu nunca vi igual. Na hora, eu achei que ela pudesse
ser masoquista ou algo assim, e, então, eu pedi para ela parar com
aquilo porque eu não gosto de agressão. Ela riu e me bateu de
novo. E eu pedi mais uma vez para que ela parasse, mas ela riu de
forma maléfica. Ela me deu socos e tapas, e ria muito. Eu não tive
forças para tirá-la de cima de mim. Ela grudou a mão no meu
pescoço e me olhava com ódio, e eu não conseguia me mover de
jeito nenhum. Sophie, eu nunca vi isso antes — começo a me
atentar a cada detalhe e sinto um arrepio. — Eu senti nojo. Nojo
dela, do ambiente, de me imaginar tenho relações com ela, tudo.
Tudo embrulhou o meu estômago. Eu senti muito medo e eu…
chamei por Ele… por Jesus — ele conta sem jeito. — E foi aí que eu
consegui jogá-la para o lado no espaço vazio da cama. E, assim que
eu fiz isso, eu vomitei — sinto outro arrepio. — Eu vomitei um
líquido preto. Eu fiquei apavorado. Eu ouvi aquela voz de novo que
me disse para ir embora, e eu fui. Quando eu olhei para aquela
mulher antes de sair do quarto, parecia que nada tinha acontecido,
que foi apenas coisa da minha cabeça. Ela ficou sem entender
absolutamente nada, e eu fui embora — ele me olha, mas não
consigo dizer nada. — Eu acho que estou enlouquecendo, Sophie.
Por favor, me ajuda! — ele implora. Fico sem palavras diante de
uma pessoa que precisava muito delas. Como eu ia abordar algo
tão profundo?
— Brian…
— Sophie, parecia que eu estava olhando para um demônio.
— Era um demônio, Brian.
— Quê? Como assim?
— Brian, eu preciso te contar uma coisa para que você
entenda, e eu também preciso que preste atenção e ouça até o fim
— ele assente. Eu respiro fundo e organizo os meus pensamentos
para contar a Brian sobre os perigos dos envolvimentos sexuais. —
Eu vou te explicar sem o intuito de te convencer de nada e muito
menos apontar o dedo. Eu apenas te peço que esteja aberto a
entender.
— Tudo bem.
— Brian, o que nós cristãos acreditamos é o que está escrito na
Bíblia. Nós não mudamos nenhuma vírgula, pois acreditamos que
ela foi inspirada por Deus. Para nós, ela é a verdade absoluta. E
quando Deus nos instrui ao caminho que devemos seguir é para nos
proteger. E por sermos humanos, nós seremos tentados pelo
inimigo a duvidar de Deus começamos a ver as coisas danosas
como “nada demais”. Deus nos criou, e se Ele diz “Não” ou “Ainda
não” é porque há um motivo muito sério para isso. O que Deus nos
pede é obediência. Assim como você quer o melhor para a Clara,
Deus quer o melhor para os seus filhos. Vou dar um exemplo. Você
não deixaria a Clara dirigir o seu carro antes do tempo mesmo que
ela te diga “eu sei o que estou fazendo”, pois você sabe que por
mais que ela tenha certeza sobre o que ela diz, ela não está
preparada para aquilo naquele momento. Mas, quando ela fizer
dezoito anos e tirar a carteira de motorista, ela poderá dirigir o seu
carro.
— E o que isso tem a vê com o que aconteceu?
— O sexo antes do casamento.
— Bom, não é nada demais. As duas pessoas estão de acordo,
está bom para os dois e é só um momento legal. Eu não acredito
que Deus esteja se importando com quem eu estou me
relacionando sexualmente, há tantas coisas mais sérias no mundo
— ele dá uma risadinha debochada.
— Deus é um pai completo e se importa com a gente em todos
os aspectos da nossa vida, inclusive, sexual. Você não se importa
com todos os aspectos da vida da sua filha? — ele pensa. — Deus
criou o sexo como uma aliança entre duas pessoas para que elas
sejam para sempre uma só carne. Diante de Deus, duas pessoas se
tornam uma. E essas duas pessoas geram vidas, o que faz parte
dos planos de Deus. Ele ama a família.
— Então, o sexo é apenas para reprodução? Que coisa mais
chata!
— Não, não é. Também é uma forma de conexão, intimidade e
prazer sem egoísmo entre o casal que se uniu com a permissão e
benção de Deus. Quando nos envolvemos sexualmente antes do
casamento, muitos problemas começam a surgir na nossa vida.
— Quais? Se for doença ou gravidez, nem comece, pois isso
qualquer um sabe.
— Não é só isso.
— O que seria?
— Bom, primeiro, Deus estabeleceu duas coisas importantes
para o casal. Para o homem, Deus deu a ele o compromisso de
amar a sua esposa como Cristo amou a igreja, ou seja, morrendo
por ela. Já para a mulher, o compromisso é respeitar o seu marido.
É uma troca linda. Se o homem ama a sua esposa como Cristo
amou a igreja não é difícil que ela o respeite. E é por isso que não
devemos nem cogitar viver um relacionamento em jugo desigual.
Duas pessoas que são verdadeiramente transformados por Deus
assumem esse compromisso diante Dele de amar e respeitar o
cônjuge de uma forma tão profunda que em um namoro ou sexo
casual não há. E sem esse compromisso e sem essa aliança, os
envolvimentos casuais geram insegurança e dependência
emocional. E eu vivi isso e posso falar com propriedade.
— Com o Hugo?
— Principalmente com ele.
— Como era?
— Aquele relacionamento me sugava. O Hugo não tinha
compromisso comigo e nenhuma responsabilidade pelo o que
acontecia entre nós. Eu sentia um vazio enorme dentro de mim por
medo de perder o Hugo. E quando ele morreu, eu senti que eu morri
junto. Eu carregava um pedaço dele comigo e ele levou um pedaço
meu com ele, e isso é muito sério. Quando nos relacionamos
sexualmente, tudo de bom e de ruim que temos, nós passamos para
a pessoa, e vice-versa, inclusive de outros parceiros que já tivemos.
O Hugo me traía sem discrição, e pedaços de outras mulheres que
estavam com ele passava para mim.
— Isso é ridículo, Sophie.
— Brian, as consequências são, geralmente, inconscientes. Eu
comecei a ter crise de identidade. Eu não sabia quem eu era, para
onde eu deveria ir ou como era se sentir amada. Eu sabia que na
primeira oportunidade, Hugo me deixaria. Eu tinha um vazio que
nada completava. Eu tinha medo de ficar solteira para sempre. Eu
sentia carência e tristezas repentinas que ardiam em desejo de ser
valorizada por alguém. Era como se eu tivesse várias
personalidades dentro de mim e não pudesse me reconhecer em
nenhuma delas. Brian, o inimigo odeia o sexo, o casamento e a
vida. E por odiar, ele distorceu todas essas coisas. O sexo virou
bagunça, diversão, pornografia livre, prova de amor. O casamento
virou um espetáculo de ostentação. O divórcio virou um simples
rompimento na primeira insatisfação e dificuldade que o casal
passa. A vida já não tem valor. Por que o aborto anda sendo tão
defendido? Porque as pessoas fazem sexo com quem elas querem
sem ter o compromisso e a responsabilidade que há dentro do
casamento, e tirar a vida de alguém é mais fácil. Percebe como o
inimigo trabalha? Ele quer destruir a família. Eu não vim de uma boa
família e você sabe disso. Se eu não estivesse firmada em Deus e
curada, provavelmente eu estaria defendendo tudo isso que é contra
Deus.
— Eu tive uma filha e assumi a responsabilidade, também sou
contra o aborto e não tenho nada contra o casamento. Eu só não
quero ser obrigado a isso. Eu quero ter a minha liberdade.
— Não há liberdade nisso, Brian.
— Por causa da dependência? — assinto. — Eu não sinto
dependente de ninguém.
— Você mesmo disse que procurava essas garotas por sentir
falta de carinho feminino que tanto te faltou. Eu também fiz isso pelo
mesmo motivo. Jesus sanou essa carência em mim e não dependi
de nenhum garoto para preencher o vazio que eu tinha pela
ausência dos meus pais — ele pensa. — O sexo dentro do
casamento gera confiança, segurança, amor, troca. Coisas que eu
não tive com o Hugo, e acredito que você não tenha com as
mulheres que você sai. Para os homens, o sexo antes do
casamento distorce a visão dele sobre nós mulheres, e isso gera o
machismo, o desrespeito, os olhares desejosos pelos nossos corpos
que não são de vocês. Nós não somos vitrine, bonecas, prêmio ou
troféu. Vocês não têm ideia do quanto isso nos destrói por dentro.
Eu me sentia uma privada onde o Hugo fazia as necessidades e ia
embora, deixando-me com o sentimento que eu era um… cocô. Não
é isso que eu quero para minha vida. Eu não quero que o prazer do
sexo acabe em uma noite. Eu quero me sentir amada, valorizada,
cuidada e respeitada pelo resto da vida com uma única pessoa que
me trará paz, segurança e amor. E… — sorrio — as pessoas me
acham louca por proteger a minha mente até em cenas de sexo em
filmes e séries que eu pulo para que a visão de sexo segundo a
Bíblia não seja distorcida na minha mente, pois há um mundo
espiritual que nós nem sequer imaginamos cheios de demônios que
trabalham focados nisso.
— Igual o que aconteceu comigo?
— Sim, Brian.
— Bom, mas agora já está feito, não dá para voltar atrás. Por
sorte eu não cheguei ao ato em si com aquela garota.
— Deus nos limpa se nos arrependermos verdadeiramente e
buscarmos viver a forma pura que Ele criou o sexo na nossa vida. O
nosso corpo é o templo do Espírito Santo e não há como viver um
pé cá e outro lá. O sexo antes do casamento pode até ser bom por
alguns minutos, mas as consequências são profundas e muito
perigosas. Deus reconstruiu a minha virgindade, a minha pureza, a
minha mente. Já conseguiu imaginar um sexo que glorifica a Deus?
Parece contraditório, né? O inimigo deixou sujo algo que é um
presente de Deus para duas pessoas que se amam. Precisa ser
muito homem para assumir essa responsabilidade de amar uma
única pessoa e ser fiel a ela. Quem visa apenas o prazer é, ainda,
um moleque — ele me encara com o cenho franzido. — E muitos
pensem que quantidade afirma a masculinidade, mas não é
verdade. Sabe quando dizem que mulher se arruma para outra
mulher? O homem mostra que faz sexo para outros homens. As
mulheres gostam de homens que nos valorizam, e não que nos
tratam como objetos de prazer. A mulher ama quem ela admira. Que
admiração há em um homem que a cada noite sai com uma
diferente? Como eu disse, o inimigo destorceu tudo de belo que
Deus criou.
— Se o sexo é uma aliança, então eu fiz…
— Várias alianças com várias mulheres. Muitas pessoas acham
que Deus é mau por proibir o sexo antes do casamento, mas, na
verdade, Ele está nos protegendo do pior. Na Bíblia diz, e outras
religiões também, que o sexo é um pacto de sangue. A consumação
do casamento acontece onde? Quando dois se tornam um, certo?
Toda vez que você tem relações você se casa com aquela pessoa
no mundo espiritual.
— E, por que eu vomitei?
— Eu não sei. Talvez Deus esteja te libertando desses
envolvimentos.
— E agora, Sophie? O que eu faço?
— Corre para Jesus, Brian. Ele pode te limpar e te fazer novo.
— Apagar tudo?
— Tudo! Se você realmente quiser, sim. Ele pode!
— Mesmo?
— Eu te prometo que sim! Busque a Ele, Brian, com todo o seu
coração. Vá para o seu quarto, feche a porta e fale com Ele. Eu te
garanto que será a melhor decisão da sua vida!
— E se Ele não me quiser?
— Por um acaso Ele te deu as costas quando você O chamou
naquela situação?
— Não.
— Por que Ele te rejeitaria agora? Ele fez tudo para ter você e
está de braços abertos, ouvidos atentos e cheio de amor para te dar.
— Eu não quero ser um fanático careta e insuportável.
— Igual a mim? — brinco, ele ri com esforço.
— Na igreja só tem gente hipócrita!
— Brian, Jesus veio para os doentes. Se os cristãos fossem
perfeitos, não faria sentido estarmos aqui. A igreja é um hospital
cheio de pessoas que precisam ser curadas, e você é uma delas. A
gente não pode olhar para a cruz que o outro carrega, a gente tem a
nossa bem pesada para carregar. Se você não quer se tornar um
careta fanático e insuportável, então, não busque uma religião.
Busque Jesus. Ele é perfeito! — digo emocionada, ele ouve e fica
em silêncio. — Está mais calmo?
— Não. Eu estou com medo. Isso é ridículo, eu sei.
— Não, não é. Tudo bem sentir medo. O que não está tudo bem
é continuar agindo assim. Brian… eu não sou “chata” por hobby —
brinco. — Eu realmente me preocupo. Se eu não me importasse, eu
ficaria quieta.
— Eu sei — ele enxuga as lágrimas e respira fundo. — Eu vou
pensar sobre isso — ele se levanta e vê um folheto da minha
formatura na escrivaninha a sua frente. — A sua formatura é na
semana que vem?
— Sim.
— Uau! Você está quase formada! — ele sorri.
— Eu não vejo a hora!
— Que legal, Soph.
— É…
— Eu vou para o meu quarto. Eu espero conseguir dormir.
— Fale com Ele, está bem? — ele assente. — Eu estou aqui se
você precisar.
— Obrigado… de novo. Boa noite, Soph!
— Boa noite!
29
Brian
O meu coração já não era meu, era todo Dele. Era muito difícil
aceitar que eu não tinha mais o controle da minha vida em minhas
mãos. Inseguro, envergonhado e sem sono, saio de casa depois da
minha conversa com Sophie. As ruas desertas se assemelhavam ao
meu coração. Eu sentia um vazio e uma necessidade de
preenchimento. Em cada rua que eu passava a fim de distrair a
minha cabeça, levava-me para um lugar que eu não esperava, mas
que Ele já havia preparado. Aquela rua, em específico, estava
ocupada por diversos carros estacionados. Era uma festa?
Aproximo-me para matar a curiosidade. Era quase meia noite e a
igreja estava cheia. O que estava rolando ali? Encontro uma vaga na
rua lateral e estaciono o carro. Abaixo o vidro e ouço o louvor alto e
continuo. O desejo em entrar lá era grande. As minhas mãos suam e
o meu coração dispara. Incerto se entraria, saio do carro e ando em
passos curtos. Interrompo o caminhar e encaro a igreja. As luzes
apagadas me deram o conforto que eu precisava. Ninguém notaria a
minha presença. Subo degrau por degrau e mantenho as mãos
dentro do bolso. Acomodo-me no último banco enquanto as pessoas
estão em pé louvando a Deus. Será que um dia eu estarei assim?
Era tão estranho para mim. Aplausos tomam conta ao término
daquela música. Começa a tocar mais um louvor[6] e, dessa vez, a
letra e a melodia me atingiram em cheio. O refrão me quebrou no
meio. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, choro. Eu estava
destruído e eu precisava ser consertado. Depois de tudo o que eu fiz,
como Ele, Perfeito e Santo, ainda me amava? Que amor é esse?
Ajoelho-me, abaixo a cabeça e estendo as mãos, pedindo perdão e
implorando por ajuda. Eu choro ainda mais. Eu estava com o
coração agradecido por conseguir me ajoelhar na presença Dele
sem dor e sem dificuldade. Eu estava perdido. Eu não sabia orar,
mas ainda assim eu fiz. O simples fato do meu coração estar
batendo é devido a sua misericórdia. E o ar que entra e sai dos meus
pulmões era o sopro da vida que Ele soprou em mim. Deus não me
devia nada, eu devia tudo a Ele. Conforme o louvor foi finalizando,
limpo o meu rosto e apoio a minha mão para me levantar. Na minha
cadeira havia um bilhete:
Olho ao redor, mas não consigo identificar alguém que possa ter
feito isso. Engulo a seco e me sento na cadeira, ainda um pouco
envergonhado de ter sido alvo de atenção de alguém em momento
de fragilidade. As luzes não se acendem totalmente, mas era
possível enxergar o rosto das pessoas, mas nenhuma me parecia
suspeita em tal ato. Orações e louvores e, uau, era como se a minha
vida inteira eu estivesse vendado e hoje a venda foi retirada de meus
olhos. Era como se tudo fizesse sentido. Era como se cada pecinha
se encaixasse perfeitamente e tudo ficasse claro. Onde eu estava
andando esse tempo todo? Como eu consegui viver esse tempo todo
longe Dele? Era tão bom estar ali. Eu sentia uma paz que eu nunca
senti antes.
Contra a minha vontade, a vigília se encerrou e as pessoas iam
embora pouco a pouco, e eu segui para o meu carro me sentindo
outra pessoa. Eu era outra pessoa, alguém que eu precisava
conhecer. Um filme se passava na minha cabeça e eu tive
consciência de todas as coisas erradas que eu já fiz que eu achava
que eram certas. Os meus inúmeros pensamentos me faziam
companhia naquela rua deserta. Eu precisava de mais. Eu estava
inquieto. Eu precisava conhecer mais sobre quem Deus era. Assim
que chego em casa, em passos silenciosos para evitar acordar
alguém, sigo para o meu quarto e leio a Bíblia que Sophie me dera e
que estava no fundo da gaveta. Ajeito-me na cama da mesma forma
que cheguei e começo a leitura do Novo Testamento e sigo até
adormecer no quase clarear do dia.
30
Sophie
Já passava das dez da manhã e Brian ainda estava dormindo.
Segundo Day, e pelo o que eu vi no tempo em que estive morando
aqui, ele sempre acordava cedo. Eu estava começando a ficar
preocupada. Sem saber o que fazer nesse tempo, eu vou para o
meu quarto — se é que eu posso chamá-lo de meu — e ocupo a
mente com a minha formatura. Envio para os meus pais um e-mail
com o convite da cerimônia com receio de que parecesse
provocação, mesmo que a minha intenção tenha sido uma forma de
gratidão por eles terem me proporcionado essa oportunidade ainda
que contra as suas vontades. Era o certo a se fazer, e eu o fiz.
A minha formatura era dali a poucos dias e eu estava cheias de
expectativas para o que viria pela frente. Com a última mensalidade
da faculdade paga e com pouco dinheiro na conta que sobrou, tento
encontrar na internet um vestido em promoção, mas nada bate com
o meu orçamento. Será que devo passar na casa dos meus pais
para pegar algum dos meus vestidos que deixei? Havia tantas
coisas minhas lá. Angustiada, abstraio as minhas preocupações por
alguns minutos e sigo para a cozinha para pegar um copo de água
bem gelada. Brian havia acordado e estava na cozinha às onze da
manhã mexendo na geladeira quando eu me aproximo
silenciosamente. Ele se vira para mim e leva um susto.
— Sophie! Você me assustou! — ele diz de forma calma com a
mão no coração.
— Desculpa, não foi a minha intenção. Como você está?
— Bem — ele diz e bebe um gole de água, ele parecia
diferente.
— Mesmo?
— Honestamente, eu nunca estive melhor — ele diz com
naturalidade enquanto eu franzo as sobrancelhas tentando
entender.
— O que aconteceu entre a nossa conversa e agora?
— Eu fui à igreja de madrugada e estava acontecendo uma
vigília. Foi muito bom — ele diz, eu sorrio e recebo o seu sorriso
sem graça de volta. Impensadamente, corro em volta do balcão em
direção a Brian e o abraço. Ele envolve os braços na minha cintura
e me aperta forte. O nosso abraço era tão bom, confortável e
seguro.
— Eu estou tão feliz por você! — digo com sinceridade. — É a
melhor decisão de toda a sua vida!
— Eu não tenho dúvidas disso — ele diz e me solta do abraço.
Eu podia ver o brilho de seus olhos. — Eu ainda não sei direito
sobre as coisas…
— Você vai aprender, é um processo. Eu também não sei, eu
aprendo todos os dias.
— Eu vou fazer o meu melhor. No entanto, eu estou um pouco
preocupado.
— Com o quê?
— Eu não fui ao clube hoje. Eu avisei a Gabe que eu estava me
sentindo mal, e eu espero que isso não me prejudique.
— Você não mentiu. Você estava mal.
— Eu sei, mas eu não posso falhar com ela.
— Deus cuida de tudo, Brian. Aliás, você sabia que nós somos
a única criação de Deus que se preocupa com tudo? — ele franze a
testa. — Os passarinhos não se preocupam se terão comida no dia
seguinte porque Deus sempre provê para eles. Um bichinho de
estimação não se preocupa se o dono irá alimentá-lo, porque confia
em quem cuida dele.
— São animais irracionais.
— Exatamente. Nós que somos racionais deveríamos ter mais
confiança em Deus do que eles, não acha?
— Espera aí, isso que você falou por um acaso não está no
Novo Testamento? — ele pergunta esforçando para lembrar o nome
do livro. Ele leu! Ele leu!
— No livro de Mateus, capítulo… seis! — arrisco-me no palpite
puxando pela memória.
— Eu acho que é isso mesmo — ele confirma.
— Ele diz: “Qual de vocês, por mais preocupado que esteja,
pode acrescentar ao menos uma hora à sua vida?”. E depois:
”Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará
as suas próprias inquietações. Bastam para hoje os problemas
deste dia.”.
— Uau! Como você memoriza tudo isso?
— Eu gosto de memorizar para sempre lutar contra
pensamentos ansiosos que me vem. Eu só tenho dificuldade de
lembrar exatamente onde está escrito.
— Eu preciso fazer isso.
— Bíblia e oração são as armas do cristão, é assim que nós
lutamos as nossas guerras.
— Eu acho que eles cantaram uma música que falava isso na
vigília.
— Esse louvor é ótimo!
— Eu preciso me lembrar disso porque eu não sei mais o que
fazer para que a Gabe me contrate, eu estou dando o meu melhor.
— Continue fazendo isso, e na hora certa as coisas vão dar
certo — ele assente. — “Busquem, em primeiro lugar, o reino de
Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão dadas.”.
— Olha, uma Bíblia com pernas — ele diz me fazendo rir.
— Vai dar certo, Brian! — digo sorrindo. — Confie em Deus! Ele
continua trabalhando mesmo sem a gente ver. Da mesma forma que
nós não precisamos nos lembrar de respirarmos, Ele dá ar aos
nossos pulmões.
Brian
No final da tarde daquele dia, ainda me sentindo bem e
sustentando uma paz dentro de mim que vinha Dele, recebo uma
visita inesperada e receio perder essa sensação boa.
— Hamilton? — o meu ex-treinador estava parado na porta da
minha casa.
— Não me chama mais de Coach?
— Você não é mais o meu Coach, então…
— Como vai, Winters?
— Bem. O que está fazendo aqui? — pergunto desconfiado,
mas calmo.
— Eu posso entrar? — ele pede, e eu lhe dou passagem contra
a minha vontade. Encosto a porta e parados de frente um para o
outro, ele começa a falar a que veio. — Eu soube que você está
tentando uma vaga no time SP Lions da Coach Gabe.
— Como soube?
— Você é conhecido, muitos estão comentando da sua
recuperação e a sua tentativa de se recolocar no Football.
— Estão?
— Uhum — ele cruza os braços.
— E…?
— Bom, eu queria te fazer uma proposta.
— Qual?
— Você conhece o time BFG, Bear Football Game?
— Sim, eu conheço.
— Eu sou muito amigo do técnico e posso te colocar no time. É
um time excelente, só fica abaixo do meu — ele tinha razão. Era um
dos melhores times, e entrar lá seria uma oportunidade incrível.
Porém, quando eu fiz a minha lista de clubes para tentar uma vaga,
ninguém quis me receber. A Gabe foi a única a me abrir as portas.
— E, vamos ser sinceros, Brian, o time da Gabe é muito fraco!
É um dos piores, e não é à toa, né? Um time comandado por uma
mulher é uma piada, ela não entende nada!
— Você está enganado, Hamilton, a Gabe entende, sim.
— É mesmo? Então, conte-me as estratégias dela, e eu te digo
se são boas ou não. Se forem boas, eu assumo. Se forem ruins,
garantirei as minhas gargalhas por hoje — finalmente eu entendi o
motivo daquela visita.
— Em troca da minha contratação no BFG? — ele assente. —
Se você acha a Gabe ruim, por que você quer as estratégias dela?
— Para que o pouco que eles têm em mãos seja perdido no
jogo.
— Está com medo de que o time dela ganhe destaque com a
minha entrada nele?
— Boa piada, Winters! Nem a sua presença garante aquele
time — ele ri. — Os jogadores dela estão desmotivados, muitos
estão esperando o contrato acabar para mudar de time e, por isso, o
SP Lions vai à falência e não atuará mais.
— E você quer que isso aconteça.
— Naturalmente.
— Por quê?
— Porque a Gabe é uma vergonha para o Football.
— Porque ela é mulher.
— E estrangeira.
— Uau! — não consigo disfarçar a minha decepção.
— Quanto menos time, melhor. E melhor para você, inclusive.
Pensa bem, Brian, se o time dela perder o próximo campeonato vai
falir e você vai junto. Se para você está ruim agora, ficará pior lá na
frente.
— Faz sentido — digo pensativo.
— E aí, vai aceitar a proposta que pode mudar a sua vida?
— Eu… — digo, e ele sorri com expectativas — Eu vou recusar
— finalizo.
— Quê?
— Hamilton, desculpa, mas não dá. Eu não vou passar a perna
na única pessoa que me deu uma oportunidade.
— Que oportunidade é essa? Ela nem te contratou.
— Eu sei, e talvez ela não me contrate, mas eu…
— O time dela está indo a falência!
— Você tem razão.
— E você se arriscar? — dou de ombros. — Em troca do quê?
— Em troca de ter a minha consciência tranquila, de manter a
minha integridade e ser profissional de respeito. Eu não brinco de
jogar Football e eu nunca precisei de trapaça para chegar aonde
cheguei.
— E você está em ótimo lugar, não é? Está até implorando para
entrar nos times.
— Eu não estou implorando. Eu estou lutando para voltar
porque alguém me deu as costas no momento em que eu mais
precisei, e eu não farei o mesmo com a Gabe.
— Você acha que você será o salvador daquele time?
— Eu não sei, Hamilton. Mas, depois de todos esses meses, eu
passei a valorizar coisas que antes eu não reparava. Quando eu
sofri a minha lesão eu precisava de ajuda até para ir ao banheiro, e
quando eu consegui ir sozinho foi uma grande conquista para mim.
Consegue imaginar o quão humilhante foi isso? Quando eu fiquei
em pé eu não tinha noção o quanto andar era importante, afinal, é
algo que a gente faz sem pensar todos os dias. E dar os primeiros
passos sem auxílio das muletas foi memorável para mim. Eu não
preciso mencionar como estar no campo novamente ou brincar de
pega-pega com a minha filha foram o ápice dessa fase que eu
passei. Então, é claro que eu quero ter a minha estabilidade
financeira e ter destaque no time, mas eu não vou jogar sujo por
algo que posso conquistar honestamente e em que eu sou bom. Eu
quero fazer valer o meu esforço e dar orgulho para as pessoas que
estiveram comigo, e que em momento nenhum me deram as costas.
A sua proposta não é melhor forma de começar a fazer isso. Então,
eu agradeço pela oferta, mas não — ele me encara nitidamente com
raiva.
— Estou começando a me questionar se a sua lesão foi mesmo
no joelho — ele diz olhando no fundo dos meus olhos e vai embora
batendo a porta de casa. Meu Deus, que oportunidade! Ele tinha
razão, eu sabia que ele tinha. O time da Gabe não era bom, na
verdade, era bastante fraco. Mas como eu poderia trapaceá-la?
Oração e Bíblia — digo a mim mesmo — essas são as minhas
armas. Eu precisava estar bem munido. Eu estava inquieto e
ansioso andando de um lado para o outro até decidir tirar uma
dúvida com Sophie.
— Sophie — bato na porta do seu quarto —, eu posso te fazer
uma pergunta?
— Claro! — ela fecha o notebook, e eu sento na beirada de sua
cama.
— A gente pode pedir sinais para Deus?
— Claro que sim. Porém, tem coisas que não precisam.
— Como assim?
— Deus é bom, justo, honesto, misericordioso, amoroso, entre
outros atributos. Se você está pedindo um sinal para saber se algo é
da vontade Dele, pense se isso condiz com o caráter de Deus.
— Você consegue me dar alguns exemplos?
— Se você aceitar uma proposta de um chefe que tem intenção
de desviar dinheiro da empresa, por exemplo, você não precisa
pedir um sinal para Deus se você deve fazer isso ou não, mesmo
que você precise muito de dinheiro. Deus é honesto, então, você já
tem a resposta. Há situações em que, conhecendo a Deus, você
saberá que decisão tomar ainda que isso venha a te prejudicar. Não
há nada melhor do que agradar o coração de Deus. Ele é justo e
bom, e honra quem age corretamente. Entendeu?
— Entendi.
— Foi um exemplo fraco, desculpa, não veio nada melhor na
minha cabeça.
— Não, foi ótimo! — reflito.
— Você pediu um sinal para Ele sobre alguma coisa?
— Pedi, e Ele enviou através de você. Era tudo o que eu
precisava ouvir. Obrigado! — digo aliviado, ela sorri.
Hamilton tinha más intenções e já passou a perna em mim. Eu
estaria agindo com ingratidão a Gabe aceitando a sua proposta. Ela
não me prometeu uma vaga em seu time, mas eu me comprometi a
não lhe dar as costas. Eu estava em cima do muro. De um lado,
uma ótima proposta, e do outro, a incerteza da contratação. Porém,
ao considerar entrar no BFG, a paz não fazia presença em meu
coração. Eu sentia que deveria continuar com Gabe mesmo sem
entender o motivo. E agora, Senhor?
31
Brian
No dia seguinte, logo pela manhã, chego ao clube meia hora
antes do horário. O vazio do corredor parecia um pouco assustador
àquela hora, o Sol ainda estava nascendo e a luminosidade era
baixa. Sem fazer barulho chego à sala da Coach Gabe que estava
com as luzes acessas e a porta entreaberta, mas freio os passos
assim que me deparo com uma cena: Coach Gabe estava de
joelhos apoiada na cadeira orando pelo time e pedindo a Deus que
não viessem à falência. Engulo a seco, retiro-me sem fazer barulho
e me sento no banco na área externa. A Coach Gabe estava lutando
com as mesmas armas e juntos poderíamos ser mais fortes, certo?
Cerca de dez minutos depois, Gabe me vê na área externa olhando
para o nada. Ela mal sabia que eu também estava orando.
— Chegou cedo, Winters.
— Bom dia, Coach — encaro-a sem discrição, ela percebe.
— O que está acontecendo?
— Coach, eu estava pensando… se eu… É que…
— Desembucha, Brian!
— Eu poderia dar algumas opiniões sobre o time?
— Opiniões?
— Sim, e sugestões. Eu acredito que alguns ajustes podem
melhorar o desempenho assim como motivar os jogadores.
— Você acha que eles estão desmotivados?
— Com todo respeito, eu acho.
— E o que você sugere?
— Algumas trocas de posições, melhorar o bloqueio, o ataque,
a defesa…
— Tudo?
— Basicamente. Uma reorganização do time pode ser uma boa
solução. As suas estratégias são muito boas, Coach, mas eu acho
que podem ser executadas de uma maneira melhor com essas
pequenas mudanças.
— Mostre-me a sua ideia. A minha sala está livre se precisar
desenhar no quadro, eu quero uma boa explicação de tudo isso —
assinto com um leve sorriso.
32
Os dias estavam tão corridos que eu mal conseguia me
encontrar com Brian mesmo morando na mesma casa. Ele estava
bastante empolgado com a chance que Gabe havia lhe dado em
expor a sua estratégia de jogo e ambos estavam tendo pequenos
progressos no desempenho dos jogadores. Eu estava feliz e
orgulhosa dele. Eu poderia dizer o mesmo sobre mim, mesmo
sentindo o meu corpo tremer ao apertar o interfone da casa de meus
pais. A porta se abre e o coração pula para a boca. A minha mãe
era imponente e, depois de tudo com o que aconteceu, eu estava
com medo dela.
— Ah, você se lembrou de que tem mãe? — é a primeira coisa
que ela diz.
— Eu não quero brigar.
— E por que veio?
— Eu vim buscar um vestido — digo e passo por ela
apressadamente.
— Para quê? — paro no meio da escada para respondê-la.
— Para a minha formatura, é amanhã. Eu te enviei o convite
por e-mail.
— Eu vi.
— Eu gostaria muito que vocês fossem.
— É mesmo? Não cansou de nos envergonhar e quer mais?
— Mãe…
— Você está trabalhando?
— Não.
— Está morando onde? — não respondo. Dou as costas e volto
a subir a escada ignorando a sua pergunta que não era em tom de
preocupação, mas carregava uma dose bem cheia de deboche. Ela
me segue e continua a fazer perguntas.
— Como você está se sustentando? O que anda fazendo? Na
rua você não está, é notável. Onde está morando?
— Eu estou na casa de um amigo.
— Amigo? Você acha que eu vou acreditar nisso? —
rapidamente, abro o guarda-roupa e vasculho peça por peça e
decido levar os meus três vestidos de festa para decidir na casa de
Brian, com calma, qual eu usaria na formatura. Aproveito e pego
outras coisas, eu não sabia quando voltaria àquela casa.
— A formatura é amanhã, todas as informações estão no e-mail
— desço rápido e saio ignorando o meu nome saindo repetidamente
da boca de minha mãe enquanto ela me seguia. Conforme vou me
distanciando, desacelero os passos e entro no carro.
— Obrigada por me dar uma carona, Day.
Brian
Em casa e em família, comemorávamos a formatura de Sophie
com comilança e brindes desejando o sucesso em sua carreira. Ela
estava feliz, e eu também estava. Sophie merecia muito mais, mas o
que eu podia fazer para tornar aquela noite inesquecível para ela,
eu fiz. Enquanto esperávamos a pizza, afasto-me deles e vou até a
cozinha preparar os copos e pegar os refrigerantes. Kelly se
aproxima discretamente e me encara por alguns segundos, aquilo
começa a me incomodar.
— O que foi? — pergunto sem paciência.
— Quando você vai dizer a ela?
— Dizer o quê e a quem? — indago.
— Para de se fazer de bobo! Para a Sophie, oras.
— Falar o quê para ela?
— Que você está apaixonado por ela.
— Quê? De onde você tirou isso? Você enlouqueceu, Kelly?
— Eu enlouqueci por aquele cara ali — ela aponta para Kevin.
— E você está louquinho por aquele diamante. Aliás, eu amei
aquele vestido! Porém, os seus olhos brilham mais do que aqueles
paetês quando você olha para a pessoa que o veste.
— Pae… O quê? — ela revira os olhos.
— A quem você quer enganar? — ela insiste.
— Kelly, eu não estou apaixonado pela Sophie. Nós somos só
amigos.
— Uma pena! A Sophie é o tipo de mulher que você precisa.
— Mas eu não sou o homem que ela merece.
— Eu só queria te avisar que eu aceito fotografar o casamento
de vocês sem cobrar um centavo por isso.
— Eu vou fingir que eu não ouvi isso — ela ri e se junta aos
outros me deixando com os meus milhões de pensamentos.
Eu não estava apaixonado por ela, eu apenas gostava da
companhia de Sophie. Talvez do sorriso dela também, ou do seu
olhar doce, e de suas palavras sábias, e dos seus bons conselhos.
Eu a admirava pela sua força, fé e resiliência. E ela é tão… linda.
Não, Brian! Para com isso! — repreendo-me. Nós somos amigos. E
bons amigos dão presentes um para o outro, certo? Encosto a mão
no bolso da calça e sinto a caixinha que daria a ela mais tarde. Ela
merecia. Era o seu grande dia e era uma forma de agradecer por
tudo o que ela fez por mim. Afasto os pensamentos e me junto a
eles que brincavam de Testa-me. Sophie estava tão feliz, era a
primeira vez que a via daquela forma. A maior parte das vezes em
que eu estava com ela, parecia carregar um mundo de
preocupações, mas, ali, ela estava leve aparentando estar
verdadeiramente feliz.
Sophie
— Eu não sou bom com essas coisas, mas quando eu olhei
para esse pingente eu consegui visualizar você com ele — ele diz
sem ter noção do quanto aquilo estava sendo especial para mim.
Era um colar dourado com um pingente de girassol que abria ao
meio revelando outro pingente escrito “You’re my Sunshine” (Você é
o meu raio de sol).
— Você trouxe luz na minha escuridão e beleza para minha
vida. E o mais importante, levou-me até Ele. E eu achei que seria
uma boa representação, ainda mais agora que você vai começar
uma nova etapa da sua vida. Eu quero que você se lembre do
quanto você é capaz de iluminar a vida de alguém.
Olho em seus olhos ouvindo cada palavra sendo incapaz de
conter o meu sorriso bobo. Quando ele finaliza as suas belas
palavras, estendo-lhe o colar para que ele o coloque em mim. E
assim ele o faz. Viro-me de costas para Brian e puxo o meu cabelo
para o lado. Assim que aquele pingente encosta em minha pele,
sinto uma paz enorme invadir o meu peito. Olho para Brian por cima
do meu ombro e os seus olhos encontram os meus. Alguns
segundos de intensidade estavam ali, o meu olhar no dele. O ar falta
em meus pulmões. Como desconectar daqueles olhos que tanto me
atraiam?
— Obrigada, eu amei! — digo por fim em tom de sussurro e
lentamente me viro de frente para ele que parecia hipnotizado. —
Eu amei tudo, eu não esperava por nada disso.
— Você transforma um pequeno gesto em algo grandioso.
— Mas foi grandioso.
— Não, Sophie, não foi nada demais.
— Ou talvez seja comum para você, mas para mim, não.
— Você se refere aos seus pais?
— Eles não foram à minha formatura, e mesmo eu sabendo que
eles não iriam, eu esperei vê-los lá. Eles queriam que eu fizesse
Direito ou Medicina. Na verdade, nada do que faço está bom para
eles. Ainda que eu me formasse em alguns desses cursos, eles
encontrariam algo para me criticar. Nada do que eu faço os deixa
feliz — digo com lágrimas prestes a escorrer. — Dói… dói muito — o
nó se forma na minha garganta.
— Eu não sei se faz diferença, mas… Eu estou aqui — ele diz,
e eu assinto com o coração quentinho e um leve sorriso nos lábios.
— É por isso que hoje, aqui, com vocês, foi tão especial para
mim… Eu nunca tive isso. Eu não paguei a festa porque eu não vi
motivo para ir, e também porque eu não tinha dinheiro — rio. — E lá,
os alunos dançam com alguém da família, eu não queria ficar
olhando com dor no meu coração sem alguém para dançar comigo.
E nem ver os pais cheios de orgulho enquanto os meus estavam
envergonhados de mim — desabafo.
— Quer saber, Sophie? — ele diz, e eu o olho sem entender.
Ele pega o celular e coloca uma música em volume baixo. Ele
estende a mão direita e sorri. — Dança comigo?
O celular de Brian estava dentro do bolso do seu paletó e
tocava a música My Girl da banda The Temptations. Sem jeito, eu
pego em sua mão e começamos a dançar embaixo daquele céu
estrelado perto da piscina. Brian, em nenhum momento, deixou-me
desconfortável. Pelo contrário, ele manteve uma distância entre nós
bastante respeitosa e me tratou com tanta delicadeza que eu me
senti uma verdadeira princesa. Entre sorrisos e risadas, cantamos
juntos contendo o volume das vozes para não acordar ninguém. Eu
amava a letra daquela música, o ritmo, as vozes, o refrão, e passei
a amar também aquele momento.
— Eu disse que você não sabia como tratar uma mulher, mas,
na verdade, você sabe perfeitamente. Apenas estava fazendo isso
da maneira errada. Você é um verdadeiro cavalheiro, Brian Winters!
— Não é difícil ser um cavalheiro ao lado de uma verdadeira
dama — os nossos olhares estavam fixos um no outro.
Como eternizar aquele momento? Eu sabia que ele teria fim,
mas eu não queria que ele chegasse. Aproveito cada segundo.
Brian segurava as pontas dos meus dedos e lentamente me girou e
puxou para a dança novamente no ritmo da música. Olhares e
sorrisos faziam presença. Eu já não me lembrava onde eu estava.
No entanto, qualquer lugar seria bom se ele tivesse comigo. Brian
conseguiu transformar aquela noite de ausência preenchendo o
vazio do meu coração. A playlist seguia a sequência, e a música Iris
da banda Goo Goo Dolls começou a tocar, e continuamos
dançando. Dessa vez, mais lentamente.
— Se um dia eu for pai de outra menina, eu gostaria que ela se
chamasse Iris, como essa música.
— Por quê?
— É um nome curto, forte, feminino e bonito.
— É bonito. Eu sempre me imaginei sendo mãe de uma
menininha mesmo não tendo preferência.
— E como você a chamaria?
— Eu gosto de Iasmin, com I! — deixo clara a minha
preferência. — É bonito, feminino, forte e, ao mesmo tempo,
delicado.
Em movimentos lentos de dança, os meus olhos acompanham
os de Brian em intensidade e permanência. Não havia mais nada a
nossa volta, parecíamos estar em um mundo paralelo onde nada
poderia nos interromper. Os olhos de Brian descem para a minha
boca. Gelo. E, impensadamente, faço o mesmo. O meu coração
pula no peito. Estávamos tão perto… Brian pausa a música de
repente. Volto para a realidade sem entender o que havia
acontecido.
— O que foi? — pergunto.
— A Clara me chamou — ele diz prestando atenção.
— Ela te chamou? — eu estava tão imersa que não ouvi nada.
Segundos depois, um choro manhoso chegava cada vez mais perto
de nós.
— Quando você tiver a Iasmin, a sua audição ficará aguçada —
ele brinca. — Boa noite, Sophie!
— Boa noite! Obrigada por essa noite!
— Foi um prazer!
— Papai… — Clara se aproxima coçando os olhos.
— Oi, meu amor.
— Eu tive um pesadelo. Era um monstro desse tamanho — ela
abre os pequenos bracinhos para demonstrar.
— Desse tamanho? — Brian finge estar chocado e a pega no
colo.
— Eu estou com medo!
— O papai está aqui — ele me olha pela última vez antes de
entrar em casa e seguir para o quarto. Eu olho para o céu pela
última vez naquela noite e digo a Deus:
— Obrigada pelo Teu cuidado e os mimos. Eu te amo, e o
Senhor me ama. Que coisa boa, hein! Boa noite, Paizinho.
34
No dia seguinte, luto para levantar. Eu estava cansada e tinha
saído completamente fora do meu horário. A preguiça batia e eu não
tinha coragem de sair da cama. Com a força extraída do mais íntimo
de mim, ajeito-me para mais um dia. A casa estava com a cara da
preguiça. E Day, logo cedo, já estava limpando a cozinha e fazendo
o café da manhã.
— Gostou da surpresa de ontem? — ela pergunta sorrindo
quando me vê.
— Como não gostar? Vocês foram incríveis!
— Bom dia! — Brian chega com o seu pai. Eu estava me
sentindo diferente perto dele, um pouco nervosa, eu diria. George
falava sobre uma notícia que havia lido e Day faz alguns
comentários enquanto Brian e eu nos olhávamos e desviávamos os
olhares em quase todo o tempo. Não era apenas eu que me sentia
assim, Brian estava bastante desconcertado.
— Nós precisamos organizar as coisas para o Natal, é na
semana que vem! — Day se espanta ao olhar o calendário. — Eu
preciso sair para comprar o presente da Clara. Eu sou tão enrolada!
Os presentes! — Penso comigo — Como eu iria presentear cada
um deles com o pouco dinheiro que eu tenho na conta?
— Ah, Sophie, nós temos uma regra aqui — Day diz. — Nós
presenteamos apenas a Clara, os adultos concordaram em não se
presentear — sinto alívio, ela leu os meus pensamentos.
— Não precisa comprar nada para Clara — Brian me diz. — Ela
já vai ganhar bastante brinquedo, mas, caso queira, eu digo que o
meu presente é seu também. Ela vai amar de todo jeito. Não quero
que gaste, eu sei como as coisas estão. Não se preocupe!
Apesar da atitude gentil de Brian, depois de tudo o que eles
fizeram por mim, eu queria agradecer de alguma forma. Mas, como?
Que situação! Os meus pensamentos estavam a mil e eu já tinha
me desligado da conversa enquanto enxugava um prato para
guardá-lo.
— Eu acho que esse prato já está seco contando o tempo que
você está com eles em mãos em movimentos repetitivos — Brian
brinca, e eu fico mais sem graça. O que estava acontecendo
comigo? Ouço o meu celular notificar uma mensagem, peço licença
e vou para o quarto. Era Evy.
— Como estão as coisas em relação ao emprego?
— Eu não acho nada, Evy. Eu não consegui nenhuma
entrevista.
— Estamos no final do ano, é uma época difícil. Em janeiro, as
coisas vão melhorar você vai ver.
— Eu espero que sim. Eu estou cansada de procurar e não ter
uma resposta, ou não poder comprar nada para não zerar a minha
conta no banco — bufo. — Mudando de assunto, Evy… — abaixo a
voz mesmo com a porta fechada e lhe conto em detalhes sobre a
formatura e a minha dança com Brian.
— Uau! Você dançaram juntos sob o céu estrelado ao som de
uma música romântica, e a sós. Very romantic!
— Evelyn! — repreendo-a.
— Sophie, isso já está passando de uma amizade. Eu, por
exemplo, nunca fiz isso com o Lucas, que é o meu namorado. Aliás,
estou chateada com isso. Brian consegue ser mais fofo que o
Lucas. Chocada!
— Evelyn, não foi proposital. Ele só estava sendo legal comigo
por causa da ausência dos meus pais.
— Sophie, ele estaria sendo somente legal se ele te falasse
palavras de carinho, como “Parabéns!” ou “Sucesso!”. Fim. Mas,
vocês tiveram, praticamente, um encontro.
— Você está exagerando! — começo a me irritar.
— O seu coração não dispara perto dele? — ela pergunta
sabendo a resposta.
— Não — minto.
— Sophie, cristão não mente — bufo.
— Evy, eu fico nervosa porque…
— Porque…
— Porque é o Brian, oras. É estranho, só isso.
— Eu entendo. É estranho estar apaixonada pelo Brian, né?
— É. Não! — confundo-me. — Eu não estou! — ela ri.
— Eu sabia que isso ia acontecer. Eu só estava com medo
devido ao histórico dele. No entanto, ele parece diferente, não é?
— Definitivamente, ele não é o mesmo.
— Sophie, eu vou ser sincera. Eu não preferia que fosse
qualquer outro homem, mas se você sente algo por ele…
— Não, Evy.
— Sophie, escuta! Se você sente algo por ele, ore. Ore muito!
Peça a Deus para que Ele te mostre as reais intenções do Brian e,
você, fique atenta aos sinais. Deus cuida de nós! Ore e jejue.
Busque com todo o seu coração. Sophie, não entregue o seu
coração para o Brian sem a benção do Pai.
— Evelyn, eu não quero nada com ele.
— Tá bom. Você sabe o que sente — ela diz. E, não, eu não
sabia. — Cuide-se, por favor!
— Evy, mudando de novo de assunto. O que eu poderia dar de
presente para Brian? — pergunto, e ela segura a risada. — Evy, é
sério! É apenas uma forma de agradecimento.
— Desculpa! — ela tenta conter a risada. — Eu tenho uma
ideia.
35
As músicas natalinas ecoavam pela sala enquanto Day, Clara e
eu decorávamos o ambiente. A época mais linda do ano estava
chegando e eu a passaria com as minhas novas pessoas favoritas.
A árvore estava entrando no clima com os enfeites de bolas
brilhantes douradas e vermelhas que colocávamos. O glitter grudava
em minhas mãos. Os laços davam o toque especial. Day e Clara
analisavam em qual galho deixava a decoração mais harmônica.
Com todos os enfeites postos, Clara pega uma caixinha com mais
alguns enfeites.
— Day, a Sophie não tem um desse.
— O quê? — pergunto curiosa.
— É verdade, Clarinha! Sophie, nós temos o nome de cada
membro da família escrito nesse enfeite de MDF em formato de
coração que nós penduramos na árvore. Eu vou resolver isso agora!
Membro? Eu não era membro, embora me sentisse como tal.
Day, no mesmo instante, escreve o meu nome com caneta
permanente em um enfeite de coração. Eu observava aquela cena
me sentindo tão amada, tão vista, tão especial. Day me entrega,
sorrio e encaixo com delicadeza em um galho me sentindo parte de
uma família de verdade.
— Tem até o nome do Cookie — Clara mostra.
— Sophie, na véspera, nós teremos o jantar às sete da noite,
depois nós assistimos filmes de Natal até tarde.
— E todo mundo dorme junto — Clara comenta. — É muito
legal!
— É verdade. Nós colocamos os colchões no chão da sala e
todo mundo dorme junto. E no café da manhã… Conta aí, Clarinha.
— Abrimos os presentes!
— É a sua parte favorita? — pergunto.
— Sim!
— Depois do café da manhã, nós geralmente ficamos na
piscina ou jogamos alguma coisa.
— Eu não vejo a hora, Day, parece tão divertido o Natal de
vocês.
— São os melhores dias do ano — Clara comenta. — Eu
também gosto do meu aniversário. Ah, e o dia das crianças.
— Quando você faz aniversário, Clarinha? — pergunto.
— Eu não lembro — Day ri.
— Dia 03 de janeiro, Clarinha.
— É! E você, Sophie? — ela me pergunta.
— Por incrível que pareça no Natal, exatamente no dia 25 de
dezembro.
— Sério? — Clara abre a boca surpresa.
— É sério, Sophie? — Day pergunta em seguida, respondo
positivamente com a cabeça.
— Você ganha dois presentes? — Clara pergunta.
— Você é mesmo filha do seu pai — digo, mas ela não entende.
— O seu pai me perguntou a mesma coisa quando soube.
— O Brian sabia e não me falou nada!
— Tudo bem, Day, eu não comemoro.
— Ah, como não? Tem que cantar “Parabéns” e comer um
bolinho.
— Não precisa, Day, eu estou acostumada a não comemorar,
afinal, eu faço aniversário nesse dia desde que eu nasci — brinco,
Day cai na gargalhada.
— Sophie, eu acho que nesses meses que você me conhece
conseguiu perceber como eu sou, não é? Eu não tenho filhos, mas
eu sou a mãezona de todo mundo.
— Você é a minha avó.
— Que avó, menina?! E eu tenho cara de avó? Eu, hein — Day
brinca, Clara ri.
— Uau! — Brian comenta ao entrar na sala. — Que bagunça!
— Nos aguarde! Essa sala vai ficar a coisa mais linda que você
já viu na vida!
— Mais do que isso aqui, Day? — Brian carrega Clara e enche
de beijo. — Impossível!
A VÉSPERA
Era véspera de Natal, e o presente de Brian estava pronto. A
ideia de Evelyn foi ótima e me salvou! Eu queria entregá-lo em
particular, e isso seria mais tarde. Eu já estava de banho tomado e
com o meu pijama xadrez cor de rosa nada natalino quando me
junto aos outros na sala que também vestiam as suas roupas de
dormir. A pessoa mais bonita, sem dúvidas, era Clara vestindo o seu
onesie de rena. Kelly e Kevin chegaram também vestidos a caráter
trazendo a sobremesa.
— Por que essa casa está com esse clima? — Kevin comenta.
— Que clima de desânimo!
— Cadê a música, gente? — Kelly cobra e aperta o play em
uma música animada. Ela era desinibida e fazia de uma colher o
seu microfone. Enquanto eu ajudava Day a finalizar o jantar, George
e Brian arrumavam a mesa. Kevin e Clarinha dançavam com a
cantoria de Kelly.
— O Natal não era assim — Day comenta comigo. — Era uma
chatice até aquele pingo de gente nos unir. Criança é uma benção!
— concordei com ela. O meu maior sonho era ter uma criança para
chamar de minha e encher a boca para falar que ela é uma benção.
A minha benção.
— Como costumava ser o Natal de vocês? — pergunto curiosa.
— Um velório! Depois que a Clara nasceu, a Kelly começou a
passar o Natal com a gente. E depois ela conheceu o Kevin e o
trouxe na bagagem. As coisas ficaram mais animadas por aqui, até
esse clima se tornar algo normal na nossa família — sorrio ao olhar
para eles.
— Vamos comer? — George pede nitidamente faminto.
— Vamos! — Day diz. Acomodo-me na mesa e um filme se
passa pela minha cabeça. Eu sonhei tanto com um momento como
esse.
— Pai — Brian contém o pai que estava pronto para se servir
—, nós podemos agradecer primeiro? — ele assente um pouco
constrangido. E, de mãos dadas, orarmos. Eu segurava na mão de
Brian e sentia a sua firmeza.
— Senhor — Brian diz, e eu contenho o choro, mas não
contenho o arrepio. Ao mesmo tempo em que as palavras saíam de
sua boca, o seu dedo polegar acariciava a minha mão —, muito
obrigado pela comida que temos hoje em nossa mesa e por nada
nos ter faltado. Eu peço que o Senhor alcance aqueles que estão
passando por fome e dificuldade. Obrigado por estarmos todos
juntos e com saúde. Nós pedimos que Senhor continue nos
sustentando. Em nome de Jesus, Amém.
— Que lindo! — Day comenta emocionada. Olho para Brian e
sorrio, ele retribui.
— Eu posso falar uma coisa? — peço e recebo atenção. — Eu
não sei se todos aqui são cristãos… — eles balançam a cabeça
positivamente —, mas eu queria que nos lembrássemos do real
significado do Natal: o nascimento de Jesus. Ele é o real motivo
dessa celebração, e Ele está aqui conosco.
— Viva, Jesus! — Day diz.
— Viva! — respondemos.
Após o jantar agradável e muito saboroso que Day havia
preparado, recolhemos as louças enquanto os homens desciam os
colchões e arrastavam os móveis organizando a sala para o nosso
cinema natalino. Escapo por alguns minutos e vou em direção a
Brian que colocava a fronha nos travesseiros.
— Foi muito bonita a sua oração — digo.
— Obrigado. Eu ainda sinto um pouco de vergonha, não nego.
— É normal.
— Aquilo que você me disse sobre eu ter tudo, nunca mais saiu
da minha cabeça. Eu estou criando o hábito de agradecer por tudo
que eu tenho. E quanto mais eu agradeço, mais eu vejo o quanto eu
ainda tenho a agradecer.
— O nosso olhar muda sobre as coisas, né?
— Sim. Todas as vezes que eu… sei lá, pago cada uma das
minhas contas ou abasteço o meu carro, eu agradeço. E em relação
à comida… Eu nunca passei fome. Eu não tenho ideia do que é
sentir vontade de comer alguma coisa e não poder. Eu sempre pude
escolher o que eu queria e nunca tinha agradecido por isso. Eu
queria poder fazer mais, e eu farei. Obrigado por me fazer enxergar
isso.
— Nossa… Embora eu tenha despertado isso em você, eu não
tinha pensando assim de forma tão sensível como você pensou.
Deus, com certeza, está muito feliz com você.
— Eu espero que sim.
— Você já falou para a Clara sobre Jesus?
— Ainda não.
— É importante que você faça isso — aconselho, ele concorda.
— Sabe… — ele pensa — eu consigo entender melhor o amor
de Deus quando eu estou com a Clara. E, ainda assim, é
inexplicável. Eu amo tanto a minha filha, mas nada se compara ao
amor Dele por nós. É louco pensar nisso!
— É… é muito louco!
Brian
Era manhã de natal. A claridade me despertou. Espreguiço-me
e viro para o lado e vejo Sophie dormindo como um anjo. Ajeito-me
para observar cada detalhe de seu rosto. Ela é tão linda. Meu Deus
que obra maravilhosa que o Senhor fez! Eu queria ter essa visão
para sempre. Eu queria acordar ao lado dela todos os dias da minha
vida. Como eu queria abraçá-la agora! Que jeito bom de começar o
dia! Aos poucos e lentamente, Sophie se mexe. Ela esfrega os olhos
e olha ao redor até perceber que eu a encarava.
— Bom dia! — sussurro.
— Brian, o que está fazendo? — ela cobre o rosto com as
mãos. — Você estava me olhando dormir?
— Sim — rio.
— Isso não se faz! — ela estava brava, e isso a deixava ainda
mais linda. — Eu estou horrível!
Ah, se ela pudesse ler os meus pensamentos…
Ela se levanta e me deixa sozinho. O que eu faço com o que eu
estou sentindo? Eu nunca senti isso por ninguém.
— Papai! Acorda! — Clara pula em cima de mim. — Eu quero
abrir os presentes e a Day só deixa depois que você acordar, e só
falta você!
— Tá bom, tá bom, eu estou acordado. Eu já vou lá, eu só
preciso de uns minutinhos.
Todos estavam em volta da árvore entregando os presentes
para Clara. Eu a observava, ela estava tão feliz e empolgada
rasgando os embrulhos de cada brinquedo, e isso enchia o meu
coração. Casinha de boneca, patinete, bonecas, bichinho de pelúcia
maior do que ela era a sua felicidade. Além do brilho dos olhos de
Clara, era visível o mesmo nos olhos de Sophie. Ao desviar os meus
olhos dela encontro os de Kelly e nos comunicamos por expressões
faciais discretamente. Eu entendia o que ela queria dizer, mas eu
não podia confessar que eu estava sentindo algo a mais por Sophie.
Eu não queria estragar tudo. Impaciente, reviro os olhos e os
desvios de Kelly.
— Não se esqueçam de que temos mais uma aniversariante
hoje — digo, Sophie fica sem graça.
— Parabéns! — Kelly envolve Sophie em um abraço. — Muitas
felicidades, saúde e muito amoooooor — ela enfatiza o último
desejo e finjo que não foi de propósito quando ela me lança um
olhar discreto. Sophie recebe abraço de todos e, por último, o meu.
— Feliz aniversário! — abraço-a forte. Eu posso ficar aqui para
sempre? Ah, como eu queria!
Mais tarde, quando decidimos ir à piscina, subo para o meu
quarto para buscar uma bermuda. Sophie bate na porta entreaberta
com um pacote de presente em mãos.
— Atrapalho?
— Não, pode entrar.
— Eu queria te dar uma coisa.
— Para mim? — ela assente.
— Feliz Natal! — ela estende um pacote, mas não pego.
— Sophie, os adultos não se presenteiam. Você quebrou a
regra.
— Por favor, aceite, não é nada demais. É apenas uma forma
de agradecimento por esses meses.
— Você não precisava fazer isso.
— Eu sei, mas eu quis.
— Teimosa! — digo, pego a caixa e luto para desfazer o nó da
fita.
— Você gosta mesmo de Football, né? — ela observa a
decoração. Em cada canto havia um enfeite de bola ou capacete.
— Se você tinha alguma dúvida…
— Pelo menos o presente vai combinar com o seu quarto.
— Então, você acertou em cheio! — finalmente, venço o nó e
retiro de dentro um quadro realista colorido. Era um desenho meu
vestindo uniforme de Football com a bola na mão.
— Uau! Sophie! — sorrio admirado — Que incrível!
— É simples, mas…
— Simples? É incrível! Uau! Eu amei! — digo com sinceridade.
— Eu não sei nem o que falar.
— Que bom que gostou! — fico admirando aquele quadro por
alguns segundos observando cada detalhe. Eu realmente tinha
gostado.
— Obrigado!
— De nada! — ela sorri sem jeito. — Vamos descer?
— Espera! Eu também tenho um presente para você — digo.
— Como é? E o combinado de não presentear os adultos?
Você quebrou a regra!
— Isso era o combinado para o Natal. O presente é de
aniversário.
Sophie
Ele me entrega uma caixa branca laçada por uma fita verde.
Será que a cor foi proposital?
— Feliz aniversário!
— Não acredito! — sorrindo e sem jeito, puxo a fita desfazendo
o laço e abro a caixa delicadamente. Os meus olhos saltam com o
que eu vejo. Um estetoscópio novo em folha estava em minhas
mãos.
— Brian… — fico de boca aberta completamente sem palavras.
— Você estava precisando de um, não estava? Eu quero que a
minha fisioterapeuta esteja bem equipada — o olho em seus olhos
sendo incapaz de segurar o meu sorriso. — E isso não é não
suficiente para agradecer por tudo o que você representou na minha
vida. E, agora, você pode usá-lo para ouvir uma coisa que está
acontecendo comigo, eu estou um pouco preocupado.
— O quê? — preocupo-me também. Ele pega o estetoscópio da
minha mão e o coloca em minhas orelhas. — Há algum estralo na
dobra do joelho ou sente alguma dor enquanto se movimenta? —
ele não responde e coloca o diafragma do estetoscópio em seu
peito e ouço as batidas aceleradas do seu coração. Ele faz aquela
carinha de coitado fingindo preocupação com um possível
diagnóstico de alguma doença terminal.
— É grave? Ele fica assim toda vez que eu estou com você —
ele diz brincando de forma dramática.
— Eu achei que era algo sério! — repreendo-o.
— Mas é sério, muito sério — o meu coração pula dentro do
peito. Ele estava a um passo de mim e os seus olhos estavam fixos
nos meus.
— Ou você acha que você não me deixou traumatizado com
aqueles exercícios? — ele quebra o clima. Ah… Então, era isso a
que ele se referia. Óbvio! — O meu coração chega a pular quando
me lembro das sessões de tortura.
Como você é boba, Sophie! Você achou mesmo que ele sentia
alguma coisa por você? De repente, a presença repentina de
alguém na porta me tira daquele momento. Era Kelly.
— Desculpa! Estou atrapalhado?
— Não — digo.
— Está! — ele diz. Repreendo-o com o olhar, e ele dá de
ombros.
— Foi mal! Eu vim pegar um short para Clara, mas eu não
estou achando, e aí eu vim te perguntar onde está.
— Bom, eu vou descer. Obrigada pelo presente. Eu amei! —
digo com sinceridade.
— Não foi nada.
— Para mim, foi. Obrigada!
— De nada — ele sorri, retribuo e os deixo sozinhos.
Brian
— Hummm… — Kelly provoca assim que Sophie sai.
— Não começa.
— O que foi aquilo? — ela pergunta.
— Nada — digo.
— Você acha que me engana com essa cara de bobo? Você
está apaixonado por ela, não está? Confessa!
Sophie
Com o estetoscópio nas mãos desço os primeiros degraus da
escada e me lembro de que deixei a caixa em cima da cama de
Brian. Decido, então, voltar. O carpete bloqueia o barulho dos meus
passos. A porta que eu deixei aberta estava encostada, Brian
conversava com Kelly, e o assunto parecia sério. Aproximo-me em
passos curtos e ouvidos atentos. Tento captar o assunto para saber
se eu poderia ou não fazer parte daquilo. Eu pude ouvir o meu nome
na voz de Brian. Bom, se eles estavam falando sobre mim, eu
poderia ouvir, certo? Aproximo-me mais e começo a ouvir a
conversa deles perfeitamente.
— Eu não sei o que fazer, Kelly — ele diz.
— É muito simples, basta dizer: Sophie, eu estou apaixonado
por você — o meu coração dispara.
— Ela nunca acreditaria em mim.
— Por que não, Brian?
— Porque ela me conhece desde o ensino médio e sabe as
besteiras que eu fiz.
— Brian, isso já faz anos. Você mudou muito!
— Eu sei, Kelly, mas eu… eu tenho medo de fazer tudo errado
e perder a Sophie.
— Você não vai perder a Sophie, ela não é nada sua — Kelly
debocha.
— Eu estou falando sério.
— Brian, ela também gosta de você!
— Ah, é? Como você sabe?
— O jeito que ela te olha entrega tudo. Que fisioterapeuta gosta
tanto de trabalhar fora do horário como ela fez? A terapia era só
uma desculpa. Até cookies ela já fez.
— A gente realmente fazia as sessões, não eram encontros
românticos, Kelly. E os cookies foram para Clara, não para mim.
— Brian, apenas diga a ela — Kelly diz com impaciência.
— Eu não sei o que fazer. As meninas que eu saía
praticamente se jogavam em cima de mim, eu não precisava fazer
esforço.
— Que horror!
— Você foi uma delas.
— Ei! Eu estava bêbada. Eu jamais sequer te olharia com outra
intenção. Eu só não me refiro ao que a gente teve como um erro por
causa da Clara.
— Tá bom, Kelly. Podemos voltar ao assunto? Eu tenho medo
de falar alguma coisa e ela me entender mal. Ou tentar alguma
coisa e ela nunca mais querer falar comigo.
— Se você ficar aí esperando que ela tome atitude vai esperar
para sempre. A Sophie não tem cara de quem toma iniciativa para
isso. Ela é a moda antiga.
— Se ela tomasse iniciativa facilitaria a minha vida e cessaria a
minha insegurança.
— Você está parecendo um adolescente apaixonado pela
primeira vez. Ou só um cara frouxo mesmo.
— É assim que eu me sinto. Eu gosto da companhia dela. Eu
gosto de como eu me sinto quando ela esta comigo. Eu amo as
nossas conversas. Eu fico feliz de ver como ela e a Clara se
gostam. Eu nos amo como família. E também amo os cookies que
ela faz — sorrio. — Eu amo os olhos dela. E o sorriso. Ela me
entende, Kelly. Ela me apoia. Eu a admiro tanto. Ela é a pessoa
mais incrível que eu conheci na vida.
— Eu nunca te vi assim antes.
— Eu nunca me senti assim antes.
— Tudo o que você falou para mim você precisa falar para ela.
— Eu não quero agir no impulso e estragar tudo. Eu nunca
pensei que ficaria tão inseguro para tomar iniciativa com alguém.
Ela é especial, né? — as minhas bochechas ardiam com o sorriso
escancarado que estava em meu rosto.
— Vocês têm o meu apoio e a minha torcida.
— Obrigado. Se é que isso serve para alguma coisa…
— Diga a ela! Eu não tenho outro conselho para você. Seja
educado e respeitoso, e veja no que dá. Se ela não quiser, segue a
sua vida. Eu sei que parece simples, mas se você não tentar, pode
perder uma oportunidade.
— É… — reflito.
— Eu acho que deveríamos descer — assim que ela fala isso
corro para as escadas pedindo a Deus que me dê equilíbrio para
não descer rolando. Em passos rápidos, vou para o quarto guardar
o estetoscópio e sigo em direção à piscina como se nada tivesse
acontecido. E foi assim durante toda a semana. Evitei a todo
custo ficar perto de Brian para que ele não tivesse chance de se
declarar. Eu tinha receio que ele desconfiasse ou pensasse algo. Eu
estava insegura e não queria ouvir que ele estava apaixonado por
mim. Ou queria?
Diferente do Natal, a virada do ano foi bastante calma. Kelly,
Kevin e Clara não estavam com a gente. Day, George, Brian e eu
ficamos sentados conversando na área da piscina esperando ver os
fogos, mas logo após a meia noite sigo para o meu quarto para não
ter contato com Brian. Pelo meu distanciamento, percebo que Brian
parecia confuso. Era melhor assim, ainda mais com a notícia que
surgiu na primeira semana do ano novo.
36
Deus me ama tanto que enviou o seu filho para morrer para que
eu tivesse vida. Ele provou o quanto Ele me ama. O criador do
mundo provou o amor Dele por mim. Se Brian gostava tanto de mim
como ele disse, eu queria provas.
Era dia primeiro de janeiro. Caminho em direção a Brian
naquela manhã nublada e abafada. Ele estava concentrado em seu
notebook vendo algum vídeo de Football.
— Brian? — chamo-o e tenho a sua atenção. — Podemos
conversar?
— Claro! — ele diz. Sento-me de frente para ele na bancada da
cozinha. Eu precisava de coragem.
— Eu estou indo embora amanhã — digo. O leve sorriso dele
desaparecera.
— Quê? Por quê?
— Eu fui chamada para um trabalho temporário.
— Uau! Que bom, Sophie! — ele sorri. — Mas, por que você vai
embora?
— Porque o trabalho é em outra cidade — a sua expressão
muda.
— Outra cidade?
— É. Eu quase recusei por esse motivo.
— Temporário, né?
— É! Mas… eu também aceitei porque eu acho melhor a gente
se afastar.
— Como assim? Por quê?
— Porque você está em uma fase muito importante da sua vida.
— E…?
— Você precisa focar em você. Agora que você entrou para
esse time, você deve se dedicar ao máximo a esse momento que
você tanto sonhou. Aproveitar esse tempo para conhecer esse novo
Brian, vencer os seus medos, as suas inseguranças, o seu passado
e planejar o seu futuro. É o momento que você precisa estar
conectado com Deus e as curar feridas.
— Sophie, eu te fiz alguma coisa?
— Não. Você não me fez nada de ruim. Muito pelo contrário, eu
sou muito grata a você. Você era tudo que eu tinha. E quando eu
estava em um momento difícil, quem estendeu a mão para me
ajudar foi você. E é isso que eu carrego comigo.
— Eu achei que você seria a minha fisioterapeuta. Eu te
pagaria e você continuaria morando aqui até as coisas se ajeitarem
para você. Um ajudando o outro, sabe?
Sophie
O meu novo espaço era pequeno e pouco confortável, bem
diferente do que eu estava acostumada e vivi a vida inteira, mas,
ainda assim, era o meu cantinho. Ainda que eu dormisse em um
colchão no chão, não tivesse armários ou televisão, eu tinha paz. E
uma boa perspectiva. Eu estava começando a minha vida. Eu tinha
tudo o que eu precisava no momento e, um dia, eu mudaria essa
realidade para melhor. Eu pensava sobre isso enquanto passava a
maquiagem de sempre. Tudo estava sob controle, mas eu estava
nervosa. Eu não sabia o que se passava com Brian, nem se os
sentimentos dele por mim ainda faziam morada em seu coração.
Mas eu sabia de uma coisa: ele estava firme na fé. Eu não poderia
ter discipuladora melhor! Sarah me atualizava sobre Brian, que
estava sendo acompanhado por um dos pastores da nossa igreja.
Eu não sabia detalhes, pois isso não era correto de ser
compartilhado, mas eu sabia que ele estava se esforçando e
apresentando mudanças visíveis.
Eu estava ansiosa para vê-lo! Eu não negaria mais os meus
sentimentos, e Deus conhecia todos eles. Eu orei e jejuei. E por
mais maluco que possa parecer, a distância aumentou ainda mais
esse sentimento. Era hora da verdade. O celular notifica uma
mensagem de Brian avisando que me esperava na calçada como eu
pedi que ele fizesse. Desço a escada com o coração acelerado e
chego à portaria. Lá estava ele, encostado em seu carro. Ele vem
em minha direção. Ah, aquele perfume! Ah, aquele cheiro de banho
tomado!
— Você está linda!
— Obrigada! — evito elogiá-lo logo de cara. Eu não queria
massagear o seu ego tão facilmente… Mas, Deus, como ele estava
lindo!
Ele, gentilmente, abre a porta do carro para mim. As músicas
românticas dos anos 80 eram as minhas músicas favoritas e
estavam sendo reproduzidas naquela estação de rádio enquanto
seguíamos para um restaurante aconchegante ao ar livre com luzes
e flores. Era lindo. Tudo estava lindo. O céu limpo e estrelado, o
vento fresco daquela noite causava uma sensação de coisas novas
surgindo. Enquanto esperávamos o pedido, eu puxo assunto
bastante interessada e curiosa para saber o que aconteceu com ele
nesses últimos tempos detalhadamente.
— E, então, quais são as novidades? — pergunto.
— Além de me redimir com boa parte das pessoas que eu feri,
eu tive uma conversa intensa com o meu pai, e foi muito bom. Eu
esperei tanto ouvir que ele tinha orgulho de mim e que ele me
amava, e eu ouvi naquela conversa. As coisas estão mais leves lá
em casa, mais do que eram. Também conversei com a Day. Ela
precisava saber a importância que ela tem na minha vida e como ela
foi a chave que mudou tudo. Eu pedi perdão a Deus, fiz vários
jejuns, estive imerso na presença Dele, procurei ajuda e oração. Eu
busquei sanar as minhas dúvidas e abri o meu coração para Jesus.
Eu não consigo mais enxergar a minha vida sem Ele, e não sei
como eu consegui viver tanto tempo longe. Eu tinha uma visão tão
errada sobre felicidade. Eu não sei se faz sentido o que estou
dizendo.
— Faz todo sentido. Eu estou te entendendo perfeitamente. O
que mais mudou além de tudo isso, e o fato de você estar sem
barba? — brinco.
— Eu queria mudar um pouco, não gostou?
— Você está ótimo! — finjo gostar.
— Você prefere com barba, né?
— Sim — confesso.
— Dê-me alguns dias — ele ri. — Bom, além de todas essas
coisas, eu tenho treinado muito no time e tem sido bom. O Michael,
o Quarterback, é um cara muito gente boa e também é cristão, isso
tem me ajudado muito em relação a fé. E, no mês que vem,
começarão os jogos e será o meu primeiro jogo oficial pós-lesão.
— E como você está em relação a isso?
— Eu estou bastante nervoso, eu confesso. O treino é
totalmente diferente do jogo. Eu estou me cobrando muito, o que
tem me gerado estresse e ansiedade.
— Isso faz parte. Todos esses sentimentos só vão passar
quando você entrar em campo, não tem outro jeito.
— É… — ele respira fundo, ele parecia bastante preocupado.
— Você está convidada para assistir.
— Eu vou não vou perder! Com certeza, eu estarei lá.
— Sabe, Sophie… nesse tempo, eu deixei a minha mãe ir. Eu
sofri tanto com morte dela que eu me agarrei ao luto eterno. Eu vou
amar a minha mãe para sempre e vou me lembrar dela por toda a
minha vida. Mas, o que eu carregava comigo não era um sentimento
bom, era raiva. Eu passei a agradecer por tê-la conhecido. Eu tive a
oportunidade de saber quem ela era, como ela era e como ela me
amava. Eu vi, eu senti, eu soube o que é ter uma mãe. Eu poderia
passar a vida reclamando pela ausência dela e eu decidi passar
agradecendo por tantas lembranças boas.
— Eu sabia que eu deveria ter passado uma máscara de cílios
à prova d’agua — contenho as lágrimas com o guardanapo para
evitar parecer um panda. Brian ri.
— Enfim, eu falei demais. E você, como foi o trabalho?
— Foi incrível! O corpo humano é incrível! — digo empolgada.
— Eu amo a nossa estrutura óssea e como tudo é encaixado de
forma perfeita — detalho e logo percebo um esforço da parte de
Brian em achar aquilo interessante. — E eu tenho uma novidade em
relação a isso. Eu estou trabalhando aqui na cidade.
— Sério? Que bom! — ele escancara um sorriso.
— Eu fui contratada por uma clínica de Fisioterapia por
indicação da Dra. Brianna e hoje faz uma semana que estou
trabalhando lá. A maioria dos meus pacientes são idosos, eu já
aprendi tanto com eles nesses cinco dias. Eu esperei tanto por um
emprego e veio na hora certa. Às vezes a gente se desespera a toa.
E, além disso, eu vivi um tempo de conexão com Deus muito bom
para mim. Eu orei muito por você, inclusive!
— E eu, por você — ele diz.
— Eu achei que você se esqueceria de mim — arrependo-me
imediatamente do que disse por soar desespero.
— Jamais! Eu não conseguiria colocar em palavras para
descrever o quanto eu senti a sua falta, mas, ainda assim, eu tentei.
Eu espero que goste de ler.
— Ah, é? Por quê? Você escreveu uma carta para mim?
— Na verdade, eu escrevi bilhetinhos… um por dia.
— Quê? — fico atônita.
— Como você não gosta de matemática, eu deduzi que
gostasse de ler. Não são palavras profundas, não crie expectativas.
Eu não sou bom nisso. No entanto, eu escrevi todos os dias algo
sobre o que sentia em relação a você, ou que eu estava fazendo de
diferente e interessante, ou um versículo que mexeu comigo… —
ele pausa e pensa. — Sophie, se eu te falar que os meus
sentimentos por você continuam iguais eu estarei mentindo — gelo.
— Eu amo você! Mas eu não amo como eu amava antes. Na
verdade, eu amo muito mais hoje. E eu sei que estou correndo um
risco enorme de levar um fora porque eu não sei o que se passa
dentro de você, mas essa é a verdade. Eu te amo!
Meu Deus! O que eu faço? Ficamos em silêncio nos olhando.
Brian pega em minha mão gelada.
— Você quer casar comigo?
— Quê? — assusto-me.
— Eu não estou falando para a gente casar amanhã ou mês
que vem, eu só quero firmar um compromisso e viver destinado a
isso com você todos os dias. Não me entenda mal, eu não estou
dizendo para gente viver uma vida de casados, mas ter o foco nisso
para o nosso futuro.
— Brian… — puxo a minha mão, pigarreio e sem jeito vou
direto ao assunto — Nesse tempo, você se relacionou com alguém?
— Não. Eu não vou mentir, eu tive vontade, muita vontade, mas
não. Eu estou fazendo acompanhamento com o pastor da igreja e
tenho me purificado todos os dias, e isso não é fácil — eu sabia que
não era, e como eu sabia. — Mas eu… eu quero me relacionar
apenas a minha futura esposa e ser tocado apenas por ela. Eu
quero isso, Sophie, mesmo! Se você quiser investigar esses três
meses, fique a vontade. Eu sei que não posso jurar, mas, se eu
pudesse, eu faria.
— Eu acredito em você! Agora você deve entregar seu coração
apenas para quem valha a pena compartilhar a vida — ele olha no
fundo dos meus olhos por longos segundos.
Brian
— Brian, conta para gente como é estar de volta ao campo —
uma jornalista pergunta enfiando o microfone na minha cara.
— É muito bom estar de volta! Graças a Deus deu tudo certo e
eu estou muito feliz! — digo com dificuldade por me faltar fôlego.
— Como foi jogar contra o seu antigo clube?
— Foi desafiador. AFB é um time excelente e bem treinado.
— Você se sentiu traído pelo seu ex-treinador?
— Não, de maneira alguma. O ser humano fecha portas, mas
Deus abre o mar. Eu sei em Quem eu tenho posto a minha
confiança. O “não” que a gente recebe também é uma benção. Hoje
eu estou feliz e satisfeito pela oportunidade que a Coach Gabe me
deu.
— Você acredita que a sua entrada no time fez vocês vencerem
a partida?
— Nós somos um time, eu não venci sozinho. A Coach Gabe é
uma excelente treinadora e nós somos o resultado de sua
dedicação.
— Gostaria de dedicar a vitória a alguém em especial?
— A Deus em primeiro lugar, à minha namorada, a minha filha
que eu amo mais do que tudo, ao meu pai, Day, Kelly, Kevin e, claro,
a minha Coach, Gabe. E… — olho para a câmera —, Dra. Brianna,
não pense que eu me esqueci de você. Ela merece todo
reconhecimento pelo excelente trabalho. Obrigado à torcida, e
continuaremos rugindo mais e mais forte com o nosso time.
— Parabéns! É muito bom te ver em campo novamente.
Sucesso!
— Muito obrigado! — saio do campo e sigo para o vestiário
para comemorar com os meus colegas. Euforia era o que
caracterizava aquele ambiente. Michael me abraça e vibra.
— Cara, que jogo! Você foi demais!
— Nós fomos! O Touchdown é nosso, irmão! Que arremesso foi
aquele?
Tudo estava diferente. Eu me sentia completo e
verdadeiramente feliz. Eu venci o meu passado, o meu medo, a
minha lesão. Eu estava orgulhoso de mim. Eu sentia cada parte do
meu corpo, os meus músculos queimavam e lembravam como é
bom estar vivo. O meu time estava unido e eu já não tinha mais
problemas com nenhum deles. A saída do irmão de Samantha
contribuiu para a paz reinar. Os ajustes feitos com Gabe motivou o
time e isso contribuiu para a nossa interação como equipe.
Ouvir que a minha família estava orgulhosa de mim não tinha
preço. Esse sem dúvidas era o maior ponto que eu fiz em toda a
minha vida.
37
Muitas coisas não fazem sentindo, mas lá na frente tudo se
esclarece. Ainda bem que Deus não atende a todos os nossos
pedidos, pois nós não sabemos o que pedimos. Quantas vezes eu
pedi para que Ele me tirasse daquela situação com Brian no início
do estágio? Eu mal sabia que Ele estava me preparando para viver
aquilo que eu sempre sonhei. Ou melhor, mais do que eu sonhei.
Deus sabe a hora certa, e Brian estava pronto para me amar. Todas
as regras seguidas. Todo respeito que ele tinha por mim era para
me deixar com cara de boba.
Um ano depois, Brian estava de joelhos colocando um lindo
anel de ouro branco em meu dedo anelar. Eu estava oficialmente
noiva! Eu disse sim ao meu melhor amigo, a minha companhia
favorita, ao homem que eu sempre sonhei! E seis meses após o
pedido, eu estava encarando no espelho a imagem que eu sempre
sonhei em ver.
Brian
O quarto de hóspedes deu lugar ao quarto de Clara, que dormia
de vez em quando conosco. Já o seu antigo quarto pertencia às
gêmeas e ficava próximo ao meu e de Sophie. A porta aberta me
permitiu ver Clara separando as coisas na cama em concentração.
As malas no canto apertavam o meu coração de pai.
E Ele atendeu!
— Não! — insisto.
— Desde quando?
— Desde sempre!
— Como assim?
— Eu?
— Deveria.
— E você acha que eu não quis ser modelo? Era o meu maior
sonho!
— Não!
— Bem — minto.
— Mesmo?
— Prometo!
— É sério!
— Tá bom!
— Pai! — repreendo-o.
— Tudo bem.
— Clara, para com isso! Eu não vou mentir para você, foi
assustador. Mas você foi a melhor coisa que aconteceu na minha
vida, e eu passaria por tudo de novo só para ter você. E a sua mãe
concordaria com cada palavra — sorrio levemente com os lábios.
— Aceitar o quê?
— Foi muito marcante para mim — ele diz com o olhar distante
e mudo de assunto antes que ele repita a história pela milésima vez.
— Olha só, uma atleta. Quem será que ela puxou? — brinco.
— E a Iris?
— Ballet.
— Pois é.
— Elas têm dez anos, cada hora elas querem uma coisa
diferente.
— E a Sophie?
— Está na clínica.
— Nunca?
◆◆◆
— Bebedeira? — pergunto.
— Não foi bem assim, Clara — quanto mais ela falava, pior
ficava. Mesmo que ela disfarçasse e falasse de maneira
descontraída, o meu dia ruim ficou péssimo. A única coisa que eu
consegui dar a minha mãe foi o meu silêncio.
— Clara…
Instagram: @autora.laurenchrist
E-mail: autora.laurenchrist@gmail.com
Mensagem da autora
Obrigada por ter chegado até aqui e ter feito parte desse sonho
comigo. Eu não poderia desejar menos do que fé e esperança em
sua vida. Eu não sei pelo o que você tem passado, mas eu espero
que você tenha a perseverança de Sophie, que mesmo sem
entender nada confiou no Pai. E que o testemunho dela te encoraje
para enfrentar as dificuldades da vida. Que você faça tudo por amor
ainda que as circunstâncias sejam adversas. Que você possa se
inspirar em Brian e abrir o seu coração para Deus cada dia mais. E
que você se lembre que, só Jesus pode preencher o vazio do nosso
coração. Que Brian te inspire a nunca desistir de um sonho. E que
você tenha o discernimento como ele e busque consertar o que for
necessário e abandone o que for mal. Que você seja cheia da
alegria da Day e sirva as pessoas sem esperar nada em troca. Que
você estenda a mão a alguém e recomece como o George. Que
você seja verdadeira, encorajadora e parceira como a Kelly. Que
você, à distância ou presencialmente, seja uma boa amiga como a
Evelyn. Que você conheça pessoas que vejam o seu potencial como
a Dra. Brianna fez de maneira excelente, e que você se torne uma
pessoa assim. Que você tenha aprendido com o Spencer a como
não ser. E, por último, mas não menos importante, que você seja
puro de coração como a Clara. Que em meio a uma dificuldade,
você se olhe com carinho e nunca duvide de sua capacidade. Você
consegue! Você é uma vencedora! Ah, e coma cookies! — A receita
está no meu instagram — E não deixe a sua criança morrer,
portanto, coma gotinhas de chocolate durante o preparo. Que os
seus beijinhos milagrosos aqueçam o coração das pessoas. Que
você sonhe alto! Que sua realidade hoje não determine o seu futuro.
Que você quebre os ciclos ruins e construa um novo em folha cheio
de amor. Que as palavras mal ditas não criem raízes em seu
coração. E lembre-se que uma tempestade é um faxinão no céu
quando sentir medo. E que esse livro de forma geral tenha
transmitido a principal mensagem:
Lauren.
A Autora
Lauren Christ, nasceu em 1991, no interior do Estado de São Paulo,
Brasil. Formou-se em Letras, português e inglês, pela Universidade
de Sorocaba e trabalha como escritora, preparadora/revisora de
texto e professora. Além da paixão pela escrita, que a acompanha
desde a infância, o seu grande objetivo é levar a Palavra de Deus
através de seus livros como forma de reflexão e entretenimento aos
jovens cristãos.