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Lauren Christ

A Ovelha Perdida

Série: O Melhor Está Por Vir

Livro 1
Todos os direitos reservados.

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios.


Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é
coincidência e não é intencional por parte do autor.

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outro, sem a permissão expressa por escrito pela autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.

ISBN- 978-65-00-59992-3
Músicas mencionadas na história ou que me inspiraram durante
a escrita.

Sky Blue and Black – Jackson Browne.


My Jesus – Anne Wilson.
With All I am – Hillsong Worship.
The Reason – Hoobastank.
Eu Tenho Você – Marcelo Markes, Isadora Pompeo.
My Girl – The Temptations.
Iris – The Goo Goo Dolls.
22 – Taylor Swift.
Feel So Good – Calvin Harris.
PARTE I

QUATRO ANOS ANTES


2º ano do Ensino Médio
A música alta invadiu todo o ambiente. A quadra se
transformou em uma pista de dança. Os meus colegas estavam a
todo vapor a cada batida da música eletrônica. Era uma noite
quente de verão, a primeira sexta-feira do mês de dezembro e o
nosso último dia como alunos do 2º ano do ensino médio. A nossa
escola, a Brazil High School, ou BHS, era bilíngue e americanizada,
a melhor no ranking de ensino do país, localizada em São Paulo.
Jake, o meu colega de sala, fazia parte do grêmio estudantil e
organizou a festa de encerramento para toda turma naquele ano.
— Não gosto do Jake, mas tenho que confessar que ele
arrasa nas festas — concordo com Emma enquanto procuro o meu
batom dentro da bolsa, mas me lembro de que o deixei no meu
armário escolar.
— Eu já volto — digo.
— Quer que eu vá com você, Sophie? — Emma oferece.
— Não precisa, eu volto rapidinho — digo, e rapidamente
saio da quadra. A música abafa após fechar a porta atrás de mim.
Os corredores vazios e de baixa luminosidade causavam-me a
sensação de estar em um filme. Todos concordariam que estudar na
BHS era viver em um filme de comédia romântica americana.
Porém, dessa vez, esse filme não tinha nada de engraçado, era
puro terror. O barulho do meu salto alto ecoava no ambiente. Os
meus olhos passeiam por toda parte e estranhamente me sinto
acompanhada. Aperto o passo em direção ao meu armário para
voltar para a quadra o mais rápido possível. Devido a pouca luz,
levo um tempo a mais para abrir o cadeado. Vasculho por toda parte
em busca do batom e o apanho assim que o sinto em minhas mãos.
De repente, eu sinto a presença de alguém atrás de mim.
Lentamente, fecho o armário e me viro. Dois alunos altos e fortes da
escola rival, a Parker, estavam sorrindo para mim com segundas
intenções e obstruindo a passagem.
— Com licença! — digo tentando passar, mas eles me
impedem.
— Qual é o seu nome, linda? — eles chegam mais perto e
consigo sentir o cheiro do álcool exalando deles. Ignoro a pergunta.
Novamente tento passar, mas eles são como duas muralhas diante
de mim. Um deles, com a sua enorme e áspera mão, afasta uma
mecha de cabelo do meu rosto e, imediatamente, o meu coração
dispara com medo do que possa vir acontecer.
— Por favor, deixe-me passar — insisto. Então, uma voz
conhecida ecoa pelo corredor e ganha a nossa atenção. Era Brian
Winters, meu colega de sala e jogador de destaque do Football da
escola.
— Sério, cara? — ele se aproxima em passos lentos. —
Como conseguiu entrar aqui?
— Eu tenho os meus contatos, irmão.
— Bom saber que temos um traidor aqui dentro — Brian diz,
e o cara intimidador ri.
— Eu acho que esse traidor só se compadeceu desse cara
aqui — ele se exibia. — Sabe como é, né? Eu queria algo diferente,
e essa loirinha aqui… — ele aproxima o rosto tentando sentir o meu
perfume e tento ao máximo me afastar — é do jeitinho que eu gosto
— ele ri e sinto o meu coração pular dentro do peito. — Vamos fazer
um acordo, Winters?
— Estou ouvindo — Brian cruza os braços.
— Você não conta a ninguém e me deixa levar a garota para
dar uma voltinha e, então, nós daremos a vitória do último jogo de
amanhã de bandeja para vocês — ele propõe. Brian me olha com
um sorriso como se considerasse aquilo uma boa ideia.
— Eu posso propor um acordo melhor? — o cara nojento
aceita ouvir a proposta de Brian. — Não precisamos que nos dê a
vitória, porque nós ganharemos de vocês de qualquer maneira.
Quanto a ela… — ele me olha nos olhos por alguns segundos e
volta o olhar para eles novamente — eu dou um segundo para
vocês caírem fora daqui! — o seu tom era carregado de raiva.
— Como é? — o comparsa tenta avançar em Brian, mas o
outro o impede.
— Você deveria pensar duas vezes antes de perseguir as
meninas da minha escola, não é a primeira vez que eu te digo isso
— Brian diz em tom baixo e firme e entra na minha frente de peito
aberto afrontando os dois. — Então, é melhor você parar de
assediá-la antes que eu arrebente a sua cara! — com um único
empurrão repentino, Brian afasta o garoto. — Cai fora daqui!
— Tudo bem, irmão. Relaxa aí — ele levanta as mãos
rendido à ameaça. — Estamos de saída — assim que eles passam
pela porta, Brian se vira para mim com as suas sobrancelhas
franzidas, e com todo o meu corpo tremendo o agradeço fazendo
esforço para a palavra sair da minha boca.
— É melhor você ficar lá dentro com os outros ou sair
acompanhada. Não é seguro você andar por aí sozinha nessa
escuridão durante a festa — o seu tom era seco e repreensivo. Ele
afrouxa a gravata apertada em seu pescoço e segue caminhando
pelo corredor me deixando sozinha novamente. Em passos
acelerados, volto para a festa me sentindo insegura e perdida em
um ambiente que deveria ser seguro. Eu não conseguia entender
como esse tipo de situação continuava acontecendo em um
ambiente escolar.
— Sophie, você está pálida! Você está bem? — Emma
repara.
— Sim, estou bem! — procuro uma cadeira para me sentar e
bebo água. — Eu acho que a minha pressão baixou —
desconverso.
Minutos depois, Brian abre a porta da quadra e entra com a
sua postura confiante olhando ao redor. Os seus olhos encontram
os meus e rapidamente se desviam, era como se ele estivesse
verificando se eu estava ali. As atitudes de Brian me deixavam
confusa. Ao mesmo tempo em que ele defendia as suas colegas de
escola, ele as tratava como se não tivessem valor algum. E por mais
que o pior não tivesse acontecido, o brilho daquela noite tinha ido
embora para mim.
— Vamos dançar? — Emma convida, mas recuso
imediatamente. Ela, porém, insiste e decido aceitar vencida pela sua
insistência. A pista foi tomada pelos alunos. O DJ estava empolgado
e nos contagiava a cada música. Cerca de três músicas eletrônicas
tocaram e algumas outras antigas de sucesso eram cantadas em
coro pelos alunos. Estava um clima maravilhoso, nem parecia que
durante o ano todo tivemos estresse, brigas, preocupações,
decepções, provas e trabalhos. Tudo parecia ter ficado para trás e
todos pareciam amigos. Depois de muita cantoria, fotos, abraços e
dança, a música foi cessando aos poucos e Brian tomou o
microfone.
— Boa noite, Brazil High School! — todos aplaudem, gritam e
assobiam. — Eu não estou ouvindo, façam barulho! — com mais
intensidade, respondemos ao seu pedido. Ele começa a agradecer a
presença de todos e parabeniza Jake pela organização da festa.
— Sempre exibido! — Emma bufa. — Olhar para a cara dele
me deu vontade de ir ao banheiro. Eu já volto!
Depois dos aplausos, a música para de tocar e as luzes se
acendem iluminando todo ambiente indicando o fim da festa. Aos
poucos, os alunos vão deixando a quadra e mais um ano escolar
termina. Matheus e eu estávamos parados esperando Emma para
irmos embora quando Brian passa por nós levantando as
sobrancelhas em forma de cumprimento, percebo Matheus
correspondê-lo com o mesmo gesto enquanto sorrio levemente com
os lábios.
— Eu saí para não ver esse babaca e dou de cara com ele na
porta, que ódio! — Emma reclama assim que retorna.
Eu preferi não contar o que ocorreu no corredor por conta do
que houve entre Emma e Brian durante aquele ano. Apesar de
sermos da mesma sala, Brian e eu nunca fomos próximos. O
mesmo acontecia com Jake, Rebecca, Emily e Eric, os amigos de
Brian e o grupo que muitos queriam fazer parte devido a sua
popularidade. Eu sempre achei estranho fazer amizade como se
fosse um concurso. Para mim, amizades aconteciam de forma
espontânea independente da sua aparência física, popularidade ou
classe social. Para entender melhor, somente voltando no tempo.

Fevereiro
No começo daquele mesmo ano, em fevereiro, quando eu
entrei na BHS, Emily me recebeu com toda gentileza e tentou me
enturmar. Gentilmente, eu fui me afastando daquele grupo. Logo de
início, eu pude perceber que eles não viviam um estilo de vida que
batia com os meus princípios. Eu passava a maior parte do meu
tempo na biblioteca lendo algum livro, praticamente fugindo daquele
grupo. Em um desses dias, um colega de sala que reconheci de
vista me olhava sem parar. Quando os meus olhos o atingiam, os
seus desviavam. Cansada daquela situação, fechei o livro e fui até
ele.
— O meu nome é Sophie, muito prazer! — digo com um
sorriso amigável enquanto ele levanta os seus tímidos olhos azuis.
— Oi — ele balbucia. — Matheus. O meu nome é Matheus.
Nós somos da mesma sala — ele se apressa em se justificar por ter
me olhado tantas vezes. Sorrio.
— Você sempre estudou aqui? — pergunto me ajeitando na
cadeira a sua frente sem ser convidada.
— Sempre. Você veio de qual escola?
— Eu morava em outra cidade, mudei há pouco tempo —
digo.
— Xiu! — a bibliotecária nos chama atenção e rimos juntos.
— É melhor conversarmos lá fora — e assim seguimos
conhecendo um ao outro.
Matheus era uma pessoa amistosa, o que tornou tudo mais
fácil para mim. As primeiras semanas de aula são as piores. Era
uma escola difícil de fazer amizade, as pessoas eram muito
fechadas e havia várias panelinhas. Eu percebia que as pessoas se
afastavam de mim logo nas primeiras conversas quando eu dizia
que o meu programa favorito aos finais de semana era ir à igreja.
Além dos deboches, eu perdia as chances de fazer novos amigos.
— Domingo eu não posso, eu vou para o culto — recuso um
convite de Matheus para um evento de livros organizado pela
prefeitura da cidade.
— Culto de quê?
— Da igreja — sorrio achando a pergunta engraçada.
— Ah, sim. Os seus pais te obrigam? Os meus pegam no
meu pé por causa disso. Todos os domingos eles vão à missa e me
dão mais sermão do que o próprio padre.
— Não, eles não me obrigam. Na verdade, os meus pais não
frequentam a igreja.
— Então, por que você vai?
— Porque eu sou cristã — Matheus processa o que eu disse.
— Entendi.
Eu já esperava que aquela pudesse ser a nossa última
conversa. Não era fácil aceitar que eu não teria amigos por conta da
minha profissão de fé, mas eu jamais a negaria por pessoa alguma.
Com Matheus foi diferente. As nossas conversas não eram focadas
na fé, pois ele não era aberto a isso, e eu respeitava. Nós tínhamos
cada vez mais proximidade com o passar das semanas. Ele era o
meu colega de sala e o meu parceiro de trabalho escolar. A nossa
amizade fazia com que pessoas pensassem que estávamos
namorando, mas não era o caso. No entanto, na minha cabeça
estava claro que o nosso relacionamento não tinha nada de
romântico, mas na de Matheus as coisas estavam um pouco
diferentes.
— Matheus, está tudo bem? Você parece nervoso —
pergunto após a garçonete nos servir um cappuccino de chocolate
em uma tarde de sábado. Ele estava inquieto. As mãos afastavam a
franja de sua testa suada repetidamente. A perna não parava um
segundo e os estralar de dedos me causava aflição. Ele, então,
tomou coragem e confessou os sentimentos.
— Eu gosto de você, Sophie.
— Eu também gosto de você — ele sorri com as minhas
palavras. — Você tem sido um amigo incrível para mim — o seu
sorriso desaparecera.
— É… — ele pigarreia. — Eu me refiro a outro sentimento.
— Ah… — coloco o cabelo atrás da orelha e encaro a minha
xícara sem saber o que dizer.
— Esquece o que falei — ele tenta quebrar o clima estranho
que ficou entre nós.
— Tudo bem, Matheus.
— Eu não quero perder a sua amizade, você tem sido muito
importante para mim. Podemos, por favor, fingir que isso não
aconteceu?
— Aconteceu o quê? Eu não sei do que você está falando —
colaboro para sairmos daquela situação o mais rápido possível.
Matheus e eu continuamos a nossa amizade normalmente
depois disso, éramos muito bons em fingir esquecimento. No
entanto, a sua declaração mexeu comigo e passei a olhar Matheus
diferente. Entretanto, pela nossa diferença de fé, ter algo romântico
com ele estava fora de cogitação. Com tantos trabalhos da escola, a
melhor opção era deixar para lá e focar no que era importante.

Junho
O tempo passou voando, já estávamos no começo do
mês de junho e a contagem regressiva para as férias de julho já
começavam. E, com ela, a correria para passar de semestre com
boas notas. Enquanto Matheus e eu compartilhávamos nossas
expectativas sobre as férias, risadas e mais risadas invadiram o
corredor da escola. Matheus me olha sem entender. Vários alunos
comentavam algo entre si e riam, e o grupo de Brian fazia o mesmo.
— Ela realmente acreditou que eu tinha algum interesse nela
— Brian diz rindo aos colegas que o acompanham em gargalhadas.
— A Emma é uma boboca — um aluno comenta.
— Quem é Emma? — Matheus me pergunta, mas não obtém
resposta. Eu não conhecia nenhuma Emma.
— Matheus, eu vou ao banheiro — senti que deveria ir até lá,
algo estava errado. Se Emma estava sendo alvo de risadas,
provavelmente, teria se escondido no banheiro, e eu não estava
errada. Uma garota com o rosto vermelho de tanto chorar me olha
pelo espelho.
— Está esperando o quê para me ofender? — ela diz na
defensiva com olhar cheio de raiva. A porta do banheiro abre em
seguida e Rebecca entra preparada para provocá-la.
— Parabéns, Emma, por ganhar o prêmio Imbecil do Ano.
Você achou mesmo que o Brian Winters te daria bola? Ah, como
você é burrinha! Aproveita que está de frente para o espelho e
enxerga o quão patética você é! — ela debocha e sai do banheiro
aos risos.
— Você se envolveu com o Winters? — pergunto.
— A escola inteira está rindo da minha cara por causa disso e
você ainda pergunta? — ela chora e sinto a dor em sua expressão.
Em seguida, pego um pedaço de papel higiênico e ofereço, ela pega
de minhas mãos e não diz nada.
Brian tinha todas as características do garoto popular da
escola. Não era difícil de encontrar uma menina apaixonada por ele.
Atleta, alto e forte, dono de belos olhos verdes, sobrancelhas
marcantes, cabelos castanho claro bem cortado, postura ereta e
cheio de confiança. Por onde ele passava captava a atenção de
todos. Sem dúvidas, ele era o alvo de muitos olhares, exceto o meu.
Mas, de Emma, ele não tinha apenas o olhar, mas também o seu
coração.
— Você é de qual sala? — pergunto.
— 2º B.
— Eu sou do 2ºA — ela franze o cenho e já entendo o
motivo. — Sim, eu sou da mesma sala do Brian.
— O que você quer comigo? — ela entra no modo defensivo
novamente.
— Eu entrei aqui e te vi chorando… Olha, eu não sei o que
ele te fez, mas você claramente não está nada bem e eu não
conseguiria ignorar isso.
— Ele te mandou aqui para brincar com a minha cara, não
foi?
— Não! Eu não sou amiga do Brian e jamais faria isso —
defendo-me.
— Sei… — ela não acredita em mim. — Olha só, seja lá
como você se chama, eu não caio mais nessa, tá legal? O Brian se
apresentou como um cara perfeito, e você está se fazendo de
amiguinha. Qual é o próximo passo? Fingir amizade, arrancar algo
de mim e me ridicularizar ainda mais? Já não é suficiente o que
estão fazendo comigo? — ela sai do banheiro como um foguete e
fico sem reação.
No refeitório, durante o intervalo das aulas, observo as pessoas
ainda rindo de Emma. Não consegui localizá-la após a nossa
conversa. Uma coisa que eu aprendi durante a minha caminhada
cristã é levar comigo os seguintes questionamentos: “o que Jesus
faria nessa situação?” e “e se fosse comigo, como eu gostaria de
ser acolhida e tratada?”. Todavia, eu continuava sendo humana
como qualquer pessoa e sentia muita raiva pelo comportamento dos
meus colegas. Era um sentimento ruim, que eu não gostava de
sentir e era custoso lutar contra.
— Brian é tão escroto — Matheus comenta enquanto
tomávamos o nosso lanche da manhã.
— Beleza e dinheiro não são tudo na vida — comento.
— Você o acha bonito?
— Ele é bonito, Matheus, não tem como negar isso — ele
parece incomodado com a minha resposta. O foco muda por alguns
segundos quando Jake aparece como um furacão distribuindo
panfletos nos pedindo para fazer o mesmo. Curiosa para saber do
que se tratava, leio.
— Hum, tem jogo de Football semana que vem. Vamos
assistir? — convido Matheus.
— Para quê? Para você ver o Brian jogar e falar que ele é
bonito? Não, muito obrigado! — Matheus se levanta e sai furioso.
Confesso que fiquei chateada com a atitude dele. Os
sentimentos de Matheus por mim estavam vivos e eu tinha medo de
machucá-lo por isso. Poucos minutos para o sinal bater, decido ir
até o campo de Football e me sento na arquibancada por alguns
minutos para digerir o que havia acontecido. Eu gostava de fazer
isso, era um momento em que eu conversava com Deus em
pensamento. O campo estava vazio, mas a arquibancada contava
com algumas pessoas, o que não deixava um ambiente totalmente
silencioso como eu gostaria. Observo o céu, os pássaros, as
árvores. Tudo o que Deus criou é tão perfeito. Que esforço nós
fazemos para que o Sol nasça todos os dias? Começo a pensar na
grandiosidade de Deus. Fecho os olhos e encho os meus pulmões e
sinto o vento fresco bater em meu rosto. Ao abrir os olhos, vejo
Emma sozinha parada olhando para o campo. Apressadamente,
pego a minha mochila e vou até ela.
— Por favor, não fuja de mim! — ela me olha e o seu
semblante é triste, porém mais calmo que da última vez que a vi. —
Eu sinto muito por tudo isso que está acontecendo.
— O que você quer comigo? — a sua voz é quase inaudível.
— O meu nome é Sophie, sou do 2ºA, não sou amiga do
Brian nem do grupo dele. Entrei na escola esse ano e tenho apenas
um amigo, o Matheus. Eu te vi sozinha aqui, e eu estava sozinha lá
— aponto para arquibancada —, e achei que se ficássemos juntas
seria melhor — dou um sorriso amigável.
— Sophie, eu estou extremamente machucada e eu peço que
não me machuque mais porque eu não vou suportar — ao mesmo
tempo em que as palavras saem de sua boca, os seus olhos se
enchem de lágrimas.
— Emma, eu te dou a minha palavra que não estou te
enganando, e Deus sabe como eu estou sendo sincera. Eu não sei
o que aconteceu exatamente entre você e o Brian, mas eu sei que o
que ele está fazendo agora é muito errado.
— Você não viu o que aconteceu? — ela pergunta
envergonhada.
— Na verdade, não. Eu apenas escuto comentários
fragmentados.
— Ele… fingiu estar apaixonado por mim. Encheu-me de
esperanças, conversava comigo todos os dias, era um ótimo
ouvinte, bons nas palavras, fazia elogios certeiros e… eu comecei a
corresponder verdadeiramente um sentimento falso que era apenas
uma brincadeira entre eles. Eles armaram a maior cena em público
e me humilharam na frente de todos dizendo que o Brian e nenhum
outro garoto olharia para mim. Era tudo uma mentira, ou melhor,
uma brincadeira, como eles preferem chamar.
— Isso não é nenhuma brincadeira! Isso é errado! Emma,
eles não tinham o direito de te humilhar e te expor dessa maneira.
— Fala isso para eles! E ainda assim não adiantaria — ela
limpa os olhos na camiseta.
— Realmente não adiantaria. Você contou para diretora?
— Claro que não! A diretora é a maior fã do Brian. Com
certeza, eu passaria outra vergonha.
— Bom, mas você não pode ficar se escondendo deles para
sempre.
— Para você é fácil falar, não é você que está sendo exposta
— o seu tom muda.
— Eu não quis dizer dessa forma, desculpa se soou
insensível — apresso em dizer. — Eu só quero que saiba que se
você quiser, eu te ajudo.
— Como?
— Voltando a viver a sua vida normalmente. É ele que deve
sentir vergonha, não você. Vem! — estendo a mão. — Eu vou te
levar até a sua sala, daqui a pouco o sinal vai tocar — tento animá-
la, mas ela não se move.
— Melhor não. Se você andar comigo, será também o alvo
deles.
— Eu não ligo. Eu não fiz nada de errado assim como você
também não fez. Vamos? — insisto em gestos e ela me olha
desconfiada. Em pensamento, peço a Deus que me ajude. Emma
pega a sua mochila e me acompanha em passos lentos e inseguros.
— Por que está me ajudando, Sophie?
— Porque se eu estivesse no seu lugar, eu gostaria de ter
alguém ao meu lado. E se eu posso fazer isso por alguém, por que
não?
Ao entrarmos no refeitório, alguns olhares e comentários
surgem. As risadas não eram nada discretas. Se eu estava
constrangida, penso em como Emma se sentia ao ser o alvo
principal.
— Não olhe para eles, foque em nossa conversa — tento
distrai-la. — Você é daqui mesmo? Eu vim de outra cidade.
— Sim, eu sou bolsista. Eu estudava em uma escola pública
e tinha muita vontade de estudar aqui, eu só não imaginava que
viveria esse pesadelo.
— Que legal! Parabéns! — ignoro a parte do pesadelo.
— Ei, Emma — Rebecca chama, mas é ignorada.
— O que eu faço para não pular no pescoço dela?
— Eu também morro de vontade de fazer isso — digo
baixinho, e Emma sorri suavemente.
— Ei, Emma — um garoto que está sentando a mesa em que
passamos diz. — Você deveria agradecer o Brian por ter feito você
se sentir desejada uma vez na vida — ele ria ao dizer essas
palavras. A reação de Emma foi tão rápida que eu não consegui
fazer nada a não ser abrir a boca em choque. Ela virou na direção
do garoto e pegou um copo de suco que estava na mesa e jogou
todo o líquido em seu rosto. Revoltado e xingando com muitos
palavrões, o garoto se retira para se limpar. Em passos firmes e
ligeiros, Emma sai do refeitório, e eu corro para alcançá-la.
— Emma, espera!
— A minha vontade é fazer isso com o Brian, mas pior. Ah,
como eu queria jogar um copo de café bem quente para derreter
daquela cara nojenta!
— Não vale a pena, Emma. Um dia, a conta chega e o Brian
vai ter que pagar. A vida é assim.
— É o mínimo que ele merece! — as suas palavras eram
carregadas de raiva.
O sinal toca e me despeço de Emma convidando-a para se
juntar a mim e Matheus nos próximos dias, ela aceita ainda um
pouco insegura. Eu não a conhecia, mas sentia algo bom nela. Já
Brian tinha fama e não era nada boa. A quantidade de meninas que
se ele envolveu desde que eu entrei na BHS era grande. Eu sabia
como ele agia. Eu precisava ajudar Emma a superar aquele trauma,
e pensei que contaria com Matheus para isso, mas ele estava
estranho e mal conversava comigo após o seu ataque de ciúme.
— Bom final de semana! — é a única coisa que ele me diz
assim que o sinal toca na hora da saída.

Lucas 6:32
“Se vocês amarem apenas aqueles que os amam, que mérito
têm? Até os pecadores amam quem os ama.” (NVT).

No final de tarde daquele dia, eu fui conversar com a minha


discipuladora, a Sarah. Eu não sabia como agir em relação à Emma
e eu queria muito ajudá-la. Ela, então, começou a me aconselhar
com sabedoria. Ela me falava sobre amar Emma independente de
qualquer coisa. Onde há amor, há tudo. Amando-a eu conseguiria
ajudá-la, pois o que Emma menos estava sentindo era como ser
amada. E o mesmo eu deveria fazer com Brian. E isso me gerou
incomodo muito grande.
— Como eu posso amar uma pessoa como ele? —
questiono.
— Você não precisa gostar do Brian, mas precisa amá-lo.
— Ele não merece o meu amor, ele usa e machuca as
pessoas.
— Mas não é sobre ele, Sophie. É sobre Jesus. Ele te amou
primeiro sem você merecer com todos os seus pecados. E, você,
sendo um pequeno Cristo aqui na terra, deve olhar para ele com
amor e misericórdia como o Senhor faria e como Ele fez com você.
Jesus amou o mundo, mas escolheu apenas doze para estar junto
Dele. Ou seja, você não precisa ser amiga do Brian e tratá-lo como
se nada tivesse acontecido, mas reconhecer que você também é
pecadora e não é melhor do que ninguém. É só reconhecendo o
quanto somos falhos que conseguimos enxergar o outro com
misericórdia. Olhe para o seu passado e pense nisso. Se você amar
quem você acha que merece é muito fácil. O seu comportamento
não pode ser baseado no merecimento de alguém, mas Naquele
que habita em você — ouvir aquelas palavras de Sarah não foram
nada agradáveis, mas eu sabia que havia base Bíblica e, gostando
ou não, era o certo a ser feito. Digerir aquele aconselhamento
estava sendo um desafio. Brian estava me forçando colocar em
prática aquilo que eu dizia acreditar. O Evangelho estava me
confrontando novamente e não era nada confortável, mas se
precisava ser feito. Eu sabia que era para o bem, ainda que não
parecesse. A raiva pelo comportamento dos meus colegas não pode
criar raízes dentro de mim. Eu preciso amá-los. Isso não é uma
sugestão, é um mandamento. Deus, como isso é difícil! Com a
minha Bíblia em mãos, caminho de volta para casa. Com a mente
distraída, passo em frente a um barzinho sem reparar no grupo de
pessoas que estava sentado a mesa beirando a calçada. O inimigo
é sujo e não perde a oportunidade de nos fazer ir contra o que Deus
e nos desestabilizar. Eis aqui a prova:
— Sophie! — a voz familiar me desperta para aquele
momento. — Você gostaria de se juntar a nós? — Rebecca com os
seus olhos azuis acinzentados e fuzilantes me convida. Jake e Eric
estão com ela.
— Não, obrigada. Eu preciso ir.
— O que é isso aqui? — em um pulo repentino, Jake arranca
a Bíblia de minhas mãos.
— Devolve, Jake! — digo brava.
— Você lê isso? — ele desdenha e folheia até parar na última
página onde estava escrito uma adoração. Cada linha era lida aos
risos e os outros acompanham com altas gargalhadas.

Antes que eu viesse ao mundo, Ele sonhou comigo.


Soprou vida em mim e me amou até o fim,
morrendo só para me salvar.
Em meio a dor, não desistiu de mim.
Por minha causa, deixou as 99.
Ele me vê, Ele me ouve, Ele me dá valor.
Ele me ama como ninguém é capaz de amar.
Ele acalma a minha alma em meio à tempestade.
Criou em mim uma nova identidade.
Maranata, eu estou te esperando.
Enquanto isso, eu sigo te adorando até te encontrar.

Ele fecha a Bíblia e a joga para mim como se fosse um saco


de lixo e isso me dói profundamente.
— Eu não vejo a hora de poder caçar vocês, cristãos idiotas!
Cai fora daqui, crentola! — Jake se esparrama na cadeira, cruza os
braços e me encara sem piscar. Olho para cada um deles que
retribuem com desprezo. Viro-me abruptamente dando de encontro
com Brian. Se ele não tivesse me segurado pelos braços,
provavelmente, eu teria caído sentada no chão, o que seria mais um
motivo de risadas.
— Não tem só você na rua, olhe por onde anda — ele diz
impaciente.
— Mano, dá uma olhada no que a Sophanática está lendo —
Jake sugere e Brian leva o olhar até minhas mãos e “Bíblia
Sagrada” está escrito na capa.
— Que ridícula! — ele desdém e balança a cabeça em
reprovação. — Vamos jogar bilhar lá dentro? — todos se levantam
após o convite e entram no estabelecimento. Sozinha e me sentindo
péssima, caminho de volta para casa com o coração apertado. Se o
meu problema com os meus colegas de sala fosse a única coisa
difícil para eu lidar aquele dia estava de bom tamanho, mas não. Eu
tinha que lidar com a minha mãe também, que falava de forma
grosseira no celular assim que abro a porta. De um lado para o
outro na sala de estar, ela transborda mau humor. O que mais
poderia me acontecer?
— Eu já disse que eu quero que remarque a reunião para
amanhã à tarde! — ela bufa desligando a ligação e se volta para
mim. — Todos são uns incompetentes! É melhor você ir se
acostumando e aprender a ser firme quando for advogada para que
ninguém pise na sua cabeça. Eu não tenho um minuto de paz! — as
suas palavras são frias e duras. Esse era o relacionamento que eu
tinha com a minha mãe: ouvir reclamações do seu trabalho,
exigências sobre o meu futuro e zero interesse sobre a minha vida
pessoal. — Eu preciso esfriar a cabeça — ela segue em direção às
escadas. Observo-a e levo um pequeno susto ao sentir o meu
celular vibrar dentro da bolsa. O nome de Matheus aparece na tela.
Atendo-o.
— Liguei para me desculpar pela maneira que eu agi na
escola — ele diz.
— Tudo bem, Matheus. Eu não quero brigar com você por
causa do Brian. E eu acho que seria certo se ajudássemos a Emma
a passar por esse momento. Eu conversei com ela e a convidei para
passar o intervalo com a gente.
— Sério? Ela não vai ficar falando dele, né? — ele pergunta
desanimado.
— Talvez ela fale por um tempo. É muito recente, Matheus,
ela tem sofrido muito.
— É que… Bom, eu gosto de sermos uma dupla — ele diz e
o silêncio surge. Eu não encontro palavras para aquilo, mas tive a
certeza que mais alguém conosco seria algo bom.
— Vai ser bom para Emma, ela precisa.
— Ela não tem amigas na sala dela?
— Ela está há pouco tempo na escola — disfarço a
impaciência e corto a conversa ao sentir um cheiro de perfume. —
Matheus, eu preciso desligar. Despeço-me dele e sigo o cheiro forte
que me leva até o quarto de minha mãe. A sua fragrância importada
invade cada canto da casa. Assim que adentro em seu quarto a vejo
calçando as suas sandálias pretas de salto alto que combinavam
com o seu vestido preto justo e decotado. Os seus cabelos loiros
escovados e as joias traziam mais beleza para o seu rosto.
— Vai sair?
— Não, Sophie, eu estou me arrumando para ir dormir. Não
faça perguntas tolas — o seu tom é calmo, mas grosseiro como
sempre.
— Achei que você ficaria em casa hoje — digo. Ela me olha e
sorri levemente com os lábios, caminha em minha direção e as suas
mãos acariciam o meu cabelo.
— Eu trabalhei demais, eu preciso relaxar. Amanhã
conversamos mais, está bem? — ela beija a minha testa, limpa a
marca do batom vermelho que depositou em mim e se afasta. —
Como estou? — um sorriso escancara em seu rosto e exibe o
vestido ao dar uma voltinha.
— Está linda! — digo mesmo achando uma vestimenta vulgar
ao meu gosto. — Vai a uma festa?
— Para um bar com um amigo.
— O meu pai sabe disso? — pergunto sorrindo para não criar
um clima.
— Você sabe que o nosso casamento é aberto, Sophie.
— Eu sei — digo com tristeza. — Eu acho que nunca vou me
acostumar com isso.
— O casamento é meu e do seu pai, o que você acha não
interfere em nada — ela diz com um sorriso nervoso. — Durma
cedo, está bem? Amanhã você tem aula — ela diz, apanha a sua
bolsa e sai para a sua noite.
Eu orava a Deus por uma oportunidade de saber como é
viver em uma verdadeira família, pois eu não sabia o que era de fato
estar em uma. A minha mãe passava horas dedicadas ao trabalho,
descanso e noitadas, e, muitas vezes, dormia fora. Quando
coincidia dos meus pais estarem em casa, eles discutem boa parte
do tempo ou ficavam em silêncio. Às vezes, eu diria, raramente, em
alguns de nossos jantares, assuntos relacionados à escola
apareciam, mas logo se encerravam. Era como se eles precisassem
perguntar por ser algo que a maioria dos pais fazem, mas não
porque eles estavam realmente interessados. Em um dos nossos
raros jantares, os meus pais tocaram no assunto da faculdade e
compartilharam os planos que eles tinham para mim.
— Eu estou pensando em um curso na área da saúde —
digo.
— Medicina! — a minha mãe se empolga e o meu pai parece
considerar, mas se mantém calado.
— Na verdade, eu penso em Fisioterapia.
— Está brincando, né? — ele diz por fim, e nego.
— Fisioterapia é uma profissão incrível! — defendo. — Muitas
pessoas, por inúmeros motivos, ficam impossibilitadas de se
movimentar e com auxílio de um fisioterapeuta conseguem ter
sucesso na recuperação e retomar a vida. Sem contar a prevenção
que…
— É realmente lindo, Sophie — ele me interrompe —, mas
vamos voltar para a realidade. Você tem duas opções cabíveis:
Direito ou Medicina — o meu pai negocia.
— Fisioterapia! — insisto. Ele se irrita e bate com a mão
fechada na mesa.
— Vamos ver… — ele cruza os braços — Ganha pouco, é
uma profissão desvalorizada e trabalha passando uma sequência de
exercícios repetitivos e massagens que não servem para nada a
não ser para roubar nosso tempo e o nosso dinheiro. Até eu posso
ser fisioterapeuta — ele debocha.
— Como assim não serve para nada? Pai, essa é uma
profissão muito necessária e requer muito estudo! Você se lembra
daquele seu amigo que sofreu um acidente e perdeu os movimentos
da mão? Ele se recuperou através da Fisioterapia — argumento
amigavelmente.
— Belíssimo, Sophie, mas para os outros, não para você —
ele diz com aspereza.
— Você tem mais um ano para decidir, Sophie. Vamos
esperar até o vestibular, está bem? — concordo com a minha mãe
para conseguir jantar em paz.
Eu me apaixonei pela profissão e queria muito fazer parte
disso, mas não sabia se conseguiria pela falta de apoio dos meus
pais. Eu ansiava em ver um paciente se recuperar e vibrar a cada
conquista que ele tivesse no tratamento e na vida. Eu não sei se eu
serei a melhor fisioterapeuta, mas eu farei o meu melhor, com
certeza! Esse desejo ardia em meu coração, eu sentia que era plano
de Deus para a minha vida.

Novembro
Com o passar dos meses, Emma e Matheus foram se
conhecendo. Para minha surpresa, eles se deram bem logo de cara
quando descobriram um gosto em comum: Harry Potter. De lá para
cá, a amizade foi se fortalecendo. Os dois foram capazes de me
deixar estudando sozinha a matéria que eu mais temia para ir a um
evento de Harry Potter em uma tarde de terça-feira de novembro,
na última semana de provas. No entanto, o que aconteceu naquela
tarde quase rendeu uma briga entre mim e Emma.
Por ser semana de provas, a biblioteca estava cheia. Por
sorte, dois alunos desocuparam uma mesa assim que cheguei. Ali,
eu comecei a estudar um terror chamado Matemática. A minha
atenção estava voltada ao meu caderno com a folha gasta de tanto
escrever e apagar. Os resíduos de borracha eram bastante visíveis
em cima da mesa e, provavelmente, também era possível ver
fumaça saindo pela minha cabeça enquanto eu queimava os meus
neurônios. E foi quando eu ganhei uma companhia.
— Para qual prova? — aquela voz me tira da imersão nos
números. Brian se senta na cadeira vazia a minha frente.
— Matemática — respondo.
— Isso ajuda? — Brian me mostra o livro que a professora
recomendou, mas estava esgotado. — Você é péssima em
Matemática, não é?
— Está tão na cara? — pergunto de forma descontraída, ele
ri.
— Dá para ver a sua raiva de longe apagando o caderno —
fico sem graça e ele logo estende o livro em minha direção. — Pode
ficar com ele, eu tenho facilidade com os números.
— Obrigada — aceito por medo de reprovar.
— Você se incomoda de dividir a mesa comigo? A biblioteca
está cheia hoje.
— Não — dou de ombro e volto a minha atenção ao meu
caderno. Como poderia recusar dividir a mesa com ele depois de
me emprestar o livro?
Minutos depois, consultando o livro, bufo de raiva e apago a
conta que fiz pela milésima vez. Brian me olha com um sorriso
debochado.
— Com qual exercício você está brigando?
— Da questão 5 — ele abre o seu caderno em busca de
entender o problema.
— É sério? — ele debocha novamente.
— É impossível! — bufo. — Todas as alternativas do
exercício não batem com o meu resultado. Com certeza esse livro
está errado! — ele ri com o meu desespero.
— É simples! Presta atenção — ele abaixa a voz, explica o
problema e me ensina a como resolvê-lo. Aos poucos e lentamente,
eu vou entendendo. A paciência de Brian me surpreendeu, e para
me ensinar Matemática precisava de muita, muita mesmo.
— Viu? Isso não vale a sua raiva, deixe-a para usar comigo
— ele pisca.
— Obrigada pela ajuda — digo secamente. Fecho o caderno
e devolvo o livro depois de longos minutos exaustivos para o meu
cérebro.
— A prova é depois de amanhã, pode ficar com ele, eu não
vou usar. Na quinta-feira, você me devolve. E se precisar de ajuda…
— ele oferece. Eu estava receosa pela gentileza dele e me
questionando se deveria ter aceitado o livro. Mas, era isso ou um
enorme zero escrito em vermelho no topo da folha da minha prova.
Na quinta-feira, procuro por Brian e o vejo em seu armário.
Com o livro em mãos, aproximo-me. De longe, era possível sentir o
seu perfume misturado ao cheiro de banho tomado pela manhã.
— Brian? — chamo-o. Ele me olha rapidamente e logo volta
os olhos para os livros que estava organizando no armário sem
dizer nada. — Eu vim devolver o livro de Matemática. Obrigada,
realmente ajudou muito! Estou positiva quanto à prova — ele retorna
o olhar para mim e pega o livro de minha mão, fecha o armário e sai
em silêncio em direção à biblioteca. Fico parada processando, mas
desisto. É impossível entender os homens ainda mais Brian Winters.
Emma, subitamente, para ao meu lado com os braços cruzados
carregando uma expressão aborrecida.
— O que aconteceu, Emma?
— O que aconteceu? Eu que te pergunto! O que você estava
falando com o Brian?
— Como é?
— Eu vi vocês dois conversando.
— Aquilo não foi uma conversa, eu te garanto.
— O que você falou com ele? — Emma insiste e eu respiro
fundo.
— Ele me emprestou um livro para a prova de Matemática e
eu estava devolvendo.
— Por que ele te emprestou o livro dele? Por que você não
tem o seu? — eu conseguia perceber que Emma segurava sua
irritação para não ser grossa comigo.
— Ontem eu fui à biblioteca para estudar e ele estava lá. Nós
estávamos dividindo a mesa por não ter mais lugares disponíveis, e,
então, ele me emprestou o livro que eu tentei pegar, mas estava
esgotado — explico detalhadamente.
— Vocês estudaram juntinhos, foi?
— Emma, para com isso! Você está criando algo que não
existe. Nós somos da mesma sala, temos as mesmas matérias e
provas, só isso.
— Ele deu em cima de você?
— Não!
— Você disse que vocês não são amigos.
— E não somos! Mas isso não significa que eu vou ignorá-lo.
Emma, eu odeio o que o Brian fez com você! Eu não quero a
amizade dele e nenhum tipo de proximidade. Nós apenas
conversamos como colegas de sala sobre a prova, só isso.
— É assim que ele age. No começo, ele é gentil, amigo,
educado, um príncipe. E depois que te ganha…
— Eu sei! — corto Emma. — Ele só me emprestou o livro
porque ele é bom com números, ele mesmo disse isso.
— Para prova de matemática até pode ser, mas aposto que
ele já perdeu as contas de quantas meninas ele já saiu.
— Emma, isso não me interessa. Eu realmente não dou a
mínima para o Brian. Nós podemos ficar aqui logo cedo discutindo
sobre ele ou simplesmente mudar o foco para algo mais
interessante.
— Desculpa! Eu fiquei com ciúmes de imaginar vocês dois
juntos.
— Credo, Emma! — rimos.
— Vamos deixar esse babaca para lá — Emma engancha no
meu braço e me leva até a sala de aula. — Boa prova! — ela
deseja. — E que ele tire um zero bem redondo!
A nota da prova saiu uma semana depois e a minha não tinha
sido das melhores, mas eu estava na média e passei de semestre
raspando. Valeu a pena correr risco, o livro realmente havia me
ajudado.

Dezembro
Como num piscar de olhos, estávamos em dezembro. Todo o
nosso foco já não pertencia mais as provas finais, mas à festa de
encerramento do ano que estava prestes a acontecer. A mesma
festa em que Brian me defendeu. O meu vestido azul acero de poá
em tecido tule caía perfeitamente no meu corpo. A sandália de salto
alto e a bolsa preta davam um toque especial. Com os cabelos
soltos e maquiagem leve, ajeito-me para ir ao encontro de Emma na
porta movimentada da escola. Ela estava com o seu vestido preto e
branco, cabelos preso em um penteado trançado e sua maquiagem
era marcante. Depois de muitos elogios uma sobre a outra, Matheus
chega para a sua vez.
— Olha o Matheus, que gato! — Emma ajeita a sua gravata e
alisa o seu paletó. Ele estava muito bonito, ela tinha toda razão.
Emma engancha o seu braço no dele e eu faço o mesmo do outro
lado, e entramos na escola seguindo em direção ao som alto que
vinha da quadra. Enquanto Emma falava com empolgação sobre um
filme que havia assistido, os meus olhos e os de Matheus se
encontraram diversas vezes. Eu tinha um sentimento por ele que eu
não sabia nomear. A nossa amizade era maravilhosa, mas nossas
ideias e valores de vida divergiam muito. Mas, naquela noite, o meu
coração bateu mais forte, estava difícil ignorar aquele sentimento e
aquela vontade de estar perto dele. Eu não sabia se era a
empolgação do momento ou pela vestimenta dele, ou por eu ter
fingido muito bem que não havia sentimentos por ele durante todo o
ano e hoje eles vieram à tona. O que estava acontecendo comigo
aquela noite? Eu havia perdido o juízo? Será que o ambiente, a
música e momento estavam me influenciando ao que eu não
deveria sentir?
— Você quer dançar? — ele me convida assim que Emma
encerra a sua resenha crítica do filme.
— Eu vou dar uma voltinha — ela me deixa a sós com ele. Eu
pego em sua mão estendida e seguimos em direção à pista de
dança. Ao som de Jackson Browne cantando Sky Blue and Black,
Matheus envolve os braços em minha cintura. Os seus olhos azuis
fixam os meus. Se a música não estivesse alta o suficiente, correria
o risco das batidas aceleradas do meu coração serem ouvidas. Os
meus olhos estavam hipnotizados nos de Matheus. Ele estava tão
bonito aquela noite. A música estava perfeita. Tudo parou de existir
ao nosso redor.
— Se o céu estiver azul ou cinzento eu estarei com você.
Basta você me chamar, Sophie — ele faz referência à música.
— Essa música é linda!
— E ela deixa esse momento ainda mais perfeito — sorrio
com as suas palavras.
Aqueles seis minutos foram intensos, mas, no final, o meu
olhar se desviou de Matheus e foi em direção a Emma que estava
sentada olhando Brian dançar aos beijos e abraços com uma
garota. Sinto o incômodo e a tristeza nos olhos dela. Matheus e eu
deixamos a pista de dança e nos sentamos ao seu lado.
— Você ainda tem sentimentos por ele? — pergunto
abraçando-a.
— Eu achava que ele era uma cara legal, só isso — ela dá de
ombros. — Eu achava que eu tinha encontrado o amor da minha
vida e que um dia estaríamos juntos daqui uns anos relembrando o
ensino médio.
— Por que as meninas imaginam um futuro tão distante? Se
vocês vivessem mais o presente sofreriam menos.
— A culpa é minha, Matheus? É isso que você está dizendo?
— ela se irrita.
— Não, Emma! Eu estou dizendo que você tem que ir com
calma. Você conheceu o Brian e dias depois você já tinha planejado
um futuro todo com ele. Aposto que você imaginou até o nome do
filho de vocês.
— Claro que não! — Emma gagueja. — Eu só acho Noah e
Liah nomes muito bonitos — entreolhamo-nos e rimos juntos. — Por
que somos assim, Sophie? Não é fácil ser mulher! — ela apoia a
cabeça nas mãos. — Coitadinha daquela menina, vai ser tão trouxa
como eu fui.
A festa durou cerca de cinco horas encerrando-se a meia
noite. Emma foi para casa de carona com uma colega de sala e
Matheus fez questão de me acompanhar até a minha. Aceitei devido
ao que ocorreu no corredor com os alunos da Parker aquela noite.
Assim que nós chegamos, eu o convidei para entrar esperando que
ele recusasse devido ao horário, mas ele aceitou de imediato. E foi
aí que começou o meu arrependimento.
— Obrigada por me acompanhar — digo enquanto caminho
pela sala.
— Eu precisava me certificar que você chegaria bem — ele
diz se aproximando de mim. — Vou sentir sua falta nas férias. Não
acredito que não vou te ver todos os dias até fevereiro.
— Você não vai viajar nem eu, então, nós podemos nos ver
— digo sorrindo aparentemente bastante nervosa com a presença
dele.
— É o que eu mais quero — ele diz e dá alguns passos, para
diante de mim. — Eu estou indo, então.
— Tá bom. Boa noite!
— Boa noite! — ele diz e se aproxima. O beijo suave em
minha bochecha causa um arrepio por todo o meu corpo. Logo
depois, Matheus olha para a minha boca, e eu faço o mesmo. Dessa
vez, sem música para disfarçar o meu coração que pulava dentro do
peito. Ele chegava cada vez mais perto e eu era capaz de sentir a
sua respiração.
— Sophie… — ele sussurra e sinto o meu corpo tremer. O
seu dedo polegar desliza sobre os meus lábios e, imediatamente,
fecho os olhos e sinto os seus lábios tocarem os meus. Retribuo o
beijo sentindo muito forte em meu coração que deveria interromper
aquele momento, pois certamente me arrependeria. Eu, porém,
esqueço-me de tudo, apenas me entrego àquele desejo até a culpa
invadir o meu coração. Volto a raciocinar e afasto-me de Matheus o
mais rápido que posso.
— Vai embora, por favor — peço sem conseguir olhá-lo.
— Mas, por quê?
— Isso não deveria ter acontecido. Vai embora, Matheus, por
favor — peço novamente. Ele, confuso e sem entender, atende o
meu pedido.
O passado invadiu o meu peito e gerou um vazio imenso
dentro do meu coração. Eu conseguia ouvir vozes que diziam o
quanto eu era nojenta, impura e uma vergonha. Imagens que
haviam sido apagadas da minha memória voltaram com força. Com
esperanças de que aquele beijo saísse o mais rápido possível da
minha memória, tento dormir molhando o travesseiro com as minhas
lágrimas.
As quatro horas mal dormidas chegaram ao fim quando o
despertador tocou. Sem ânimo, eu fui em direção à cozinha para
tomar um café preto, puro e forte. A minha mãe, que estava lendo
jornal, parou e me olhou com um sorriso curioso.
— Bom dia! Como foi a festa? — ela demonstrava bom
humor.
— Foi boa — respondo sem vontade.
— Tão boa que estendeu para cá? — ela diz sugando toda a
minha atenção. — Você se cuidou, né? Não vai arrumar filho aos
dezesseis anos!
— Não aconteceu nada, mãe.
— Engane-me que eu gosto! — ela ri. Coloco café em minha
caneca com o rosto ardendo de vergonha. Nada do que ela estava
pensando tinha acontecido, e mesmo que eu repetisse isso, ela não
acreditaria em mim. Ela viu a intensidade do nosso beijo e sabia do
meu passado.
— Você tem que aproveitar mesmo — ela continua. — Você é
jovem e bonita. Aposto que tem muitos meninos morrendo de
amores por você. Eu não ligo de você trazer os meninos para cá,
viu? Ah, e, por favor, traz uns meninos bonitos, e não igual aquele
seu namorado do ano passado que parecia um bandido — a voz da
minha mãe fazia a minha cabeça formigar. Eu não tinha forças para
dizer uma palavra sequer para as coisas que ela me dizia. Em meio
a mais um de seus conselhos desastrosos, o telefone toca me
salvando daquele constrangimento. Subo para o meu quarto e
tranco a porta, eu precisava ficar sozinha. Eu precisava daquele
espaço.
No domingo, eu estava no culto precisando mais e mais de
Deus ainda que a minha vontade fosse me afastar por tamanha
vergonha que eu sentia diante Dele. Mas, eu me lembrei do que a
minha discipuladora sempre diz: quanto menos vontade de estar
com Deus é a hora que mais devemos buscá-lo; e foi exatamente o
que eu fiz. Eu precisava de perdão e de recomeço. E esse
recomeço aconteceu às dez e meia da manhã quando eu fui à casa
de Matheus após sair da igreja. Eu precisava conversar com ele
sobre o que havia acontecido. O meu coração dispara assim que ele
abre a porta.
— Oi — ele abre um sorriso. — Eu já estava ficando
agoniado de esperar.
— Nós podemos conversar? — digo sem esboçar uma
alegria sequer. Matheus me convida para entrar e seguimos para
um espaço reservado. Os seus pais estavam em outro cômodo e
não tive chance de cumprimentá-los, o que de certa forma foi bom,
eu não sabia que rumo aquela conversa tomaria. Quando nos
acomodamos no sofá da varanda de seu quintal, nos encaramos por
alguns segundos. Tomo coragem e procuro as palavras certas para
dizer sem enrolação.
— O que aconteceu entre nós… foi um erro e não vai mais
acontecer. E eu vim me desculpar se isso gerou algum tipo de
esperanças, não foi a minha intenção.
— Eu não entendo. Por que foi um erro? A gente se gosta!
Pelo menos foi o que eu senti. Você não corresponderia aquele beijo
se não gostasse de mim, certo? — sinto o meu rosto queimar.
— Isso não importa! — retruco.
— Importa, sim! — ele protesta. — O que nos impede de
viver o que sentimos um pelo outro?
— Tudo! — digo e consigo visualizar os pontos de
interrogação na expressão de Matheus. Já não estávamos mais
conversando, mas, discutindo. — Nós somos diferentes. Nós temos
propósitos diferentes, fé diferente, sonhos diferentes, planos
diferentes e opiniões diferentes sobre assuntos muito importantes
para mim.
— Nós também temos muita coisa em comum.
— O quê? Música? Filme? Comida? Isso são coisas
superficiais.
— Nós temos uma amizade incrível!
— E nós devemos continuar assim — insisto. — Apenas
amigos.
— Olha, Sophie, se você está esperando por alguém que vai
ser parecido com você em tudo, você não vai encontrar. Eu sinto
muito em te informar.
— Eu sei! E não é por isso que eu espero.
— Ah sim, você espera um cara da igreja. Você acha que
quem está lá dentro é melhor do que eu?
— Não, e você também não é melhor do que ninguém.
Matheus, eu não espero que você me entenda, mas eu espero que
respeite a minha decisão.
— Você quer que eu vá à igreja com você, é isso? Tudo bem,
eu vou com você. Esse é o seu requisito? — sinto irritação em sua
voz.
— Não! Eu não quero isso! Eu quero alguém que queira ir por
Cristo e não por minha causa, esse é o meu requisito. E uma
pessoa não se torna cristã por ir à igreja, Matheus. E por mais que…
— Tá bom — ele interrompe. — Você não precisa pregar
para mim — o clima fica desconfortável entre nós.
— Eu vou embora — decido antes que a situação piore.
Levanto e caminho até a porta da varanda, mas cesso os meus
passos quando Matheus me chama.
— Como será daqui para frente? — ele pergunta, viro-me
para ele.
— Eu não gostaria de perder a sua amizade, mas eu
entenderia se isso acontecesse. Vamos deixar o tempo acalmar
tudo isso entre nós.
— Por quanto tempo?
— Por muito tempo — digo com firmeza. — Pelo menos por
todos os dias das férias.
— E quando voltar às aulas nós fingiremos que nada
aconteceu?
— Se ainda quiser a minha amizade, sim. — digo por fim. Ele
balança a cabeça concordando e não diz mais nada. Retiro-me e
caminho o mais rápido possível para fora da casa de Matheus para
evitar o encontro com os seus pais. A dor que eu sentia era tanta
que não conseguiria segurar a vontade de desabar por muito tempo.
Eu sabia que não seria tão simples. Eu amava a companhia de
Matheus. E por mais sentimento que eu tivesse por ele, eu sabia
muito bem o que eu queria e, principalmente, o que eu não queria
para a minha vida. Ainda que ficar longe de Matheus fosse difícil,
era a melhor decisão. Eu não poderia colocar em risco a nova vida
que Deus me deu e voltar ao meu passado. Eu sei de onde Jesus
me tirou e do que Ele já me perdoou. Matheus nunca entenderia,
mas eu entendia muito bem onde eu me afundaria se eu pulasse de
cabeça nesse mar de pecado que eu já experimentei. Eu andei na
beirada e quase caí.

25 de Dezembro
O meu aniversário e o Natal chegaram. Ou melhor, os dois ao
mesmo tempo. Eu sempre amei o Natal. Era uma época
encantadora aos meus olhos. Em minhas orações, por diversas
vezes, eu pedia a Deus para me dar a oportunidade de viver esses
momentos com a família que eu sonho em formar um dia. Eu
sempre gostei dos comerciais de televisão com a casa cheia e todos
sentados à mesa em família durante a ceia. Por enquanto, a minha
realidade era baseada em casa cheia de colegas dos meus pais que
eu não conhecia, músicas com letras depreciativa e bebedeira. Os
filhos dos colegas dos meus pais eram extremamente arrogantes e
não esboçam um sorriso convidativo para iniciar uma amizade.
Sendo assim, todas as minhas tentativas de me enturmar foram
fracassadas. Eu passava o tempo todo mexendo no celular
agradecendo pelos “Parabéns”, afinal, também era o meu
aniversário. Eu nasci na madrugada do dia 25 de dezembro e,
adivinha, eu nunca tive uma festa. E nunca ouvi comentários como
“você foi o presente da noite” porque eu não fui. A minha mãe,
inclusive, seria a primeira a discordar disso. Ela sempre reclama por
eu ter nascido nesse dia e interrompido a festança de final de ano
como se eu tivesse culpa. Desde o nascimento, sinto que estrago
todos os planos dela. Em alguns aniversários, ela estava tão focada
na organização da casa para receber os seus amigos que se
esquecia de me parabenizar. Com o tempo, eu acostumei a não
esperar mais por isso.
Além de tudo isso, eu também precisava lidar com a insistência
da minha mãe em me jogar constantemente para cima de algum
garoto. E, dessa vez, o escolhido era o Brian. Ela era especialista
em fazer comentários bem desagradáveis sobre isso. O ano
mudava, mas ela continuava a mesma pessoa.

O Último Ano do Ensino Médio


Em fevereiro, as aulas do terceiro e último ano do ensino
médio estavam prestes a começar. Eu queria voltar a ter uma rotina
mais agitada e ocupar a minha mente, principalmente depois do
ocorrido com o Matheus. Enquanto ajeitava o meu material, a minha
mãe entra em meu quarto com o jornal em mãos e o entrega para
mim.
— Esse garoto não estuda com você? — ela indaga.
— Sim, é o Brian Winters — devolvo-lhe sem interesse em ler
a matéria.
— Ele deu uma entrevista para o jornal de esportes. Aqui diz
que ele é um excelente jogador e ganha bastante destaque no time
da escola.
— Ele realmente joga muito bem.
— Você assiste aos jogos da escola?
— Sim, eu gosto de Football. Os melhores jogos são contra a
escola Parker, eles são os nossos rivais. Todos os alunos ficam
unidos nesse jogo. Nós conseguimos até esquecer tudo o que
acontece fora do campo, viramos uma grande família.
— Igual na Copa do Mundo?
— Quase isso. No dia do jogo contra a Parker, nós vestimos
a camiseta do time, pintamos o rosto e usamos pompons de torcida
— conto detalhadamente para a minha mãe que me escuta sorrindo,
o meu coração se aquece com aquele momento.
— E você é amiga do jogador?
— Do Brian? — balanço a cabeça negativamente. — Nós
somos da mesma sala, mas não somos próximos.
— Mas, vocês nem conversam? — ela parece interessada.
— Não — dou de ombros. — Nós já trocamos algumas
palavras sobre provas e atividades durante as aulas, mas nunca
conversamos de verdade. Por que a pergunta?
— Por nada… — ela disfarça. — Eu apenas achei que vocês
poderiam, sei lá, serem amigos ou… um pouco mais — captei
aonde ela queria chegar com aquela conversa. — Ele pertence a
uma boa família e à mesma classe social. Ele é um jogador com um
futuro brilhante. Também é alto, forte e muito bonito — ela enfatiza o
último elogio.
— Ele também é bastante arrogante, mulherengo e eu não
tenho interesse algum nele.
— Como você é boba, Sophie! Eu já teria me jogado em cima
dele.
— Mãe! — repreendo-a. — Ele tem idade para ser o seu filho.
— Mas não é! E eu sou bastante jovem — ela brinca, reviro
os olhos e ela ri. — Eu estou brincando, Sophie! Você não sabe
brincar? O Brian é, realmente, uma criança, não tem cabimento.
Mas, se eu fosse você, eu o olharia com outros olhos. Ele é uma
gracinha! — ela mostra a foto dele novamente para mim. Ela
gostava de me deixar constrangida. Eu sabia que ela falava na
brincadeira, mas era horrível de ouvir. E o pior é que ela sabia que o
Brian não prestava e me empurrava para ele. Isso chegava a me
doer. Ou eu poderia considerar que na visão dela esse tipo de
envolvimento é diversão. Ela gosta dessa liberdade no casamento,
então, porque não incentivaria a filha fazer isso na sua solteirice e
juventude? Na opinião dela, isso é um bom conselho, mas não
servia para mim. Apesar do assunto, eu amei aquele momento com
a minha mãe. Fazia muito tempo que eu não a via sorrindo e
conversando comigo como se fossemos amigas. No entanto, eu
sabia que aquele bom humor era passageiro e ela voltaria ao
trabalho no dia seguinte e começaria a se estressar como sempre.

O Primeiro Dia de Aula


Era segunda-feira, sete horas da manhã de fevereiro e o
Sol estava brilhando forte logo cedo no primeiro dia de aula. Na
entrada da escola, os alunos estavam falantes se abraçando e
rindo, aquele som típico de escola me animou. Assim que entrei no
corredor em direção ao meu armário, a diretora Alessandra me
chamou.
— Sophie, querida! Bem-vinda ao terceiro e último ano do
ensino médio! Tudo bem com você? Eu espero que sim! Você
poderia passar na minha sala agora? Gostaria de pedir um favor a
você. Obrigada! — ela diz cada palavra com rapidez acompanhada
de uma dicção perfeita sem me dar a chance de falar uma única
palavra, mas faço o que me pediu.
Ao entrar na sala de espera de Alessandra, vejo Brian, que
também aguardava a diretora. O seu olhar sonolento me atinge.
Dou-lhe bom dia e me acomodo na cadeira ao seu lado. Ele
corresponde sem vontade. Ali, ficamos em um silêncio
desconfortável por aproximadamente dez minutos. Ele cruza os
braços e exala impaciência.
— Desculpa fazê-los esperar — Alessandra entra fazendo
barulho de salto alto no piso amadeirado. — Brian, querido, você se
importa se eu falar com Sophie primeiro?
— Não, sem problemas. Leve o tempo que quiser — ele diz
com uma leve ironia, mas Alessandra não percebe. Ele estava com
um humor duvidoso e aparentando não ter dormido bem à noite.
— Um cavalheiro como sempre! — ela o elogia e gesticula
para que eu entre em sua sala. — Vamos, minha querida? — o seu
sorriso escancarado era bastante forçado e me causava dor nas
bochechas apenas por olhá-lo. Alessandra fecha a porta de sua sala
e me convida para sentar. Ela se ajeita na cadeira, bebe um gole de
água e liga o computador. Alessandra era tão agitada que me
causava desconforto.
— Eu quero parabenizar o Brian pela entrevista no jornal,
você viu? Representou BHS muito bem! — agora ela tomava um
gole de café.
— Eu soube — digo sem jeito.
— Mas, obviamente, eu não a chamei aqui para falar sobre
isso. Sophie, eu gostaria de pedir para receber a nova aluna. Ela se
chama Evelyn e está vindo de outra cidade. Você poderia levá-la
para fazer um tour pela escola e lhe fazer companhia no intervalo
das aulas?
— Claro!
— Ela estará na sua sala, e eu achei que não teria ninguém
melhor do que você para fazer isso. Você é muito educada e meiga,
recepcionaria qualquer pessoa muito bem.
— Obrigada, diretora! — aquelas palavras me deixaram feliz,
eu não esperava por aquilo.
— Eu vou te mostrar a foto dela caso você a veja pelo
corredor. Se não, vocês vão se encontrar na sala de aula — ela
mostra a foto de uma menina linda de pele negra, sorriso largo e
cabelos cacheados. Digo com firmeza que faria aquele favor da
melhor maneira que eu pudesse. Ela agradece com alegria e me
dispensa pedindo para que eu diga a Brian para que ele entre em
sua sala em seguida. Assim que saio, Brian está com a cabeça
inclinada para trás encostada na parede com os olhos fechados,
com certeza, recuperando-se de alguma noitada.
— Brian? — chamo-o, e logo ele abre os olhos bastante
cansados. — A Alessandra está te esperando — digo. Ele se
levanta, pega a mochila, agradece com esforço e passa por mim.
Enquanto isso, eu sigo pelo corredor procurando a nova aluna. De
longe a reconheço, ela estava com dificuldade de abrir o armário e
vou em sua direção apressadamente.
— Precisa de ajuda?
— Oi! — ela sorri. — Sim, sou a…
— Evelyn! A aluna nova! — digo com rapidez. — A diretora
me contou sobre você e pediu para que eu te levasse em um tour
pela nossa escola. Mas, antes, deixe-me abrir o seu armário.
— Obrigada! Eu estava levando uma surra dele.
— Eu tenho alguns meses de prática e também faço tutoriais
para os novos alunos — brinco.
— Preciso das suas aulas, professora…
— Sophie! Desculpa, eu nem tinha me apresentado.
Qualquer coisa que precise ou tenha dúvidas, pode me perguntar —
ela me oferece um sorriso animado.
Enquanto eu apresentava a escola à Evelyn e lhe passava
todas as informações necessárias, o grupo de Brian vinha em nossa
direção e os conhecendo como eu os conheço, eu sabia que não
passaríamos despercebidas dali. E eu estava certa.
— Sophie — Brian chama —, não vai nos apresentar a sua
nova colega?
— Essa é a Evelyn, a aluna nova da nossa sala. Evelyn, esse
é o Brian Winters, jogador de Football Americano do nosso time —
apresento-os. Ele estende a mão para me cumprimentá-la e Evelyn
retribui sem jeito enquanto ele a olha de cima a baixo com um
sorriso cheio de segundas intenções causando–lhe desconforto.
— Eu sou o Eric — diz o colega de Brian que também não
tinha comportamento elogiáveis. — Seja bem-vinda!
— Aquela é a Emily, Rebecca e o Jake — introduzo os outros
alunos daquele grupo.
— E aquela garota esquisita é a Emma — diz Jake
apontando o dedo.
— Para com isso, Jake! — repreendo e todos riem. Encosto a
mão no braço de Evelyn com delicadeza para continuarmos o nosso
tour e, assim, nós deixamos o grupo para trás.
— Não dê atenção a eles — peço. — Eles amam implicar
com a Emma.
— Por que eles fazem isso?
— Aquela velha história por estar fora dos padrões. A Emma
tem um estilo muito próprio e isso parece que os incomoda. Eles se
acham no direito de criticá-la e tratá-la mal por isso. Ela é uma
grande amiga minha, e eu não gosto que façam isso com os meus
amigos. O mesmo vale para o Matheus. O grupo do Brian é o mais
encrenqueiro da escola. Por eles serem populares, a verdade deles
prevalece. Infelizmente, nós temos que lidar com essas coisas
diariamente.
— Eles pareciam legais.
— Eles são legais até a página dois. Com o tempo, você os
conhecerá melhor. Apenas tome cuidado com eles.
Eu não conhecia Evelyn, mas eu conhecia aquele grupo e
não desejaria que ninguém passasse pelo o que Emma passou. Eu
não queria que Evelyn fosse alvo fácil deles. Mas, apesar do meu
conselho, na primeira oportunidade ela se juntou a eles. Enquanto
Evelyn olhava a sala de aula e enchia os olhos diante da estante de
livros, Brian aproveitou a oportunidade para puxar assunto e a
convidou para ocupar o lugar vazio ao seu lado. Sem pensar duas
vezes, esquecendo-se da minha existência, ela estava cheia de
sorrisos e assuntos infinitos com eles. Eu sabia que naquela aula, a
professora Ellen, de inglês, formaria os grupos de trabalhos. E,
provavelmente, Evelyn entraria no grupo deles. E foi exatamente
assim que aconteceu. Eu não queria ter posse dela e muito menos
influenciá-la, eu queria protegê-la. Discretamente, capto a atenção
de Evy e me agacho ao lado da sua carteira.
— Você quer entrar no nosso grupo? — convido.
— Ah… eles já me colocaram no grupo deles — ela diz sem
jeito.
— Tudo bem. Se quiser mudar, será bem-vinda! Apenas não
demore, pois a professora não gosta muito dessas mudanças — ela
assente e, então, volto ao meu lugar.
Emma, que agora fazia parte da nossa turma, olhava
desconfiada. Ela mantinha a raiva de Brian e do grupo, e até cogitou
sair da escola. Eu jamais deixaria que ela perdesse uma
oportunidade como aquela por causa deles. Estudar na BHS era
algo excelente para o nosso futuro. Se ela desistisse, poderia
dificultar as coisas lá na frente. Apesar daquele grupo ainda mexer
com Emma esporadicamente, Brian nunca mais lhe dirigiu um
palavra. E por algumas vezes já presenciei sua repreensão aos
colegas que insistiam em rir dela, o que muito me surpreendeu.
— Ela é a aluna nova, é? — Emma pergunta, assinto. — Ela é
alvo do Brian, certeza!
— Eu também estou preocupada com isso. Eu acho que
deveríamos ajudá-la.
— É… eu acho que sim — Emma estava desconfortável, mas
sabia a dor que Evelyn sentiria se caísse na lábia do Brian.
Considerando que ela não passaria o intervalo das aulas com a
gente, eu tive uma agradável surpresa, ela aceitou. Brian nos olhava
bastante incomodado, contudo, seguimos para as mesas na área
externa. Emma, logo de cara faz uma pergunta direta.
— Você tem namorado, Evelyn?
— Não, mas eu tive um namorado no ano passado.
— Por que acabou? — ela insiste.
— Ele foi embora da cidade.
— É muito difícil ficar longe da pessoa que você ama… —
Emma comenta. — Mais difícil ainda é estar ao lado dela e tê-la
longe de você. Ou… ver todo o seu amor se transformar em ódio.
— Ela está falando do…
— Cala a boca, Matheus! — ela o interrompe. O clima
pesado preencheu o ambiente, mas Evelyn muda a tensão por
alguns segundos.
— Eu tive que abrir mão daquele namorado, eu gostava dele.
Foi amor à primeira vista, sabe? Não foi nada fácil terminar — ela
recorda. — E, vocês, deixariam de viver um grande amor? — Evelyn
pergunta deixando-me desconfortável. Coloco o cabelo atrás da
orelha, mordo a boca e pigarreio sem jeito e respondo.
— Sim, nem sempre o que a gente ama faz bem para nós —
digo e sinto o olhar de Matheus sobre mim.
— Eu concordo — ele retruca com tristeza.
— Vocês acreditam em amor à primeira vista? — Evelyn
pergunta novamente.
— Não.
— Justifique sua resposta, Sophie — Evelyn pede.
— Eu acredito em atração à primeira vista. O amor é
construção diária, sacrifício e decisão. Todos podem se apaixonar,
mas nem todos constroem o amor.
— Amor é muito mais profundo — Matheus segue na
resposta e eu concordo.
— Paixão é doce com final amargo, e eu odeio esse sabor!
— Nossa, Emma! Por quem você se apaixonou? — ela
pergunta rindo.
— Ninguém! E nem quero, obrigada. Essa eu passo. Chega
desse assunto.
— Desculpa! — Evelyn pede. — Eu acho que seria uma boa
jornalista.
— É o que você quer?
— Sim, eu quero muito isso. E um amor também — ela sorri.
Evelyn percebe a troca de olhares entre mim e Matheus, mas não
diz nada. O som do sinal para o retorno à aula nunca me pareceu
tão propício. Emma e Matheus estavam alguns passos a frente
enquanto Evelyn caminhava ao meu lado em direção a sala de aula.
— Sophie, eu posso te fazer uma pergunta?
— Claro! O que é?
— Você gosta do Matheus, não gosta? — olho para ela e fico
em silêncio sem saber o que responder. — Desculpa, eu não quero
ser intrometida. Só parece óbvio para mim que vocês se gostam.
— É complicado, Evelyn. Eu gostaria muito de te contar, mas
é melhor deixar para outra hora.
— Claro! Desculpa! Isso não é da minha conta — Evelyn se
apressa em dizer se sentindo envergonhada.
— Não é isso, Evy. É que… é complicado.
— Eu entendo.
Eu não sabia se ela entendia de fato, mas ela sabia respeitar.
Ao mesmo tempo em que era curiosa e fazia perguntas diretas,
Evelyn sabia receber o bloqueio de informações. Eu não a conhecia
e não poderia abrir o meu coração, embora estivesse explícito os
meus sentimentos por Matheus.

O Que era de se esperar…


Com o passar dos meses, eu comecei a perceber o quanto
Evelyn se distanciava. Ela passava mais tempo com Emily e
Rebecca, e isso era preocupante. Por algumas vezes, ela comentou
que estava na casa de Brian para fazer o trabalho de inglês. No
entanto, ela reclamava que a reunião não passara de uma festança
carregada de bebida e droga. Por mais que eu ainda alertasse
Evelyn dos perigos daquele grupo, ela dizia “Não é nada demais.
Talvez eu esteja implicando a toa, sabe? Eles têm sido legais
comigo apesar disso.”. E essa amizade foi se fortalecendo enquanto
a nossa se enfraquecia. Evelyn passou a responder as minhas
mensagens sem vontade. Eu não tinha poder de convencê-la, eu
apenas orava por ela. Sabe aquelas pessoas que entram em sua
vida e geram dentro de você um carinho gratuito? Eu sentia isso por
Evelyn. Eu sentia que havia algo muito bom nela mesmo após
começar agir de maneira estranha.
— Evy! — chamo-a e corro para alcançá-la. — A gente quase
não tem conversado, está tudo bem?
— Tudo — ela responde evitando me olhar e me sento no
primeiro banco do refeitório que avisto, ela me acompanha.
— Como está o trabalho de inglês? — pergunto.
— Ainda não começamos. A reunião do grupo de ontem era
de novo uma festinha. Que raiva! Eu não gosto de festas e bebidas.
— Evy, você quer um conselho? — ela me olha esperando
que eu diga. — Tome cuidado com elas. E com os meninos também.
— Sophie, está tudo bem. Não precisa se preocupar tanto.
Elas não são criminosas, apenas temos essa diferença na maneira
de se divertir, só isso.
— Eu só quero te alertar para que não se machuque. Às
vezes eles são muito maldosos. Você já viu como eles tratam a
Emma?
— É brincadeira boba entre eles.
— Não, não é! Quando constrange alguém e esse alguém
não está se divertindo, não é brincadeira. O que eles fizeram foi
humilhante! — digo com firmeza, ela parece repensar o que havia
dito e desvia o olhar.
— Ei, Evy! — Brian vem em nossa direção e se senta ao meu
lado. — Eu queria te pedir desculpas pela Emily interromper o nosso
momento de ontem, foi muito legal e espero que possamos ter um
tempo a sós novamente — o meu olhar entregou o quanto eu estava
surpresa com o que ele havia dito e a mansidão de sua voz.
— A gente pode conversar outra hora, Sophie? — Evelyn
pede.
— Claro — nitidamente eu carregava pontos de interrogação
em minha expressão. Eu praticamente fui convidada a se retirar. Em
silêncio, saio. Como eu suspeitava, Evelyn e Brian estavam se
envolvendo. Por mais que gritasse a todo pulmão e a chacoalhasse
para alertá-la, eu não tinha poder de convencê-la. Quando eu
tomava iniciativa, ela se esgueirava. Era tarde, eles já tinham feito a
cabeça dela. O brilho e o sorriso solto que ela carregava com
facilidade já não era espontâneo. Ela estava séria e nitidamente
confusa. Eu observava Evelyn sempre que eu podia e percebia que
as coisas estavam piorando a cada dia com as investidas de Brian.
E eu estava certa em minhas suspeitas, ela saiu com os
sentimentos feridos.

Erros e Recomeços
O sinal tocou indicando o fim da aula daquele dia. Os alunos
se despediam animados para irem para casa. Eu, no entanto, fui em
direção à biblioteca para devolver alguns livros que pesavam a
minha mochila e ocupavam espaço desnecessário no meu armário.
Os corredores estavam vazios e me causavam uma sensação
estranha. Porém, ao atravessar o refeitório vejo Evelyn sozinha
aparentemente triste. Aproximo-me dela discretamente para não
assustá-la.
— Evelyn? — capto a sua atenção enquanto me acomodo na
cadeira vazia. — O que está fazendo aqui sozinha?
— Tentando me acalmar.
— O que aconteceu?
— Eu vi a Emily e o Brian juntos — ela conta.
— De novo?
— Como assim?
— Eles têm um relacionamento de vai e vem. Evy, você e o
Brian estavam juntos?
— Rolou um beijo… — ela diz envergonhada.
— Evelyn, ele não é para você.
— Eu sei… — ela esfrega os olhos. — E pensar que a Emily,
que era a minha amiga…
— Ela nunca foi a sua amiga — interrompo.
— Eles estavam juntos pelas minhas costas. Isso é nojento!
Eu não sei o que fazer.
— Evy, você merece alguém que te valorize, que te ame e te
respeite. Não é de hoje que o Brian age dessa forma.
— A Emily me contou sobre a Emma, e contou aos risos.
— Pois é. O que eles fizeram foi maldade.
— Eu deveria ter mantido a amizade com vocês e jamais ter
me afastado. Eu caí na lábia de todos eles.
— Evelyn, eles estão errados. Eu sei que a gente se sente
mal por parecer óbvio, mas eu sei que você tentou ser a melhor
pessoa naquele momento. Eles, não. Eles tinham más intenções
desde o início e isso é horrível.
— Eles pareciam tão legais… Era tudo fingimento. Será que
há chances de eles mudarem um dia?
— Eu acredito que somente Jesus transforma
verdadeiramente uma pessoa.
— Você é cristã, Sophie?
— Sou — ela sorri com a minha resposta.
— Eu também. Bom, eu era mais. Eu sinto que estou
distante. Eu sinto como se Deus não se importasse comigo, e,
depois do que aconteceu, eu estou envergonha de me aproximar
Dele de novo — sinto o meu coração se aquecer.
— Quando nós nos sentimos assim é a hora que mais
devemos buscá-lo. E quando você sentir a paz Dele, você
perceberá que Ele se importa, sim, com você. Nós é que vacilamos
muito.
— Eu queria ter essa fé que você tem.
— Está disponível para todos. Eu busco diariamente. A cada
dia eu vejo o tanto que tenho a melhorar.
— Você? — ela ri.
— Sim, com certeza. E por ter sido transformada por Jesus
eu sei exatamente o que eu estou falando — aproximo-me dela e
sussurro — Eu não era nenhum anjo. Na verdade, eu era terrível!
— Não acredito! Você?
— Sim, Evy, eu era uma péssima pessoa, filha e amiga,
enfim. Eu odiava a vida que eu tinha e sentia muita rejeição dos
meus pais. Eu prefiro não entrar em muitos detalhes sobre isso, mas
eu busquei preencher o vazio do meu coração em lugares, garotos e
outras coisas. Um dia, depois de ter brigado com os meus pais, eu
estava… considerando tirar a minha vida.
— Sophie…
— Pois é. Eu estava sentada no banco da praça pensando
que eu não faria falta, que eu era um erro, um acidente e que eu
atrapalhava a vida dos meus pais. Eu me sentia uma ninguém. Eu
chorava muito. E, então, uma senhora que passava pela praça viu o
meu estado e se sentou para conversar comigo. Ela tinha o perfume
de Jesus. Eu podia sentir algo diferente, bonito e agradável nela,
mas eu não sabia o que era como eu sei hoje. Ela, uma completa
desconhecida, deu-me a sua total atenção. Era tudo o que eu
precisava. Eu pude abrir o meu coração sem julgamentos, sem
críticas ou humilhações. É por isso que eu sempre tento ver além, a
gente não sabe pelo o que a outra pessoa está passando. Eu só
precisava ser vista por alguém e receber um pouco de carinho. Ela
me ouviu e começou a falar de Deus. Eu estava muito brava e a
confrontei sobre quem Ele era e por qual motivo Ele permitia tanto
sofrimento na minha vida sem eu ter feito nada para merecer aquilo.
Foi então que eu entendi o real significado do livre arbítrio e as
consequências de nossas escolhas, que também atingem outras.
Ela me deu vários conselhos e eu a retrucava, mas com paciência
ela foi introduzindo Deus de maneira gentil e com sabedoria. As
coisas foram fazendo sentido e eu não tive como escapar. Eu queria
saber mais e mais. Ela foi enviada por Deus para me salvar.
— Quem é ela?
— Avó da Emma, acredita?
— Sério?
— Eu soube um tempo depois, no velório dela — Evelyn me
olha com pesar. — Eu pedia a Deus que eu pudesse reencontrá-la
para que ela soubesse a diferença que ela fez na minha vida. Eu só
não esperava que fosse dessa maneira. Eu estava tão focada nos
meus problemas quando a conheci que não dei atenção a mais
nada. Eu passei um tempo acreditando que ela era um anjo.
— E o que mais ela te disse?
— Que somente Ele dá a paz que o mundo não dá. Para o
mundo, a paz é ausência de conflitos. E a paz na vida de um cristão
é presença de Deus em meio ao caos e fora dele. A paz que não
cessa. Deus tinha a paz que eu queria e que eu precisava e tanto
buscava. Eu achava que ignorar a minha mãe ou me defender ou
lutar contra ela iria me dar paz ou me fortalecer, mas não, nada
disso acontecia. Na verdade, eu só me sentia pior e pior. Essa
senhora me recomendou ouvir um louvor e disse para eu pedir a
Deus por essa paz, e eu fiz vencida pelo cansaço de sempre estar
em guerra com os meus pais. Eu também tenho culpa nisso, eu
gostava de provocá-los.
— Não consigo te imaginar assim — ela estava custando a
acreditar.
— Deus transforma, Evy. Eu era uma péssima pessoa.
— Até parece.
— Eu era. Eu sei de onde Deus me tirou e a faxina que Ele
fez em mim. Eu passei a olhar para os meus pais com carinho. Mas
não pense que foi fácil. Tudo é um processo lento e doloroso.
Somente a fé e a oração são capazes de mudar todas as coisas. E,
como eu disse, o caos continuou, mas eu estava em paz.
— Como foi essa mudança?
— Primeiro eu ouvi o louvor que aquela senhora tinha me
recomendado, chama ”With All I am” da Hillsong Worship. Eu fechei
os meus olhos como ela disse para eu fazer e chamei por Jesus
sem saber nada sobre Ele. Eu praticamente segui um roteiro que ela
tinha me passado, e, de repente, eu fui para um lugar longe daqui.
Quando eu percebi eu estava em lágrimas, orando, pedindo perdão,
pedindo ajuda, pedindo para conhecê-lo, pedindo até prova de sua
existência. E Ele me deu. Eu nunca senti tanta paz em toda a minha
vida. É inexplicável o que aconteceu aquele dia. Ele é bom, Evy, e
teve toda a paciência do mundo comigo. Aquela senhora disse para
eu ler a Bíblia, mas eu não tinha uma, então, eu comprei essa —
pego na mochila uma Bíblia pequena de capa preta imitação de
couro e letras miúdas. — Quando comecei a ler, eu não entendia
nada. Procurei uma igreja e o pastor me orientou como começar.
Um dia, eu quero passar essa Bíblia para alguém que precise muito
dela. Eu oro para que Deus coloque a pessoa certa no meu
caminho, por isso eu sempre a carrego comigo.
— E o que aconteceu depois?
— Eu estava levando aquilo muito a sério, eu tinha sede de
saber mais. Eu comecei a conversar com Jesus todos os dias e
fazê-lo o meu melhor amigo. A partir daí, eu nunca mais me senti
sozinha. Ele começou a fazer presença e inexplicavelmente eu me
sentia forte quando eu estava fraca. O relacionamento com os meus
pais não se tornou maravilhoso, mas eu encontrei uma paz e uma
força para lidar com tudo isso que eu não sei te explicar. E, assim, o
meu olhar sobre as coisas se transformou.
— Eu entendo perfeitamente.
— Eu mudei muitos hábitos, desde as minhas roupas, o meu
estilo de música, as minhas atitudes… Algumas coisas foram
naturais e outras foram decisões dolorosas e difíceis.
— Tipo o quê?
— Um exemplo, eu falava muito mal das pessoas, eu
criticava tudo por prazer.
— Não acredito! Eu nunca te vi falando mal de uma formiga
— ela ri.
— Ainda bem que você me conheceu na minha melhor
versão. Mas, não se engane, eu tenho muito a melhorar. A minha
conversão acontece todos os dias.
— Todos nós temos, Soph.
— Segurar a língua não foi fácil para mim. E, obviamente, eu
acabo falhando, mas ainda assim eu continuo firme. Eu não sou
uma pessoa melhor que as outras, mas melhor para os outros e
para mim mesma. Quando eu entrei na BHS eu havia me tornado o
alvo dos comentários e eu bebi do meu próprio veneno. E não foi
nada legal.
— Você conheceu o Matheus nessa época?
— Eu o conheci assim que eu entrei na BHS.
— Ele não é cristão, né?
— Ele acredita em Deus, mas não O serve. Acreditar em
Deus até o diabo acredita, né, Evy?
— Mas o Matheus é uma boa pessoa, ele tem um ótimo
coração. E gosta de você.
— Eu sei. Eu também gosto dele.
— Deve ser difícil para vocês.
— É, e muito. Mas eu não posso colocar a minha fé em
segundo lugar, e seria jugo desigual de qualquer maneira. Eu quero
alguém que não me olhe com estranheza quando eu falar da minha
fé e das minhas experiências sobrenaturais. Essa é a parte mais
importante da minha vida.
— É verdade.
— Eu já fiz coisas que eu me arrependo muito e não quero
cometer os mesmos erros.
— Em relação ao Matheus?
— Também — digo envergonhada. — É uma longa história.
No entanto, eu não quero que ele aceite Jesus por minha causa. Eu
quero que seja verdadeiro e honesto. Eu quero que ele O aceite por
ele mesmo, por amor ao Senhor e não por amor a mim.
— Mas você não acha que há pessoas que se dizem cristãs,
mas não são?
— Claro que sim. Infelizmente, há muitas. Mas, também há
os que levam a sério e vivem verdadeiramente o Evangelho. Eu
quero alguém que ore comigo, que converse sobre a pregação do
culto, que leia a Bíblia, que me dê conselhos baseados nela. O
Matheus não entende dessas coisas e para mim isso é fundamental
no relacionamento. No começo, Evelyn, é tudo muito bom, é fácil
aceitar as diferenças, mas com o tempo as coisas vão se
estreitando. Se cada um seguir um caminho, como poderão andar
juntos? Eu não quero um namorado crente, eu quero um namorado
comprometido com Jesus.
— Faz sentido — ela pensa.
— Se as pessoas acham isso um absurdo, tudo bem, eu as
respeito, mas essa é a minha vida e é assim que eu prefiro viver,
entende?
— Com certeza, Sophie, você está certa!
— As pessoas me acham chata e fanática por isso, mas a
verdade é que Deus é tão bom que eu só queria que elas também O
conhecessem.
— Exatamente! Sabe quando você ama um filme ou uma
música e quer que todo mundo conheça e ame da mesma maneira
que aconteceu com você? É assim só que maior. Bem maior.
— Inexplicavelmente maior — digo sorrindo. Eu podia sentir
que Evelyn estava sendo tocada naquela conversa.
— Queria ter tido essa conversa antes dessa situação com o
Brian. Agora eu terei que lidar com as consequências das minhas
escolhas erradas.
— Imagina as consequências que ele terá que lidar, Evy.
— Pois é. Enfim… Conte-me, como foi para você entrar na
BHS?
— Foi bom! Eu morava em outra cidade e vir para cá foi um
recomeço para mim. Eu havia me convertido havia seis meses
quando entrei na BHS — conto.
— O Brian deu em cima de você também?
— Não, eu nunca tive problemas com ele. Na verdade, o
Brian, apesar dos comentários desnecessários que ele faz sobre
mim, sempre me tratou “bem” — faço aspas com os dedos.
— Sério? — assinto. — É até estranho ouvir algo positivo
sobre ele, talvez seja por eu estar arrependida por ter me envolvido
com aquele grupo.
— Você se arrependeu, Evy. Agora não repita o erro. Só pelo
fato de você se sentir mal por feito isso já prova que você tem um
bom coração.
— Diferente deles que tem prazer em fazer isso sem se
importar com os danos causados.
— Pessoas feridas, ferem. Eles não conhecem a Verdade, é
compreensível que ajam dessa forma. Eu já fui assim, como eu te
disse, então, eu acho que eu os entendo.
— Você tem razão — ela exala. — Além da Emily, Brian anda
conversando com uma tal de Kelly. Você sabe quem é?
— Eu não faço ideia.
— Sempre que eu estava com ele, o celular notificava o
nome dela na tela. Ele desconversava, mas nunca me disse quem
é. Deve uma namorada bem cheia de energia que o faz ficar a noite
toda acordado. Você reparou como ele tem dormido nas aulas e
está constantemente com cara de cansado?
— Sim, eu reparei. Ele treina bastante no clube que ele joga
fora da escola, deve ser isso. Sem contar os treinos da BHS e as
aulas, provas, trabalhos…
— Para mim, tem algo a mais. Enfim, eu não quero mais
saber do Brian nem do grupo dele. Eu quero recomeçar e fazer as
coisas certas. Eu quero me reconectar com Deus e voltar a sorrir de
verdade.
— É a melhor decisão, Evy.
— Obrigada, Sophie. Você transmite algo tão bom. E mesmo
depois de tudo o que eu fiz, você ainda fala comigo.
— Pessoas erram, Evelyn. Se nós descartarmos todas as
pessoas que temos desentendimentos, ficaremos sozinhos no
mundo. Relacionamento é assim, temos que resolver os problemas
e ajustar o que é necessário. Pessoas não são um papel em branco
que na primeira rasura, amassamos e jogamos fora. Podemos usar
borracha ou um corretivo — brinco, ela sorri. — Você será bem-
vinda ao nosso grupo de novo!
— Tem certeza? A Emma deve estar chateada comigo.
— Como eu disse, basta resolver.
— Eu ria dela, falava mal de vocês… que vergonha, Soph! —
ela diz tapando o rosto. Eu percebia um arrependimento genuíno em
Evelyn.
— Evy, não fique remoendo. Apenas recomece. Peça
desculpas e mude o seu comportamento. Esse é o verdadeiro
arrependimento.
— Tem certeza que você não é anjo? — ela brinca.
— Absoluta! — encho a boca para falar me lembrando de
todos os meus pecados.
— Um pena o ano ter passado tão rápido e não ter
aproveitado as boas amizades. Eu joguei fora a oportunidade de
viver um ano incrível com vocês.
— Ainda temos alguns meses para criarmos boas memórias.
— Eu vou fazer a minha parte para isso, com certeza!

O Final do Ano e o Vestibular


As coisas pareciam ter voltado ao normal. Mesmo com um pé
atrás, Emma decidiu dar uma nova chance a Evelyn. Matheus
estava aliviado por não vê-la mais no meio daquele grupo. Já o
grupo continuava a provocá-la. Mas, a nossa amizade se fortaleceu
de uma tal forma que, todos os outros meses em que Evelyn estava
afastada de nós perderia feio para o tempo que passamos juntos.
Foi o melhor fechamento de um ciclo para quatro jovens ansiosos
para a vida adulta e rotina de estudantes universitários.
O vestibular estava batendo à porta e, tanto eu quanto os
meus amigos, estávamos com o coração na mão com o futuro
incerto. Eu era a única que já tinha feito a prova, e o resultado saiu
depois de alguns dias. O choro deveria ser apenas de alegria após
ver o meu nome na lista de aprovados na turma de Fisioterapia. No
entanto, as lágrimas que escorriam em meu rosto eram de tristeza.
Eu estava orgulhosa, feliz pela minha conquista e empolgada para
viver essa nova etapa que eu tanto sonhei. E, então, eu corri contar
para a minha mãe.
— Mãe, eu passei no vestibular de Fisioterapia! — o meu
sorriso escancarado fazia as minhas bochechas doerem.
— Quando você prestou o vestibular? — ela pergunta
sentada em frente à televisão.
— Faz algumas semanas. Eu te contei, lembra?
— Você fala tanta coisa, tanta bobeira, como eu vou me
lembrar de tudo? — estática espero por uma reação mais animada.
— Eu estava assistindo a essa série médica e você deveria fazer
Medicina, Sophie. E o seu pai concordaria comigo.
— Mãe, eu passei em uma das melhores faculdades do país
— digo com um sorriso enorme enquanto ela me encara com
desdém mastigando a sua pipoca.
— Parabéns? É isso que você quer ouvir? Eu não queria
esse curso, não espere com que eu pule de alegria — ela diz
desfazendo o meu sorriso com facilidade. Toda a minha alegria foi
pisoteada pela minha própria mãe. A única coisa que eu queria era
um abraço e sentir a sua alegria e o seu orgulho pela minha
conquista, mas para ela soava como mais uma decepção. Já sem
ânimo e sem expectativa, ligo para o meu pai que estava em seu
escritório.
— Fisioterapia? Eu vou ter que pagar por isso? — ele diz
com desprezo e aquela pergunta me gerou medo. Eu comecei a
pensar na possibilidade dos meus pais não pagarem a minha
faculdade.
— É uma das melhores faculdades de saúde, pai — tento por
esse meio convencê-lo.
— É o mínimo, né? — ele bufa. — Sophie, eu preciso voltar
ao trabalho, depois nos falamos — ele desliga. Não contenho o
choro. Eu me sentia sozinha. E eu estava assustada com o tamanho
daquela solidão. Eu não tinha forças para orar, mas sabia que o
meu choro também era uma oração.
— Sophie — minha mãe me chama, entra em meu quarto
sem bater e vê o meu rosto vermelho —, o que aconteceu? — ela
se preocupa.
— Eu só esperava que vocês ficassem felizes pela faculdade,
só isso — dou de ombros.
— Ah, Sophie, para de drama! Não era nem para você
estudar esse curso chinfrim que você escolheu e ainda assim você
vai. Isso não é motivo para estar feliz? O que mais você quer?
Confete? Aplausos? — ela bate palma — Postagem nas redes
sociais com a hashtag Fisioterapia? Ah, me poupe! — ela diz com
grosseria e o meu choro se intensifica. Ela revira os olhos. — Eu vim
aqui para avisar que eu vou sair com uma amiga que acabou de me
ligar — continuo a olhá-la e não entendo como conseguia me
encarar sem ter um pingo de amor e consideração. Ela sai para o
seu passeio e me deixa sozinha. Eu faria o curso que eu tanto
queria, mas eu sabia que eu jamais seria o orgulho deles. Com o
coração na mão e os olhos encharcados, desabafo com Evelyn
após bater na porta da sua casa sem avisar.
— Sophie, olha para mim! — ela pede com firmeza. — Eu sei
o quanto deve ser difícil para você, mas nunca se esqueça de que
Ele, Deus, o nosso Pai, é o nosso maior torcedor. Se Ele colocou
esse desejo no seu coração e, depois de tudo, você vai fazer a
faculdade que você tanto sonhou é porque você está no caminho
certo. Ele tem grandes coisas na sua vida. Não deixe ninguém te
desmerecer, Soph. Não deixe as opiniões dos seus pais te
colocarem para baixo. Não aceite ser infeliz. Batalhe para conseguir
a vida que você sonha. Eu não estou te incentivando a se afastar
dos seus pais, mas talvez seja a única forma de você, finalmente,
ter um relacionamento saudável com eles. Busque a sua
independência e tome as rédeas da sua vida. Honre os seus pais
vivendo uma vida honesta e feliz. Se você aceitar tudo o que eles te
propõem viverá frustrada e emocionalmente abalada e,
consequentemente, desenvolverá um sentimento horrível de raiva
sobre eles.
— Nossa, Evy, eu precisava ouvir isso. Eu estava me
sentindo tão culpada.
— Você não está fazendo nada de errado.
— Eu sei, mas… — dou de ombros.
— Você será a melhor fisioterapeuta desse país! Ah, e a mais
bonita também! — ela diz com sinceridade, rio.
— Obrigada!
— Ah, e, por favor, vamos lutar para manter a nossa
amizade? Eu não quero perder o contato com você. Eu quero saber
de todas as novidades, acompanhar a sua carreira, conversar sobre
coisas bobas e ouvir desabafos sérios como esse.
— Eu ia te pedir a mesma coisa — digo entre lágrimas. Com
o sorriso escancarado, Evelyn me abraça forte e eu retribuo com
todo carinho que eu nutria por ela. A nossa amizade era para
acontecer, eu sentia isso vindo de Deus. Ela me entendia como
ninguém. Eu sabia que a pisada na bola de Evelyn era uma
oportunidade de trazê-la para mais perto de Deus e me ensinar
sobre perdão, recomeço e chances.
— Eu tenho muito orgulho de você! — ela diz. — Parabéns
pela sua conquista, minha amiga! Eu acredito que você vai longe e
será muito feliz! — ela me olhava nos olhos. — Eu não sou líder de
torcida, mas eu sempre estarei com os meus pompons vibrando por
você!
— Obrigada, Evy! — digo. — Você é uma benção na minha
vida!

A Formatura
O nosso último dia como alunos da BHS chegou. A beca azul
estava impecável. O céu limpo e ensolarado nos enchia de energia,
sem previsão de chuva para nos preocuparmos. Era lindo ver aonde
chegamos. Os meus pensamentos foram para longe ao imaginar a
minha colação de grau na faculdade que eu ainda nem havia
começado. Perguntava-me como eu estaria daqui quatro anos. Eu
não fazia ideia, mas acreditava que o melhor ainda estava por vir
em minha vida.
— Eu não acredito que estamos nos formando no ensino
médio! — digo desacreditada. — Eu vou sentir tanta saudade!
— Quem diria, né? — Emma diz. — Evelyn cursando
Jornalismo; Sophie, Fisioterapia; Matheus, Direito. Eu não poderia
estar mais orgulhosa de vocês!
— E você, Emma?
— Ah, Evy, eu estou com alguns planos. No momento, eu
não sinto que seja hora de entrar em uma faculdade, eu não sei o
que eu quero fazer.
— Cada um tem o seu tempo, a sua realidade e o seu
caminho, Emma — digo, ela sorri levemente.
— Ah — Emma se lembra de algo —, eu soube que o projeto
de Jerry Lee Rice vai continuar no esporte.
— Quem? — Matheus pergunta.
— O Brian.
— Tá, mas quem é Jerry Lee Rice?
— O melhor wide receiver[1] da história da NFL[2]?
— Ah, sim. Eu não sou muito fã de Football.
— Deu pra perceber.
— Seja todos bem-vindos! — diretora Alessandra toma o
microfone. — É uma grande alegria estar aqui hoje e ver vocês,
nossos queridos alunos, prontos para encarar esse mundo vasto e
cheio de oportunidades. Para dar início à nossa celebração, gostaria
de chamar o orador da turma, Brian Winters, que foi escolhido por
vocês para representar esse momento especial.
— Eu não o escolhi, só para deixar bem claro — Emma
sussurra no meu ouvido.
— Vamos recebê-los com uma salva de palmas!
— Bom dia, Brazil High School! Eu me chamo Brian Winters e
é uma honra ter sido escolhido como orador da turma.
— Blá, blá, blá — Emma reclama baixinho.
— Hoje, sem dúvidas, é um dos dias mais importantes da
nossa vida na etapa em que estamos. Independente do tempo de
BHS que você tenha, essa escola te marcou em muitos aspectos. E
hoje estamos fechando um ciclo para iniciaremos uma nova etapa
de nossas vidas. A mensagem que eu quero deixar a todos os meus
colegas é: aonde quer que você vá, faça o seu melhor. Dedique-se!
Acredite que você é o melhor mesmo que você ainda não seja.
Como diz Mário Sérgio Cortella, “Faça o teu melhor, na condição
que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para
fazer melhor ainda.”. Eu gostaria de pedir que vocês sempre
encorajem a si mesmos e olhem com positividade sobre quem
vocês são e os sonhos que vocês têm. Ninguém poderá fazer por
vocês aquilo que vocês almejam ser e ter. Seja o seu melhor amigo.
Seja o seu maior incentivador. É com grande alegria e grande
tristeza que deixo essa escola como aluno. Eu sei que esse texto,
que foi muito difícil de escrever, não faz jus ao que essa escola
proporcionou para mim. E eu tenho certeza que dessa turma sairão
grandes profissionais com um futuro brilhante, basta cada um de
nós acreditarmos em nós mesmos. Esse é o fim de uma etapa e
início de outra com novas conquistas. Gostaria de agradecer em
nome de todos, aos nossos familiares, amigos, à escola BHS,
professores, funcionários, treinadores, colegas de sala e time.
Desejo sorte e um futuro de sucesso para cada um de vocês.
Obrigado! — aplausos encerram o discurso de Brian que recebe um
abraço apertado e cheio de orgulho da diretora que parecia ser sua
fã número um. Boa parte das meninas estava com os olhos
marejados tentando a todo custo não borrar a maquiagem. As
lembranças vieram e a saudade já estava fazendo morada. E,
assim, o ensino médio termina: capelos voando, abraços e lágrimas,
sorrisos, fotos e música. Agora, sem me importar com a maquiagem
borrada, despeço-me dos meus amigos.
— Sophie! — minha mãe me chama, aproxima-se de nós e
me abraça forte — Parabéns!
— Obrigada, mãe! — sorrio estranhando aquele
comportamento, mas retribuo o raro carinho, ou eu deveria chamar
isso de disfarce por estarmos em público? — Você se lembra da
Evelyn?
— Ah, sim. Como vai? — ela lhe oferece um sorriso forçado e
recebe o mesmo de Evelyn. Em seguida, minha mãe direciona o
olhar para alguém atrás de mim, viro-me, era mãe de Rebecca. —
Tchau, querida! Eu amei te conhecer! — ela diz. Conforme elas se
distanciavam, surge um de seus comentários desagradáveis. —
Essa mulher é uma nojenta! E a filha tem cara de ser uma fresca
também!
— Podemos ir? — ignoro o comentário, claramente,
envergonhada por Evelyn estar ali ouvindo tudo. Mas, ela conseguiu
deixar tudo pior quando Brian passou por nós.
— Parabéns, Brian! — ela comenta, olha-a com repreensão e
vergonha. Ele olha para nós com expressão confusa e agradece
sem entender o porquê uma mulher desconhecida o
cumprimentava. Assim que ele segue adiante, ela abaixa a voz para
fazer mais um de seus comentários.
— Parabéns duplamente, diga-se de passagem, né? — ela
me cutuca.
— Mãe! — o meu rosto arde em vergonha enquanto ela ri. Eu
queria cavar um enorme buraco no chão e ali permanecer.
— Perdeu a oportunidade de ouro. Agora, que chances você
tem de encontrar Brian Winters de novo? Poderia ter laçado esse
garoto para você, mas ficou dando bobeira.
— O meu único foco nesse momento é o meu futuro como
fisioterapeuta.
— Poderia ter os dois — ela responde, mas prefiro ficar em
silêncio. — Eu estou te esperando no carro, não demore — ela
coloca os óculos de sol e segue para o estacionamento com suas
pisadas firmes no salto alto e postura ereta.
— Desculpa por isso, Evy.
— Tudo bem.
Enquanto conversávamos, Brian passa novamente ao nosso
lado. Dessa vez, ele falava ao celular com expressão preocupada.
— Eu passo na farmácia antes de ir para casa. Não se
preocupe, Kelly — ele diz. Quando Brian se afasta, Evelyn me lança
um olhar interrogativo, mas ela não diz nada.
— Como está em relação a Matheus? — ela pergunta.
— Do mesmo jeito e tudo saindo conforme eu imaginei. Ele
vai para outra cidade estudar Direito e eu continuarei aqui para
estudar Fisioterapia. Foi difícil, mas foi melhor assim.
— Estou orgulhosa de você!
— E eu de você! Você vai estudar Jornalismo no Rio de
Janeiro! Você está muito metida, Evelyn Bastos!
— Ah, eu estou confiante quanto a isso.
— Há tantas coisas para vivermos nessa nova fase. Eu estou
ansiosa para isso! — digo sem ter ideia do que estava por vir.
PARTE II

QUATRO ANOS DEPOIS


São dez horas da noite e eu estava processando o meu
primeiro dia de estágio. Eu considerava ter tido um pesadelo ou
participado de algum programa de pegadinha, mas não. Era real. Eu
precisava conversar com alguém sobre isso. Nada melhor do que
Evelyn, que além de ter se tornado a minha melhor amiga, saberia
compreender muito bem o meu estado de tensão. Ligo por chamada
de vídeo me importar com o horário. Por sorte, ela estava acordada
e tinha acabado de chegar em casa após sair com o seu namorado
carioca.
— Sophie! Como você está? Eu estava falando com o Lucas
sobre você e o quanto eu estava sentindo a sua falta. Que bom que
você me ligou! — era nítida a alegria em sua voz enquanto tirava os
brincos e os guardava.
— Estou bem! É muito bom falar com você de novo, eu
também estava com saudades! Como você está?
— Estou bem. A vida anda tão corrida! Tem falado com a
Emma? Faz tempo que eu não falo com ela.
— Nós nos falamos hoje e está tudo bem. Ela ainda está
trabalhando naquela lanchonete diferentona, acredita? Ela está tão
feliz.
— Que bom! Ela queria muito trabalhar lá, né? Logo, ela vira
gerente.
— Sim, essa agitação de lanchonete sempre a encantou.
Emma não gosta de ficar parada — digo enquanto tomo coragem
para contar a novidade.
— Eu também não gosto. São dez horas da noite e eu estou
no pique, pronta para adiantar um texto para amanhã. Eu estou
amando trabalhar como editora no jornal de notícias. Deus mudou
tanto a minha vida!
— Ele realmente muda muitas vidas… — deixo no ar.
— Está tudo bem? — ela finalmente percebe que algo está
errado e se senta.
— Evelyn, eu preciso te contar uma coisa.
— Está me assustando. O que foi?
— Eu comecei a estagiar em um hospital.
— Sério? Sophie, isso é maravilhoso!
— Sim, realmente é.
— Tem algo te incomodando?
— Na verdade, eu estou muito triste e feliz ao mesmo tempo.
— Não era o que você esperava? — ela tenta adivinhar.
— É que uma pessoa está mexendo com o meu emocional.
— Quem? Por quê? O que aconteceu?
— O meu primeiro paciente está sofrendo muito por causa de
uma lesão no joelho e tudo indica que ele não poderá mais ser
atleta. Eu farei o acompanhamento de todo o seu tratamento por
longos meses.
— Nossa, Sophie, que situação triste! O que me deixa feliz
nisso tudo é que ele vai ter você por perto. A sua energia e fé motiva
qualquer pessoa. Eu tenho certeza que ele encontrará motivos para
seguir em frente.
— Eu espero que sim.
— Vou orar por você! E também quero colocar o seu paciente
em minhas orações. Qual é o nome dele?
— Brian Winters.
01
O Primeiro Dia de Estágio
O silêncio e a troca de olhares entre os cinco alunos era
extremamente desconfortável, ninguém falava uma palavra sequer.
O tempo parecia estar congelado e não era por conta do ar frio da
sala do hospital, mas pela demora do Dr. Dalton para a nossa
reunião que estava marcada para as nove e meia, e já passava das
dez.
— Bom dia! — a voz alta e grave despertou a todos assim que
Dr. Dalton entrou na sala acompanhado de cinco profissionais da
área da saúde e por Dra. Brianna, uma excelente ortopedista que eu
admirava muito.
— Eu sou Dr. Dalton, médico chefe do hospital e responsável
pela criação do projeto “Enviados da Saúde”. Como todos sabem,
esse projeto tem a intenção de inserir o estudante no mercado de
trabalho encaminhado diretamente por um dos melhores hospitais
do país. Vocês só estão aqui por mérito próprio, são ótimos alunos,
com notas excepcionais e frequência assídua. Por esse motivo,
vocês serão encaminhados para um caso específico de acordo com
a formação de vocês, e durante o período de tratamento poderão
desfrutar de muito conhecimento. Não desperdicem essa
oportunidade — ele olha para nós por alguns segundos claramente
nos julgando por alguma coisa que eu não consegui captar. — E
pesquisem sobre como ter uma postura confiante, vocês estão
precisando. Vamos à lista! — Dra. Brianna entrega a primeira ficha
para Pediatria seguido da Nutrição, Enfermagem, Psicologia e, por
último, a minha, Fisioterapia. Caminho em direção a ela para pegar
a minha ficha e esboço um leve sorriso.
— Você será a auxiliar do Spencer — ela aponta para o moço
loiro e alto que acena para mim seriamente e fico ao seu lado
aguardando as próximas instruções.
— Vocês cuidarão de casos sérios e deverão tratar com
responsabilidade e compromisso. Essas pessoas estão depositando
confiança em vocês. A confiança que elas não têm mais em si
mesmas. Vocês são profissionais, portanto, ajam como um!
Qualquer dúvida que vocês possam vir a ter basta ler a ficha que
vocês receberam. Nela, há um site com todas as informações, leiam
antes de tirar dúvidas estúpidas. Estão dispensados! — Dr. Dalton
nos deixa e segue para a sua sala. Eu confesso que esperava uma
recepção mais calorosa. Olho para Spencer esperando alguma
interação, mas ele mal me olha. Aos poucos, a sala vai se
esvaziando e Dra. Brianna se volta para nós.
— Sophie, o meu nome é Brianna, eu sou médica ortopedista e
traumatologista. E esse é o Spencer, fisioterapeuta. Nós estamos
trabalhando juntos na recuperação de um atleta que teve um
rompimento do tendão patelar esquerdo. Ele fez cirurgia há duas
semanas e estará aos cuidados do Spencer a partir de amanhã para
as sessões de Fisioterapia — presto atenção em cada palavra. —
Você, como estagiária e assistente, deverá seguir o que ele propor.
Se você desempenhar um bom trabalho, poderá ser contrata pelo
hospital ou receber uma referência quando você estiver formada,
isso ajudará muito na sua carreira. Entendido?
— Totalmente! — digo com firmeza.
— Ótimo! Alguma pergunta? — paro por alguns segundos para
pensar em algo que soasse profissional e que causasse uma boa
impressão.
— Como o paciente está emocionalmente?
— Sophie — Spencer usa os dedos para enumerar a sua fala
—, ele jogava em um dos melhores times do Estado e estava
começando a ser reconhecido no país, jogava na posição wide
receiver, ou seja, o recebedor, ou seja, o mais rápido em campo. Ele
era o cara mais desejado pelas mulheres, ganhava muita grana e o
Football é a grande paixão da vida dele. Como você acha que ele
está se sentindo?
— Péssimo! — digo com tristeza achando que tinha feito uma
pergunta boba.
— O cara está acabado! Prepare-se para lidar com alguém
extremamente estressado.
— Eu não vou mentir para você, Sophie. Eu sou a cirurgiã dele
e o caso é grave. As chances de recuperação total e retorno ao
esporte são baixíssimas podendo nunca mais jogar.
— Baixíssimas, Dra.? Eu diria que ele tem zero chance.
— Eu sou positiva, mas o Spencer não está errado. E os
exames realmente mostram que ele não jogará mais.
— E se jogar, será um fracasso — ele complementa.
— Ele está aqui hoje para a consulta de retorno. Vamos lá que
vou te apresentar o nosso paciente nada paciente — ela dá uma
piscadinha.
Caminho pelo o hospital em passos acelerados tentando
alcançar os dois cheia de expectativas. Eu estava nervosa. Eu não
tinha experiência, mas estava cheia de vontade de aprender. Eu me
dedicaria ao máximo para que o meu paciente se recuperasse, não
apenas por ter vantagem profissional sobre isso, mas por este ser o
meu maior objetivo desde que optei por essa profissão.
— Eu não acredito que finalmente vou trabalhar com isso —
digo para quebrar o silêncio com um sorriso largo no rosto. — Eu
estou muito empolgada!
— Eu também estava assim até perceber que não estou
atuando em Grey’s Anatomy e que a realidade de um hospital é bem
diferente — Spencer refuta o meu comentário. Pelo o que eu estava
percebendo não era apenas de um paciente estressado que eu teria
que lidar, mas com um colega de trabalho mal humorado também.
Dra. Brianna para na porta do consultório e permanece ali enquanto
eu fico do lado de fora atrás dela sem visão alguma.
— Como estamos? — não ouço a voz do meu futuro primeiro
paciente, provavelmente se segurou para não dar uma resposta
atravessada do tipo “Como você acha?” — Eu quero te apresentar
uma pessoa que vai te ajudar bastante na recuperação — ela olha
para mim e me dá passagem para que eu entre em seu consultório.
— Brian, esta é a Sophie.
Em apenas um segundo sinto o meu coração parar. O meu
corpo paralisa por inteiro e os meus olhos fixam naqueles olhos
verdes cheios de raiva. Eu não acreditava no que eu estava
enxergando. A testa franzida de Brian enquanto me olhava também
entregava que ele não esperava por aquilo. O silêncio ficou palpável
e eu não conseguia abrir a boca para falar nada, apenas fiquei
parada olhando para ele. Aparentemente mais maduro e com a
barba crescida, Brian perdera o jeito de menino do ensino médio.
Mentalmente, ainda não era possível dizer se ele havia
amadurecido. Eu estava em choque e, com certeza, não estava
conseguindo disfarçar nem raciocinar. Dra. Brianna olhava para mim
e para ele seguidamente estranhando aquela reação, ou melhor, a
falta de reação.
— Sophie? — Dra. Brianna estrala os dedos me trazendo de
volta a realidade. — Vocês já se conhecem?
— Quem não conhece Brian Winters, Dra. Brianna? — Spencer
diz expondo um sorriso bajulador. — Sophie está chocada, apenas
isso. Ela, claramente, não esperava pelo substituto do Tom Brady
diante dela. Eu sei, eu sei que o Brady é Quarterback[3], e não Wide
Receiver, mas vocês entenderam o que eu quis dizer, não é? —
enquanto Spencer falava sem parar, Brian me encarava.
— Sim, Spencer, obrigada pelo esclarecimento — Dra. Brianna
retoma o assunto principal. — Brian, a Sophie será a assistente do
Spencer. Ela é estudante do último ano de Fisioterapia e começará
a estagiar amanhã e te ajudará no que for preciso. O Brian pode
contar com você, não é, Sophie?
— Claro — a palavra tropeça em minha boca.
— Vocês me acompanham? Quero passar algumas orientações
para vocês. Brian, eu vou pedir para um enfermeiro vir te ajudar —
ele me lança um último olhar. Saio o mais rápido possível do
consultório ainda em estado de choque. Atordoada, com a boca
seca e sem acreditar onde eu tinha sido colocada, sigo os dois para
outra sala.
— O Brian fala, Sophie, eu não sei o porquê ele está tão calado
hoje — a única coisa que eu pensei em responder à Dra. Brianna
naquele momento foi: eu sei que ele fala, e muita besteira, inclusive.
No entanto, permaneci em silêncio. — A cirurgia do Brian é muito
complexa e dolorida. Ontem, ele reclamou de dor o tempo todo
ainda estando medicado. Essa dor é completamente normal e
diminui lentamente.
— E vai piorar na Fisioterapia — Spencer alerta. — Ele precisa
fazer os movimentos de dobra do joelho e isso dói demais.
Enquanto a Dra. Brianna passava todas as orientações eu
lutava para prestar atenção, pois eu ainda estava em choque. Eu saí
do ensino médio para começar uma nova vida e dou de cara com o
passado. O meu primeiro paciente é o meu ex-colega de sala da
escola e o responsável por enganar as minhas duas amigas. Eu não
tinha raiva do Brian, mas eu não queria tê-lo por perto por nada. Eu
teria que cuidar daquele que mais feriu as minhas amigas. O meu
lado pessoal gritava contra o meu lado profissional. Toda a minha
alegria tinha ido embora. Eu estava prevendo o meu futuro: Brian
testando meu 70x7[4] todos os dias.
— Sophie e Spencer, eu deixo o Brian com vocês. Cuidem bem
dele! Vamos manter contato no que se for necessário, está bem? —
respondemos positivamente. Então, ela nos deixa e segue para o
seu trabalho enquanto Spencer pega uma pasta azul e me entrega.
— Aqui estão todos os dados do Brian como exames e uma
sequência de exercícios que eu preparei para ele. Amanhã nós
começaremos às oito horas. Eu te espero na clínica!
— Tá bom — seguro a minha vontade de sentar e chorar.
— Sabe onde fica?
— O quê?
— A clínica.
— Sim, é ao lado do hospital, né?
— Isso! Até amanhã! — Spencer para após dar alguns passos
em direção à porta. — Sophie, eu estava me esquecendo, você
poderia levar esses medicamentos para o Brian, por favor? Eu
preciso correr para falar com o Dr. Dalton sobre um assunto
importante antes que ele vá embora. Você faria essa gentiliza? Eu
sei que sim! E, por favor, vai correndo antes que o Brian vá embora
também. Obrigado! — antes que eu pudesse negar Spencer coloca
dez caixas de analgésicos e anti-inflamatórios em minhas mãos.
Caminho em passos lentos em direção ao consultório que Brian
estava considerando pedir para alguém entregar os medicamentos
por mim, mas, ao mesmo tempo, eu sabia que eu não poderia adiar
aquele encontro. Questiono a mim mesma se devo continuar nesse
estágio. As caixas de medicamentos dançam em minhas mãos
trêmulas e, com calma, ajeito-as para não derrubar. Quando chego
à porta, olho para os lados e não avisto ninguém que pudesse me
substituir. Decido, então, respirar fundo e encarar pensando que ele
é apenas um jogador como qualquer outro e que eu nunca o tinha
visto antes na vida. Peço licença e entro sem olhar em seus olhos.
— O Spencer pediu para que eu entregasse os seus
medicamentos. A receita está aqui — começo a ler em voz alta. —
Tomar o analgésico a cada…
— Eu sei ler — ele interrompe com a voz rouca. Os seus olhos
me encaram com impaciência, ele estende a mão esperando que eu
entregue a receita, e assim faço.
— Tá bom — viro-me para sair da sala.
— Você acha mesmo que tem capacidade para trabalhar com
isso? — paro sem acreditar no que ouvi.
— Por que eu não teria? — lembro-me da postura confiante que
o Dr. Dalton falou e encaro Brian com a cabeça erguida. Ele ri.
— Você parece nervosa — ele diz com aquele sorriso
debochado.
— É o meu primeiro dia, é natural que eu esteja assim.
— Ou é por minha causa?
— Por que seria? — ele sorri com o canto dos lábios me
encarando e não diz nada. Ah, como eu detestava aquele sorrisinho!
A única coisa que eu poderia fazer era pedir a Deus que me
capacitasse para tal batalha, pois era assim que eu comecei a
encarar aquela situação, como uma batalha. Eu não estava
preparada para ser atacada e mal sabia como me defender, mas eu
tinha certeza de que Brian estava pronto para me bombardear.
— Com licença — um enfermeiro entra empurrando uma
cadeira de rodas. — Você está liberado para ir embora — Brian se
locomove com dificuldade sendo ajudado pelo enfermeiro.
— Até amanhã, Sophie! — ele me olha com aquele olhar que
eu também detestava quando passa por mim.
0 2
A Prim eira Sessão
Era o meu sonho trabalhar como fisioterapeuta e ver um
paciente recuperando os seus movimentos para voltar à vida
normal. O que eu não imaginava era que o meu sonho se tornaria
um pesadelo. Eu achava que ouviria falar de Brian apenas pelos
jornais e programas esportivos depois que nos formássemos no
ensino médio. Como eu iria imaginar que depois de quatro anos eu
o encontraria de novo? Justo ele? Por que, meu Deus? Por qual
motivo eu preciso passar por isso? Eu oro todos os dias para Deus
me abençoar e colocar as pessoas certas no meu caminho, em que
momento o Brian entrou nessa lista? Isso não faz sentido algum na
minha cabeça. Todos esses pensamentos me atingiram enquanto eu
encarava a clínica naquela manhã. A minha ansiedade era tanta que
eu saí de casa meia hora mais cedo para fazer um trajeto que
levava cerca de dez minutos somente para processar tudo o que
estava acontecendo em minha atual realidade. Eu oro novamente
em pensamento e peço a Deus que faça as minhas mãos pararem
de tremer. Sem coragem, mas com horário marcado, desço do carro
e sigo para o meu primeiro dia. Assim que abro a porta de vidro da
clínica o ar condicionado gela ainda mais as minhas mãos que já
estavam quase congeladas de tamanho nervosismo.
— Bom dia! — digo a uma garota que me encarava sem muita
expressão. — O meu nome é Sophie. Eu sou estagiária de
Fisioterapia e estou aqui para auxiliar o Spencer — os seus cabelos
ruivos tingidos, olhos castanhos escuros e boca carnuda eram
bastante marcantes. Ela pega o telefone sem me dirigir uma palavra
e observo o seu crachá que estava escrito Amanda.
— Spencer? — ela pausa e ri de forma contida e tímida com
algo que ele diz. — A menina está aqui, posso mandá-la entrar? —
ela desliga e volta os olhos para mim. — Segue reto e vira a
primeira esquerda, sala 08 — ela diz. Agradeço e sigo as instruções
tentando ignorar a péssima recepção. Bato na porta da sala e abro
devagar pedindo licença.
— Pode entrar, Sophie — Spencer está sentado em sua mesa
mexendo em seu computador. — Bom dia! Seja bem-vinda ao seu
primeiro dia — sorrio. Ele parecia mais amigável do que no dia
anterior. Coloco os meus pertences em um armário sugerido por ele
e sou convidada a me sentar.
— Sophie, o Brian chega daqui alguns minutos. Enquanto nós o
esperamos, eu preciso passar para você tudo o que aconteceu com
ele e o que precisamos fazer para que ele tenha sucesso na
recuperação. Como a Dra. Brianna disse, o caso dele é
praticamente irreversível. No entanto, mesmo que ele não volte a
jogar, ele precisa fazer todo o tratamento para que ele tenha
qualidade de vida, possa se movimentar normalmente e evite
problemas futuros, principalmente, na velhice.
— Ele realmente não tem chances de voltar a jogar?
— Sinceramente? Nenhuma chance. Ele vai conseguir correr e
pode querer voltar a jogar por conta disso, mas as chances de um
novo rompimento patelar são grandes. Esse esporte é bastante
puxado e bruto — ele explica. Perco-me em meus pensamentos me
lembrando da paixão de Brian pelo Football no ensino médio e quão
difícil será para ele encarar essa nova realidade. — Mas, a vida
continua, Sophie, vamos nos preparar. Conforme você for
conhecendo o Brian vai perceber que ele anda bastante
desmotivado, e com razão. Eu, no lugar dele, não sei o que faria.
— Talvez ele precise de um incentivo mais positivo.
— Não podemos iludir o paciente, Sophie. Nós precisamos
trabalhar com a realidade — ele diz. O telefone toca naquele
instante para anunciar que Brian havia chegado para a primeira
sessão.
— Bom dia, meu campeão! — Spencer diz com um sorriso
largo. — Está animado para começar a arrebentar?
— Não, obrigado. De arrebentado, basta o meu joelho — pelo
tom de sua voz não parecia estar irritado como ontem. Ele entra
devagar apoiado em muletas e se senta na maca com a perna
lesionada esticada.
— Como você sabe, meu amigo, eu tenho uma assistente.
— É, eu sei — percebo o seu tom desanimado e debochado. —
Como vai, Sophie?
— Bem — decido não perguntar de volta com medo de levar
um coice.
— Deixe-me ver como o seu joelho está — Spencer analisa. —
A pele ainda está bastante sensível. Ainda sente dor?
— Muita! A dor é contínua, nenhum analgésico corta.
— Eu tenho uma boa e uma má notícia. Qual você quer
primeiro?
— Tanto faz. Tudo está uma porcaria mesmo — escuto a
conversa dos dois e Brian finge que eu não existo.
— Vamos começar com a boa, então — Spencer pigarreia. —
Você se recuperará, ficará livre das muletas e a dor desaparecerá
em algum momento. E a má notícia é que para isso acontecer você
sentirá muita dor nas primeiras semanas de Fisioterapia, mas você
precisa fazer.
— E eu tenho outra escolha?
— Ficar sem movimentar a perna normalmente também é uma
opção.
— Não, cara, eu preciso voltar a jogar! A minha vida é o
Football! — Spencer coça a cabeça e eu entendo a sua
preocupação.
— Vamos começar, então. Sophie — ele me chama e me
aproximo da maca. — Essa máquina vai liberar alguns choquinhos
no joelho dele, pode colocar nesses dois pontos. Eu preciso que
você vá aumentando a intensidade conforme o Brian for sentindo,
certo? E você, Brian, vai avisando se estiver forte — Spencer instrui
e vai até sua mesa para fazer anotações. Com cuidado, começo a
colocar os eletrodos em Brian e sinto o seu olhar sobre mim.
— Você já fez isso antes? — Brian me pergunta.
— Você é a minha cobaia — digo brincando, mas o seu olhar
sério arranca o sorriso que estava em meu rosto. Arrependo-me
imediatamente do que havia dito. Acorda, Sophie, ele não é o seu
coleguinha de sala, é seu paciente! Aja como uma profissional!
— É a primeira experiência dela, Brian, mas ela está fazendo
certinho — Spencer me salva. — Sophie, eu vou pegar uma coisa
que eu esqueci no carro e eu já volto, está bem? — ele sai e me
deixa a sós com Brian. O meu coração pula dentro do peito.
— Eu queria te lembrar de uma coisa — Brian diz. — Eu não
sou um boneco anatômico que você está acostumada a usar nas
suas aulas na faculdade. Eu sinto dor, como agora, por exemplo —
as suas palavras eram carregadas de raiva.
— Desculpa — volto os meus olhos para o joelho e diminuo os
choques da máquina. Escuto Brian inspirar fundo e colocar a mão
no rosto.
— Está muito forte!
— Você ouviu o Spencer, vai doer. O estímulo da máquina está
no mínimo — de um segundo para o outro, os meus sentimentos de
incômodo se transformaram em pena. Era nítida a dor em sua
expressão. Os olhos fechados de Brian estavam apertados e seus
dentes cerrados. Esse era apenas o primeiro caso de muitos que eu
enfrentaria, eu precisava aprender a lidar com o meu lado emocional
diante dessas situações. Spencer volta e nos observa.
— Spencer, a sua assistente vai me deixar aleijado — ele
percebe o exagero de Brian.
— Ela não vai te deixar aleijado, é assim mesmo — ele toma o
meu lugar e continua os exercícios. Eu não gostava de Brian, mas
vê-lo sofrer não era algo que me alegrava. Percebo gotículas de
suor na testa de Brian e pego um copo de água para entregar a ele.
— Sério? Você acha que água vai fazer passar essa dor
insuportável que eu estou sentindo? Você aprendeu isso na sua
aula de anatomia? Parabéns, não serviu para nada! — ele diz com
grosseria.
— Brian, pega leve — Spencer para o exercício. — Toma um
pouco de água, respira e daremos continuidade — Brian faz o que
Spencer diz. A sua mão trêmula pega o copo de minha mão, isso
mostrava o quanto aquilo estava sendo dolorido para ele. Eu podia
sentir a dor apenas por olhá-lo.
— Spencer, não está muito forte? — pergunto preocupada ao
vê-lo aumentar o nível de choques da máquina. Na faculdade,
fomos ensinados a respeitar o limite do paciente, e o que eu estava
vendo era o oposto.
— É necessário, Sophie. Há mal que vem para o bem —
Spencer dizia enquanto caminhava em direção a sua mesa fazer
mais algumas anotações enquanto a máquina continuava o seu
serviço.
— Chega! Não dá! — Brian começa arrancar os eletrodos do
joelho e toma um leve choque nas mãos. De sua boca saem
palavras que eu não costumo falar. Desligo a máquina ao mesmo
tempo em que Brian tenta sair da maca.
— Você não pode fazer isso! — digo a primeira coisa que me
vem a mente e coloco as mãos nos ombros de Brian bloqueando a
passagem.
— Ah é? E quem vai me impedir? Você? Com meio metro de
altura? Cai fora, Sininho! — ele insiste me fuzilando com o olhar.
— Brian! — Spencer sobe o tom para chamar a sua atenção e,
imediatamente, ele olha como se não esperasse aquela reação. —
Se você se recusar a fazer a Fisioterapia pode haver deformidade,
perder amplitude de movimento da articulação e, pensando no seu
futuro como jogador, isso não é nada bom. Então, se eu fosse você
eu me deitava de novo e continuava o tratamento antes que a sua
perna fique travada e não consiga nem andar normalmente. É isso
que você quer? — calado, Brian se deita novamente. O clima ficou
extremamente desagradável. — Nas próximas sessões vai doer
mais e ainda nem fizemos a dobra do seu joelho — Spencer toma
posição e eu fico ao seu lado. — Vamos fazer um exercício mais
leve de levantar a perna e já te libero para ir embora.
Com o clima ainda ruim, mas mantendo um bom disfarce,
Spencer o parabeniza no final do último exercício e o libera. Brian
vai embora agradecendo Spencer sem vontade ignorando a minha
presença novamente. Aliviada por ter enfrentado aquela sessão,
respiro fundo e bebo um copo de água.
— Sophie — Spencer vem em minha direção com a voz baixa
me olhando diretamente —, eu posso te pedir um favor? — balanço
a cabeça positivamente animada com o que ele poderia me pedir. —
Nunca mais questione algo na frente dos meus pacientes. Como eu
disse, a dor é normal. Ou você acha que eu gosto de ver as pessoas
sofrendo? Se você achar que algo pode ser feito de forma diferente,
basta me chamar no canto. Estamos entendidos?
— Claro! — gaguejo e me desculpo. Duas besteiras cometidas
no meu primeiro dia de estágio, quais outras eu iria cometer? Eu
estava nervosa e queria passar a melhor imagem possível. Tudo
aquilo parecia irreal para mim.
Com o atendimento finalizado e pronta para ir embora, pego as
minhas coisas no armário e me despeço da recepcionista, que me
ignora. Sigo para o meu carro buscando a chave dentro da bolsa e
puxando o celular junto ao senti-lo vibrar. Na tela aparece o nome
de Emma e rapidamente atendo para contar todas as novidades,
tanto as boas como as ruins.
— O quê? — o choque em sua voz é evidente. — Brian? O
Winters?
— O próprio!
— É mentira, né? Sophie, você tem que sair desse estágio
agora!
— Emma, eu não posso!
— Por quê?
— É uma oportunidade única e uma vaga muito importante.
Depois desse estágio estou praticamente com emprego garantido.
Você sabe que eu não quero mais morar com os meus pais. Eu
preciso trabalhar.
— Mas é o Brian! — ela insiste. — Aquele cara que me
enganou e…
— Eu sei! — interrompo. — Eu me lembro muito bem! Acredite,
não está sendo nada fácil para mim. Ele continua arrogante, até
mais do que antes.
— Você precisa tomar cuidado com ele e manter distância!
— Eu sempre estou com o Spencer, o fisioterapeuta
responsável.
— Ele tem lábia, Sophie. Esse cara é sujo! Ele pode te colocar
em uma encrenca.
— Eu sei, Emma. Eu vou me cuidar, fica tranquila.
— Faz um favor para mim?
— Qual?
— Dá um chute bem no meio do joelho dele por mim? — reviro
os olhos e rio. — Ou, em outro lugar, se é que você me entende —
dou risada com o pedido e me despeço da minha amiga. Eu estava
com saudade de ouvir a voz dela. Com toda a distância e depois de
tantos anos ainda conseguíamos manter contato.
03
A segunda Sessão
Logo que eu acordo oro a Deus pedindo que me dê sabedoria
para lidar com Brian. Era a sua segunda sessão de Fisioterapia e eu
estava apreensiva com o que me esperava. Ainda cansada da aula
da faculdade, tomo um café forte para despertar. Com o scrub azul
claro que a clínica me forneceu, passo o meu estetoscópio preto em
volta do pescoço e prendo o cabelo em um rabo de cabelo alto. O
espelho refletia a imagem que eu sonhava em ver. Eu estava
vestida como uma verdadeira profissional que no interior estava
carregando uma insegurança do tamanho do mundo. O começo da
carreira é difícil para todos de uma forma ou de outra, mas, no meu
caso, a dificuldade era em dobro.
— Bom dia, Sophie! — Spencer me cumprimenta apoiado no
balcão da recepção. Amanda, a ruiva, olha para mim dos pés a
cabeça com cara de poucos amigos mascando seu chiclete de boca
aberta. Cumprimento-os ignorando esses detalhes e sigo para a
sala à espera de Brian. Coloco as mãos na maca discretamente e
peço que Deus abençoe mais um dia e que me capacite para o caso
do Brian tornando-me instrumento de Suas mãos e, independente
de todo o passado, que Ele tenha misericórdia do meu paciente,
pois eu sabia o quanto o Football significava pra ele.
— Estou aqui, vamos começar logo — Brian entra na sala me
dando um leve susto. Com dificuldade, ele se acomoda na maca.
— Vou avisar o Spencer — digo.
— Ele está dando em cima da recepcionista. Vamos começar
logo, eu preciso correr hoje — olho para Brian processando a última
frase. — É modo de falar — o humor não estava dos melhores,
diferente de Spencer, que surge com um sorriso apaixonado.
— Sophie, eu vou deixar você comandar hoje.
— Como assim? — sorrio nervosa fingindo plenitude.
— Você não quer ser fisioterapeuta? Estou te dando passe
livre. Responda-me uma coisa. Se eu não estivesse aqui, o que
você faria?
— Bom… — puxo pela memória o conteúdo da pasta que
Spencer tinha me dado. — Exercícios leves para o fortalecimento
dos músculos.
— Perfeito! Brian, você pode deitar. Vamos começar com a
perna esticada, levanta e abaixa dez vezes. Na décima, segura e
conta até dez. Descansa e repete mais duas vezes. Sophie, é com
você agora. Eu já volto — Spencer sai da sala novamente, o que me
deixa bastante perdida. Eu ainda não era formada e estava ali como
auxiliar. Spencer sabia disso.
A respiração de Brian era ofegante e o suor começa a aparecer
em seu rosto conforme levantava a sua perna. A repetição dos
movimentos era cansativa e Brian precisou de um tempo de
descanso para dar continuidade. Eu passava cerca de uma hora e
meia na clínica e às vezes sentia como se eu não estivesse sendo
realmente útil. Eu tinha sede pelo resultado mesmo sabendo que o
processo é lento.

No final daquela sessão, enquanto eu dirigia para minha casa,


começo a me questionar se obteríamos resultados bons levando em
consideração que o caso de Brian é grave. O que será daqui para
frente? E se não funcionar? Com a fama que o Brian tem ele pode
prejudicar toda a minha carreira. Afasto os pensamentos
sabotadores, não havia nada que pudesse ser feito. O que era
necessário, estávamos fazendo. Agora é questão de tempo e
tratamento correto. Estaciono o carro na garagem de casa e ouço o
meu celular tocar. Atendo enquanto caminho para dentro.
— Evelyn! — digo com alegria.
— Oi, Soph! Como estão as coisas? E o estágio? Eu penso
tanto em você e o quanto deve estar sendo um desafio encarar tudo
isso.
— Hoje foi um dia tranquilo, mas eu fico apreensiva. O Brian é
imprevisível.
— Eu sei. Eu sinto muito, Sophie. Deus está no controle de
tudo, não se esqueça disso. Alguma coisa Ele quer te ensinar com
tudo isso.
— Eu digo isso a mim mesma todos os dias — bufo. — E você,
como está?
— Eu estou bem. Não é só você que conseguiu estágio.
Semana que vem, eu estarei trabalhando em uma emissora de rádio
e TV, a InTv. Um lugar bem melhor do que estou hoje.
— Evelyn! Isso é incrível! Parabéns! Eu estou muito feliz por
você!
— Estou muito animada! Depois eu te conto tudo! Esses dias
pensei tanto em você e na Emma. Ah, eu esbarrei com o Matheus
aqui no Rio de Janeiro, acredita? Foi tão legal revê-lo! Queria que
ainda morássemos na mesma cidade.
— Eu também! Como ele está?
— Bem. Ele está… namorando.
— Namorando? — meu sorriso desaparecera.
— O ensino médio acabou há quatro anos. Ele naturalmente
conheceria alguém na faculdade. O nome dela é Natalie, ela
também estuda Direito. Eles são muito fofos juntos. Ela é muito
simpática e linda. E Matheus parece tão apaixonado. Eles vieram
passar um final de semana juntos aqui no Rio. Muito romântico! —
ela conta e fico em silêncio. — Sophie? Você tá aí?
— Sim — disfarço. — Matheus merece uma menina incrível. Eu
não desejaria nada menos que a menina mais maravilhosa desse
mundo para ele.
— Não falei com a intenção de te deixar mal.
— Não estou mal, Evelyn. Eu estou superfeliz por ele. Como
você disse, faz quatro anos, não tem motivo para eu ficar mal —
tento convencer Evelyn e a mim mesma.
— Sophie, desculpa, mas eu preciso desligar. Uma amiga
chegou aqui.
Assim que desligo aquela ligação, as lembranças da festa do 2º
ano vêm à tona. A dança. A música. Os olhares. O beijo. Aquela
noite. Matheus não podia morar em meu coração se não fosse
somente como amigo. Eu sempre soube disso e sempre foi difícil. A
distância não apagou por completo o que ficou em mim, mas
também não tinha aquele sentimento vivo. As memórias causavam
estranheza. Matheus era próximo a mim, e hoje ele é próximo a
outro alguém. Os sentimentos que eram para mim, hoje são para
outra pessoa. Eu não poderia me relacionar com ele, eu sabia disso,
mas era estranho esse rompimento. O meu espírito precisava ser
mais forte assim como eu precisava de alguém no mesmo propósito
para viver os planos de Deus. A renúncia nunca é fácil, sempre dói.
Mas, também sempre vale a pena quando se tem um motivo maior.
Eu sei que eu encontrarei o amor da minha vida. Eu não sabia onde
ele estava e nem quem ele era, mas eu sabia que ele me
encontraria em breve. E ainda que eu não o conhecesse, eu orava
pela sua vida. E orava pelo nosso futuro juntos.
04
A Terceira Sessão
Deitado de bruços, eu levanto a perna pesada de Brian com
toda a minha força e vou dobrando lentamente. As suas primeiras
reações demonstravam dor intensa.
— Respira! — digo.
— Eu estou respirando! — havia agressividade em
absolutamente tudo que ele dizia.
— É um mal que vem para o bem.
— A torturadora virou coaching. Em silêncio, você ajuda mais.
— Eu sei que está doendo, mas…
— Você não sabe nada! — Brian levanta com dificuldade e se
senta na maca. O seu rosto vermelho, gotas de suor e testa franzida
estão diante de mim. O seu olhar me fuzila e as suas palavras são
como soco no estômago. — Eu quero um fisioterapeuta de verdade!
Você é uma torturadora!
— Isso faz parte, você sabe disso — a minha voz fica
embargada.
— Eu não serei a sua cobaia! Eu não vou colocar o meu futuro
nas mãos de alguém inexperiente como você.
— Eu vou chamar o Spencer — caminho até a porta, mas Brian
continua a discussão que tentei cessar.
— Aposto que está amando me ver sofrer nessa maca. Você
está me fazendo pagar pelo o que eu fiz com a sua amiguinha no
ensino médio?
— Eu não me alegro com o sofrimento de ninguém ainda que
esse alguém seja você.
— Espero que tenha aprendido alguma coisa nas três sessões
porque se depender de mim, você não estará aqui na quarta. Você
não tem conhecimento suficiente para tratar um caso grave como o
meu.
— Se eu estou aqui é porque eu tenho capacidade para isso.
— Eu não confio em você! Você me irrita. A sua voz me irrita. A
sua cara me irrita. Tudo em você é extremamente irritante e sempre
foi!
— E você acha que é bom estar aqui ouvindo tudo isso?
— Não se preocupe, Sophie. Eu vou resolver o seu problema
falando com o Dr. Dalton sobre sua incompetência e falta de ética.
Assim como eu não suporto a sua cara de sonsa, você não
precisará mais estar aqui ouvindo umas verdades.
— Voltei, meus queridos — Spencer entra sorridente. — Como
você está, Brian?
— Na próxima sessão estarei melhor — ele me olha.
— Assim que eu gosto! Positividade! Vamos fazer mais alguns
exercícios? — Spencer toma o comando novamente e fico
observando. Brian faz alguns exercícios leves e não apresenta a
mesma dor intensa. Aquela arrogância e grosseria geravam em mim
sentimentos que eu não estava mais acostumada a sentir. A
vontade de chutar o joelho de Brian, sugerido pela Emma, era muito
tentadora. É o que minha discipuladora me diz, os sentimentos são
inevitáveis, mas nós escolhemos se vamos nutri-los dentro de nós.
Eu não queria plantar raiva no meu coração. Ao mesmo tempo, eu
estava gritando por dentro e eu precisava colocar isso para fora.
Depois daquela sessão torturadora, tanto para mim quanto para
Brian, tomo uma decisão. Os meus olhos suportam as lágrimas
prestes a cair embaçando toda a minha visão. Decido ir atrás da
Dra. Brianna.
— Eu desisto! — digo derrotada.
— Como é?
— Eu estou me demitindo, Dra. Brianna. Eu não quero mais
estagiar no caso do Brian Winters.
— O que aconteceu?
— O Spencer estava certo quando disse que nós não estamos
em Grey’s Anatomy. Talvez eu tenha me iludido com a Fisioterapia,
é isso.
— O que o Brian fez? Eu conheço o paciente que eu tenho.
— Ele é muito grosseiro. Eu estou dando o meu melhor e ele
faz questão de retribuir com tudo que há de pior — a minha voz
treme.
— Sophie, não desista! As primeiras sessões são as piores,
logo ele começará a ver os resultados e as coisas ficarão mais
calmas.
— Ele não confia no meu trabalho, Dra. Brianna.
— E desistindo ele confiará de que jeito? Sophie, a gente usa a
frase “não precisamos provar nada a ninguém”, mas a verdade é
que nós precisamos. A gente só ganha confiança quando a gente
mostra do que é capaz. Apenas falar que podemos fazer algo não
muda nada, até papagaio fala. Brian não confia nele mesmo, a
verdade é essa. Você ainda não é formada, mas é dedicada. Você
será a melhor fisioterapeuta que existir se assim você quiser. E se o
Brian acha que você não é boa o suficiente, prove que ele está
errado. Volte para a quarta sessão sem essa cara de choro, com
postura confiante, desligue o seu lado pessoal e ative 100% o seu
lado profissional. Se você desistir, várias pessoas estarão perdendo
uma excelente fisioterapeuta que está por vir, e elas precisam de
suas vidas de volta. Você pode dar isso a elas. Faça o Brian te
respeitar, não deixe nem ele e nem ninguém te diminuir pelo degrau
que você está. Para chegar ao fim da escada é preciso dar um
passo de cada vez. Você não pode querer estar no décimo degrau
sem passar pelos outros nove. Não desperdice a melhor
oportunidade profissional da sua vida por causa dele — Dra.
Brianna me acertou em cheio. Eu fui nocauteada pela sabedoria
dela.
— Ele disse que falará com o Dr. Dalton para me tirar do
estágio — dou de ombros me sentindo derrotada, mas Dra. Brianna
ri.
— Sou eu que determino e assino os seus documentos,
admissão ou demissão. Se o Dr. Dalton tomar conta de todas as
coisas do hospital, isso aqui vai virar uma bagunça. Apenas em
casos extremamente graves é que levamos até ele. No mais, não
tem com o que se preocupar. Eu também tive um paciente terrível,
pior que o Brian, acredita?
— Isso é possível?
— Com certeza — ela ri. — Sophie, não jogue fora essa
oportunidade. Eu sei que é difícil, mas você consegue! Acredite em
você!
Eu acreditava em mim, mas não me sentia confortável ao lado
de Brian. Desde a escola, ele sempre se achou melhor do que os
outros e detentor de toda sabedoria. A sua grosseria e seu ar de
superioridade eram intimidadores. A insegurança que eu sentia ao
seu lado era inexplicável. Ao lado dele, eu não me sentia boa o
suficiente nem capaz. Era como se eu esquecesse tudo o que eu
aprendi nas aulas. No entanto, desistir seria estupidez. Eu precisava
muito daquela oportunidade. Era isso, ou continuar na casa dos
meus pais por mais tempo. E pensando por esse lado, tirei a palavra
“desistir” da minha vida. O melhor era enfrentar tudo de uma vez.

Focada no que a Dra. Brianna me disse, chego à clínica na


próxima sessão com outra postura. Afasto as lembranças que tenho
com Brian no ensino médio e começo a enxergá-lo como um
desconhecido paciente, e isso era extremamente difícil para mim,
mas não tinha outra jeito.
— Bom dia, Spencer! — digo com firmeza.
— Oi, Sophie — Spencer me lança um olhar desconfortável.
— Está tudo bem?
— Comigo está, mas… — ele coça a cabeça. — Bom, é que…
— O quê?
— Brian cancelou todas as sessões. Ele não vem mais.
— Como assim ele não vem mais? Ele precisa fazer o
tratamento.
— Eu sei. Ele tem que fazer ou a sua perna ficará travada. Mas,
ele não vem, e não podemos obrigá-lo. E, sendo assim, se ele
realmente não vier mais, você perderá o estágio. Você precisa
apresentar resultados no final para conseguir referência do hospital
ou uma vaga de emprego. Com a desistência do Brian, você não
tem o que apresentar e não poderá assumir outro caso.
— Mas, e o Football? É o sonho dele!
— Ele não pode mais jogar, Sophie. No fundo, a gente quer
acreditar, mas foi uma lesão grave.
— Mas se ele levar a Fisioterapia a sério talvez ele possa…
— Só por um milagre. Ainda que recuperado, ele sentirá dores.
E há possibilidade de um novo rompimento. Por mais que a Dra.
Brianna tenha feito uma cirurgia perfeita, ele nunca mais será o
mesmo. Eu sinto muito por isso!
Eu não estava satisfeita com o que acabara de ouvir. Eu sabia
que o caso de Brian era grave e considerado raro, mas eu
acreditava na Fisioterapia, e eu tinha fé que ele voltaria a jogar. Se
eu não acreditasse na cura, que tipo de cristã eu estaria sendo?
Após ser dispensada por Spencer e ter sido orientada a aguardar ao
que aconteceria dali alguns dias, corri para o meu computador
assim que cheguei em casa. Fiz pesquisas sobre a lesão de Brian e
encontrei alguns artigos. E sim, o caso dele era muito grave. Sim,
levaria muito tempo para recuperação. E sim, talvez ele não
voltasse a jogar com o mesmo desempenho. Além do físico, eu
precisava pesquisar sobre aspectos psicológicos e emocionais de
uma pessoa em tratamento. Horas e horas do meu dia estavam
sendo dedicadas a isso. Brian não era mais o meu colega de sala
do ensino médio que enganou e usou as minhas amigas por
diversão. Ele era o meu paciente e eu estava decidida a cuidar dele.
Conversei com os meus professores e apresentei o caso. Todos
diziam a mesma coisa que Spencer, exceto uma pessoa: Jesus. Eu
levantei da cadeira, dobrei o meu joelho e entrei para uma guerra.
Eu iria ver Brian Winters correndo no campo novamente. Eu não
sabia como, mas Jesus sabia e Ele estava comigo.
05
Na quinta sessão, Brian também não apareceu. Spencer
encaixou outros pacientes no horário que pertencia a ele.
Inconformada, pego o endereço de sua casa na ficha da clínica e
vou até lá decidida a falar com ele. Eu não iria deixar um sonho
morrer, um paciente desistir, um jogador excepcional ser vencido.
Eu não tinha o direito de ir tão longe a ponto de bater na porta de
sua casa, mas eu não tinha mais nada a perder.
Estaciono em frente a sua enorme casa e caminho pelo jardim
bem cuidado sentindo o cheiro de grama fresca recém-cortada. Na
garagem, dois carros caríssimos estavam estacionados. Observo
cada detalhe até parar em frente a enorme porta de ferro preta,
aperto o interfone e sou atendida por uma moça sorridente. Ela
parecia um raio de sol. As suas roupas eram coloridas e, em seu
corpo, havia diversas tatuagens e piercings espalhados. Ela parecia
uma pessoa muito divertida e cheia de personalidade.
— Bom dia, posso ajudar?
— Bom dia — retribuo o sorriso. — o Brian está?
— Você é…?
— Sophie! Eu sou a fisioterapeuta dele.
— Tão novinha! — ela ri. — Eu deixaria você entrar e até te
serviria um cafezinho, mas o Brian não quer receber visita.
— Eu preciso vê-lo, é muito importante — digo com firmeza.
— Se eu deixar você entrar, ele vai brigar comigo.
— Desculpa perguntar, mas você é…
— Dayane. Muito prazer! — ela estende a mão para me
cumprimentar. — Eu sou a madrasta do Brian. Ah, e pode me
chamar de Day, e jamais me chame de senhora — sorrio com a sua
simpatia.
— Day, eu posso ver o Brian? É realmente importante. Eu tomo
toda a culpa, não se preocupe — ela coça a orelha pensativa.
— Entra correndo e finge que eu não consegui te impedir — ela
me dá passagem e dá uma risada contida. — Ele está ali — ela
aponta e o vejo sentado no sofá sozinho olhando para o nada. Day
me deixa sozinha e caminho até ele. Claramente, Brian derrotado e
deprimido. O seu cabelo desarrumado e sem gel acusavam que ele
havia acordado há pouco tempo. Em dois anos em que estudei com
Brian eu nunca o tinha visto tão desleixado. Ele sempre estava bem
cuidado e arrumado na escola, completamente diferente do que
estava ali diante dos meus olhos. Desacreditei quando vi que ele
vestia a camiseta do time da nossa escola. Eu não tinha mais a
minha. Isso tudo só evidenciava o quanto aquele momento estava
sendo complicado.
— Bom dia! — digo com firmeza ganhando o seu olhar franzido.
— O que você está fazendo aqui? Quem te deu o meu
endereço? Quem deixou você entrar? E com que direito você vem a
minha casa?
— São muitas perguntas para serem respondidas a essa hora
da manhã — brinco.
— Vai embora!
— Eu vou assim que você me responder o porquê você
abandonou a Fisioterapia. É por minha causa? — ele ri da minha
pergunta.
— Com certeza. Eu simplesmente desisti de recuperar o que eu
mais amo na minha vida por causa de um micro ser humano como
você.
— Por que você desistiu? — ignoro o seu deboche.
— Eu não tenho que te dar explicações.
— O que está acontecendo com você, Brian? — sento-me ao
seu lado sem ser convidada.
— Você é muito inconveniente!
— Eu estou preocupada com você.
— Preocupada comigo? — as suas caras e bocas eram
irritantes.
— Você é meu paciente, é natural que eu me preocupe.
— Você é uma estagiária.
— Você continua sendo o meu paciente mesmo assim. É difícil
para você aceitar que a sua colega do ensino médio é a sua
fisioterapeuta?
— Você é auxiliar do meu fisioterapeuta.
— Que me deixou sozinha comandando as suas sessões.
— Que não serviram para nada.
— Eu ainda não faço milagres.
— Poderia. Assim você serviria para alguma coisa.
— Ok, isso está ficando chato. Brian, você não pode desistir!
— Olha só, se você veio até aqui tentar me convencer a voltar
para a Fisioterapia perdeu o seu tempo.
— É o seu sonho! — ele processa a minha frase e o seu olhar
ganha uma intensa tristeza. O Brian carrancudo estava vulnerável.
— Era! Eu perdi o meu sonho.
— Você não pode desistir, Brian. Eu sei que você ouviu que não
poderá mais jogar, mas eu acredito que você pode — Brian me olha
nos olhos.
— Você é muito sonhadora.
— Eu tenho fé. Você deveria ter também. Para Deus nada é
impossível!
— Sophie, eu sou ateu — ele diz com mansidão, mas aquela
frase me atingiu como um golpe de uma faca no meio do meu
coração. O seu olhar era frio ao dizer isso.
— Deixa te ajudar? — peço.
— Por que você está fazendo isso? Por que faz tanta questão?
— Porque eu estou vendo um sonho sendo jogado fora sem ao
menos você tentar lutar por ele.
— Você acha que é fácil?
— Não, não acho.
— Dói ver os meus colegas de time vestindo a camisa e
participando de jogos que eu queria jogar enquanto a minha camisa
está guardada pegando pó e eu aqui, com essa porcaria de joelho
lesionado — suas palavras eram ditas em alta velocidade fazendo-o
quase perder o ar.
— Só você pode mudar isso.
— Depois de tudo o que aconteceu no ensino médio, por que
você quer me ajudar?
— Porque você não é mais o meu colega do ensino médio, e eu
sempre vou odiar o que você fez, mas, hoje, você é o meu paciente
e eu estou aqui como profissional. Eu não sou sua amiga, Brian —
ficamos em silêncio por alguns segundos. — Sabe… talvez você
acredite que você não voltará a jogar assim como eu ouvi que eu
não seria fisioterapeuta. Eu ainda não sou de fato, mas eu estou
aqui, como uma simples estudante no tratamento do melhor jogador
de Football da atualidade — ele luta para conter o sorriso após o
meu elogio. — Como teria sido se eu não acreditasse em mim? Se
você não acredita em você, por que os outros acreditariam? Eu não
quis viver com o arrependimento de não ter tentado. Você quer?
— Eu não quero me iludir, só isso.
— Vamos supor que você realmente não jogue mais. Sem a
Fisioterapia, você ficaria com a sua perna travada. É isso que você
quer? Além de não jogar, você vai prejudicar qualquer outra coisa
que você queira fazer — ele fica pensativo. — Você precisa voltar!
— Eu sei… — ele respira fundo —, mas o meu tratamento vai
levar meses.
— Os meses vão passar do mesmo jeito fazendo o tratamento
ou não. Você pode vê-los passar sentado se lamentando ou pode
viver lutando para voltar a sua vida normal.
— Não tem como ser mais rápido?
— Não. O seu corpo precisa descansar. Se forçar para obter
resultados rápidos pode gerar complicações. Mas… — proponho
algo que provavelmente me arrependeria depois —, se você voltar,
eu me comprometo a vir te ajudar com os exercícios caseiros que o
Spencer vai te passar em breve.
— Que tipo de exercícios?
— São exercícios leves que você pode fazer sozinho.
— E você está propondo a vir até aqui para me ajudar?
— Sim! Para você não perder o foco e se manter em disciplina.
— O que você está querendo? — ele desconfia.
— Que você volte a jogar, a andar, a viver normalmente. Esse é
o meu sonho como profissional. Eu posso te ajudar nisso se você se
ajudar também. Eu não estou aqui para garantir o seu futuro ou
realizar um milagre. O que você precisa para chegar lá é o seu
esforço. Se fizermos cada um a sua parte conseguiremos o nosso
objetivo. E, nitidamente, você não é o Brian que eu conheci na
escola. Você era cheio de energia, confiante em si mesmo,
acreditava no seu próprio talento como ninguém.
— Realmente, eu não sou mais aquela pessoa.
— Você é jovem e tem isso a seu favor. A sua recuperação será
um sucesso se você fizer a sua parte.
— Você acredita mesmo que eu posso voltar a jogar? O
Spencer não parece acreditar nisso.
— Eu não tenho dúvidas! Porém, você precisa acreditar nisso
também e fazer todo o esforço valer a pena. Posso marcar a sua
sessão para amanhã? — ele balança a cabeça positivamente com
uma expressão carregada de desconfiança. — Ótimo! Até amanhã!
— levanto-me e caminho em direção à porta, mas volto em seguida.
— Ah, e não briga com a Day, ela tentou me impedir de entrar,
mas…
— Mas a sininho passou voando para cá — rio.
— Isso — sorrio e saio da casa de Brian agradecendo a Deus e
orando para que ele apareça na próxima sessão.
06
Abro um sorriso largo ao ver Brian entrando na sala com as
suas muletas e o ajudo a se acomodar na maca. A sua expressão
era serena, mas eu precisava tomar cuidado para que ele não
desanimasse, qualquer palavra poderia ser um banho de água fria.
Em minhas pesquisas sobre o psicológico dos pacientes dizia que
era importante mostrar a segurança e a positividade. No meu
coração, eu realmente acreditava na recuperação de Brian. Eu
conhecia o Deus para quem eu orava e sabia do Seu poder de cura.
Spencer, que estava de bom humor, passa-me as instruções e vai
flertar com Amanda. Os gritos de Brian não estragavam o clima
romântico na recepção. A dobra do joelho era dolorida não apenas
para ele, mas para qualquer pessoa que o ouvisse. Realmente
parecia uma sessão de tortura. Ele estava sofrendo muito, e ainda
precisava de muitas sessões para conseguir a dobra perfeita. Eu
entendia a sua pressa. O tratamento era lento, mas não havia outro
caminho. Ele precisava passar pelas dores para a chegada do novo
em sua vida. Quem nunca passou por uma dor extrema, por mais
que tente entender, nunca saberá de fato o que é sentir na pele. Os
gritos de Brian cessaram e deram lugar ao choro, o que partiu o
meu coração.
— Eu não consigo mais — ele diz deitado de barriga pra cima
enquanto suas mãos tampavam o seu rosto. — Dói muito! — ele
chorava como uma criança.
— Brian, não se pressione. Essas coisas levam tempo. Você
está indo bem. Nada está fora do normal, acredite em mim.
— Eu perdi tudo — ele desabafa. — Eu não podia ter perdido
tudo, eu não podia!
— Você está aqui para reconquistar tudo!
— Eu quero ficar sozinho — ele pede com esforço. Deixo Brian
contaminada pela sua tristeza caminhando com o meu desânimo e
preocupação pelo corredor. Eu não sabia mais o que fazer para
ajudá-lo. Aproximo-me de Spencer, que estava com cara de bobo
derretido conversando com Amanda. Ele disfarça e se recompõe
com a minha presença.
— Como está o nosso campeão? — ele pergunta ajeitando a
postura.
— Mal. Ele pediu para ficar sozinho.
— Eu estaria assim se estivesse no lugar dele.
— Ele precisa de um incentivo positivo — digo. Amanda dá uma
leve risadinha.
— Ele precisa de Fisioterapia para voltar a andar, só isso. Ele
não vai voltar a jogar, Sophie, esquece!
— Ele vai voltar!
— Eu sou o mais interessado em fazê-lo voltar a jogar, Sophie.
Eu seria o fisioterapeuta mais procurado por causa da fama do
Brian. Eu teria vários pacientes, daria entrevistas e ganharia uma
boa grana. Você acha que eu não pensei nisso? Claro que já! Mas a
realidade diz outra coisa. Não adianta dar murro em ponta de faca.
O Brian vai ficar frustrado, e eu também.
— Quando ele vai poder fazer os exercícios caseiros? — ignoro
o egoísmo de Spencer.
— Hoje mesmo! Vamos lá falar com ele.
Brian estava sentado com a cara nítida de quem acabara de
chorar e bastante envergonhado. O seu semblante sério era
deprimente. Eu nunca o tinha visto daquele jeito. O jogador de
Football mais admirado, com postura confiante e ar de superioridade
desaparecera dando lugar a uma pessoa frágil e abatida. Era visível
que Brian não absorvera nem uma palavra sequer que Spencer lhe
dizia enquanto explicava os exercícios caseiros.
— Por hoje é só, campeão — Spencer ajuda Brian com as
muletas e ele sai em silêncio e de cabeça baixa.
— Esse aí está no fundo do poço, a cara da derrota — os
comentários de Spencer estavam começando a me tirar do sério. Eu
precisava de alguém que acreditasse em Brian tanto quanto eu e,
então, eu fui atrás da Dra. Brianna novamente. Dessa vez, com um
pedido bem diferente que da última vez.
— Você me disse que eu precisava acreditar em mim mesma e
que eu era capaz de estar no caso do Brian. Eu preciso que você
também acredite que ele pode voltar a jogar.
— Sophie, eu acredito que ele possa, mas os exames dizem
que não, entende? Eu não duvido de nada, eu já vi muitas coisas
sobrenaturais acontecerem diante dos meus olhos.
— E o Brian será mais uma dessas pessoas a viver o
sobrenatural! — encho a boca para falar.
— Você mudou da água para o vinho. Da última vez, você
estava aqui pedindo demissão e agora quer ajudar o Brian a todo
custo.
— Eu precisava ouvir o que você me disse. Eu quero ver o
Brian jogar, mas eu preciso que você o incentive a isso também. Ele
está completamente desmotivado.
— Sophie…
— Ele confia em você, Dra. Brianna.
— Eu não posso mentir para ele.
— Eu jamais te pediria isso. Ele não quer mais ir à Fisioterapia
nem para conseguir voltar a andar normalmente. Se ele voltar a
andar, eu acredito que ele se sentirá mais animado para próxima
etapa. Eu só estou pedindo que você o incentive a voltar ao
tratamento, eu não sei se consegui convencê-lo totalmente.
— Tudo bem. Eu vou conversar com ele.

Os finais de semana eram momentos oportunos para fazer uma


organização da semana que estava para começar. Cada minuto do
meu tempo era dedicado aos estudos, aos trabalhos e revisões das
matérias e, também, pesquisas sobre o caso de Brian. Quando eu
finalizava todas essas pendências eu tirava um tempo para mim. Eu
sempre gostei de cuidar dos meus cabelos, da minha pele e da
mente. Enquanto os meus cabelos estavam melecados de creme
hidratante e o meu rosto colorido por alguma máscara de argila, eu
lia algo que me edificasse ou simplesmente servisse como
distração. A vida é uma loucura, é necessário se dar um descanso.
O próprio Deus descansou e nos orienta a fazer o mesmo.
Ultimamente, a pressa em viver e realizar coisas me consumia ao
ponto de deixar as melhores coisas da vida passar diante dos meus
olhos. Ainda que a sensação de chegar em casa, tirar os sapatos
apertados e a roupa suada fosse maravilhosa, eu não conseguia
realmente sentir a satisfação de mais um dia cumprido com
excelência. Eu não estava vivendo a vida, eu apenas estava
fazendo um check list de tarefas. Eu quero aproveitar cada
momento. Se o trânsito impedir a minha pressa, o que eu posso
fazer enquanto espero? Irritar-me não pode ser uma opção, pois
isso não fará abrir um caminho em meios aos carros para que eu
possa passar. Definitivamente, eu não queria essa vida sem
intenção e propósito, eu não queria viver uma vida baseada em
quantidade de coisas que eu fiz, mas na qualidade em que realizei
todas elas. Eu quero, um dia, estar com um paciente e ser a melhor
fisioterapeuta que ele conheceu. Eu quero ter satisfação de ter feito
um bom atendimento, quero fazer tudo com excelência como a
própria Bíblia nos ensina. Tudo o que eu fizer quero que seja para a
glória de Deus através da minha vida, do meu comportamento, das
minhas escolhas, do meu tempo. Eu achava que não seria difícil
considerando que o meu primeiro paciente seria qualquer pessoa,
menos Brian. No fundo, eu mantinha a positividade e um olhar
profissional, mas a maior parte de mim se encontrava na defensiva
pronta para outro momento estressante com ele.
— Animado? — pergunto a Brian quando ele chega à clínica
para a próxima sessão, ele responde dando de ombro claramente
sem ânimo.
— A Dra. Brianna pediu para que eu passasse no hospital para
conversar com ela.
Eu tinha esperanças que através do incentivo dela, Brian
conseguisse levar a sério dali para frente. Spencer, por mais
conhecimento e experiência que tivesse, não vinha tratando o caso
de Brian com comprometimento, o que muito me indignava. Ele
passava maior parte do tempo dando em cima da recepcionista.
Naquele dia, Brian fez alguns exercícios de dobra de joelho. Mas,
diferente do que Spencer pediu, respeitamos o seu limite, o que
gerou menos dor e menos reclamações e comentários
desagradáveis. Brian sempre foi falante na escola e, ultimamente,
não tenho escutado mais do que algumas frases específicas sobre a
dor ou seu descontentamento pelo ocorrido com o seu joelho. Eu
não conseguia entender exatamente o que se passava com ele
além do que estávamos tratando, mas, para mim, havia algo a mais
o preocupando. Como nunca fomos próximos, eu não sabia se o
seu silêncio era por falta de intimidade ou por desmotivação, talvez
um pouco dos dois. Eu só saberia o resultado da conversa com Dra.
Brianna à tarde quando me encontraria com Brian em sua casa para
os exercícios. E assim aconteceu. Quando cheguei à sua casa, fui
recepcionada novamente por Day. Os seus lindos olhos castanhos
brilhavam. Eu me sentia acolhida e bem-vinda apenas pela sua
presença.
— Entra, meu bem. O Brian está na academia te esperando
para vocês começarem os exercícios. Pode ir até lá, fica do outro
lado da piscina, tem uma porta de vidro enorme — caminho pelo
enorme quintal e passo ao lado da piscina em direção à academia
particular de Brian. Sem pressa, e lembrando-me da minha reflexão,
aproximo-me da porta aberta da academia vejo Brian sentado em
um banco comprido com a perna esticada e de costas para mim. Ele
falava ao celular.
— Claro, meu amor! — ele diz. — Eu também estou com muita
saudade. Eu te amo! Beijo.
Brian Winters apaixonado? Eu nunca tinha visto aquela cena
antes. Quando ele deu em cima das minhas amigas, claramente,
mostrava puro interesse sexual. Mas, ali, diante de mim, o tom de
voz de Brian estava completamente diferente. Era puro. Bobo, eu
diria. Cada palavra que eu ouvi era perceptível que ele as dissera
sorrindo.
— Bom dia! — digo ainda um pouco chocada após ele desligar
o telefonema.
— Oi, Sophie. Eu estava te esperando! — ele diz com um leve
sorriso. — Eu conversei com a Dra. Brianna. Ela disse que eu tenho
pouquíssimas chances, quase nulas de voltar a jogar, mas que a
Fisioterapia era a única maneira de reverter isso de alguma forma.
Então, não tem outro jeito. Se a Fisioterapia é o que preciso fazer
para voltar a jogar, é exatamente isso que eu vou fazer — eu o olho
com toda a minha atenção para acompanhar a sua fala acelerada.
Ele silencia esperando que eu diga alguma coisa, mas o meu
raciocínio falha enquanto encaro Brian sorrindo feito uma boba. —
Que foi? — ele pergunta.
— Nada — desperto. — Eu só estou orgulhosa de você, e muito
feliz com a sua decisão — ele fica sem jeito quando digo isso, e
percebo que ele engole a seco diante do constrangimento que ficou.
— Vamos começar, então — digo quebrando aquele clima estranho.
Agradeço a Deus em pensamento pela resposta de oração. E,
juntos, começamos a fazer os exercícios caseiros propostos pelo
Spencer. Brian estava focado e suportou a dor até completar todos
os exercícios.
— Obrigado por vir, Sophie. Eu não sei se eu manteria a
disciplina sozinho — ele diz enquanto guardo as minhas coisas na
bolsa para ir embora.
— Eu sei, por isso eu propus.
— Você vem amanhã também? — balanço a cabeça
positivamente.
É essencial conhecer o paciente para saber como ele funciona
e quais são suas dificuldade e habilidades, para que assim
possamos desenvolver um trabalho respeitoso. Despeço-me de
Brian com o coração satisfeito e grato. E passo essa gratidão logo
pela manhã do dia seguinte a Dra. Brianna ao esbarrar com ela na
calçada da clínica.
— Você estava certa, Sophie, ele precisava de um incentivo. Eu
não estou tendo contato direto com ele como vocês estão. Eu não
sabia o tamanho de sua desmotivação. Eu fico feliz que ele esteja
melhor.
— Você é ótima em motivar as pessoas!
— Quem realmente o motiva tem nome e sobrenome. Ela quem
o fez mudar de ideia rapidinho. Eu só dei uma cutucada no ponto
fraco dele — ela pisca. Provavelmente, ela estava falando da
pessoa que Brian falava apaixonadamente ao celular.
— Quem? — pergunto descaradamente.
— Dra. Brianna — um enfermeiro a chama —, com licença, eu
posso falar com você? É urgente.
— Sophie, eu preciso ir. Hoje o dia vai ser uma loucura! — Dra.
Brianna segue para sua rotina de trabalho enquanto eu fico
pensando a quem ela se referia. Com certeza aquela que tinha
nome e sobrenome era a namorada de Brian. A mulher que
milagrosamente roubou o seu coração.
07
As dores não deixaram de fazer presença, mas Brian vinha
mantendo o seu foco sem desistir, e eu podia respirar aliviada
sabendo que ele estava fazendo a sua parte no tratamento. Pelo
menos, era o que eu pensava. Naquela tarde chuvosa, fria e
preguiçosa, encontro Brian na academia com a expressão
deprimida.
— Tudo bem com você? — ele lança um olhar raivoso e não
responde.
— Vamos começar logo — ele se acomoda puxando a manga
da blusa de moletom preta. Observo no movimento de sua mão que
um curativo rosa com estampa da Hello Kitty estava em volta de seu
dedo indicador. Era um contraste e tanto. Aquele curativo delicado
não combinava com ele.
— Você cortou o dedo? — pergunto, ele olha para o curativo e
o arranca.
— Não foi nada. Era o que a Day tinha.
— Ela tem uma personalidade única.
— Você não faz ideia!
— Brian — a voz de Day vem pelo quintal —, a Clara vem hoje
à noite.
— Tá bom. Obrigado, Day — então esse era o nome da
suposta namorada de Brian. Clara merecia um prêmio por suportar
alguém tão ranzinza.
Brian estava bastante calado, não reclamou de dor nem dos
exercícios, mas as suas expressões faciais falavam por si.
— Você foi muito bem hoje — digo ao finalizarmos.
— Obrigado — ele diz de maneira seca tentando se equilibrar
na muleta.
— Disciplina e pensamentos positivos são importantes nesse
processo. E, claro, manter o seu sonho em foco.
— É mais do que um sonho, Sophie. O Football é a minha
paixão, o meu sustento, é o meu trabalho, a minha vida. E eu
preciso de dinheiro para… — ele pausa e não conclui o que
pretendia. — Enfim, eu quero muito voltar e tenho um motivo
importante para isso. O mais importante, eu diria.
— Você vai voltar! Sempre tenha isso em mente.

Algumas Semanas Depois


Eu havia desenvolvido uma habilidade: a de lidar com
diferentes humores de Brian e sua inconstância emocional. Porém,
naquele dia em específico, o desafio era, dessa vez, o Spencer que
estava com cara de poucos amigos. De sua boca saem palavras
básicas e certeiras.
— Está tudo bem com você? — pergunto assim que Brian vai
embora de mais uma sessão daquela manhã abafada.
— A Amanda me deu um fora. Ela não quer mais saber de mim
e eu não sei por quê. As mulheres são totalmente sem noção.
Primeiro elas te envolvem e depois te largam.
— Eu poderia falar a mesma coisa sobre os homens. Isso
acontece dos dois lados, Spencer.
— O que eu fiz de errado, Sophie? Eu estou arrasado —
cheguei a ficar com pena dele.
— Talvez ela não esteja no mesmo momento que você.
— Ela foi cruel. Eu tenho certeza que ela está com outro. Eu
queria tanto ela, entende?
— Eu sei que é difícil, mas não existe somente a Amanda no
mundo. Olhe ao seu redor e verá que tem pessoas incríveis — ele
ouve o meu conselho enquanto me olha nos olhos. — Eu preciso ir.
Fique bem! — encosto a mão em seu braço como forma de conforto
e sigo para a minha casa.

Brian
— E aí, meu campeão? — Spencer me cumprimenta com um
sorriso enorme que fazia com que eu me questionasse como ele
conseguia ter tanto bom humor àquela hora da manhã. — A Sophie
está atrasada por causa da chuva. Vamos começar sem ela, está
bem? — assinto enquanto me acomodava na maca. — Aliás, meu
amigo, que bom que você está sentando. Eu preciso contar uma
coisa para você. A Sophie está afim de mim — ele sussurra.
— Como é? — seguro a risada.
— A Sophie estava me consolando ontem porque eu levei um
pé da tonta da Amanda, mas o que essa tonta não sabe é que o
cara aqui é um sucesso — ele se gaba.
— Espera aí, deixe-me ver se eu entendi direito. A Sophie, a
estagiária e sua assistente, está afim de você?
— Sim, cara.
— O que ela disse exatamente para que você pensasse isso?
— Ela disse que há muitas mulheres no mundo e bastava eu
olhar a minha volta. Ela, obviamente, estava falando dela, irmão.
— Foi isso que você entendeu?
— Não é óbvio? — eu tentava disfarçar a cara de deboche, mas
não sei se consegui.
— Na verdade, o que entendi foi que além da Amanda há
outras mulheres, e isso não necessariamente inclui a Sophie.
— Você está com inveja — rio.
— Qual é, Spencer? A Sophie é muito careta para mim, não faz
o meu tipo. E sinto te informar, mas você também não é o tipo dela.
— Como você sabe? — ele cruza os braços.
— Eu conheço a Sophie há anos.
— Como assim? De onde você a conhece?
— Nós estudamos juntos no ensino médio.
— Sério? — assinto. — Por que não me disse isso antes?
— Porque não era nada demais.
— Isso me deu uma boa ideia! Você poderia falar com ela sobre
mim.
— Não, não me coloque no meio disso.
— Qual é, Brian? Você me ajuda com a Sophie, e eu te
apresento uma amiga minha, que é muito gata!
— Não, estou bem, obrigado.
— É só falar com ela, Brian. O que custa?
— E falar o quê?
— Diz algo como “Você viu, Sophie, como o Spencer é um cara
incrível, bonito, solteiro e tal?”.
— Está falando sério?
— Muito sério! — ele realmente falava sério.
— Eu vou ver o que eu posso fazer por você.
— E se a Sophie for o amor da minha vida?
— Até ontem você achava isso da Amanda.
— Mas a Sophie mexeu comigo. Eu nunca tinha me dado conta
o quão linda ela é. Ela é tão meiguinha, tão pequenininha…
— Você sabe que ela é crente, né?
— As certinhas são o meu ponto fraco, irmão.
— Eu nunca vi a Sophie com ninguém na escola. Não sei o
quanto de chance você tem. Ela, provavelmente, nunca beijou na
boca e deve estar se guardando para o casamento igual a minha
avó em 1950.
— Talvez eu seja quem ela está esperando.
— Cara, você tem uma autoestima invejável.
— Eu vou te apresentar a minha amiga como forma de
agradecimento. Ela trabalha aqui. O nome dela é Samantha. Ela é
linda, te garanto.
— Ah, é? E por que você não sai com ela?
— Por que nós somos muito amigos. É um pouco estranho para
gente, entende?
— Sim, totalmente.
— Ah, Brian, eu não posso deixar de te agradecer.
— Pelo o quê?
— Por ter voltado para Fisioterapia.
— A Dra. Brianna me convenceu.
— Graças a Sophie, minha anjinha, que falou com ela.
— A Sophie falou com a Dra. Brianna?
— Sim. Eu encontrei a Dra. Brianna mais cedo, e ela me
perguntou como você estava indo e acabou me contando da
conversa dela com a Sophie. Se você não tivesse voltado, além das
complicações com o seu joelho, ela teria perdido o estágio e eu não
poderia mais vê-la — começo a ligar os pontos.
— Ela perderia o estágio se eu não voltasse?
— Sim. E também perderia a oportunidade de indicação para o
primeiro emprego ou uma vaga aqui mesmo no final da faculdade. E
para que isso aconteça ela precisa apresentar resultados do seu
tratamento. E sabe o que eu ouvi dizer? — ele abaixa a voz. —
Estão dizendo que a mãe da minha anjinha comprou a vaga de
estágio dela. Parece que a Sophie não tinha nota suficiente para
entrar. Mas, pelo o que tudo indica, a Sophie não sabe disso. Eu
não sei se é verdade. Eu ouvi um pessoal comentando sobre os
novatos — ele dá de ombros.
Agora tudo fazia sentido. Então foi por isso que a Sophie se deu
o trabalho de ir até a minha casa me convencer a continuar. Ela não
poderia perder a chance de ouro que o hospital lhe oferecia. Era
óbvio. Era puro interesse. Sophie jamais se preocuparia comigo.
— Bom dia! — ela chega para a sessão e entra na sala
apressadamente. Sigo-a com o olhar em cada movimento que ela
faz. — Desculpa pelo atrasado, a chuva causou um trânsito horrível!
— Tudo bem, Sosô. Eu separei os exercícios e vou deixar você
comandar novamente porque você está indo muito bem — com
rapidez, Spencer sai da sala lançando-me um olhar que dizia para
que eu conversasse com Sophie sobre ele.
— Como você está hoje? — ela pergunta e se aproxima da
maca com aquele sorriso sonso.
— É por isso que você queria que eu voltasse, não era? —
disparo.
— Não entendi.
— Spencer me contou que se eu desistisse da Fisioterapia você
perderia a sua vaga no hospital, e por isso você foi a minha casa
aquele dia, não foi?
— Você acha que eu fui até sua casa por causa disso?
— Obviamente.
— Mas eu realmente quero que você volte a jogar, não é
apenas pelo estágio.
— Você precisa apresentar resultados no final do estágio,
certo? E, por isso, foi até minha casa me convencer. E claro que
você pediu a Dra. Brianna que me dissesse palavras bonitas e
incentivadoras para que você garantisse o seu lugar ao sol, não foi?
— Eu li sobre o seu caso e vi que muitos pacientes precisam de
motivação por estar com o psicológico abalado. Eu vi a sua
desmotivação e, por isso, eu conversei com a Dra. Brianna. Ela te
conhece, tem experiência, e claro, é uma excelente médica e…
— Uma excelente médica que entrou na faculdade, tirou ótimas
notas e conquistou por ela mesma o cargo que ocupa, não é?
— Sim, com certeza.
— Diferente de você que precisou comprar a sua vaga de
estágio.
— Como assim? — ela parece não entender.
— Além de você ser sonsa, Sophie, você é uma profissional
meia boca. A sua mamãe precisou comprar a sua vaga de estágio
porque as suas notas não eram suficientes para o cargo.
— Eu entrei aqui pela nota, assiduidade nas aulas e
recomendação dos professores — ela parecia nervosa, rio.
— Não, Sophie. Você entrou aqui por comprar uma vaga
desonestamente ocupando o lugar de outra pessoa que estudou e
merecia estar aqui. E, como você não se garante, optou por outros
meios para não perder o paciente e, consequentemente, a sua vaga
no melhor hospital do país. Audaciosa!
— De onde você tirou isso? — ela pergunta com a voz trêmula.
— Ah é, você não sabia disso, foi mal! — finjo preocupação e
paro os exercícios. Saio da maca, apanho lentamente as minhas
muletas, paro diante dela. — Deve ser horrível ser você! — sigo em
direção à porta encerrando a sessão que mal havia começado.
08
— Sophie! — minha mãe dispara a falar assim que eu entro em
casa. — Você se lembra de uma amiga minha que tem uma filha da
sua idade? Ela está voltando do intercâmbio dos Estados Unidos.
Eu tenho certeza que vocês serão ótimas amigas!
— Você não faria isso comigo, não é? — digo torcendo para
que fosse tudo mentira de Brian.
— Qual é o problema em fazer uma nova amizade?
— Eu não estou falando sobre isso, mãe.
— O que é, então?
— Eu soube que você comprou a minha vaga de estágio. É
verdade?
— Como você soube?
— Então, é verdade? — o meu coração dói. — Como você
pode fazer isso comigo? Eu sou a sua filha! — eu estava brava, e
ela, inesperadamente, começa a gargalhar, e isso me deixa com
mais raiva.
— Você precisava ver a sua cara! — ela ri novamente. — Ai,
Sophie, para de ser tonta, é óbvio que não! De onde você tirou isso?
Mas…, pensando bem, não teria sido uma má ideia, não é? Você é
aluna mediana e entrou lá por sorte, sei lá como.
— Tem certeza de que você não sabe como?
— Tenho, Sophie. Para de drama! E mesmo se eu tivesse feito,
você deveria me agradecer. Você tem noção de como isso influencia
na sua carreira? Você está tratando o caso do Brian Winters! — ela
diz como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio.
— Você quer que eu seja reconhecida pelo Brian Winters ter
sido o meu paciente?
— E você tem uma ideia melhor do que ser reconhecida por ter
sido a fisioterapeuta de um dos melhores jogadores de Football
Americano da atualidade no nosso Estado? Isso não é maravilhoso?
— De forma desonesta? Não, não é! — digo brava e
inconformada. — Eu não quero ser reconhecida como uma boa
fisioterapeuta por eu ter tido Brian Winters como meu paciente. Eu
quero ser uma boa fisioterapeuta, ponto. E, por causa disso, Brian
Winters me contrataria. Percebe a diferença? — ela revira os olhos.
— Se você tivesse essa capacidade toda seria uma boa
alternativa, mas não é o seu caso. Aproveita a oportunidade que
conseguiu e deixa de ser tonta, Sophie.
— Qual é a dificuldade em acreditar em mim, mãe? Eu sou
realmente tão ruim assim aos seus olhos?
— Ai, Sophie, não começa! No final do ano você estará
terminando o seu estágio, Brian estará recuperado e sua carreira
será um sucesso. E, sim, por causa dele.
— Mãe… — aproximo-me dela —, olha nos meus olhos e me
diz a verdade — eu não conseguia acreditar nela. Ela se posiciona
lentamente na minha frente, cruza os braços e me olha nos olhos.
— Eu não te devo nenhuma explicação. Coloque-se no seu
lugar. Eu já disse que eu não fiz nada. Se você não acredita, não é
problema meu — mordo os lábios para evitar que palavras cortantes
saiam da minha boca, pois com certeza me arrependeria depois.
Mesmo não acreditando nela, encerro aquele assunto e tomo uma
decisão.

Brian
Naquela manhã, após me ajeitar na maca do consultório da
Dra. Brianna, vejo em cima de sua mesa os resultados dos meus
exames. Eu torcia para que eu estivesse me recuperando de forma
surpreendente. Antes que ela fechasse a porta para dar início a
minha consulta, Sophie aparece. A sua cara de surpresa ao me ver
era nítida.
— Desculpa, eu não sabia que estava atendendo. Eu volto
outra hora.
— Tudo bem. Entre, você faz parte do caso.
— Na verdade, não mais — ela diz, e eu observo a conversa
entre as duas em silêncio.
— Como assim?
— Eu estou me demitindo e, não, dessa vez, eu não volto atrás
— Sophie diz, e Dra. Brianna lança-me um olhar em seguida.
— O que foi? — pergunto. Ela retoma o olhar para Sophie.
— Entra, Sophie. Vamos resolver isso.
— Eu posso esperar aqui fora.
— Você ainda é funcionária desse hospital e eu ainda sou a sua
superior, então, eu peço, por gentileza, que entre na minha sala, por
favor — Sophie entra com o rabo entre as pernas segurando
algumas papeladas.
— O que está acontecendo aqui? — Dra. Brianna pergunta
cruzando os braços e o silêncio toma conta. Sophie me encara e eu
retribuo friamente. — Eu estou esperando alguém me responder.
— Ela/Eu não deveria estar aqui — Sophie e eu dizemos a
mesma frase ao meu tempo em sincronia alterando apenas o
pronome. E isso deixa Dra. Brianna com um olhar indagável.
— Por que você não deveria estar aqui, Sophie?
— Porque há boatos de que a minha mãe comprou a minha
vaga.
— Boatos? — debocho.
— Como assim, Sophie? — Dra. Brianna estava confusa.
— Como eu disse são boatos. Eu a questionei, ela negou.
Porém, como isso pode tomar uma proporção maior e gerar um
grande problema, e pelo Brian estar insatisfeito comigo, eu acho
melhor eu abrir mão da minha vaga.
— E eu não posso ser tratado por alguém com a vaga
comprada, não é? — ambas me olham processando aquela
situação.
— Sophie, eu aprecio a sua honestidade, mas…
— Eu vim aqui pedir para que você assine a minha desistência.
Eu sinto muito, mas eu não vou mais aparecer nas sessões do Brian
sendo que ele mesmo não deseja isso, e ele tem todo direito.
— Você deveria estar cursando Artes Cênicas — digo.
— Olha só, eu entendo que é uma situação um tanto
complicada. Mas, Brian, eu estou com os resultados dos seus
exames. Há um progresso significativo — o meu coração dispara
com a notícia —, e eu soube pelo Spencer que a Sophie tem
participado muito dos seus exercícios — olho para ela e lembro-me
de todas as ausências de Spencer nas sessões. — Você gostando
ou não, ela esteve lá com você. Você deveria ser pelo menos um
pouco grato. Ela é uma excelente profissional ainda que não seja
uma oficialmente.
— Nem honestamente pelo o que parece — não me aguento
ficar calado.
— E, você, Brian — ela ignora o que eu disse —, tem se
esforçado bastante. E, pelo o que eu vi e ouvi sobre você, a
desmotivação havia tomado conta. E quem te ajudou nisso também
foi a Sophie. Então, saiba que você está perdendo uma pessoa
muito importante no seu processo de recuperação.
— Não existe só ela. Há outras pessoas no mundo, basta olhar
em volta — ela me olha possivelmente recordando da frase que
dissera a Spencer.
— É verdade! Há muitos profissionais incríveis, mas nenhum
desses será a Sophie. Tem certeza de que quer isso?
— Tanto faz — digo com indiferença.
— Sophie, eu vou cuidar do seu caso e assim que possível eu
entro em contato, tudo bem?
— Claro! Obrigada — Sophie sai da sala mostrando derrota me
deixando sozinho com a minha médica.
— Então, vamos ao que interessa. Eu estou melhor? Quando
eu posso voltar a jogar?
— Não é assim, Brian. Há uma melhora significativa, eu não
estou te dando alta. Eu conversei com o Spencer e ele me contou
que você está quase na dobra perfeita. Meus parabéns!
— Obrigado — sorrio.
— Acredito que em mais algumas sessões você conseguirá
andar sem o auxilio das muletas. E quando isso acontecer, eu
espero que não ande para cima e para baixo ou corra uma
maratona. Você não pode fazer isso ou voltará à estaca zero. E
sobre a Sophie…
— Eu não ligo para essa impostora — interrompo-a.
— Ela não é impostora, Brian. A Sophie me pediu demissão na
sua primeira sessão. Ela não estava nem um pouco preocupada
com o futuro dela quando fez isso, eu que precisei frear a sua
decisão. Ela estava verdadeiramente preocupada com você, até
pesquisou e estudou sobre seu caso, conversou com professores e
me pediu para que eu te motivasse. Ninguém me contou isso, eu vi.
Ela será uma excelente fisioterapeuta, e quando isso acontecer,
Brian Winters vai lamentar por não ter sido o paciente dela.
— Bom, ela vai acabar saindo do estágio de um jeito ou de
outro depois do que a mãe dela fez.
— E se for mentira? Você acha justo vocês dois perderem essa
oportunidade? Vocês estão indo muito bem! A Sophie tem muito
potencial!
— E uma péssima família — digo por fim, e Dra. Brianna sorri
desistindo de argumentar comigo.
— Conta para mim, Brian, como está a Clara?
— Está bem. Eu vou me encontrar com ela hoje — sorrio.
— Eu fico muito feliz por vocês! Ela é um doce!
— Com ela, eu realmente entendi o que é amar alguém.
— Eu espero viver isso um dia.
— Eu desejo que você viva, é muito bom!
09
No dia seguinte, em silêncio entro na sala de Spencer à espera
de Brian completamente desanimada obedecendo à ordem da Dra.
Brianna. Eu precisava ser profissional e continuar trabalhando até
que ela resolvesse o meu caso. Eu não queria mais estar li, mas ao
mesmo tempo eu queria, era confuso para mim. Definitivamente,
Brian não merecia nada, mas eu tinha tudo para ajudá-lo. Tirá-lo das
minhas lembranças não era fácil, mas eu queria aquela
oportunidade. Verdadeiramente, eu queria que ele voltasse ao time
e continuasse dando orgulho à torcida e sendo reconhecido pelo
seu talento nato.
— O que está fazendo aqui? — Brian pergunta com a sua
sobrancelha franzida como de costume assim que me vê.
— A Dra. Brianna disse que está muito ocupada com o caso de
um paciente e pediu para tivéssemos um pouco de paciência para
que ela resolvesse o nosso problema. Enquanto isso, eu deveria
continuar vindo.
— Que absurdo!
— Nós dois vamos sair ganhando se levarmos essa sessão em
paz até que tudo se revolva e você possa dar continuidade com
outro profissional que te passe confiança.
— E isso inclui o atendimento a domicílio? — ele pergunta e me
deixa confusa.
— Esse atendimento não tem vínculo nenhum com o hospital.
Eu ofereci ajuda para que você mantivesse a disciplina, mas diante
das coisas que aconteceram, acredito que a minha presença não
seja necessária.
— Se você quer continuar sendo profissional até o fim como
você diz, cumpra a sua palavra e o seu combinado comigo até o fim
— ele queria judiar de mim, estava claro, era proposital.
— Está bem — concordo mantendo a minha postura. — O
Spencer passou mais exercícios. Quer ver? — direciono o papel
com as anotações para Brian, mas ele desvia os olhos.
— Bom dia, Brian. Bom dia, princesa — Spencer faz reverência
a mim e correspondo apenas com um bom dia comum. Em silêncio,
Brian faz todos os exercícios e, dessa vez, Spencer não me deixou
sozinha nem por um minuto.

Brian
Eu estava na sentado na área da piscina com diversos
exercícios tediosos e uma preguiça gigantesca de fazê-los à espera
de Sophie. De certa forma, com ela aqui eu não teria outra escolha
a não ser fazer os exercícios sem procrastinar como eu estava com
uma enorme vontade de fazer naquele momento.
— Ué, e menina? — Day pergunta ocupando uma cadeira a
minha frente.
— Que menina?
— A fisioterapeuta.
— Está para chegar, e eu espero que ela venha. Porém, em
breve, ela não será mais a minha fisioterapeuta, então…
— O que você fez, Brian?
— Por que eu tenho que ter feito alguma coisa? — irrito-me.
— E não fez? Eu te conheço!
— Não. Ela fez!
— O que ela fez?
— Ela comprou a vaga de estágio.
— Não acredito! — ela fica chocada. — Aquele dia que ela veio
aqui me pareceu bastante séria e preocupada com você.
— Preocupada com o estágio dela, isso sim — explico a Day as
consequências que Sophie sofreria se eu desistisse da Fisioterapia.
— Você faria o que no lugar dela? — calo diante da pergunta.
— Você aceitaria numa boa que o seu paciente desistisse? Eu tenho
certeza que você lutaria para permanecer lá assim como ela estava
fazendo. Ou você esperava que ela tivesse você como o foco da
vida dela? Ah, para com isso, Brian! A vida é assim mesmo, a gente
corre atrás. A Sophie estava garantindo o futuro dela e ainda
tratando você como eu nunca vi um fisioterapeuta tratar um
paciente. E eu te conheço, você não é nenhum anjinho — lanço um
olhar franzido. — Aquela menina não é boba, já você…
— Você se esqueceu da parte que ela comprou a vaga?
— Será, Brian? Existe aquilo que você acha e o que é real —
relembro Sophie pedindo demissão. — Foi provado que ela
comprou a vaga?
— Não, são apenas boatos.
— Ah, Brian! — ela perde a paciência. — Para mim, ela
pareceu bastante honesta.
— Day, nem tudo o que parece, é.
— Realmente. Você parecia bastante esperto, e olha só!
— Qual é a sua, Day? — perco a paciência.
— Brian, quando eu comecei a trabalhar aqui eu percebi que
você fazia as coisas do seu jeito. Você sempre amou questionar
tudo e encontrar motivo para o seu pai me demitir porque achava
que eu queria dar o golpe nele. Você implicava comigo o tempo
todo!
— Você tem que admitir que a minha teoria fazia sentido. Você
é jovem e bonita, e o meu pai, um velho rico.
— Muito obrigada pelo elogio, embora a minha beleza seja
consequência de plásticas muito bem realizadas — ela ri. — A
verdade é que eu amo o seu pai, Brian.
— Eu sei disso.
— Eu estava desempregada e desesperada, e foi ele que me
estendeu a mão. Você acha que eu não fiquei com medo de
trabalhar em uma casa com dois homens adultos sendo linda como
eu sou? — sorrio. — Não é fácil ser mulher, Brian. Eu tive medo,
mas eu precisava trabalhar. E aquela foi a única mão estendida que
eu tive. A Sophie também está com a mão estendida para você.
— São situações completamente diferentes, Day.
— Esses seis anos com o seu pai foram os mais lindos da
minha vida. Se eu tivesse deixado o orgulho me dominar eu teria
perdido a família linda que eu tenho hoje — ficamos em silêncio por
alguns segundos. — Brian, você pode ter essa chance de volta se
você for corajoso e humilde o suficiente para reconhecer que
precisa de ajuda, e você sabe de quem. A Sophie está levando a
sério o seu tratamento. Não se atreva a desperdiçar isso. E, se eu
fosse você, eu levantava agora e iria correndo atrás dela para pedir
desculpas.
— Correndo, é?
— Ou pulado em uma perna só, se preferir — ela sugere com
deboche e começa a cantar uma música infantil. — O saci desce do
cipó. Pula, pula, pula numa perna só — a sua risada estridente puxa
a minha em seguida. Ela joga uma almofada em minha direção. —
Eu acho que estou passando muito tempo no universo infantil.
— Você acha? Eu tenho certeza! — rio.
O interfone toca. Sophie havia chegado. Day segue para dentro
para recepcioná-la. Eu estava aliviado por não passar aqueles
minutos em puro tédio. Em uma coisa Sophie tinha razão, o
incentivo fazia toda diferença.

Sophie
— Obrigado por vir — Brian diz assim que me vê. Inicio a
sessão falando somente o necessário relacionado aos exercícios.
Brian, em contrapartida, começa a falar.
— Eu estou focado em voltar a jogar, eu preciso disso. Eu sinto
falta do Football da mesma forma que eu preciso de comida quando
sinto fome. Sabe o que é isso?
— Eu posso imaginar — digo sem estimular o assunto.
Após quarenta minutos de exercícios feitos em paz e
tranquilidade, na qual eu era grata por isso, preparo-me ir embora
da casa de Brian e começo a guardar as minhas coisas. O interfone
toca anunciando a chegada de alguém.
— Nos vemos depois de amanhã? — ele assente parecendo
bastante desconfortável. E, de fato, aquela sessão estava sendo
insuportável.
— Olha quem está aqui — a voz de Day puxa a minha atenção.
Ela vinha em nossa direção de mãos dadas a uma linda menininha
de cabelos loiros e lisos presos em maria chiquinhas. Quando
aqueles lindos olhinhos verde veem Brian, ela solta a mão de Day e
corre em direção a ele.
— Papai!
Papai? Ela chamou o Brian de… papai? Ela o abraça com
carinho enquanto ele retribui com expressão confusa e um pouco
sem graça pela minha presença.
— O que está fazendo aqui, princesa? — ele pergunta à
menina sorridente. Eu observo aquela cena ainda atônica.
— A mamãe foi trabalhar — ela diz, e ele sorri suavemente
afastando a franjinha de seus olhos com ternura.
— A Kelly foi chamada para um evento em cima da hora e
ficará alguns dias fora — Day explica. — Ela pediu desculpas por
não ter avisado antes.
— Tudo bem. Obrigado, Day, eu cuido dela.
— Quem é você? — ela nota a minha presença. Brian me olha
sem jeito, mas faz as devidas apresentações.
— Essa é a Sophie, a minha fisioterapeuta. Sophie, essa é a
Clara, a minha filha — fim do mistério. Então, era com ela que Brian
conversava apaixonadamente ao telefone. Disfarço a surpresa o
máximo que posso. Eu não esperava por aquilo. Brian Winters tem
uma filha! Eu queria poder falar em voz alta ou gritar para me
convencer de que aquilo era real. Os olhinhos curiosos de Clara
estão focados para o que estava em volta do meu pescoço.
— Você tem o negocinho de ouvir — ela se referia ao meu
estetoscópio. — Eu posso ver?
— Pode, vem cá — ela salta do colo de Brian e corre em minha
direção. Agacho para ficar a sua altura, tiro o estetoscópio do
pescoço e delicadamente o coloco em seu ouvido posicionando em
meu coração para que ela o ouça. O seu sorriso é espontâneo e
empolgação é nítida.
— É de verdade! — ela se admira. — Que legal! A minha mãe
disse que não é brinquedo, por isso ela não pode me dar um.
— Você quer ser médica?
— Veterinária.
— Que legal! — olho para Brian que nos observa.
— Clarinha — Day a chama —, quer tomar sorvete?
— Eu posso, papai? — ela pergunta de uma maneira meiga
que derreteria qualquer brutamonte.
— Só um pouquinho — ele responde com os olhos brilhando.
— Tchau, Sophie — ela acena e segue para a cozinha com
Day. Olho para Brian em silêncio ainda processando. Ele percebe.
— Sim, eu tenho uma filha. É a única… que eu saiba — olho
reprovando o comentário — Eu estou brincando. Ou, não.
— Eu não imaginava — digo.
— Eu não escondo, mas também não exponho — ele dá de
ombros.
— Quantos anos ela tem?
— Quatro. E, sim, no ensino médio eu já era pai. E, não,
ninguém sabia. Na verdade, ela nasceu no último ano do ensino
médio. Foi uma loucura!
— Eu ainda estou em choque — digo, ele ri.
— Eu sei bem como é. Eu não estava preparado para notícia da
paternidade aos dezesseis anos. Eu fiquei em estado de choque por
vários dias.
— Ela é muito linda! Parabéns! — digo com sinceridade.
— Obrigado. Eu consegui fazer ao menos uma coisa boa na
minha vida.
— Então, ela é o seu motivo?
— Sim, ela é o meu motivo — sorrio.
10
— Desculpa a demora! — Spencer entra na sala para mais uma
sessão. — Pode deixar comigo, Sophie, eu comando daqui para
frente. Quero te ensinar um novo exercício para começarmos a
fazer semana que vem com mais intensidade. Sabe o porquê,
Brian? Pelo andar da carruagem, você ficará livre desses pedaços
de pau o mais rápido do que você imagina, lá pela semana que
vem.
— É sério? — Brian escancara um sorriso enquanto Spencer
assente. Brian me olha transbordando felicidade. Sorrio.
— Com licença! — Dra. Brianna aparece em nossa sala. —
Que bom vê-los!
— Dra. Brianna, o Spencer disse que semana que vem eu
ficarei livre das muletas!
— Tudo indica que sim, mas…
— Eu já sei. Eu não posso correr uma maratona.
— Isso mesmo! — ela reforça. — Que bom que eu consegui um
tempinho para me encontrar com vocês. Eu vim dar uma resposta
sobre o boato de que a mãe de Sophie havia comprado a vaga —
nos entreolhamos. Spencer parecia mais sem jeito que Brian e eu
por ter contribuído para esse assunto circular. — Bom, a Sophie tem
notas boas, mas, realmente, para entrar no programa deveriam ser
um pouco mais altas. Porém, devido à sua assiduidade nas aulas,
trabalhos voluntários e entrega de trabalhos acadêmicos antes do
prazo com ótima qualidade, ela subiu na lista ganhando o lugar que
ocupa. Em resumo, Sophie, você é bem-vinda e pode continuar
trabalhando com o seu coração em paz. Não há nada que comprove
a compra da vaga, mas há provas de que você merece estar aqui —
sorrio em saber que estou trabalhando de forma honesta. — Agora,
como adultos, espero que vocês resolvam isso entre vocês. E, por
favor, não criem mais boatos assim. O tempo que eu resolvi isso eu
poderia ter tirado uma longa soneca considerando que eu trabalho
como louca, está bem? — Dra. Brianna sai da sala e o silêncio
prevalece. Spencer pigarreia e, com muito custo, inicia a sessão
deixando aquele assunto morto como se nunca houvesse existido.
Após quarenta minutos, Brian vai embora com altas expectativas
para a semana que vem.
— Eu sabia que tudo daria certo! — digo.
— Mais ou menos, Sô.
— Como assim, Spencer?
— Sobre o seu estágio, sim, deu tudo certo e fico feliz que
continue com a gente, mas essa melhora do Brian não significa
retorno ao esporte. Eu acho que ele está se iludindo um pouco.
— Mas talvez com o tempo ele consiga retornar.
— Não vai, Sophie. O joelho dele vem respondendo bem, mas
a agilidade dele vai ficar comprometida. Sabe quando você quebra
um vaso e cola os pedacinhos? Pode-se ver o vaso inteiro, mas
nunca será como antes.
— Mas ainda consegue cumprir a sua função.
— Sim, mas ainda que ele volte a jogar, não será mais
destaque e, por esse motivo, ele pode decair muito e até não ser
aceito em um time. Ele será desvalorizado. Logo ele, que era
considerado o melhor, será o mediano e talvez esquecido. Um vaso
remendado é facilmente substituído por um outro melhor — engulo a
seco e o meu coração se aperta. Eu sabia que no fundo ele tinha
razão, mas eu lutava para não acreditar nas palavras de Spencer.
Eu focava na minha fé, porém nem sempre era fácil.
— Spencer… — mudo de assunto —, por que surgiu o boato
que minha mãe havia comprado a vaga? Você sabe me dizer?
— Ah, Sô, inveja, né? O pessoal fica tão inseguro com os novos
estagiários e ficam vasculhando as fichas. De todos que passaram
no projeto, você teve a nota mais baixa.
— Eu fui tão mal assim? Eu tirei 9,0.
— Precisava de 10, raspando uns 9,5. Você não é ruim, mas
aqui é um sistema muito rígido, um ponto é muita coisa. Você
realmente entrou porque o Dr. Dalton deveria estar de bom humor,
ou sei lá por qual outro motivo. Talvez seja aquilo que a Dra. Brianna
disse, assiduidade nas aulas, trabalhos voluntários, enfim.
— Pode ser — digo um pouco chateada, mas aliviada por saber
que a minha mãe não estava metida nisso, coisa que era muito
capaz de ter acontecido.
— Bom dia — Brian diz assim que entra na sala naquela manhã
ensolarada de sábado para mais uma sessão.
— Bom dia. Como você está hoje?
— Bem. Eu não dormi muito bem hoje, então, podemos
começar logo para que eu possa ir embora? — o seu tom não é
grosseiro, mas impaciente.
— Claro! — começo a orientar Brian sobre os movimentos que
Spencer havia me passado e ele faz a sua parte e segue as
repetições. — Como está a Clara?
— Bem.
— Ela parece ser muito carinhosa, cheia de energia e bastante
esperta.
— Por que você acha que eu dormi mal essa noite? Alguém
sugou a minha energia. Não sei de onde eu vou tirar mais energia
hoje e amanhã. Eu canso o dobro com essa perna imóvel.
— Você não tem sentido melhora?
— Um pouco. Eu já consigo dar pequenos passos mancando
bastante.
— Isso é ótimo! Em breve, você não precisará mais das suas
muletas. E, a partir daí, eu recomendo um energético, uma boa noite
de sono ou uma babá — ele ri.
— A Day é a babá da Clara, mas ela vai viajar com o meu pai
hoje à noite e eu vou cuidar em tempo integral da minha filha em
câmera lenta até domingo à noite quando a mãe dela voltar para a
cidade. E ela quer que eu faça cookies. Olha pra mim, Sophie, eu
tenho cara de quem sabe fazer alguma coisa na cozinha?
— Comer — digo, ele ri. Brian estava falante. Talvez a falta de
sono tenha desconfigurado o seu sistema, eu não o reconheci
naquela manhã. Eu gostava daquele Brian, mas eu sabia que aquilo
passaria em breve e ele voltaria ser o mesmo grosseirão de sempre.
— Não se preocupe, cookies é simples e fácil de fazer — digo.
— Você sabe fazer?
— Sei, e, modéstia à parte, são deliciosos!
— Eu não sei se vou poder dizer o mesmo dos meus.
— É fácil descobrir se são bons ou não, criança não mente. A
Clara será a melhor jurada.
— Você parece gostar de crianças.
— Eu amo crianças! — dou ênfase no verbo. — E eu acho que
elas gostam de mim também — ele sorri levemente com os lábios.
Alguns segundos depois em silêncio, eu consigo sentir o olhar de
Brian sobre mim enquanto massageava o seu joelho, mas ignoro.
Acredito que ele, naquele tempo, estava tomando coragem para
falar algo, e eu não estava errada. Ele se senta na maca, e eu o
olho nos olhos que estavam a minha altura e de forma mansa e sem
jeito ele diz o que pretendia.
— Sophie, desculpa pelo transtorno causado por aquele boato.
— Você não estava errado, Brian — ele me olha confuso. — A
maneira que você agiu que não foi legal. Eu nunca te tratei mal
mesmo tendo motivos para isso, e eu esperava o mesmo de você,
só isso. Mas, você estava certo ao querer um profissional que confie
e que trabalhe de forma honesta, também não seria correto da
minha parte continuar aqui se esse boato fosse, de fato, verdade.
— Mas não é. Desculpa, de verdade.
— Tudo bem. Eu aceito as suas desculpas, principalmente,
porque você não é o tipo de pessoa que faz isso, não é? — brinco
para quebrar o clima estranho.
— Eu não era, mas eu melhorei um pouquinho — ele se
defende com humor. — Você é uma boa fisioterapeuta, eu preciso
reconhecer isso — aquele elogio me surpreende. — Eu nem sinto
falta do Spencer.
— Mas eu só reproduzo o que ele passa para mim, os créditos
são todos deles.
— Todos, não. Você tem parte nisso. Eu diria que, apesar de
ele ter elaborado os exercícios, é você que tem sustentado isso.
— Você também tem o seu papel nos resultados, não se
exclua.
— Eu não estou me excluindo. Mas, você, claramente, tem
dificuldade em receber um elogio. Eu te elogiei e tudo o que você
fez foi elevar as outras pessoas.
— Eu estou sendo justa.
— E aonde entra você nessa história? Quando alguém te fizer
um elogio, agradeça. Então, vamos começar de novo. Sophie,
desculpa pelo o que aconteceu. E você é uma ótima fisioterapeuta!
— Obrigada pelo gentil elogio, Brian Winters. E eu aceito as
suas desculpas — estendo a mão e ele corresponde apertando-a
com firmeza sorrindo. — E, boa sorte com os cookies.
— Ah, não! — ele finge um choro desesperado. Rio.
11
A semana era corrida devido à faculdade, provas e trabalho,
mas o final de semana era o tempo de descanso. Então, ali, deitada
na cama em pleno domingo à tarde olhando para teto penso no que
fazer. O celular toca causando-me um susto em meio ao silêncio do
meu quarto. O número desconhecido aparece na tela.
— Alô?
— Sophie? Oi, é o Brian. Tudo bem?
— Oi — sento-me na cama achando aquela ligação um pouco
estranha. — Estou bem, e você? Aconteceu alguma coisa?
— Não, não, está tudo bem. Eu peguei o seu número com o
Spencer. Eu queria falar com você.
— Ah, sobre o quê? — estranho mais ainda. A voz de Brian
estava mansa.
— Você lembra que eu te falei que a Clara ficará comigo por
esses dias? — respondo positivamente. — Então, você tem planos
para hoje à tarde? Ela perguntou se você poderia vir aqui.
— Ela vem, papai? — escuto a voz de Clara no fundo.
— Ela, aparentemente, gostou de você por causa do seu
“negocinho de ouvir” — rio com o que ele dissera imitando a forma
que Clara falava. Lembro-me de que eu era como ela. Os meus
olhos se enchiam quando eu via um jaleco, um estetoscópio ou
objetos relacionados. Eu não nasci sabendo exatamente o que eu
queria fazer, mas eu sabia que seria na área da saúde.
— E aí? — ele esperava a minha resposta.
— Eu posso dar uma passadinha — aceito sem jeito. Eu queria
conhecer mais aquela menininha linda e doce que vi aquele dia.
— Ótimo! Estamos te esperando! — escuto Clara comemorar, e
isso me anima.
Eu sempre estava com a minha roupa de trabalho, scrubs da
clínica, cabelo preso e tênis. No entanto, eu não estava em horário
de trabalho. Eu precisava me arrumar normalmente. De frente ao
meu guarda-roupa, olho peça por peça e escolho um short jeans de
lavagem clara, uma camiseta branca, tênis branco e alguns
acessórios simples. Era uma roupa perfeita para um domingo à
tarde com criança. Eu amo a energia dos pequenos, a
espontaneidade e, principalmente, a sua inocência. Eu amo a
demonstração de amor vindo delas, é uma pureza que eu sentia
falta de viver.

Bato na porta da casa de Brian e uma pequena porteira com os


seus olhinhos brilhantes abre os braços e um sorriso para mim.
Brian se aproximava da porta em passos lentos apoiado em suas
muletas.
— Soooophie! — ai, meu coração! Abraço-a retribuindo o
carinho e ganho um beijinho na bochecha. Como não esmagar
aquela fofura? Controle-se, Sophie!
— Clara, antes de vir pra cá, eu passei em uma loja e vi uma
coisa que eu achei que você fosse gostar. É para você — entrego a
ela uma maleta de remédio de brinquedo acompanhada de um
estetoscópio de plástico. Aquele sorriso valeu pelo meu dia todo.
— Tem um “estretrocropio” aqui dentro! — ela abre a boca sem
acreditar. Rio de sua fala errada completamente derretida.
— Papai, olha! — ela exibe o novo presente, e logo recebo
outro abraço de agradecimento. Ela corre para brincar com o seu
cachorro de pelúcia que estava na sala de estar. Volto os meus
olhos para Brian que estava um pouco sem jeito, e eu poderia dizer
o mesmo sobre mim.
— Obrigado, você não precisava fazer isso.
— Não foi nada. Quando eu era criança, eu ganhei uma
maletinha igual a essa de uma babá que eu tive e foi muito especial
para mim. Eu queria fazer isso para alguém e surgiu essa
oportunidade… — dou de ombros. Os nossos olhares se encaram
por alguns rápidos segundos e desvio rapidamente. — Como você
está?
— Bem. Eu tenho tomado deliciosos chás imaginários com
várias bonecas. As minhas unhas têm sido constantemente pintadas
de rosa e tenho respondido a milhões de porquês que uma criança
de quatro anos faz.
— Agora, prepare-se para ser o paciente dela.
— Você sabe que ela quer ser veterinária, né? — ele diz, e eu
não contenho a risada. Ele me convida para entrar e nos
acomodamos no sofá perto de onde Clara brincava. Ela examinava
os bichinhos de pelúcia e conversava com cada um deles. Vejo que
os pensamentos de Brian estão longe e a sua expressão carregava
uma preocupação enquanto observava a filha. Clara nos olha e vem
em nossa direção. Parada diante de nós nos encara em silêncio.
— O que foi, mocinha? — ele cutuca a sua barriga.
— Sophie? — ela chama.
— Sim?
— Você tem namorado?
— Clara! — Brian a repreende.
— Não — respondo.
— Não dá corda — Brian me repreende em seguida.
— O papai também não tem namorada, e vocês são formam
um casal bonito — ela diz. Eu queria cavar um buraco ali, e podia
ver que Brian faria a mesma coisa se houvesse essa possibilidade.
Depois de um silêncio constrangedor, Brian me olha.
— Eu disse para você não dar corda — ele abaixa a voz quase
sussurrando.
— Eu não posso mentir — digo na mesma altura.
— Seja criativa. Ela é uma criança.
— O que você queria que eu falasse? — questiono.
— Sei lá! A pergunta foi para você! — Clara nos observava a
todo o momento. Nós três nos encaramos em silêncio após aquela
discussão boba.
— O Cookie está com fome de cookie — Clara quebra o
silêncio, e Brian ri.
— Cookie é o nome do cachorro de pelúcia dela — ele me
explica.
— Por isso me chamou aqui? — cerro os olhos.
— Você me pegou! Você disse que os seus cookies são
deliciosos, e eu não quero traumatizar a minha filha com os meus.
— Tudo bem — cerro os olhos novamente e aceito. Empolgada,
Clara corre para a cozinha. Brian reclama do joelho ao se levantar.
— Tudo bem?
— Eu senti uma fisgada.
— Você precisa se movimentar com mais cuidado. Quer que eu
pegue a sua muleta?
— O que você achar melhor, fisio — pego as muletas de Brian e
lentamente ele me acompanha até a cozinha sentindo incômodo.
Clara percebe e se preocupa.
— Você está bem, papai?
— Eu estou bem, princesa. Lembra que eu te falei que eu
machuquei o joelho? Ainda dói um pouco, só isso.
— Igual aquele dia que eu ralei o meu joelho no parquinho?
— É, mais ou menos isso.
— Você precisa do meu beijinho milagroso, a mamãe diz que
funciona. Mas, eu quero gotinhas de chocolate depois — ela
negocia.
— Quem te ensinou a ser interesseira assim?
— Você! — ela diz e ri. Ela caminha até ele e sentado na
banqueta da cozinha, Brian a pega no colo, abraça e a beija
freneticamente enquanto ela dá aquela gargalhada deliciosa de
criança. Sorrio com aquele momento fofo diante de mim. Ele recebe
de Clara o beijinho milagroso.
— Obrigado, coisa mais linda da minha vida! — ele diz
derretido.
— Agora você vai se sentir melhor, papai.
— Ela será uma ótima veterinária! — comento.
— Ei! — ele reclama do meu comentário, rio. Brian a coloca no
chão, e Clara volta a brincar com os seus bichinhos de pelúcia. Era
lindo ver o amor entre eles. Aquele definitivamente não era o
mesmo Brian que eu conheci na escola nem o carrancudo que vi
nas primeiras sessões. Aquele Brian era atencioso, carinhoso,
calmo e divertido.
— A Clara não tem animal de estimação? — pergunto.
— Talvez o pai dela? — ele brinca. — Não, não tem — sorrio.
— Vamos aos cookies? — digo.
Começamos a colocar a receita em prática. Brian ia lendo os
ingredientes no meu celular enquanto eu pegava um por um sendo
guiada por ele para achá-los nos armários. Enquanto ele separava
as medidas, eu fazia a mistura.
— O que tá rolando entre você e o Spencer? — ele pergunta
enquanto enchia o medidor com farinha.
— Como assim? Não existe nada entre nós dois.
— Ele gosta de você.
— De mim e mais quantas? — comento, Brian ri.
— Ele é um cara legal. Você deveria dar uma chance a ele.
— Não, obrigada.
— Então — ele pigarreia e muda de assunto —, eu sou o seu
primeiro paciente?
— Sim. Eu fiz alguns trabalhos voluntários em alguns eventos
da faculdade cuidando de algumas pessoas, mas foi muito rápido e
não foi tão legal como eu esperava.
— É mais legal comigo — ele provoca.
— Nunca foi legal com você — disparo.
— Você precisa de um chocolatinho — ele oferece as gotinhas.
— Você está muito amarga!
— Você não come chocolate há quanto tempo? — retruco com
humor.
— Uh! — ele ri. — Você tem raciocínio rápido! Eu sempre te
achei bem sonsa no ensino médio — ele diz. Fico em silêncio por
alguns segundos pensando sobre aquilo e Brian não diz mais nada.
Por um segundo paro e me pergunto o que eu estava fazendo ali.
Eu estava na casa de Brian fazendo cookies, sendo ele, alguém na
qual eu nunca fui próxima, que sempre teve atitudes horríveis e
tratou as minhas amigas de maneira errada. Estranhamente e
apesar de tudo, ele parecia um pouco mais maduro, afinal, se
passaram quatro anos desde o último ano do ensino médio. Se eu
mudei tanto em seis meses, por que Brian não mudaria em quatro
anos? Ainda mais depois de se tornar pai. A quantidade de
aprendizados deve ter sido grande na vida dele.
— Você sempre estudou na BHS, né? — pergunto tentando
afastar os maus pensamentos e coloco a primeira assadeira de
Cookies no forno.
— Sim — ele diz.
— Nós somos privilegiados de termos estudado em uma das
melhores escolas do país.
— É verdade. Eu amo aquela escola! A Clara estudará lá.
— Que bom! Eu entrei no segundo ano.
— Eu lembro. O Jake ficou afim de você assim que você entrou
na nossa sala.
— O Jake?
— Uhum — ele confirma. — Ele te achava bonita e isso
incomodava a Rebecca.
— Eles namoravam, não era?
— Era. Um namoro bem forçado, mas era. Aí ele descobriu que
você era crente e perdeu o interesse. Ele odiava crente.
— Você odeia? — sou direta.
— Não, desde que não me enchem o saco, está tudo bem. A
Day também é e levou o meu pai nessa. Então, eu aprendi a
conviver com isso.
— E na escola, você me odiava?
— Não, eu nunca tive nada contra você, mesmo você sendo
estranha — interrogo-o com o olhar — e chata — ele acrescenta
com naturalidade como se tivesse me fazendo um elogio.
— Olha só quem fala, não é? A mistura de mauricinho com bad
boy arrogante e grosseirão — defendo-me sem causar um clima
desagradável. Brian sorri com os lábios. Naquele instante, o meu
celular notifica uma mensagem. Era Emma.
Ela dizia: “eu posso te ligar?”.
Ignoro e confiro os cookies no forno. O celular notifica mais uma
mensagem de Emma dez minutos depois:
“Eu estou com saudade de conversar com você”. Ignoro
novamente.
— Está tudo bem? — Brian pergunta, respondo positivamente e
desconverso. O meu celular toca e recuso a ligação. Emma era
insistente e liga de novo.
— Não vai atender?
— Vou — peço licença, saio da cozinha e vou direção à piscina.
Atendo a chamada de voz de Emma.
— Sophie… — ela estava com uma voz chateada —, eu estou
me sentindo sozinha. A Evy e o Matheus estão ocupados. Na
verdade, eu acho que o Matheus anda muito metido, mal fala
comigo! A Evy sempre cheia de coisa para fazer e não sobra um
minuto para mim. Por favor, não seja mais uma a me abandonar —
ela faz um pequeno drama.
— Emma, desculpa, mas eu realmente não posso falar agora.
Eu prometo que te ligo hoje à noite, pode ser?
— Viu? Até você! Eu devia ter entrado na faculdade e tido uma
vida agitada como a de vocês, mas eu não sei o qu… — ela pausa
quando ouve a voz de Brian me chamando.
— Os cookies estão prontos! — ele diz.
— É a voz do Brian? — ela ouviu. Não respondo. — Sophie?
— Emma, eu preciso desligar.
— É a voz do Brian! Eu conheço perfeitamente a voz dele! Vai
negar que é ele? — ela insiste e o seu tom de voz era outro, nada
amigável.
— Eu sou a fisioterapeuta dele, esqueceu?
— Aos domingos? Quão próximos vocês estão?
— Emma, não cria história!
— Você está criando uma história com o Brian, não eu. Você
perdeu o juízo? Você está saindo com ele?
— Claro que não, Emma! Eu não tenho interesse nenhum nele
— abaixo a voz para que Brian não pudesse me ouvir.
— Entendo. Era por isso que você não podia falar comigo
agora, não é? Eu estou atrapalhando o casalzinho?
— Nós não somos um casal!
— Ele deve estar amando isso. Ele conseguiu as três amigas.
Ponto para ele!
— Não é nada disso, Emma! — começo a me irritar. — Você
ainda tem sentimentos por ele depois de todos esses anos?
— Está louca? Óbvio que não!
— Então, por que está fazendo essa cena de ciúmes sem
motivo?
— Eu estou preocupada com você! Ele vai te usar!
— Emma, eu sou apenas a fisioterapeuta dele! — insisto.
— Você está em horário de trabalho agora? — não respondo.
— Eu sabia! Eu não acredito que eu fui trocada por Brian Winters.
Eu sou muito trouxa mesmo! E você é muito mais! Depois de tudo,
você caiu na lábia dele. Eu fui tonta, eu sei, mas eu não sabia. Já
você… Parabéns, você realmente é a sophitonta que eles diziam —
ela desliga. Eu estava errada? A culpa deu um chute na porta do
meu coração e se instalou profundamente. Emma estava certa,
quão próxima eu estava dele? Até alguns dias atrás estávamos
como cão e gato e agora eu estava em sua casa fazendo cookies
para a filha dele. Logo com ele que eu vivi um passado sem
nenhuma proximidade e que depositou lembranças horríveis em
duas pessoas que eu amava muito Tremendo e chateada com uma
enorme vontade de sumir e chorar, eu volto para dentro. Brian e
Clara estavam sentados no sofá assistindo desenho animado
comendo os cookies. Milhões de pensamentos me ocorrem e decido
que o melhor é ir embora.
— Ei, é melhor você vir antes que acabe — ele nota a minha
presença.
— Ficou muito bom, Sophie — Clara elogia, e Brian concorda.
— Que bom! — forço um sorriso.
— Você está bem? — ele pergunta baixinho para que Clara não
o ouvisse.
— Sim, tudo bem. Mas eu preciso ir embora — eu estava
começando a me sentir extremamente desconfortável ao lado dele.
— Embora? Já? Você nem comeu — ele parece confuso.
— Eu preciso ir — balanço o celular em minha mão para que dê
a entender que algo naquela ligação mudara a minha programação
do dia.
— Eu te levo até a porta — ele oferece.
— Não precisa. É melhor você ficar sentado para não forçar o
seu joelho.
— Obrigado por vir e pelos cookies — ele diz com expressão
confusa.
— Foi um prazer!
Despeço-me deles e sigo para a porta. Pego o celular e tento
ligar para Emma, sem sucesso. Opto por enviar uma mensagem,
mas sou ignorada. Se Emma se sentia sozinha, ela não fazia ideia
de como eu estava me sentindo naquele momento. Eu estava com o
meu coração sangrando.

A Culpa
Eu precisava conversar com alguém e necessitava de uma
orientação, eu estava ao ponto de explodir. O estresse tomou conta
de mim e estava acabando comigo sem que eu me desse conta, e,
por isso, procurei a minha discipuladora assim que sai da casa de
Brian. Eu precisava me acalmar.
— Sophie, qual é a história de vida do Brian? — Sarah me
pergunta.
— Eu não sei.
— Geralmente, uma pessoa que machuca foi machucada,
lembra? Assim como uma pessoa curada, cura.
— Independente da história do Brian, o que ele fez à Emma foi
muito errado, nada justifica — digo.
— Você está certa, Sophie. Não justifica, mas para tudo há uma
motivação por trás, e é isso que eu quero que você pense. O Brian é
tão vítima de alguém como a Emma foi nas mãos dele. Se essa
raiva permanecer no coração de vocês fará mal a vocês mesmas.
— A Emma não pensa assim. Ela odeia o Brian com todas as
forças mesmo depois de todos esses anos, e agora eu acho que ela
sente o mesmo por mim.
— Por que você foi a casa dele, Sophie?
— Porque eu sou uma tonta! — eu estava brava comigo
mesma. — Eu estava sem nada para fazer e a filha dele pediu que
eu fosse lá, e eu fui.
— Você está… — ela pigarreia — apaixonada pelo Brian?
— Quê? — esbravejo. — Nunca! Eu não sinto nada por ele. Eu
me odiaria se eu me apaixonasse pelo Brian.
— Tudo bem. Desculpa. Sophie, você não precisa escolher um
lado. Eu sei que é uma situação delicada para Emma, mas você não
pode tomar as dores dela como se fosse você tivesse vivido o que
ela viveu.
— Doeu em mim. Eu vi pelo o que ela passou. Eu não odeio o
Brian, mas eu odeio o que ele fez. E eu sei que eu já errei muito,
mas eu me arrependi e mudei. Já ele…
— E você vai nutrir essa raiva por ele pelo fato da Emma não
querer mais falar com você? Vocês estavam se dando bem e se
tornando amigos.
— Amigos? Jamais!
— Sophie, que fisioterapeuta vai à casa do paciente para fazer
cookies?
— Era para a filha dele — ela me encara em silêncio.
— O que você pretende fazer?
— Eu não posso deixar o estágio. O meu erro foi ter ido até a
casa dele. Onde eu estava com a cabeça, meu Deus? Semanas
atrás, ele estava querendo me expulsar do caso e, de repente, eu
estava fazendo cookies com ele — repito a mim mesma para
enxergar a escolha absurda que eu fiz. — Se eu não tivesse ido,
isso jamais teria acontecido. A Emma sabia do estágio, mas ficou
furiosa porque achou que eu estava me envolvendo com ele. Eu
jamais me envolveria com ele!
— Calma, Sophie! — Sarah segura a minha mão. — Continua
no estágio normalmente e não desconte a sua raiva no Brian.
— Vai ser difícil, foi ele que causou tudo isso!
— Continue tentando falar com a Emma e se não conseguir,
siga com a sua vida. A gente precisa aprender a respeitar a decisão
do outro. Às vezes, a vida vai nos colocar em situações em que
vamos ter que nos adaptar e, nisso, algumas pessoas sairão da
nossa vida para que outras entrem.
— Eu não quero perder a amizade dela.
— Você também não queria que o Brian fosse o seu paciente. A
gente não tem o controle de tudo na vida. Nem sempre a gente vai
entender o porquê das coisas, Sophie, mas tudo o que acontece é
para nos ensinar algo. Talvez o Brian, o mais improvável, seja a
pessoa que Deus quer usar para ministrar sobre a sua vida. A poda
da vida é difícil. No entanto, é necessário passar por essas coisas
para que a gente possa crescer.
— Ele nem é cristão, Sarah.
— Deus fez uma jumenta falar, por que Ele não usaria o Brian?
— ela diz e caio na gargalhada. — Nada disso é sobre o Brian,
Sophie. Eu só quero que você dê uma chance a essa nova fase, ela
tem muito a te ensinar. Ninguém cresce no conforto, mas sim no
desconforto e no confronto, está bem?

Com o coração um pouco mais aliviado, conto a Evelyn o que


havia acontecido.
— Eu não sei o que mais me choca, a atitude impulsiva de
Emma ou você estar na casa do Brian em um domingo à tarde
fazendo cookies para ele.
— Era para a filha dele, Evy. Ou isso é apenas uma justificativa
que estou usando para que eu me sinta menos culpada.
— Filha? Que filha? — ela se espanta.
— O Brian tem uma filha — ela abre a boca. — Eu também
fiquei em choque!
— Ele tem… uma filha? — ela tenta se convencer do que havia
escutado. — Tadinha! — ela lamenta.
— Ela é linda, Evy! Ela é loirinha, tem olhos verdes tão doces e
um sorriso meigo. A voz dela parece de um anjo e ela é toda
delicadinha — digo, e Evy cai na gargalhada.
— O que foi?
— Parece que você está descrevendo você mesma.
— Para de ser boba! — rio. — Eu amo crianças, e você sabe
que o meu maior sonho é ser mãe. E se você a conhecesse também
ficaria apaixonada.
— É uma pena que ela carregue aquele sangue podre.
— Apesar de tudo e da raiva que estou sentindo, eu achei que
o Brian mudou bastante, Evy.
— Ah, Sophie, sério? — ela demonstra impaciência. — O Brian
mudaria a troco do quê? Cuidado! — ela aconselha. — Você sabe
como ele é. Ele vai ganhar a sua confiança e dar o bote. Fica
esperta!
— Ele não tentaria nada, Evy. Eu não sou o tipo dele.
— Você é mulher, esse é tipo dele.
— Eu não tenho interesse nenhum nele e eu queria poder dizer
isso a Emma.
— A Emma é teimosa. Não sei quais as chances você tem de
falar com ela — Evelyn diz com sinceridade.
— Você também se afastaria de mim?
— Se você se envolvesse com o Brian?
— Não! Eu digo por… por causa do estágio — embaraço-me
para falar.
— Não, mas eu tenho medo que essa aproximação de vocês
acabe te afetando de alguma forma.
— Foi um erro eu ter ido lá, Evelyn, eu sei. Eu não vou dar mais
abertura para isso. Ele é apenas o meu paciente e, ponto.
— É melhor para você. Eu não confio no Brian.
— Nem eu…
— Mas, conta uma coisa para mim. Quem é a mãe da menina?
Será que é alguém da escola? A Emily?
— Não, a Emily não é. A menina tem quatro anos. Se fosse a
Emily nós teríamos visto-a grávida.
— É verdade. Não me lembro de nenhuma menina grávida na
BHS naquela época.
— Talvez seja alguma amiga de outro local.
— Ou uma garota aleatória em uma festa. Ou… — Evelyn puxa
algo pela memória. — Kelly! Era esse o nome da garota que ligava
para o Brian quando eu saía com ele. Talvez ela seja a mãe da
menina.
— Kelly! Agora que você falou eu lembrei que a Day, a
madrasta do Brian, mencionou esse nome se referindo a mãe da
menina.
— Então, essa é a misteriosa Kelly do ensino médio. Bom, isso
não é da minha conta, mas confesso que fiquei bastante curiosa
com essa história toda — ela sorri. — Eu sinto pena dela, mais
ainda da menina por ter um pai tão galinha.
— Ele parece ser um ótimo pai, Evy. A menina o adora. É lindo
ver os dois juntos.
— Quero só ver quando ela crescer e arrumar um namorado.
Sabe aquele verso de música: não brinca com a filha dos outros
porque você pode ter filha mulher? — ela ri, eu acompanho.
— Ai, Evy, são tantas coisas acontecendo que se eu pudesse
eu trocaria de lugar com a filha do Brian para ser amada, cuidada e
viver sem preocupação além de comer cookies e medicar os
bichinhos de pelúcia para que eles não adoeçam. Eu estou tão… —
exalo — não sei adjetivar o que estou sentindo. Até nisso sinto que
estou fracassando.
— Sophie, você não está fracassando. A Emma está chateada.
Talvez ela te responda amanhã e se desculpe pela cena de ciúmes.
— Eu fiquei insegura com tudo isso.
— Calma, Sophie. Eu acho que você deve ficar de olho bem
aberto com ele, mas cuidado para que isso não te atrapalhe no
trabalho.
— Você tem razão!
— Além do mais, o melhor está por vir, lembra? — sorrio para
ela.
12
No dia seguinte, tento afastar as lembranças do dia anterior. Eu
precisava colocar um limite entre Brian e eu. Definitivamente, eu não
estava agindo como uma profissional, e a partir daquele dia, seria
diferente.
— Não sobrou nem um de seus cookies para contar história. A
Kelly foi buscar a Clara e pediu a receita — ele diz tomando o seu
lugar na sala.
— Kelly?
— Sim, a mãe da Clara.
— Ah, sim — teoria confirmada, fim do mistério. — Eu passo a
receita, sem problemas — digo ajeitando as coisas.
— Estou animado para essa semana — ele diz sorrindo. — Eu
não vejo a hora de poder andar normalmente. A gente só valoriza
quando perde, não é o que dizem?
— É — digo.
— Cheguei, meus queridos — Spencer nos cumprimenta. —
Sô, você poderia pegar o meu carregador de celular que eu deixei
na recepção, por favor?
— Agora? — ele assente, e eu faço o que me pediu
contragosto, mas faço.

Brian
— E aí? — Spencer sussurra assim que Sophie sai da sala.
— E aí, o quê?
— Falou com a Sophie sobre mim?
— Ah, sim, eu falei. E, na boa, Spencer, como eu te disse, ela
não tem interesse.
— Por quê?
— Ela é crente, cara, eu te disse. Deve estar esperando casar
com um pastor ou algo assim.
— Ela não sai com ninguém?
— Eu não sei, Spencer, eu acho que não.
— Como ela consegue ser feliz sem beijar e tal?
— Cara, eu não sei — digo já sem paciência, e Sophie retorna
de mãos vazias.
— Não tinha nenhum carregador lá — ela diz.
— Eu acho que estou distraído, devo ter pegado quando
cheguei e colocado na mochila. Obrigado, Sô — observo a desculpa
esfarrapada.
— Com licença — diz uma funcionária ao entrar na sala. —
Spencer, aqui estão as bandagens que você me pediu.
— Obrigado, Sam! Já que você está aqui, deixe-me apresentar
vocês. Esse é o Brian, aquele que eu te falei.
— Samantha, né? — estendo a mão para cumprimentá-la.
— Eu mesma — ela sorri, eu conhecia aquele tipo de sorriso. —
Que prazer te conhecer, Brian Winters!
— O prazer é meu — digo e percebo, de canto de olho, Sophie
reagir com um rolar de olhos.

Sophie
Que cena ridícula! O Brian caía de dez para zero com uma
facilidade gigantesca. A cena fofa com a filha despencou para uma
cena nojenta. Mais uma vítima nas mãos de Brian bem diante dos
meus olhos. E eu pude recordar naquele momento como ele
costumava a ser no ensino médio. Eu estava com raiva de Brian
pelo afastamento de Emma e qualquer coisa que ele fizesse me
irritaria sem a menor sombra de dúvidas. Eu me conheço e, muitas
vezes, consigo disfarçar, mas havia situações que faziam o meu
interior borbulhar. Samantha deixa a sala sendo acompanhada pelos
olhos de Brian. Credo! Minutos depois, após encerrarmos a sessão,
estou sozinha com ele e tento focar em algo para evitar conversar,
mas, provavelmente, a minha cara entregou tudo.
— Por que eu acho que você está me julgando?
— Não estou — digo.
— Você está com ciúmes da Samantha? — ele pergunta
brincando e recebe um olhar sério.
— Brian, eu não tenho interesse nenhum em você — deixo
claro.
— Nem eu em você.
— Ótimo! — digo com firmeza.
— Ei, o que você tem? Eu estou brincando, calma!
— Eu estou calma! — eu não estava. Ele ignora a minha cara
fechada.
— Nos vemos amanhã de manhã na minha casa?
— Sim.
— Ok — ele diz achando estranho o meu tratando e sai da sala
em seguida após o fim daquela sessão. Eu estou muito, mas muito
incomodada. Com tudo isso girando dentro de mim, tento entrar em
contato com Emma pela milésima vez, sem sucesso.

Como combinado, estou em frente da casa de Brian às oito da


manhã do dia seguinte. Aperto interfone e sou recebida por uma
moça alta, magra, de cabelos castanhos claros na altura dos
ombros e um rosto redondo de boneca. Os seus olhos castanhos
eram leves e a sua expressão era de simpatia.
— Eu sou a Sophie, fisioterapeuta do Brian.
— Ah, que legal te conhecer! Muito prazer, Sophie, eu sou a
Kelly, amiga do Brian.
— Você é a mãe da Clara, não é? — pergunto curiosa.
— Sim — ela sorri.
— Eu a conheci da última vez em que eu estive aqui. Ela é
muito linda! Parabéns!
— Ah, obrigada! — ela sorri. — Nove meses na minha barriga
para sair a cara do pai. Vida injusta!
— Não concordo. Ela se parece bastante com você também.
— Você acha mesmo? — assinto. — Eu mal te conheço e já te
amo — ela brinca. — Ei, Sophie, eu posso te fazer uma pergunta?
— respondo positivamente. Kelly fecha a porta atrás dela e cruza os
braços diante de mim. — Como está a recuperação do Brian? Ele
está bem? — percebo uma preocupação genuína.
— Muito bem! No começo foi difícil, mas a cada dia ele está
melhor. Nos últimos dias, ele tem reclamado menos das dores, os
exames estão ótimos e ele tem se esforçado bastante no
tratamento.
— E você acha que ele volta a jogar?
— Eu tenho fé que sim.
— Que bom saber disso! — ela sorri. — Obrigada por todo
apoio, viu? Ele estava todo borocochô fazendo os exercícios
sozinho, eu consigo perceber uma diferença enorme nele com as
suas vindas aqui.
— Essa é uma das partes gratificantes do meu trabalho.
— O Brian não é fácil, né?
— Não — confesso.
— Ele é um turrão mesmo, teimoso, rabugento, mas tem um
coração bom — forcei um sorriso, mas não disse nada. Ela confere
a hora no relógio de pulso. — Bom, Sophie, eu preciso ir. Foi bom te
conhecer! Pode entrar, ele está lá na academia te esperando —
Kelly segue para o seu carro. Já eu sigo em direção à academia e
vejo Brian mexendo no celular. Bato o dedo indicador suavemente
na porta de vidro para que ele notasse a minha presença.
— Ei, você está atrasada!
— Eu encontrei a Kelly quando cheguei.
— Está explicado. A Kelly fala mais que a boca.
— Ela é muito simpática. E bonita.
— É, eu sei, eu conheço ela — ele é debochado, e isso me
irrita.
— Bom, então vamos começar os exercícios — foco no que é
importante.
— Ei, Sophie, quando você faz aniversário?
— Por que a pergunta? Vai me dar um presente?
— Quem sabe? — ele dá de ombros.
— 25 de dezembro.
— Sério? No Natal?
— Uhum, com o meu melhor amigo.
— Aquele bocó da escola?
— Com Jesus, Brian.
— Ah.
— E o Matheus não é bocó, e não quero que fale assim dos
meus amigos.
— Desculpa — ele levanta as mãos. — Deve ser ruim fazer
aniversário no Natal. Você ganha dois presentes?
— Não, eu não ganho nenhum — digo naturalmente, e ele
parece ter ficado sem graça. — E o seu? — quebro o clima
estranho.
— 1º de abril — dou risada. — O que foi?
— No dia da mentira, perfeito para você!
— Eu não sou mentiroso. Você anda tendo uma imagem muito
errada sobre mim, Sophie.
— Você que construiu essa imagem, não eu — digo sem
rodeios.
— O que você tem? Eu te fiz alguma coisa? Você anda ríspida
desde aquele domingo.
— Eu acho que nós deveríamos focar nos exercícios — corto o
assunto.
Observo Brian fazendo os exercícios e vejo que, quando Brian
não estava com a sua testa franzida e de mau humor, conseguia ser
uma companhia muito agradável. Talvez fosse essa a tática que ele
usava para conquistar as diversas mulheres que ele já saiu. Ele
realmente tinha algo único. Eu não sabia explicar. Era um charme,
uma postura e uma voz que chamava atenção. Eu sempre o achei
bonito, mas a beleza dele nunca valeu de nada diante de tantos
comportamentos horrorosos que ele teve na escola. Eu lamentava
por um homem tão bonito e responsável profissionalmente que
aparentava ser um bom pai ser tão mulherengo e imaturo. E isso
piorou dois dias depois quando retornei a sua casa para os
exercícios caseiros. Naquela manhã, aperto o interfone, mas não
parece funcionar. Então, bato na porta, mas ninguém atende.
Atrevo-me a mexer na fechadura e vejo que a porta está aberta.
Entro devagar e chamo por Brian. Nada. Entro discretamente e o
vejo andando lentamente arrastando a perna esquerda sem auxilio
das muletas.
— O que está fazendo? — o repreendo ignorando o fato de ele
estar sem camisa e ter entrado em sua casa sem permissão.
— A gente não tinha marcado hoje à tarde?
— Não, e você não deveria estar andando sem as muletas!
— Eu sei — ele olhava ao redor e parecia desconfortável. Ele
caminha até o sofá e se senta.
— Onde estão as suas muletas? Eu pego para você —
pergunto, mas ele não responde.
— Bom dia! — uma voz feminina surge atrás de mim fazendo
com que eu vire em direção imediatamente, era Samantha. Ela tira a
camiseta masculina do corpo e joga para Brian. Ela vai até o
espelho da sala para ajeitar o cropped. Após, ela vai até Brian e se
despede segurando o seu queixo dando-lhe um beijo rápido na
boca. O meu estômago chega a embrulhar.
— Me liga — ela diz a Brian antes de fechar a porta e nos
deixar sozinhos.
— Esse é o exemplo que você quer dar para a sua filha? —
provoco dominada pela raiva.
— Ei, não fala da minha filha! — ele diz em tom de aviso
enquanto veste a camiseta.
— Eu não estou falando dela. Ela é maravilhosa! Eu estou
falando de você — ele levanta com dificuldade e me encara com a
sobrancelha franzida enquanto continuo a vomitar toda aquela raiva.
— Ela vai crescer e um dia vai ter um namorado. Você gostaria que
ela namorasse alguém como você? Você gostaria que um garoto a
tratasse da mesma maneira que você trata as mulheres?
— Cuida da sua vida, Sophie! — ele se irrita. — Você nem é
mãe e muito menos mãe dela — aquilo me doeu.
— A Clara é a sua princesinha, não é? — provoco mais. — As
mulheres com quem você se envolveu e depois descartou como se
fossem nada também eram as princesinhas de alguém — os seus
olhos fulminam os meus.
— Eu não forcei ninguém a fazer nada, são todas adultas! Elas
ficaram comigo porque quiseram, praticamente, atiraram-se em
cima de mim.
— Você aceitaria numa boa que um garoto falasse que a sua
filha se atirou em cima dele também?
— Para com isso! O que deu em você? — o seu tom é
agressivo. Eu havia atingido o seu ponto fraco. Eu jogo sujo sendo
consumida pela raiva.
— Você não faz ideia do quanto isso machuca uma mulher,
Brian.
— Por que você está tão incomodada?
— Porque você usou a minha amiga e depois a jogou no lixo.
Ela foi humilhada todos os dias na escola e até hoje carrega marcas
que você deixou nela — desfaço o nó na garganta.
— Olha só — ele respira fundo e fala em tom apaziguador —,
eu sei que você tem motivos para não acreditar em mim…
— Eu gostaria de não ter nenhum — interrompo.
— Bom, eu também. E mesmo que você não acredite, eu me
arrependo do que eu fiz com a Emma — ele diz provocando em mim
um olhar descrente. — Eu estou falando sério! Eu nunca vou
esquecer o jeito que ela me olhou, e eu me odeio por isso.
— Odeia, mas continua fazendo a mesma coisa.
— Não! Não é a mesma coisa! A história com a Emma tem
mais coisas por trás do que você imagina! — ele muda o tom, e eu
continuo sem acreditar nas palavras dele.
— Você usa as pessoas, Brian. E a Samantha será outra vítima
em suas mãos!
— Vítima? Ela não é vítima! — ele se defende. — Eu não sou
um criminoso, Sophie! Eu errei com a Emma e admito isso.
— Você iludiu a Emma, brincou com os sentimentos dela e
depois a tratou com desprezo.
— Eu sei! Eu errei e estou admitindo isso — ele fala alto. — O
que você quer que faça? Eu não posso voltar no tempo! Eu não sou
santo como você é, Sophie.
— Eu não sou santa, Brian.
— É o que você faz parecer. Eu entendo que você não gostou
do que eu fiz com a Emma. Mas, e a Samantha? Por que te
incomodou tanto? Eu sou solteiro, ela também. Ela quis, eu
também. Somos adultos. Por que te incomoda? — ele insiste.
— Porque… — tento segurar a língua para não falar demais.
— Por quê? — ele cruza os braços esperando a minha
resposta.
— Porque eu já fui como você! — esbravejo e me arrependo
imediatamente.
— Como assim?
— Eu era como você — digo por fim em tom mais baixo, afinal,
já estava dito. — Eu era como você. E toda vez que eu olho para
você eu vejo o meu passado. Eu vejo o vazio que eu tinha dentro de
mim e que eu preenchia com os garotos que eu saía.
— Ora, ora, então, você é rodada, Sophie. Eu estou surpreso —
ele debocha. — Então, você não tem moral para encher a boca e
falar de mim. Quem diria?
— A diferença entre nós dois é que eu mudei e me arrependi.
— Claro! E, obviamente, isso te torna melhor que eu e te dá o
direito de consertar a minha vida, não é? Acontece, Sophie, que o
seu passado não vai mudar. Você vai continuar sendo aquela que
serviu de divertimento para muitos caras.
— Você tem razão! O meu passado não vai mudar, mas hoje eu
não sinto mais vazio dentro de mim que eu ocupava saindo com
vários caras. Eu não preciso mais disso. Você pode dizer o mesmo?
O que você sente depois que você sai com elas? O mesmo buraco
aqui dentro que eu sentia está aí em você — bato o dedo indicador
no peito de Brian. — É isso que me incomoda.
— Eu não estou nem um pouco incomodado, muito menos me
sentindo vazio. Se você ainda sente culpa, isso não é problema
meu. Resolva na terapia, com o seu pastor, com as suas amigas, sei
lá, mas da minha vida, cuido eu — ele diz pausadamente e com
raiva em seu tom.
— Você gosta tanto de mulher, Brian, mas não sabe como tratar
uma — eu conseguia ouvir perfeitamente a sua respiração ofegante
de irritação. — Eu espero que olhando para a sua filha você consiga
repensar as suas atitudes. Não foi a toa que Deus te deu justamente
uma menina. Você não ia aprender que isso é errado usando as
filhas dos outros, talvez você precise sentir na pele.
— Como você é baixa! Literalmente! — ele movimenta os olhos
referindo-se também à minha altura. Ele se aproxima de mim com o
rosto bem próximo ao meu e me olha nos olhos sem piscar, e com a
voz baixa, calma e rouca diz: — Eu não quero mais ver essa sua
cara enjoada na minha frente, e também não quero te ver perto da
minha filha. Cai fora daqui — engulo o choro e olho fixo em seus
olhos. Eu conseguia sentir a sua respiração quente em meu rosto,
pego as minhas coisas e saio da casa de Brian.
Brian
— O que aconteceu aqui? — Kelly entra assim que Sophie sai.
— Nada! — evito conversar.
— Como nada? A Sophie estava chorando e você está com
essa cara horrível.
— Obrigado — ironizo.
— Sério, Brian, o que aconteceu?
— Ela é insuportável, intrometida e sem noção! Ela veio aqui
para me encher o saco e ainda falou da Clara.
— Da Clara?
— Que eu sou um péssimo exemplo de homem para ela.
— O que você aprontou, Brian? — ela cruza os braços.
— Como é?
— Eu te conheço. Você se envolveu com quem dessa vez?
— É sério? — ela dá de ombros. — Qual é o problema de
vocês? Eu sou solteiro, elas querem, eu me cuido… Exceto com
você — ela levanta a sobrancelha. — Eu só estou me divertindo, tá
bom? O que há de errado nisso? — defendo-me.
— Você deu cima da Sophie?
— Quê? Claro que não, Kelly! Ela viu a Samantha saindo daqui,
foi isso. Ela surtou e veio me dar lição de moral.
— Quem é Samantha?
— Uma das funcionárias da clínica de Fisioterapia.
— Meu Deus, Brian! — ela passa a mão no rosto nitidamente
me julgando.
— De qual lado você está?
— Do lado da minha filha, esse é o único lado que existe para
mim. E a Sophie está certa, você é o exemplo de homem para
Clara.
— Eu amo a minha filha, Kelly! E a trato bem, você sabe disso.
— É verdade! Você a trata como uma princesa, eu sei! Mas ela
precisa ver você fazer isso com outras mulheres também, agindo
com respeito com todas!
— Eu não vou atrás de mulher com ela do lado, Kelly. Ela não
vê isso. E eu nunca trago mulher para casa quando ela está aqui.
— Você quer "Parabéns" por isso? Ainda bem, né? Era só o
que faltava — não digo nada. — Brian, nós prometemos um para o
outro que seríamos honestos sobre tudo, lembra? — assinto. —
Pois bem, ela não percebe agora porque ela é uma criança
inocente, mas quando ela crescer ela vai perceber que o pai dela é
um mulherengo. Isso será decepcionante. Por que você fica
descartando mulheres desse jeito?
— Eu não as descarto. Para nós dois é muito claro que é um
momento, nada mais do que isso. Depois, cada um segue a sua
vida.
— Deixa de ser imbecil! Cresce! Você já é adulto para ficar por
aí agindo igual adolescente na puberdade! Ou igual cachorro atrás
de uma cadela no cio. Seja homem de verdade, Brian! — fico sem
reação. Kelly era uma pessoa em quem eu confiava e eu odiava
quando a gente discutia, talvez por ela ter razão a maior parte das
vezes, ou em todas elas — Olha só, eu vim até aqui para devolver o
carregador do seu tablet que estava na mochila da Clara, eu achei
que você pudesse precisar dele — ela me encara e me entrega. —
Pensa no que eu te falei — ela vira e caminha em direção à porta.
— Kelly — chamo-a, ela para e olha pra mim —, você não
trouxe a Clara com você?
— Não, eu não trago ela aqui sem avisar, com exceção daquele
dia porque eu não tive outra escolha. Eu não quero que ela veja
alguma vagabunda saindo daqui depois de se esfregar com o pai
dela — aquilo doeu mais do que a minha lesão no joelho. Kelly bate
a porta e eu fico sozinho naquela sala enorme tentando lidar com
tudo o que tinha acontecido. Eu passei boa parte da minha vida sem
dar satisfação às pessoas, e com a chegada da Day e da Kelly em
minha vida eu comecei a me sentir sufocado. Day sempre
tagarelava sobre como eu deveria levar a minha vida tentando me
convencer de que eu deveria namorar sério. Já a Kelly, embora
tenha a cabeça muito aberta, tomava a liberdade de falar o que
quisesse como se ela não tivesse feito parte da minha longa lista.
Agora, vem Sophie me dando lição de moral e criticando sobre
como eu deveria me comportar como pai. Quando eu perdi o
controle da minha vida?
13
É mais fácil aconselhar os outros do que dominar a si mesmo.
Eu tinha uma necessidade de ajudar os outros para evitar que eles
sofressem, e, por esse motivo, eu acabava me tornando
inconveniente e intrometida.
— Você está estressada, Sophie — Evelyn diz. — É o seu
último ano na faculdade. Com todos os trabalhos, provas e o
estágio, que já são coisas que tiram qualquer um do sério, imagina
tendo que suportar o Brian toda semana. E se você quer saber a
minha opinião, você está indo muito bem!
— Eu falei coisas para ele que eu não deveria, coisas muito
pessoais.
— Talvez tenha sido bom, você colocou para fora.
— O problema é que eu vou ter que encará-lo depois disso. Eu
não vejo a hora que isso acabe! A Sarah está certa. Eu estou
sentindo como se eu tivesse passado pelo o que a Emma passou,
eu absorvo muito. É como se… eu pudesse aliviar a dor do outro
passando um pouco para mim.
— Não é assim que as coisas funcionam.
— Eu sei — bufo.
— O que me deixou bastante curiosa foi o que você me disse
sobre ter mais coisas por trás do que aconteceu com a Emma que a
gente não sabe. Será que ela teve uma visão distorcida do que
realmente aconteceu?
— Eu não sei, eu também não entendi. Porém, ele pode
inventar alguma coisa para Emma sair mal nessa história.
— É verdade. Mas que eu fiquei curiosa, eu fiquei. Eu queria
saber a versão dele.
— Eu não vou perguntar, eu estou cansada. Eu não sou de
ferro, Evelyn, eu vou guardando o que estou sentindo e de repente
eu explodo.
— Sophie, você é uma pessoa incrível, mas não é perfeita.
Calma, vai ficar tudo bem!
— Obrigada, Evy! — digo com os olhos marejados. — Eu
preciso dormir, amanhã vou ter que encarar o Brian e preciso
recarregar a bateria da paciência — Evelyn me deseja sorte e eu
desabo a chorar assim que desligo a ligação. Eu só queria uma
nova chance para que tudo ficasse bem entre mim e Brian. Ou
melhor, que pudéssemos nunca mais nos ver novamente.

Os meus olhos estavam vermelhos e inchados, nem a


maquiagem contribuiu para disfarçar a minha noite mal dormida
afundada nas lágrimas. Respiro fundo e mantenho a postura para
entrar no consultório. Brian e Spencer estavam conversando
sorrindo provavelmente comentando sobre a noite que Brian teve
com Samantha.
— Talvez a Sophie queira — Brian comenta com Spencer assim
que piso na sala. Queira o quê? Pergunto-me em pensamento.
— Você gosta de gatos? — Spencer pergunta.
— Prefiro cachorro — respondo.
— Uh, está explicado! — Brian comenta e olho imediatamente
para ele. — Se tivesse um gato teria sete vidas para cuidar, mas
como prefere cachorro, ocupa as outras seis cuidando da vida dos
outros.
— Que isso, Brian? — Spencer o repreende sem entender a
sua fala.
— Ela entendeu, Spencer — ele fixa os olhos nos meus.
— Vocês dois que são como cão e gato! Enfim, Sô, a minha
gatinha teve cria e eu estou procurando alguém que queira adotar
— basta você pegar a lista das mulheres que Brian saiu. Com
certeza, formaria uma fila delas atrás de um gatinho carente — esse
foi o pensamento que me veio, mas segurei a língua na boca e
recusei a oferta do Spencer educadamente.
A sessão se encerrou depois de quarenta minutos em paz e
sem reclamações de dores, o que me deixava bastante feliz. Quanto
mais rápido ele melhorasse, mais rápido eu não o veria mais.
— Você vai hoje à tarde? — ele pergunta. “Não vou atrapalhar
algum encontro entre milhares que você deve ter agendado?”, outro
pensamento contido.
— Sim, às três horas da tarde.
— Perfeito! Quero dizer, perfeito não é. Por mim, eu não olhava
mais na sua cara — ele diz, e Spencer arregala os olhos e em
silêncio nos observa.
— O seu tratamento logo acaba e em breve você estará
recuperando. Então, vamos focar nisso. Assim, podemos nos
afastar definitivamente e nós dois sairemos felizes disso.
— Agora, sim, é perfeito! — ele diz e sai da sala, dessa vez,
utilizando uma bengala. Continuo o meu trabalho normalmente até
que Spencer não aguenta a curiosidade.
— Está tudo bem, Sophie?
— Sim. Eu preciso ir — evito dar explicações. Quanto menos
pessoas soubessem, melhor. Eu não queria mais nenhum problema.

Sinal de Paz
Brian abre a porta para mim às três da tarde apoiado em sua
bengala. Em passos lentos e silenciosos, seguimos até a academia
que estava sendo desocupada por Day que aparentemente havia
passados longos minutos ali.
— Uau! Estou morta! Hoje eu posso me afundar em balde de
chocolate.
— Você vai sair com o meu pai hoje?
— Sim, e estou atrasada! Eu vou tomar um banho correndo e
vou me encontrar com ele na doceria. Quer alguma coisa?
— Não, Day, obrigado!
— Mesmo você recusando, você sabe que eu sempre trago
alguma coisa para você.
— Eu não posso ganhar peso por causa da perna, Day, você
sabe disso.
— Logo você recupera e volta a malhar — ela diz e olha para
mim. — Hoje o George e eu completamos mais um ano juntos,
Sophie — os parabenizo com sinceridade e ela abre um sorrisão
apaixonado e segue se preparar para o seu encontro romântico
enquanto Brian e eu seguimos desanimados para academia. Sem
jeito, olho para ele em silêncio.
— O que foi? — ele pergunta impaciente.
— Eu estou me sentindo desconfortável.
— Ah, não, Sophie, eu não estou a fim de discutir de novo.
— Eu não quero discutir. Eu só quero dar um sinal de paz da
minha parte. Eu quero trabalhar sem conflito.
— Tudo bem por mim.
— Ótimo!
14
Quando a Chuva Leva Embora O Que
Ficou
Era quase quatro horas da tarde quando teve início uma
ventania. O céu estava coberto por nuvens carregadas prestes a
desabar uma chuva forte com raios e trovões.
— É melhor eu ir embora antes que chova — no momento que
finalizo a minha frase o céu cai com toda força e barulho. Ignoro —
Nos vemos depois de amanhã?
— Você não está pensando em ir embora nessa chuva, não é?
— Não está tão forte — ele franze a testa processando o que
eu havia dito. Outro estrondo vem do céu.
— Eu não vou deixar você sair nessa chuva. É perigoso! É
melhor você se sentar. Essa tempestade não vai passar tão rápido.
Contra a minha vontade, acomodo-me no chão da academia
junto a ele. Ele tinha razão, a chuva era pesada e eu não tinha outra
escolha. Brian e eu estávamos sozinhos naquele pequeno espaço
em meio a uma tempestade. Oro ao Senhor pedindo para que a
chuva cesse para que eu possa ir embora o mais rápido possível.
Desde que começamos o tratamento, Brian jamais sequer me olhou
com segundas intenções, o que parecia bastante estranho se
tratando dele. Até chego a me questionar se ele me achava feia ou
algo assim, afinal, bastava ser mulher para ele ir para cima. E se
essa fosse uma oportunidade para ele dar o bote? Aquela
tempestade não ia parar tão rápido, então, puxo assunto com Brian
para quebrar aquele desconforto e me distrair.
— Eu tinha muito medo de trovão quando eu era criança —
comento.
— A Clara também tem.
— Eu não sei se vai funcionar com ela, mas quando eu era
criança a minha babá me dizia que quando chovia, Deus estava
fazendo faxina no céu, e o trovão era Ele arrastando os móveis. Se
você falar isso para ela, talvez ela se sinta melhor. Funcionou
comigo, penso nisso até hoje mesmo sabendo que é historinha.
— Sophie, você sabe que eu sou…
— Ateu — completo sua resposta. — Eu sei — tento disfarçar a
tristeza em minha voz para não criar uma situação desconfortável e
mudo de assunto. — Conta mais sobre como foi descobrir que seria
pai — pergunto curiosa, e ele sorri levemente.
— Eu fiquei em choque quando a Kelly me contou, fiquei vários
dias processando sem saber o que fazer.
— Ela era a sua namorada?
— A Kelly? Não! — ele responde como se eu tivesse feito uma
suposição absurda — Eu nunca namorei, Sophie.
— Nem a Emily?
— Não. Eu tinha alguns momentos com a Emily, mas não era
um compromisso. Já a Kelly trabalhava no clube de esportes que eu
jogava. Nós ficamos muito amigos lá. Somente amizade de ambas
as partes — ele reforça. — A gente passava horas conversando e
desabafando um com o outro no final do dia bebendo alguma coisa
sentados no campo ou na arquibancada. A gente se deu bem logo
de cara mesmo ela sendo aluna da Parker. A gente tinha assunto,
sabe? Algo que eu nunca tive com as meninas da nossa escola. A
Emily e Rebecca, por exemplo, eu não conseguia conversar sobre
nada. Ou elas estavam falando de moda ou maquiagem, ou de mal
de alguém.
— E quantas vezes eu estive nessas conversas?
— Algumas — ele confessa. — Mas a Kelly foi amizade à
primeira vista — ele brinca. — Ela era apaixonada pelo meu colega
de time, e eu tentava juntar os dois, mas não deu certo porque ele
gostava de outra. A Kelly é uma irmã para mim, e eu sei que é
estranho falar isso por termos uma filha juntos, mas isso só
aconteceu por ficamos absurdamente bêbados em uma festa —
ouvia tudo atentamente. — Ela se declarou para o meu colega
mesmo depois de eu a ter aconselhado a não fazer aquilo.
Resultado: ela estava deprimida e com raiva, e eu também estava
do mesmo modo por ter sido suspenso de um jogo. E, então, nós
bebemos muito aquela noite e perdemos a noção total da situação.
Algumas semanas depois, Kelly me entregou o exame de sangue
que havia feito, e a palavra positivo estava grifada por uma caneta
fluorescente. E a única coisa que eu consegui dizer foi:
— Eu não acredito que isso está acontecendo! Por que você
teve que se oferecer para mim, Kelly?
— Como é? — ela esbraveja.
— Foi você que se jogou em cima de mim, você queria que eu
fizesse o quê? Eu estava deprimido e bêbado.
— Eu também estava deprimida e bêbada! Em sã consciência
eu jamais teria alguma coisa com um babaca como você! A partir do
momento em que você se deixou levar também assumiu os riscos,
não jogue só para mim algo que nós dois fizemos! — encaro-a. —
Se você tivesse tomado iniciativa, com certeza, também me culparia
dizendo que eu te provoquei a isso. É sempre culpa da mulher, não
é? — fico em silêncio ao perder o argumento.
— O que a gente vai fazer? — pergunto em desespero.
— Olha só, Brian, eu vim aqui te contar porque você é o pai,
mas eu quero deixar bem claro que eu não vou te obrigar a nada.
Eu não queria ser mãe agora, mas é o que é e eu vou encarar isso.
Essa criança vai nascer e eu vou cuidar dela, você querendo isso ou
não. Eu não vou exigir nada de você, mas essa criança não tem
culpa da nossa irresponsabilidade. Então, se você quiser fazer parte
ativamente da vida dessa criança, nos bons e nos maus momentos,
ótimo. Se não, por favor, não atrapalhe. Pior que ter um pai ausente,
é ter um pai babaca, e disso você entende muito bem. Dos dois
males, o menor. Essa criança não tem culpa de nada — ela
desabafa em lágrimas e passa ao meu lado furiosa, mas a seguro o
seu punho cessando os seus passos.
— Desculpa, Kelly, eu só estou com medo — lágrimas enchem
os meus olhos.
— E eu estou apavorada, Brian! Nós só temos dezesseis anos!
Você consegue imaginar como será daqui para frente? As pessoas
vão me olhar e me julgar o tempo todo, comentários vão circular
pela escola e eu vou ter esconder quem é o pai para não ser
massacrada por causa dessa rivalidade estúpida entre as nossas
escolas. A sua vida aparentemente vai continuar a mesma, a minha,
não — ela soluça em tentativa de contar o choro, e vai embora em
seguida.
Eu ouvia atentamente cada palavra que Brian dizia disfarçando
a minha indignação com a atitude dele com Kelly. No entanto, eu
continuei ouvindo.
— E, então — ele continua —, eu me sentei no sofá da sala
tentando processar tudo até que a Day chegou e me viu naquele
estado. Ela me olhou assustada, sentou ao meu lado e perguntou:
— O que aconteceu, Brian?
— Você se lembra da Kelly?
— Ela morreu?
— Não — ela se acalma colocando a mão no peito. — Ela está
grávida!
— Meu Deus! Ela tem a sua idade, né? — assinto. — Ela deve
estar desesperada! Que irresponsabilidade! E o pai da criança?
Outro irresponsável! Espero que ele não seja um babaca com ela.
— Sou eu, Day — digo por fim.
— Você o quê?
— Eu sou pai dessa criança. Eu engravidei a Kelly.
— Quê? Como assim, Brian? Vocês eram só amigos.
— A gente sempre foi, mas aconteceu — dou de ombros.
— Ai, Brian — ela coloca a mão sobre a testa.
— O meu pai vai me matar! — esfrego as mãos no rosto.
— Você vai assumir, não é? — não respondo. — Brian, essa
criança precisa de você! Ela não se importará com a sua idade, se
você ainda está na escola, se foi um acidente ou não. Ela precisa da
sua presença — fico em silêncio. Quanto mais a Day falava mais eu
me desesperava.
— Eu não vou ser um bom pai, Day, eu sou uma péssima
pessoa.
— Brian, você não é uma péssima pessoa!
— Você não me conhece de verdade.
— Bom, você se achar uma péssima pessoa só soa como uma
desculpa para fugir da sua responsabilidade. Uma criança com o
seu sangue virá ao mundo e você sabe como ausência de um pai e
de uma mãe dói. Você não preferiria, ainda que de modo difícil, que
seu pai tivesse sido mais presente na sua vida? A sua ausência vai
abrir um buraco no coração de uma criança inocente que não pediu
para vir ao mundo. E a Kelly também precisa de você mais do que
nunca. Você não pode pular do barco agora e deixar a Kelly sem
rumo — ela pausa por alguns segundos. — Eu quero que saiba que
você não estará sozinho nessa, está bem? Eu vou te ajudar — olho
para Day. — Conta comigo! — ela coloca a mão no meu ombro,
mas não consigo dizer nada. — Você será um bom pai se você se
abrir a essa possibilidade.
— A Day é muito acolhedora, né? — digo.
— Sim, e eu nem me dava bem com ela nessa época. Eu
estava tão desesperado que me abri com ela.
— E o que você fez depois? Você contou para o seu pai? —
pergunto.
— Contei. Eu fui muito xingado nesse dia. Ele disse que
esperava mais de mim como uma vitória de um jogo importante, e
não um neto, no caso, uma neta. Eu confesso que esperava uma
reação pior. Embora tenha doído algumas palavras que eu ouvi, eu
fiquei feliz por não ter apanhado dele — ele diz com naturalidade. —
Ele agiu de maneira estranha comigo por muitos meses. Eu diria
que só depois que a Clara nasceu que ele começou a me perdoar.
— E você sendo um jogador de Football esperava por um
menino?
— Pra quem descobriu que seria pai aos dezesseis anos, o
sexo do bebê era o que menos importava. Já o meu pai esperava
por um menino. Quando eu contei a ele que seria uma menina, ele
chegou a dizer que eu não prestava nem para fazer filho. Para ele,
era importante que eu tivesse um menino para me substituir
futuramente no esporte.
— O que você acha disso?
— Que é uma ideia completamente sem noção! Ainda que eu
tivesse um menino que garantia isso me daria de que ele iria gostar
de Football? Eu sei que a maioria dos meninos gosta, mas eu não
quero impor nada, eu sei o quanto isso é ruim. E a Clara também
pode jogar no time feminino se ela quiser, mas ela não liga para
esporte, e tudo bem. Eu quero que ela seja o que ela quiser. Se eu a
forçasse a fazer o que eu quero, eu não estaria amando a Clara, eu
estaria amando a mim mesmo — ouvir as palavras de Brian foi um
soco no estômago. Ao mesmo tempo em que eu ficava feliz por ele
pensar de uma forma tão bonita, eu senti inveja de Clara por ter pais
tão legais. — Hoje, o meu pai e eu temos uma relação boa. Com o
tempo, Clara o conquistou e agora ele é apaixonado por ela.
Pergunta se ele a troca por um menino. Ela o deixou todo bobo.
— O poder feminino já nasce com a gente.
— É verdade! A Clara me desmonta todinho — ele diz, sorrio.
— E como as coisas se resolveram com a Kelly?
— Eu fui até a casa dela no dia seguinte após a minha
conversa com o meu pai. Ela estava brava comigo, mas aceitou me
ouvir. Eu disse a ela que eu não teria como saber como as coisas
seriam dali para frente, mas eu prometi que estaria com ela e que
faria o meu melhor para ser um bom pai. E, apesar de todos os
meus defeitos, Sophie, uma coisa que eu faço é cumprir as minhas
promessas. Se eu te disser que estarei com você, tenha a certeza
de que você nunca estará sozinha — ele respira fundo. — Eu…
tenho medo de não conseguir ser um bom pai para ela. Você sabe
que eu não sou a melhor pessoa desse mundo — ele diz com
preocupação no olhar e isso me gera um pouco de culpa.
— Brian, eu quero te pedir desculpa pelas coisas que eu te falei
aquele dia sobre a Clara. Você é um bom pai, qualquer um vê isso
— ele sorri levemente com o que eu digo.
— Está tudo bem, Sophie. Na verdade, foi bom. Às vezes, a
gente precisa ouvir algumas coisas.
— Agora, sobre ser a melhor pessoa do mundo, realmente, está
deixando muito a desejar — brinco.
— Eu melhorei muito, tá? Eu aprendi muitas coisas nesses
quatro anos.
— O quê, por exemplo?
— Trocar fralda — ele brinca, e eu reviro os olhos rindo em
seguida.
— Eu esperava uma resposta profunda — tento extrair mais
dele.
— Sei lá — ele dá de ombros. — A Clara trouxe leveza para a
minha vida. Eu sempre estive envolto em um ambiente
extremamente masculino. E as coisas mudaram quando a Day
chegou e em seguida veio a Clara. Eu sempre morei com o meu pai
e passava a maior parte do tempo jogando Football com um bando
de homem suado e fedorento. O Football é esporte bruto e,
querendo ou não, nós somos treinados a sempre estarmos fortes e
manter uma postura. E quando eu estava em casa com a minha
filha eu conseguia relaxar. A nossa casa era fria, desorganizada e
exalava testosterona por todo lado, mas a Day mudou o ambiente. A
criação de vínculo com a Clara permitiu com que eu colocasse para
fora um lado sensível que eu mesmo não sabia que eu tinha. Elas
deram o toque feminino que faltava na nossa vida.
— Então, valeu a pena? — pergunto sorrindo sabendo da
resposta.
— Valeu muito! Com certeza, eu teria me arrependido de ter
agido como um babaca irresponsável. Eu teria perdido a melhor
parte da minha vida. Não foi fácil, Sophie, foi absurdamente difícil.
Eu nunca tinha segurado um bebê na minha vida. Eu não sabia
nada, e até hoje eu não consigo diferenciar choro dos bebês. Eu
aprendi tudo do zero. Eu me esforcei e fiz o meu melhor, e continuo
fazendo. A cada dia eu aprendo uma coisa nova. Eu não sou
perfeito, e você muito bem disso. Eu me irritei diversas vezes. Eu
brigava muito com a Kelly e deixei de fazer muitas coisas por
cansaço e birra. E eu nunca vou conseguir agradecer a Day o
suficiente por toda ajuda que ela nos deu. Eu demorei a sentir esse
amor pela Clara, era como se… Eu a rejeitasse de alguma forma,
sabe? Eu achava que eu nunca conseguiria sentir esse amor que
todo mundo diz sentir pelo filho, e foi a Day que me ajudou muito
nesse processo. Ela lia livros sobre bebês só para me ensinar. Eu
estava ali apenas por obrigação, e a Day me ajudou a enxergar com
sensibilidade quem era aquele ser pequenininho frágil e totalmente
dependente de mim. Eu comecei, aos poucos, a olhar para a Clara
especificamente, e não como se ela fosse um bebê qualquer. Eu
tentei agir de maneira mais leve, a brincar mais e eu fui me
apaixonando toda a vez que a Clara sorria ou me olhava nos olhos,
pedia o meu colo ou se acalmava quando eu a abraçava. São
pequenas coisas que… — ele respira profundamente — eu nunca
havia experimentado na minha vida.
— Quando a Kelly engravidou vocês não consideram ficar
juntos? — pergunto curiosa.
— Não, eu não consigo imaginar algo romântico entre nós, nem
ela. Ainda assim, eu fico feliz por ela ser a mãe da minha filha — eu
conseguia ver carinho genuíno em suas palavras. — Ela é
sensacional! E uma ótima mãe. Mas, a Kelly é bocuda. Ela fala
umas coisas que eu, muitas vezes, não espero. E como eu não sou
muito diferente dela, a gente já bateu boca várias vezes, mas a
gente sempre acaba se entendendo depois. Eu não tenho irmãos,
mas eu imagino que seja mais ou menos assim.
— E ela superou o seu colega de time?
— Sim. Hoje ela namora o Kevin, e estão juntos há dois anos.
Ele é gente boa e tem um relacionamento muito bom com a Clara.
No começo, não foi tão simples. Eu tinha receio que ele tentasse
ocupar o meu lugar e eu implicava muito com a presença dele. Nós
tivemos uma conversa aberta e foi a melhor coisa que fizemos. Ele
respeita muito o meu relacionamento com a Clara. Mas, às vezes,
eu ainda sinto ciúmes dos dois.
— Mas ele nunca será você — ele sorri ao me ouvir falar. —
Qualquer pessoa consegue ver que a Clara é doida por você.
— Eu também sou doido por ela. Eu nunca imaginei que
conseguiria amar tanto uma pessoa a ponto de dar a minha vida.
Não sei o que eu fiz para merecer a Clara. Ela é uma menina
maravilhosa e extremamente carinhosa.
— E muito linda.
— É a minha cara, né? — ele brinca.
— Não precisa de exame de DNA. Embora eu ache que a Clara
se pareça bastante com a Kelly, eu também consigo ver que ela é
você de vestido — ele ri. — Ela tem os seus olhos — digo. O olhar
de Brian fixa no meu e desvio segundos depois. — A diferença é
que ela tem um olhar doce e não carrancudo igual do pai — brinco,
ele ri.
— Não posso nem discordar de você.
— Os seus olhos brilham quando você fala da Clara, é bonito
de ver.
— É um amor inexplicável, Sophie.
— Eu espero sentir esse amor um dia.
— Para uma mãe deve ser mais intenso ainda.
— É o meu maior sonho! — o meu coração se aperta.
— É mesmo? — assinto. — Não era o meu, eu nunca quis ser
pai.
— Sério? — ele positivamente com a cabeça.
— Eu nunca me achei uma boa pessoa para criar alguém e
também não tive uma boa experiência familiar na minha vida.
— Bom, disso eu entendo muito bem.
— Você não tem um bom relacionamento com os seus pais? —
ele pergunta.
— Não. Os meus pais gostam de falar que eu fui um acidente.
— A Clara também foi.
— É diferente, Brian — sinto vontade de chorar. — Quem me
dera o meu pai ter brincado uma vez na vida de boneca comigo, ou
ter tomado um dos meus chás imaginários sem dizer “agora não,
Sophie, eu estou fazendo algo importante” deixando claro que eu
estava atrapalhando com uma brincadeira boba — os meus olhos se
enchem de lágrimas, mas as contenho.
— Nossa, eu não fazia ideia. Eu sinto muito — forço um sorriso
suave com os lábios. — E a sua mãe?
— Ela consegue ser pior que o meu pai — ele se espanta. —
Ela é uma pessoa difícil e não mede as palavras quando se chateia
com algo. Eu acho que decepciono os meus pais desde que eu
nasci, e o pior é que eu não sei exatamente o por quê.
— E eu achava que você era filhinha de papai e mimada.
— As pessoas tem uma ideia de quem somos, mas elas não
conhecem realmente os bastidores da nossa vida — respiro fundo
para não cair no choro. — E sua mãe? — indago.
— Ela morreu quando eu tinha dez anos.
— Desculpa, eu não sabia. Eu sinto muito, Brian — o meu
coração aperta.
— Tudo bem. O meu pai conta que ela sonhava em ser mãe.
Infelizmente, ela sofreu um acidente de carro fatal. Eu sinto muita
falta dela — vejo os seus olhos marejarem. — O meu pai ficou
arrasado e acabou bebendo muito nessa época e chegou a me
bater muitas vezes. A nossa relação era péssima. Eu acho que por
isso eu fui tão revoltado na escola. Foi uma fase muito difícil para
mim, ela se foi de repente. Hoje eu entendo o meu pai. Ele a amava
muito e não soube lidar com a perda assim como eu também não
soube.
— Como ela se chamava?
— Clara — um arrepio tomou conta do meu corpo e os meus
olhos se encheram de lágrimas. — Não vai começar a chorar,
Sophie! — ele me reprime com impaciência. — A Kelly ficou
chorona igual você quando eu sugeri o nome. Eu só queria que ela
continuasse a fazer parte da minha vida de alguma forma — Brian
pega o celular e me mostra uma foto de uma mulher lindíssima de
cabelos castanhos e olhos verdes com um enorme sorriso
carregando ele, ainda bebê, em seu colo.
— Você tem os olhos dela — deslizo o dedo indicador sobre a
foto.
— Sim, e eu passei adiante — ele sorri. — A minha mãe era
muito bonita. Quando ela tinha vinte e cinco anos, foi trabalhar e
estudar nos Estados Unidos como babá onde conheceu o meu pai.
Ele é americano e aprendeu a falar português por causa dela.
— Você nasceu lá?
— Nasci. Eu vim para o Brasil com três anos de idade. Talvez
se tivéssemos ficado lá, ela ainda estaria viva.
— Mas você não teria a outra Clara.
— Pois é. A vida me compensou de outra forma.
— Por que você não contou a ninguém da escola sobre a
Clara?
— Porque estávamos no último ano quando ela nasceu. Você
sabe como o pessoal da escola era. A Kelly estudava na Parker, o
que já era um bom motivo para nos rotularem de traíra. Ela era líder
de torcida do time de lá, e eu, jogador do BHS. Todo mundo
detonaria a gente.
— Mas a Kelly não conseguiu esconder a gravidez.
— Ela simplesmente dizia que não queria falar sobre isso. Não
foi fácil para ela. Mas, se a gente falasse seria pior, então,
decidimos juntos não falar nada.
— E os pais da Kelly?
— Eles moram em outro Estado. A Kelly morava com os tios
paulistas porque tinha o sonho de estudar na BHS ou na Parker. Ela
tentou a bolsa nas duas escolas e conseguiu na Parker. E, para
ajudar nas despesas, começou a trabalhar no clube do tio dele, o
mesmo que eu jogava. Quando ela engravidou, os tios não queriam
essa responsabilidade para eles e, então, a Kelly foi morar comigo
nos primeiros meses da Clara. Quando as coisas se ajeitaram, a
Kelly voltou a trabalhar e conseguiu fazer a vida dela. Logo
conheceu o Kevin e foram morar juntos.
— Deve ter sido muito difícil para ela. Ela é uma guerreira.
— Ela é. Além de tudo, nós tínhamos que manter boas notas na
escola para não reprovar. O meu rendimento caiu muito no último
ano e eu tive medo de reprovar. Você e eu éramos os melhores
alunos da sala, lembra? — assinto. — E eu passei para os piores. A
diretora Alessandra me chamou para perguntar o que estava
acontecendo, mas eu inventei várias desculpas. Aliás, eu não sei se
você vai se lembrar do primeiro dia de aula que você e eu
estávamos na sala de espera da diretora e eu cochilei enquanto ela
atendia você.
— Lembro. Ela queria te parabenizar pela entrevista no jornal
de esportes.
— Exatamente! No dia anterior, além de treinar, eu dei
entrevista, comemorei o retorno das férias com time e não dormi a
noite inteira porque a Clara não parava de chorar. Ela tinha acabado
de completar um mês de vida.
— E eu achei que você tinha voltado de alguma noitada.
— Com certeza. Nos embalos de um bebê na madrugada de
uma segunda-feira.
— É impressionante a capacidade do ser humano em julgar…
— E você?
— Eu, o quê?
— Já namorou? — fico sem graça ao ouvir a pergunta.
— Sim, eu já namorei.
— Sério? Quem? Um pastor? — ele debocha.
— Antes fosse… — sinto um nó na garganta.
— Se não quiser falar, tudo b…
— Ele era abusivo — disparo. — Era ciumento e possessivo
que me culpava por tudo e me humilhava, agredia verbalmente e
físicam… — pigarreio pela falha na minha voz. — Ele bebia e se
drogava, também me traía, entre outras coisas — olho para o chão
tentando me recompor. Sinto as minhas mãos tremerem.
— Nossa…
— Aquele dia, na festa, em que você me defendeu dos garotos
da Parker…
— Eu lembro.
— Eu senti tanto medo — desabafo. — Um filme passou pela
minha cabeça e eu revivi por minutos os sentimentos horríveis que
senti um dia com ele.
— Aqueles caras eram uns covardes!
— E eu amei um covarde como aqueles. Sim, eu o amava
muito. É horrível dizer isso e talvez não faça sentido, mas ele fazia
com que eu me sentisse amada. Ele reparava em mim mesmo que
fosse para me criticar. E parecia algo bom…
— Como você conseguiu sair desse relacionamento?
— Ele foi assassinado por dívida — Brian arregala os olhos. —
Eu sofri muito. Eu comecei a sair com vários garotos para me sentir
amada e suprir a ausência do Hugo, esse era o nome dele. Eu
estava na pior fase da minha vida, indo para festas e chegando
bêbada em casa aos quinze anos. Ele era mais velho que eu. Foi o
ano mais maluco da minha vida.
— Por quanto tempo você namorou o Hugo?
— Cinco meses. Foram poucos meses, mas eu me entreguei
completamente. Eu o conheci em uma festa que eu fui com uma
amiga. E nesse tempo, eu fiz tudo que eu mais me arrependo na
vida. Eu vivia em guerra com os meus pais, eu passava noites fora
de casa e bebia muito. Embora, eu tenha me perdido totalmente
nesse relacionamento, era com ele que eu conseguia a atenção que
eu não tinha em casa. Eu me contentava com tão pouco…
— Isso são coisas que não parece que você faria.
— Eu sei. A morte do Hugo gerou em mim um vazio maior do
que eu. E aí, sentada em praça, eu considerei tirar a minha vida.
Então, uma senhora sentou ao meu lado e conversou comigo. Essa
senhora era avó da Emma e eu não fazia ideia, eu ainda não estava
no BHS. Foi ela que me apresentou Jesus, O Homem que me amou
de forma pura e verdadeira. Aquele que curou a minha dependência
emocional, o vazio que eu tinha dentro de mim, que me tratou com
respeito, com valor e me fez uma nova pessoa — as bochechas já
estavam encharcadas pelas lágrimas.
— Eu não sei nem o que dizer.
— Não precisa dizer nada. Esse foi o motivo da minha
discussão com você. Eu sei o quanto dói ser usada, e também
conheço o outro lado, eu também usei pessoas. Como também sei o
que é ver o meu pai saindo a cada dia com uma mulher diferente.
Eu só não queria que a Clara passasse por isso. Mas, você tem
razão quando diz que não é da minha conta com quem você sai ou
deixa de sair, mas hoje eu sou tão feliz e completa que eu só queria
que todos experimentassem a mesma coisa.
— Nem tudo que te faz feliz me fará feliz, Sophie.
— Você se sente feliz depois de cada encontro? Eu me refiro à
felicidade plena.
— Não, claro que não. Eu me sinto… Sei lá. É bom,
simplesmente isso. Ou, melhor dizendo, momentaneamente bom.
— Eu me arrependo muito de ter permitido que mãos estranhas
tocassem o meu corpo. Hoje, eu guardo cada parte dele para uma
única pessoa. Se essa pessoa não tem o meu coração, porque ela
teria o meu corpo? Ambos são tão meus e tão preciosos, como eu
pude dar a qualquer um? — desabafo.
— E se você se casar e não for bom? Eu me refiro ao… sexo.
— E isso é o mais importante no relacionamento?
— Não, mas também é importante.
— É verdade. Mas, sinceramente, quando a gente se entrega a
uma única pessoa na vida não temos com quem comparar. Ambos
estarão desfrutando daquilo sem passado. Isso é tão especial —
digo e Brian ouve atentamente.
— É… Talvez — ele pausa. — É bom saber que você superou
tudo isso. Ainda que eu quisesse, não seria possível para mim como
foi pra você.
— Por que não?
— A minha lista é enorme, Sophie.
— Não importa. O que verdadeiramente importa é um coração
disposto.
— Sei lá… — ele dá de ombros.
— Você comentou que… — enxugo as lágrimas com as mãos
— que havia mais coisas por de trás do caso da Emma.
— Sim, tem. Mas eu não quero discutir sobre isso de novo —
ele adianta.
— Eu prometo que vou ouvir calada se você me contar.
— Tá bom — ele respira fundo antes de começar a falar. — Eu
fui a uma festa com o pessoal da escola e estava rolando pôquer. O
Eric me desafiou, mas eu estava tranquilo quanto a isso, ele sempre
foi péssimo nesse jogo. No entanto, ele, eu não sei como, ganhou a
partida. E foi aí que ele propôs que eu enganasse a Emma. Na hora,
eu recusei, mas com pressão de um monte de gente em volta da
mesa, eu aceitei. No dia seguinte, eu continuei a minha vida, mas o
Eric insistia com aquela história. Eu disse a ele que não faria aquilo.
Só que eu… — ele engole a seco e parece um pouco envergonhado
pelo que diria em seguida — Eu… tinha feito uso de doping.
— Brian…
— Eu sei. Mais uma coisa na lista de decepções que eu causo
nas pessoas. Foi só uma vez! Foi o próprio Eric que me arrumou e
ele usou isso para me ameaçar depois. Ele ia contar para o nosso
treinador e eu ia ser expulso do time.
— Eles não fazem o teste sem aviso prévio?
— Sim, e eu quase fui pego no exame toxicológico. E, por
medo, eu não usei mais. Eu não podia correr o risco de perder o que
eu mais sonhava na vida. Eu sempre joguei limpo depois disso. Eu
não queria ter feito o que eu fiz com a Emma, Sophie. Eu juro pela
minha filha, se essa é a única maneira de te convencer — ele diz
olhando nos meus olhos. Ele não juraria pela filha se não fosse
verdade, certo?
— Por que a Emma? — pergunto para entender mais a fundo.
Eu queria ouvir a versão dele.
— A Emma tinha acabado de entrar na escola, era alvo fácil.
— Eu também era nova na escola naquele ano.
— Mas você era da nossa sala, a Emma não. Sem contar que
você é muito bonita, né? — coro imediatamente. — O Eric achava a
Emma bastante esquisita e, para ele, seria mais divertido rir dessa
situação usando ela, entende?
— Que absurdo! — digo com raiva. — E depois?
— Depois o quê?
— Por que você ficou se exibindo e rindo da situação?
— Por causa dos outros. Era a escola inteira e uma única
menina para eu lidar, eu fiz a escolha mais fácil.
— E egoísta! Tem noção do quanto isso a feriu?
— Tenho! Eu quis ganhar aprovação de um bando de idiotas. E,
eu, era mais um no meio deles. Olha só, Sophie, eu não culpo o Eric
por isso, embora ele tenha armado tudo, eu fui o errado. Para
começar, eu não deveria ter feito uso de doping e muito menos ter
aceitado a proposta. Eu fui covarde, eu sei disso! Porém, hoje eu
consigo ver melhor isso do que na época.
— Você já considerou pedir perdão a Emma?
— Já, mas eu não tenho coragem suficiente para fazer isso.
— E a Evelyn?
— A Evelyn não foi o mesmo caso da Emma.
— Você ficou com ela.
— Fiquei, e daí? — ele se irrita. — Ela quis ficar comigo
também. O jeito que você fala dá entender que são mulheres
indefesas e que eu as forcei a alguma coisa. Você pode não
concordar em ficar com alguém, e tudo bem, é seu direito, mas eu
não sou um monstro. A Evelyn não foi nenhuma santinha, não, ela
sabia muito bem o que estava fazendo. Você fecha os olhos para
isso porque ela é a sua amiga. Você lembra muito bem quando ela
se afastou de vocês na escola e passou a andar com o meu grupo,
ninguém estava fazendo a Evelyn de refém ali — ele se defende.
Eu, mais uma vez, estava tomando as dores da Evelyn como fazia
com a Emma. — E você nunca ficou com o seu amigo Matheus? —
paraliso ao ouvir aquela pergunta, não havia possibilidade de fugir
daquele momento arrumando alguma desculpa para ir embora
mesmo com o céu desabando, não é? — Sophie? — ele chama. Eu,
literalmente, travei. Volto os meus olhos para ele em silêncio. —
Você já ficou com ele, né? — ele saca pelo meu silêncio. — Eu
sempre desconfiei. Tudo bem, eu não posso nem te julgar por ficar,
mas com ele, Sophie? Sério? Que mau gosto hein!
— Você ainda tem contato com os seus amigos da escola? —
mudo de assunto imediatamente.
— Não, ninguém. E, para ser sincero, eu não quero.
— Os seus amigos são os seus colegas de time? — pergunto e
vejo uma tristeza preencher seus olhos.
— Não, não mais. Nunca foram, na verdade. Antes da lesão, eu
sempre me encontrava com eles nas festas, assistíamos aos jogos
aqui em casa ou nos bares, mas depois que eu me lesionei, nenhum
deles sequer me mandou uma mensagem. A conclusão que eu
cheguei é que enquanto o meu nome estava na boca das pessoas e
na mídia, eu era alguém — ele pausa por alguns instantes. — Eu
perdi tudo, Sophie. Eu perdi o meu time, os meus amigos, a
admiração, os contratos, as oportunidades, até as mulheres que
costumava a sair.
— Você não tem mais time? Não pertence a nenhum clube?
— Não. Quando eu lesionei o joelho, o meu contrato já estava
vencido. Eu tinha horário marcado com o meu treinador na manhã
do dia seguinte para assinar a renovação, mas isso não aconteceu.
Foi em um final de tarde de domingo que a minha vida mudou. Eu
fui jogar com os meus amigos para me divertir, coisa normal de se
fazer em um final de semana livre. Eu estava ótimo e, de repente,
eu estava no chão me contorcendo de dor. Eu fui, imediatamente,
para o hospital, fiz a cirurgia e aqui estamos. Eu desejei morrer
quando me contaram que eu não poderia mais jogar Football.
Tantos anos de dedicação indo embora tão de repente — ele conta
como se pudesse reviver cada detalhe daquele dia. — O meu
treinador me visitou uma vez e depois nunca mais deu notícias. O
meu time voltou a treinar e rapidamente eu fui substituído. Como eu
não tinha mais vínculo contratual, eles não tinham mais obrigação
nenhuma de prestar suporte. Isso me decepcionou muito. Quando
eu estava bem, eu servia para eles. E com o tempo, eu perdi
trabalhos que eu fazia para algumas marcas, ouvia comentários
sobre o meu futuro que não contribuíram em nada na minha
recuperação e recebi olhares de pena que eu odiava. Você foi a
única pessoa que acreditou em mim — ele me olha — Eu não posso
dizer que a Day, a Kelly e o meu pai não estiveram ao meu lado,
mas eles também me olhavam como se eu fosse um coitado ainda
que falassem palavras de encorajamento. E com você foi diferente.
Você não teve dó de mim. E acho que isso me afrontou um pouco
no início — ele respira fundo. — Você tem ideia do que é conquistar
tudo e perder tudo do dia para a noite? Eu perdi a minha mãe e,
praticamente, também perdi o meu pai durante o processo de luto
que a gente estava vivendo. Eu aprendi a me virar sozinho em
absolutamente tudo. Eu não tinha ninguém para cuidar de mim. Eu
evitava me apegar por medo de lidar de novo com a perda. Eu
comecei a cuidar de mim mesmo na adolescência para fugir daquela
realidade. Eu foquei no esporte para não surtar. Eu comecei a cuidar
do meu corpo, a ser vaidoso e comecei a reparar no interesse das
meninas por mim. Estar com elas era um conforto. Elas me
abraçavam e me davam a oportunidade de sentir o toque da pele
com a pele que eu não tinha com ninguém. E eu não digo apenas
no sentido sexual, eu digo no sentido de receber carinho. Eu não
tinha isso. Elas me elogiavam e me admiravam, enchiam o meu ego
e me davam prazer. E busquei mais e mais me preencher com isso
para não enlouquecer. Eu conquistei o meu dinheiro e tornei
independente muito cedo. Eu estava seguro quanto a isso. Eu tinha
um bom dinheiro todo mês na minha conta. Hoje, eu não tenho mais
esse dinheiro mensal e eu tenho uma filha para sustentar. E o medo
de não voltar a jogar constantemente me visita.
— Você vai voltar! — digo com firmeza olhando em seus olhos.
— E eu vou estar na arquibancada segurando um pompom enorme
com muito glitter — digo, ele ri.
— Eu tento todos os dias pensar dessa forma positiva, mas não
é fácil. Eu me sinto tão fracassado.
— Não tinha como você prever isso, Brian.
— Se eu tivesse assinado a renovação, eu teria uma segurança
financeira e uma futura recolocação no time.
— Se a gente viver pensando no “se…” a gente deixa de viver o
que é para ser vivido hoje. Você precisa pensar daqui para frente. O
que você precisa no momento é focar na sua recuperação. A volta
para um time é outra etapa, não pense nisso agora.
— Você acredita mesmo que eu vou conseguir?
— Eu não tenho dúvida! — lhe passo essa confiança pela
milésima vez. — Brian, você é um excelente jogador e você sabe
disso.
— Eu sempre fui confiante em mim mesmo, mas depois da
lesão ficou tão difícil.
— Talvez você precise olhar com mais gratidão ao que você
tem hoje e não é pouca coisa. Você teve momentos difíceis com o
seu pai, mas ele está ao seu lado e está te ajudando nesse
processo. Você tem a Day que você mesmo disse que mudou o
ambiente.
— Ela é uma boba alegre, ri de tudo e acaba nos contagiando
também.
— É perceptível o carinho que ela tem por você, pensou em te
trazer até um doce. A minha mãe não faria isso. E a Kelly é a sua
amiga a qual você tem um apreço enorme. Quantos pais vivem em
constante conflito por terem que manter contato e fingir bom
relacionamento pelo bem do filho? E, nessa lista, eu nem preciso
mencionar a importância que a Clara tem. Brian, você tem uma casa
muito boa, tem uma cama confortável para dormir, um chuveiro
quente e tem comida na sua despensa. Você tem um carro bom e
todos da sua família estão bem e saudáveis. Você faz tratamento
em uma das melhores clínicas com profissionais excepcionais, e eu
me incluo nessa — ele sorri levemente. — Você não perdeu tudo.
Você tem tudo o que você precisa e muito mais. O que aconteceu
com você foi um acidente, um período difícil que vai passar assim
como essa chuva, os trovões, os raios, o vento, as nuvens. Não
permita que essa fase ruim defina o seu presente e o seu futuro. Eu
também passei por momentos horríveis e todos eles passaram e me
fizeram alguém melhor hoje — ele pensa em minhas palavras por
alguns segundos.
— Você é feliz? — ele pergunta um pouco sem jeito.
— Eu sou! Eu não tenho tudo o que eu queria ou sonhava, ou
que eu achava que merecia, mas eu tenho Jesus e Ele é suficiente.
— Você fala de Jesus como se Ele fosse alguém de carne e
osso que mora com você.
— É mais ou menos isso mesmo. Ele já viveu como nós aqui,
em carne e osso, e agora vive dentro de nós.
— Desculpa, Sophie, mas eu acho isso tão patético. Olha só,
você tem razão sobre eu ter uma vida abundante, eu concordo.
Mas, porque o seu Deus, sendo bom como você diz que Ele é, tirou
o que eu mais amava fazer? Romper o ligamento do joelho dói
muito para sua informação. Por que comigo?
— Por que não com você? O que te torna mais especial que os
outros? Jesus não nos prometeu uma vida fácil. Ele prometeu estar
conosco. Deus poderia ter evitado a morte do Apóstolo Paulo, que
foi decapitado. Ou evitado a morte de Pedro, que foi crucificado de
cabeça para baixo. Eles pregavam a Palavra de Deus, por que Ele
não evitou esse mal? Porque não é sobre essa vida, é além dela.
Há algo muito bom a nossa espera. Aqui é o nosso preparo — o
silêncio pesa. — Brian, desde que eu te conheci e, principalmente,
durante a sua recuperação, eu ouço você dizer que o Football é a
sua vida, é a sua maior paixão, é o seu sonho.
— Mas, é!
— Quem é Brian Winters sem o Football? — ele pensa e não
responde. — Você tornou o Football o seu deus. Você atribui ao
Football toda a sua vida. Assim que você perdeu o Football, como
você diz, tudo na sua vida perdeu o sentido. O Football faz parte da
sua vida, mas não pode ser a sua vida. Você diz que perdeu seus
amigos. Na verdade, eles nunca foram os seus amigos, então, você
não perdeu nada. E as mulheres que você saía eram interesseiras,
ou seja, você não perdeu nada. Sem contar que você poderia ter
caído em algum golpe e ter engravidado qualquer uma por aí
interessada no seu dinheiro e na sua fama. Vendo por esse lado, eu
acho que você foi poupado, e muito, de algo pior — ele se assusta
com o que eu digo.
— Será? — ele se preocupa.
— Se isso tivesse acontecido, algumas delas já teria te
procurado, não se preocupe — tento acalmá-lo. — Mas ainda pode
acontecer se continuar nessa vida promiscua — ele parece
considerar as minhas palavras. — Eu não tenho o poder de te
convencer que Deus é tudo o que você precisa, Brian, mas se você
falar diretamente com Ele, você vai entender o que eu estou vivendo
e tentando te explicar.
— Sophie, você não entendeu. Eu sou ateu. Eu não acredito
que exista um Deus, como eu vou falar com alguém que, para mim,
não existe? E eu não tenho interesse nenhum em virar crente.
— Eu não gosto muito dessa palavra, soa como algo ruim na
boca das pessoas. Eu prefiro cristã — pego a Bíblia que sempre
carrego na bolsa e ele começa se irritar. — Toma! — entrego a ele.
— Você está tirando uma com a minha cara, né? Por que vocês
querem enfiar goela abaixo a crença de vocês? Depois vocês
reclamam quando são perseguidos pela falta de bom senso.
— Presente a gente recebe e agradece. Toma! Não precisa ler
se não quiser, mas aceita, por favor.
— A Day tem uma Bíblia. O meu pai tem uma Bíblia. Na internet
tem Bíblia. E…
— Só falta você, toma! — interrompo.
— Eu ia dizer que eu tenho fácil acesso. Se eu não leio é
porque eu não quero.
— Você sempre foi educado, nem estou te reconhecendo —
coloco a Bíblia ao seu lado. — De nada! — digo.
— Você é muito inconveniente e irritante!
— Você não fica muito atrás.
— Eu não vou ler! — ele insiste.
— Tudo bem — ele revira os olhos.
— A chuva parou — levanto-me. — Nos vamos semana que
vem? — ele assente e vou embora carregada de muitas
informações daquela conversa. Eu tinha conhecido um novo Brian.
— Até amanhã!
— Até! — ele diz.

Brian
Quando Sophie fecha a porta e me deixa sozinho começo a
refletir sobre tudo o que ela disse. Deposito o meu olhar sobre a
Bíblia que estava ao meu lado, pego-a e folheio sem intenção. Era
tamanho pequeno, com letras miúdas, capa preta de imitação de
couro. Levanto-me do chão com dificuldade e caminho até o meu
quarto onde guardo o presente no fundo da gaveta. Ignoro a
recomendação de repouso e ando pela casa. Sophie tinha razão, eu
tinha muitas coisas. Eu tinha muito pelo o que agradecer, mas não
sabia a quem fazer isso. Ou sabia, mas era muito abstrato para mim
e parecia maluquice.
— Chegamos! — a voz de Day ecoa pela casa. — Menino, que
chuva! — ela diz quando me vê em pé perto da bancada da cozinha.
— Olha o que eu trouxe para você! — era pedaço de bolo de
chocolate bem recheado e decorado. — É uma delícia! E eu sei que
você não pode ganhar peso, mas é só um bolinho, né? Mas, se
você não quiser, não será perdido — eu a encaro segurando um
sorriso ao mesmo tempo em que pego um garfo na gaveta e provo o
doce.
— Uau! — digo.
— Eu disse! — ela sorri. — É o céu na terra.
— Onde é esse lugar? Eu preciso levar a Clara lá! — digo entre
uma garfada e outra.
— Eu te passo o endereço.
— A Day é o cardápio ambulante, sabe todos os sabores da
doceria — o meu pai diz e arranca gargalhada dela.
— Deixa de ser bobo, amor. Eu sou uma formiga muito contida,
eu poderia ser pior. E eu malho para isso, oras — ela se defende.
Em seguida, os olhos do meu pai pousam sobre mim.
— Que bom que está em pé e andando — ele comenta. —
Quando você volta a jogar?
— Eu não sei, pai. Em breve, eu espero.
— Não pressione o menino, George.
— Eu só perguntei.
— O seu pai comeu um monte de doce e continua amargo. Se
bem que eu também gosto bastante de meio amargo — ela dá um
beijo em meu pai.
— Ei, isso é nojento! — eles riem enquanto raspo o garfo na
embalagem do bolo.
— Eu vou tomar um banho — o meu pai diz e sobe para o
quarto. Day me olha com olhos curiosos se coçando para falar algo.
— O que foi, Day?
— Nada. Eu só queria saber como você está.
— Bem, eu acho. Por quê?
— Por nada, só para saber.
— Eu estou bem — reforço. Em poucos passos, chego perto de
Day e a envolvo em um abraço amigável, coisa que eu nunca tinha
feito. — Obrigado pelo bolo — quando me afasto percebo a sua
expressão de espanto. O abraço foi tão de repente e espontâneo
que lhe causou estranheza.
— Esse menino não está bem — ela diz como se eu não
pudesse ouvir.
— Eu estou bem, Day — respondo rindo e ando com
dificuldade em direção ao meu quarto.
Entro no banho e lembro-me do que Sophie me disse.
Enquanto a água quente molha o meu corpo, sinto uma fraqueza me
possuir e choro, choro muito. O alívio vem. As lágrimas se misturam
com água do chuveiro levando embora todo sentimento ruim que eu
estava carregando. Sinto-me mais leve depois que fecho o chuveiro
após passar longos minutos ali. Envolvo uma tolha na cintura e
esfrego a mão no espelho embaçado. Encaro a minha imagem no
espelho e uma pergunta me atormenta: Quem é Brian Winters sem
o Football? Eu havia me perdido? Essa foi a minha verdadeira perda
nesse acidente todo? Enxugo o restante das lágrimas e termino de
me arrumar. Começo a me vestir e a minha cicatriz suga toda a
minha atenção. Passo o dedo por ela e sinto raiva. Toda gratidão
era momentânea. Quando os meus pensamentos dão lugar às
lembranças, revolto-me novamente. Sinto raiva por tudo o que eu
disse a Sophie, e por tudo o que ela me disse. Lembro-me de como
eu fui substituído pelo meu treinador, e de como fui esquecido pelos
meus colegas. E por mais que eu tivesse tudo o que eu precisava
financeiramente, isso não duraria para sempre. Com raiva, visto-me
bem, passo o meu perfume e decido sair de casa para relaxar. O
carro automático permitia que eu pudesse dirigir sem problemas. As
ruas ainda estavam molhadas e o ar estava úmido, por conta disso,
não havia muitas pessoas na rua àquela hora. Era por volta das sete
e meia da noite quando estaciono o carro em frente a um bar, mas
desisto de entrar. Com o celular em mãos, faço uma ligação.
— Samantha?

Encaro o teto em silêncio. As mãos de Samantha deslizavam


sobre o meu peito nu. Eu pensava sobre a pergunta de Sophie, e
naquele momento eu poderia dar uma resposta com mais certeza.
Não, eu não sentia felicidade plena. Eu sentia segundos de prazer e
um buraco dentro do peito logo em seguida. Faltava algo, mas eu
não fazia ideia do que pudesse ser.
— Você está bem? — Samantha pergunta.
— É segunda pessoa que me pergunta isso nesse tom — irrito-
me.
— É que você parece distante — ela diz e se aproxima se
roçando em mim. Afasto-me e me levanto da cama de Samantha.
— Já vai?
— Já, eu preciso ir — digo colocando a roupa e me ajeito
depressa, como se isso fosse possível. — Tchau, Samantha — pego
as minhas coisas e saio deixando-a para trás. Bato a porta do carro
e jogo a cabeça para trás me sentindo estranho e incomodado. Eu
nunca me senti assim, talvez seja pelas milhões de informações que
Sophie despejou em cima de mim. Inconveniente ao extremo. Ligo o
carro e sigo o caminho para casa. Por azar, ou o que quer seja,
todos os sinais estão vermelhos e sou obrigado a parar. Dessa vez,
em uma rua sem movimento, olho ao redor e vejo uma propaganda
em um outdoor protagonizado pelo meu ex-colega de time. Abaixo o
vidro para enxergar melhor. Era para eu estar ali. Sem carros atrás
de mim, e com o sinal verde, continuo parado até ser surpreendido
com uma arma apontada para mim. Levanto a mão e sinto o meu
corpo travar.
— Passa o celular! — ele ordena.
— Calma — digo lutando para raciocinar. — Eu vou pegar o
celular.
— Brian? — o assaltante diz fazendo-me olhar rapidamente
para ele.
— Eric? — o semblante dele muda. — O que você está
fazendo? — pergunto bastante chocado. Ele não responde e sai
correndo sem levar nada. Olho pelo retrovisor e o perco de vista.
Aquilo doeu muito. O Eric e eu nos conhecemos quando éramos
crianças e, infelizmente, devido a más companhias se afundou nas
drogas. Ele estava jogando a vida dele no lixo e começo a
questionar se eu também não estava fazendo a mesma coisa, mas
de forma diferente. Eu precisava dormir. Eu precisava esquecer o
dia de hoje. Eu estava exausto emocionalmente, e ver o Eric
naquela situação foi a gota d’agua para mim.
15
Algumas semanas se passaram desde aquela conversa
com Brian. Confesso que desanimei ao ver que nada do que
conversamos parecia ter gerado algum efeito positivo dentro dele.
Muito pelo contrário, ele parecia pior. Em nossas sessões passou a
me tratar de maneira seca, respondia de maneira monossilábica e
mantinha atenção no Spencer como se eu não existisse. Eu
comecei a me questionar o que eu havia feito de tão errado. Será
que me precipitei ao entregar a Bíblia? Será que na intenção de
criar uma ponte eu criei uma barreira? Eu não tinha essa resposta.
Porém, Brian, que andava sem auxílio de muletas e bengala, voltou
à vida que tinha e tanto almejava conquistar como se tudo o que ele
vivera não tivesse valido de nenhum aprendizado. Eu conseguia ver
que na primeira oportunidade ele deixaria de levar o tratamento a
sério, e nem alta ele havia recebido.
Spencer e ele estavam mais próximos, e eu percebia o silenciar
da conversa quando eu me aproximava. Não era difícil de imaginar
sobre o que eles falavam: mulheres. Brian continuava a sair com
Samantha esporadicamente. E ela, por sua vez, amava se exibir
quanto a isso como se fosse uma grande conquista. Eu não poderia
negar que ela era muito bonita. De descendência indiana, Samantha
tinha cabelos pretos, ondulados e longos, cheios de brilho. A sua
boca carnuda exibia um sorriso solto, os seus olhos eram grandes e
pretos bastante hipnotizantes. Ela exalava um charme muito próprio.
Bastava olhar para ela para entender como um mulherengo como
Brian não resistiu aos seus encantos.

Como combinado, Brian e eu continuamos com os exercícios


caseiros. Naquela tarde ensolarada, sou recepcionada por Day, e
ganho a liberdade para ir até Brian na área da piscina. Quanto mais
me aproximava mais ouvia vozes. Ele estava com Clara. Parada,
observo os dois sem que eles pudessem me ver e consigo ouvir
perfeitamente o que eles conversavam. Enquanto ele fazia alguns
exercícios do joelho que costumávamos fazer juntos, ela colocava o
tênis com dificuldade.
— Papai, você me ajuda?
— Clara, você sabe colocar o tênis sozinha.
— Mas está difícil.
— Tenta de novo que uma hora dá certo — a frustração era
nítida e o choro estava prestes a vir a qualquer momento. Ela tenta
novamente e não consegue, então, ela joga o tênis longe.
— Eu não consigo! — ela diz com raiva e chora de forma
contida e bastante frustrada. Naquele instante, Brian parou os
exercícios, pegou o tênis que Clara havia jogado e se sentou com
dificuldade no chão de frente para ela e olhando em seus olhos
firmou a voz em tom baixo e calmo.
— Clara, olha para mim! — ela olha contra vontade. — Nunca
mais fale que você não consegue alguma coisa! Você consegue! —
ele diz realmente acreditando naquilo. — Se de um jeito não deu
certo, tenta de outro — Brian entrega o tênis para ela e, aos poucos
e lentamente, Clara tenta encaixar o pezinho, mas sem sucesso. Ela
olha para o pai esperando algo.
— E se você afrouxar o cadarço? — ele sugere, ela olha e
pensa no que Brian acabara de dizer. Eu observava aquela cena
surpresa com a paciência dele, afinal, ele sempre teve um pavio
muito curto. Com delicadeza, ela puxa o cadarço um a um até deixar
o tênis largo e o seu pé encaixar perfeitamente. Com um sorriso,
Brian a olha e ela retribui.
— Eu consegui — as suas palavras eram tímidas e o seu
sorriso carregava orgulho, assim como o de Brian.
— Eu disse que você ia conseguir.
— Encaixou igual da Cinderela! — rio baixinho. Clara era muito
fofa, eu transbordava assistindo aquela cena. Clara se levanta e
Brian puxa a sua atenção novamente olhando no fundo de seus
olhos.
— Filha, nunca deixe ninguém dizer que você não consegue
alguma coisa. Você consegue! Você só precisa acreditar nisso com
todas as suas forças e insistir. Você é forte, inteligente e capaz de
fazer qualquer coisa nessa vida. Você é uma vencedora,
combinado? — ela assente com a cabeça. — Então, repete comigo:
eu sou uma vencedora!
— Eu sou uma vencedora!
— Essa é a minha garota! Toca aqui — eles batem as mãos e
se abraçam. Eu estava tão imersa naquela cena que o interfone
toca dando-me um leve susto.
— A sua mãe chegou — Brian puxa Clara novamente para um
abraço apertado. — I love you, baby girl!
— I love you, daddy!
Ai meu coração!
Clarinha corre em direção à porta, mas não me vê. Brian se
acomoda novamente na cadeira e volta aos exercícios. Com o
coração quentinho depois daquele momento fofo, caminho em
direção a ele que percebe a minha presença. O cumprimento sem
jeito o encarando com admiração.
— O que você tem? — ele repara.
— Eu?
— Você está estranha. Se bem que… você é!
— É que eu… — pigarreio ignorando o seu comentário
desnecessário e grosseiro — eu ouvi a sua conversa com a Clara.
— Ouviu?
— Eu estava chegando e não quis interromper.
— Tudo bem. Quem me dera o meu problema fosse colocar um
tênis — ele sorri de canto dos lábios.
— Já foi um dia — digo, e ele dá de ombros. — Para você, era
só um tênis, mas para ela era um desafio.
— Pois é, mas eu não quero que ela olhe para os problemas
como se fossem maiores do que a capacidade dela em resolvê-los.
— É mesmo? — cruzo os braços dando a entender que ele não
estava praticando o que pregava.
— Qual é, Sophie? — a sua testa franziu imediatamente.
— Você sabe que os filhos aprendem mais com o exemplo dos
pais do que com o que eles falam, né?
— Você está querendo me ensinar a como educar a minha
filha?
— Não. O que eu estou dizendo é que você deveria beber
dessa coragem que você enche o copo das pessoas.
— É mais fácil encorajar as pessoas do que a nós mesmos.
— Na perspectiva da Clara, colocar o tênis estava sendo
impossível. Já na sua visão, era algo que você sabia que ela
conseguiria resolver, pois você estava enxergando além. E eu, como
a sua fisioterapeuta, consigo enxergar você jogando porque a minha
visão é diferente da sua. Então, da mesma forma que a Clara
confiou em você, eu quero que confie em mim quando eu digo que
você consegue voltar para o campo. E quero que você pense o
mesmo sobre você — Brian fica em silêncio processando o que eu
acabara de dizer. — Você quer que a sua filha seja uma mulher forte
e conquiste as melhores coisas dessa vida?
— Eu realmente preciso responder a uma pergunta óbvia
dessa?
— Quer ou não?
— Eu me contive por dez minutos diante de uma situação que
eu levaria em menos de dez segundos para resolver para que a
Clara aprendesse algo importante. O que você acha?
— Quer ou não? — ele reviva os olhos.
— Quero, Sophie — ele bufa.
— Então, acredite no que você ensinou a ela dando o próprio
exemplo. Mostre para ela a sua superação. Olha que lição incrível
você tem nas mãos! — ele ouve cada palavra que eu digo.
Encaramo-nos em silêncio por alguns segundos.
— Eu acho que preciso me convencer de que estou me
recuperando. Eu estou andando bem, mas eu fico com receio de me
movimentar e voltar à estaca zero.
— Você tem feito exames e está fazendo o tratamento
direitinho, pode ficar tranquilo. Apenas continue tomando os
mesmos cuidados e não vai acontecer.
Surpreendentemente, aquela foi a conversa mais desenvolvida
que eu tive com Brian desde aquele dia da tempestade, não
esperava trocar mais do que duas palavras com ele. O seu celular
começa a tocar e o nome de Dra. Brianna aparece na tela.
— Não vai atender?
— Alô?
— Oi, Brian! É a Dra. Brianna. Espero que esteja bem, mas se
não estiver, eu tenho certeza de que ficará. Posso agendar uma
consulta para você amanhã de manhã? — ele me olha e sorri.

Alguns Dias Depois


Brian
Com o meu agendamento feito, chego empolgado ao
consultório da minha médica na manhã seguinte. Ela me chama
com um sorriso e isso me enche de esperanças.
— Estou com os seus exames, Brian — ela diz enquanto me
sento. — Eu estou… chocada.
— Como assim? Eu piorei? Eu não posso mais jogar? Tudo foi
uma perda de tempo?
— Calma! Na verdade, o seu joelho está em perfeito estado,
como se você nunca tivesse sofrido uma lesão. Isso nunca
aconteceu.
— Como isso é possível?
— Eu não sei. O seu joelho está aparentemente intacto. Por
mais que você se recuperasse 100%, o seu osso não tinha a
curvatura que tem agora. Brian… honestamente, eu não sei te
explicar.
— Mas eu ainda não estou andando com rapidez ou me
sentindo 100% recuperado.
— Talvez seja psicológico. Talvez o medo de sofrer tudo de
novo esteja dentro de você te impedindo de voltar ao normal. Você
está novo em folha! — ela me entrega os exames e me dá uma aula
de anatomia para me explicar detalhadamente o estado do meu
joelho. Escuto com atenção sem interromper fingindo entender cada
palavra.
— Sinceramente, Dra. Brianna, eu não entendi nada do que
você falou. Eu sou bilíngue, mas o grego não é um desses idiomas
— ela ri.
— Tudo bem — ela ri. — Mas, tem uma coisa que você vai
entender: Você está de alta! — ela diz, e eu escancaro um sorriso.
— Em que língua?
— Em todas!
— O quê? Eu posso voltar a jogar?
— Como eu disse, o seu joelho está intacto. Eu não vejo
motivos para você não jogar, então, sim, pode! — ela sorri com o
meu entusiasmo.
— Não brinca comigo!
— Eu estou falando sério! — ela realmente estava, e as minhas
bochechas ardem devido ao meu largo sorriso. — Foram meses de
recuperação que valeram a pena cada segundo. Portanto, vida nova
e muito sucesso! Você é um exemplo de superação. O seu caso é
raro, Brian, e você conseguiu dar a volta por cima. De forma
inexplicável, mas conseguiu. Meus parabéns! — sorrio tentando
entender.
— Muito obrigado por tudo, Dra. Brianna! — os meus olhos
ficam marejados.
— Eu só fiz o meu trabalho.
— Um trabalho incrível! Muito obrigado! — digo com
sinceridade e a abraço.
— Obrigada pela confiança! Qualquer coisa que você precise,
volte a me procurar, tá bom?
— Com todo respeito e gratidão que eu tenho por você, mas eu
espero não te ver mais — ela ri.
— Agora, você deve continuar a Fisioterapia preventiva para a
sua segurança e confiança. Você pode contratar um fisioterapeuta
particular agora sem necessidade de vir à clínica.
— Será que consigo continuar com o Spencer e a Sophie?
— Acredito que o Spencer consiga um horário para você. Já a
Sophie ainda não pode exercer a profissão sem estar oficialmente
formada. Aliás, o estágio dela se encerra agora e, provavelmente,
terá uma vaga garantida aqui no ano que vem como funcionária
registrada após a formatura. Sorte a nossa, ela se saiu muito bem.
— É, que bom para ela — digo sentindo um buraco no peito
sem entender muito bem o motivo. Afasto os pensamentos e foco
novamente na minha vitória, e sorrio ainda sem acreditar.
— Você quer ficar aqui para processar tudo ou sair correndo
viver a vida que tanto esperou? — no mesmo instante, eu saio
carregando um sorriso e encontro com Sophie no corredor que abre
um enorme sorriso assim que me vê.
— A Dra. Brianna me contou — ela diz.
— Pois é, eu não…
— Brian! — Samantha surge de repente e me agarra pelo
pescoço. — Soube que vai nos deixar — ela diz fazendo cara
tristonha. Puxo-a para um abraço sem pensar e comemoro
ignorando a presença de Sophie.
— Eu não acredito que isso é real, Samantha! Eu vou voltar a
jogar!
— Eu sempre soube que você conseguiria!

Sophie
Sempre soube? Para quem apareceu na hora boa, é fácil falar.
— Você vai voltar para o seu time, pegador? — ela pergunta.
— Recebedor — ele a corrige ao dizer a posição errada no
time.
— Você entendeu — ela pisca e morde o lábio. Que nojo!
Reviro os olhos, pois o estômago já estava revirado.
— Eu vou falar com o meu treinador hoje mesmo!
— Se quiser passar no meu apartamento depois, eu estarei lá.
Ok, eu estava sobrando ali, ou servia com uma vela bem
apagada para aquele casal sem química. Era pura física e música
bem descompassada, ruído estridente aos meus ouvidos e enjoado
demais para engolir. Antes que eu passasse mal com aquela
nojeira, decido ir embora após pegar os meus documentos de
término de contrato e fazer o agendamento da minha apresentação
de caso para o Dr. Dalton.
Depois de todo trabalho que fizemos juntos, Brian comemorou
com Samantha ignorando a minha presença. No entanto, eu sabia
do meu valor e iria provar que eu sou uma boa fisioterapeuta para
aquela clínica e iria lutar para entrar lá! Era um alívio não ver mais
Brian. Caso encerrado. Eu estava livre!
16
Brian
Depois de um longo período de recuperação, eu estava pronto
para voltar ao campo e fazer o que eu mais amava. O clube estava
cheio aquele dia e não era dia de jogo, o que me causou
estranheza. Em direção à sala do treinador, observo a minha volta e
capto poucas palavras de alguns grupos de pessoas que passavam
por mim. Elas basicamente diziam “ele está aqui”. Contenho o
sorriso. Certamente estavam sabendo da minha volta. Depois de
tanto tempo afastado, ainda falavam de mim. Alguém ainda
esperava pela minha volta e isso me deixou cheio de esperança
para assinar o meu novo contrato. Não havia mais motivos para eu
estar fora do meu time e, com certeza, Hamilton também pensava o
mesmo já que eu sempre fui o seu jogador favorito.
— Brian? — o seu olhar expressava surpresa ao ver-me entrar
em sua sala quando bati na porta que estava aberta.
— Como vai, Coach?
— Bem. Você parece bem também, diferente da última vez que
te vi naquele hospital.
— Sim, foram meses muito difíceis.
— Não duvido disso.
— Agora estou bem, 100% recuperado e pronto para voltar a
jogar.
— Que ótimo! Fico feliz pela sua recuperação.

— Obrigado! Agora podemos retomar de onde paramos.

— O seu contrato já havia acabado quando você se lesionou.


— Sim, é verdade. Mas, você me disse que as portas estariam
abertas após a minha recuperação, então… — dou de ombros e
deixo no ar esperando que ele entenda a mensagem.
— Você era o meu melhor jogador e me orgulho de ter tido você
no time — sorrio com as suas palavras.
— Obrigado, Coach.
— Já se passaram alguns meses e muitas coisas mudaram.
— Muitas. Eu não esperava por essa lesão, ainda mais um dia
antes de renovar o meu contrato com o time, mas eu estou pronto
para essa nova fase.
— Hum — ele pigarreia. — Brian, você sabe que jogadores vão
e vem, e que a fama é passageira e cada um tem que aproveitar a
sua glória enquanto a tem. Assim como tantos outros, você também
teve o seu momento. Se eu colocar você de volta no time agora eu
teria que tirar o Tutu.
— Tutu?
— Arthur Lins, mais conhecido como Tutu. Ele é o grande
destaque do time desde que você saiu.
— Eu não saí. O contrato era para ser renovado e…
— O Tutu… — ele me interrompe — é o wide receiver mais
falado ultimamente pelos jornais esportivos. Você deve ter ouvido
alguma coisa sobre ele.
— Algumas vezes.
— Ele era apenas um funcionário do clube, o qual eu não fazia
ideia do seu talento no esporte. A ideia realmente era apenas
ocupar o seu lugar temporariamente, mas ele é bom! Já você, nos
últimos meses, também esteve em destaque nos jornais por conta
da sua lesão. No entanto, o seu desempenho em campo não será
mais o mesmo. Você está ciente disso, não é? Dificilmente,
jogadores com esse tipo de lesão voltam a jogar.
— Eu estou apto a jogar. Eu fiquei muito tempo parado, mas eu
estou bem agora.
— Será?
— A minha médica disse que o meu joelho está novo como se
eu nunca o tivesse lesionado.
— Isso é impossível!
— Bom, eu posso provar.
— Não há necessidade.
— Coach, a minha vida é o Football! — percebo soar desespero
em minhas palavras.
— Se a sua vida é o Football, considere-se morto, Brian. Ou
ressuscite em outro lugar, não há vaga no meu time no momento
para tal acontecimento — uma facada teria doído menos. — Você é
jovem, tenho certeza que encontrará outra profissão que se
identifique. Essa é a minha recomendação para você. O Tutu
alavancou o nosso time, o faturamento está alto e nós estamos na
melhor fase como nunca estivemos antes.
— Mas, Coach, eu…
— Aí está ele! — Hamilton diz olhando para a porta abrindo os
braços e um sorriso largo. — Tutu, o meu garoto! — era um abraço
cheio de orgulho e um soco no meu estômago. Alguns meses atrás,
eu estava naquele abraço enchendo o meu treinador de alegria. Os
dois saem da sala passando por mim como se eu fosse invisível. Eu
nunca me senti daquele jeito. Eu nunca fui tratado daquela forma. O
meu treinador era a pessoa que mais acreditava em mim e hoje
conseguiu me humilhar como ninguém. Respiro fundo dando passos
levemente apressados em direção à saída e avisto o meu time de
longe em campo gritando “Tutu” repetidamente. Esse cara deve ser
muito bom mesmo para sustentar essa posição com esse apelido
ridículo. Entro no carro com raiva e fico um tempo ali processando
tudo. Um dos grupos de pessoas que passou ao meu lado no clube,
dessa vez, passava em frente ao meu carro falando sobre ele.
Afundo a mão na buzina para assustar aquelas meninas bobocas e
frenéticas que estavam morrendo de amores por aquele usurpador.
Depois ouvir alguns xingamentos das fãs do cara com nome de
cachorro, eu saio de lá furioso pronto para encher a cara de álcool e
passar o final da tarde deprimido me sentindo um fracassado. E
assim faço quando chego em casa. Os passos firmes em direção ao
bar na área da piscina são interrompidos assim que vejo Clara
brincando no chão próximo ao bar. Kelly e Day estão com ela.
— Papai! — ela levanta e corre em minha direção e abraça a
minha pena. — Você me leva ao parquinho? — ela me pede.
Controlo a irritação que estava dentro de mim e desconverso.
— Eu preciso conversar com a sua mãe um pouquinho, tá
bom? — olho para Kelly que lançou um olhar confuso, porém me
seguiu em direção a sala.
— O que aconteceu?
— O time não me quer mais e o treinador me humilhou sem dó.
Eu não estou valendo mais nada! — controlo o volume da voz. — o
Hamilton está lambendo o chão que o Tutu pisa.
— O Tutu é gente boa — Kelly comenta e ganha o meu olhar
fuzilante.
— Ele roubou o meu lugar no time! — irrito-me.
— Ele não roubou o seu lugar. Você não estava mais lá, alguém
precisava te substituir.
— Era para ser uma substituição temporária! Ele está jogando
na minha posição oficialmente agora. Tudo por causa dessa
porcaria de lesão.
— Espera um pouco! Vamos começar do início. Por que você
foi ao clube? Você ainda está em tratamento.
— Eu tive alta hoje e fui liberado para jogar de novo.
— Quê? Que bom! — ela sorri. — Por que você não está
comemorando?
— Porque eu levei um pontapé do meu treinador. Ele acha que
a lesão vai prejudicar o meu desempenho em campo.
— Mas se você está recuperado…
— Foi o que eu disse a ele, Kelly, mas ele não quer mais saber
de mim. Eu não sei o que fazer! — bufo.
— Você precisa mostrar que você continua sendo bom.
— Ah, jura? E como eu faço isso sem estar em um time?
— Aproveitando as oportunidades para entrar em um. Igual
você fez quando não estava em um time.
— Quê? Você está dizendo para eu jogar como iniciante? Isso é
ridículo! Eu sou atleta profissional, eu jogo desde criança e tenho
muita experiência. Eu já participei de vários jogos importantes,
campeonatos, sem contar os recebimentos de bola, os
touchdowns…
— Brian! — ela coloca as mãos nos meus ombros me
pausando. — Respira! Você está acelerado.
— É claro que eu estou…
— Shh! — ela me encara por alguns segundos em silêncio. —
Você tem razão! Eu não estou te desmerecendo. Você é o melhor
wide receiver! E como o grande jogador que você é, você precisa se
acalmar e buscar uma solução quando essa raiva passar. Agora não
é o momento de tomar atitude. E quando for o momento, você terá o
meu apoio.
— Eu amo jogar Football, Kelly.
— Eu sei, e todo mundo sabe. Aliás, você deveria tatuar isso na
sua testa. Você não deve parar por causa dessa porta fechada.
Você tem que ir atrás do que você quer, mas não agora. Você
precisa se acalmar primeiro. Confia em mim! — ela me puxa para
um abraço.
— Estou me sentindo um lixo.
— Ah, eu sei como é essa sensação — ela me solta do abraço.
— Eu poderia dizer que esse sentimento é a minha especialidade,
mas eu acho melhor não falar nada. Eu preciso fingir estabilidade
emocional para ajudar você — ela sorri levemente com os lábios. —
Vai ficar tudo bem!
— Obrigado, Kelly.
— Você é o meu brother! — ela fecha a mão e retribuo o
soquinho. — Agora, senhor jogador, entre no seu papel de pai e leve
a sua filha para o parquinho.
— Eu esqueci completamente que ela viria aqui hoje — coço os
olhos. — Eu estava pronto para me afundar na bebedeira.
— Sem chance, meu amigo. A Day me avisou que vai passar
dois dias fora com o seu pai, então, será só você e a Clara. É
melhor não botar uma gota de álcool nessa boca linda e gostosa —
ela aperta as minhas bochechas em sua mão em tom de
brincadeira.
— Sai fora, Kelly — afasto-a na brincadeira. Ela tinha o dom de
deixar situações tensas, leves.
Com muito esforço, os batimentos do meu coração voltam para
a frequência normal e levo Clara ao parque. Enquanto ela brincava
com as outras crianças, penso no que eu poderia fazer para resolver
aquele problema. Se eu estava de fato com a reputação tão mal,
qual chance eu teria em outro time? Quanto mais eu pensava, mais
ansioso eu ficava. Nos próximos dias, eu precisava resolver essa
situação, mas também precisava estar bem para ficar com a minha
filha. E pensar sobre ela e o seu futuro também me geravam
preocupações. Eu queria gritar ali no meio do parque para aliviar o
turbilhão que estou por dentro. Eu precisava relaxar.
— Você se incomoda? — uma moça alta, encorpada, de longos
cabelos lisos castanhos e olhos verdes, pergunta se referindo ao
espaço vazio no banco em que eu estava.
— Não — digo a ela que se senta ao meu lado e o seu perfume
era tão bom que eu queria senti-lo mais de perto. Olho em suas
mãos que estão apoiadas em suas pernas e não há aliança. Ela
acena para um garotinho no parque e abre uma oportunidade de
interação. — É seu filho? — pergunto.
— Não — ela ri. — É o meu sobrinho. E você, tem filho?
— Filha. Aquela loirinha — aponto para Clara que se divertia no
escorregador.
— Ah, que bonitinha! Parabéns! — ela diz com um enorme
sorriso que fazia seus olhos sorrirem junto.
— Obrigado. Qual é o seu nome?
— Luísa.
— Brian — estendo a mão e ela corresponde o cumprimento.
— Espera aí, você é o jogador de Football?
— Sim — finalmente alguém para me fazer sentir bem. — Brian
Winters.
— Que demais! Eu gosto de assistir aos jogos com o meu pai.
Ela falava muito bem de você.
— Fico feliz em saber disso!
— Eu sinto muito pela sua contusão.
— Na verdade, foi uma lesão. Eu estou bem agora e espero
voltar a jogar em breve.
— Isso é ótimo! — o sorriso dela era lindo. De fato, ela era
muito linda. E cheirosa.
— Você quer sair qualquer dia desses? — ignoro a minha
discussão com Kelly sobre ir atrás de mulher com a Clara por perto,
mas eu não poderia perder aquela oportunidade. A Luísa parecia
uma Miss.
— Nossa, que direto! — ela ri e dou de ombros sorrindo
levemente. — Humm… — ela pensa. — É que… você não faz o
meu tipo de homem.
— Quê? — tento processar. O sorriso desaparecera.
— O meu tipo, sabe? Não me leve a mal.
— Tudo bem — tento encerrar para não piorar, mas ela
consegue fechar aquela conversa com chave de ouro.
— Eu posso te fazer uma pergunta? — assinto sem ânimo. —
Você conhece o Tutu?
— Uhum — é o máximo que consigo dizer fazendo um esforço
seguido de uma expressão desinteressada.
— Ah! — ela dá um gritinho e bate palmas igual uma patricinha.
— Eu não acredito! Você me apresenta para ele? Que sonho
conhecê-lo, sério! Ele é tão gato, né? Pena que ele é casado. E tem
dois filhos, acredita? — olho para ela sem paciência. Eu engulo a
minha raiva e antes que pudesse responder aquela pergunta
ridícula, Clara vem chorando em nossa direção.
— Papai, eu caí — aproveito a deixa e a pego no colo para ir
embora, mas Luísa me chama, mas não dou bola.
— Eu preciso ir — sigo para casa.
Rejeitado pelo meu treinador e depois levar um fora. O que
mais eu precisava? Exausto mentalmente, deito-me na
espreguiçadeira na piscina às oito horas da noite após de ter feito
toda a rotina noturna e colocado Clara para dormir. O céu estava
limpo e o ar estava gelado. Encaro o céu e me pergunto em que
momento eu voltei à estaca zero. Eu tinha tudo e eu perdi tudo. E
agora que eu poderia ter tudo, eu não tinha nada.
— Está se divertindo com o meu sofrimento aí em cima? —
digo em voz baixa olhando para o céu.
Eu era de fato ateu? Por que raios eu estava falando com Deus,
então? Fico com mais raiva ao pensar nisso.
— Se você de fato existe como a Sophie afirma, por que você
tem prazer no sofrimento das pessoas? O que falta você fazer para
que eu me sinta pior do que eu estou me sentindo agora? O que
mais você vai tirar de mim? Você tirou a minha mãe, os meus
amigos, as mulheres, o meu time, o meu sucesso, o meu dinheiro.
Qual é a próxima? — continuo encarando o céu.
— Papai… — Clara me tira daquela imersão. Abraçando o seu
cachorrinho de pelúcia favorito, descabelada e com expressão de
choro, ela para em minha frente. — Eu quero a mamãe. Eu quero ir
para casa.
— Clara, aqui também é a sua casa.
— Mas eu quero a mamãe — ela começa a chorar. Olho para o
céu com raiva. Era isso que faltava, não era? Respiro fundo e tento
acalmá-la. Sem sucesso e sem paciência, ligo para Kelly que vem
buscá-la minutos depois.
— O que aconteceu? — ela me pergunta baixinho enquanto
Kevin a coloca no carro.
— Ela acordou querendo você. Nem a minha própria filha me
quer.
— Para com isso, Brian! Isso é coisa de criança, não tem nada
a vê com você. Toda criança pede pela mãe.
— É, eu sei… — essa criança era eu.
— Você está bem?
— Não, não estou. Pelo menos agora eu vou poder beber.
— Brian, não faz isso.
— A Clara precisa de você, é melhor você ir. Depois me conta
como ela está — dou as costas para Kelly e fecho a porta atrás de
mim. Considero que se não fosse pela ligação de afeto paterna,
nem Clara iria me querer por perto já que a minha cara carrancuda
assustava as crianças.
Sozinho em casa minutos depois, eu volto para a
espreguiçadeira e olho para o céu. Sem me preocupar com o tom de
voz e a raiva que eu exalava, digo:
— Obrigado por mais essa! Agora nem a minha filha quer ficar
comigo. Você tirou a minha mãe quando eu tinha só dez anos de
idade e isso não foi suficiente? Eu era apenas um menino com um
pai alcoólatra, sozinho e deprimido. Depois de muitos anos eu
consegui me reerguer e acreditar em mim. Eu melhorei a minha
aparência física e me dediquei ao Football para não morrer por
dentro. Eu fiz muitos amigos, eu saía com as meninas que eu queria
e eu tinha toda a atenção voltada para mim, coisa que eu não tive
em casa. E por causa dessa porcaria de lesão eu perdi tudo, e a
culpa é sua! A minha mãe falava bem de você, eu costumava a falar
com você, lembra? Se você fosse realmente bom evitaria todo esse
sofrimento. Eu estava no auge da minha vida. Eu amava a minha
vida. Por que você fez isso comigo? Eu estou bravo com você, e eu
tenho todo direito! Por que você tira a vida da mãe de um menino de
dez anos de idade? — grito e me rendo às lágrimas. — Eu sinto
tanto a sua falta, mãe — soluço. — Se você estivesse aqui teria sido
tudo diferente. Mãe… — choro mais. O meu peito se aperta em dor.
Sinto-me mais criança que a Clara naquele momento. Eu conseguia
entender o sentimento dela, por isso eu não demorei em chamar a
Kelly. Eu também só queria o colo da minha mãe, mas eu não o
tinha mais.
— Brian! — escuto o meu nome e me assusto. Eu estava
sozinho. Eu olho ao redor, mas não vejo ninguém. A voz que eu ouvi
não era como a voz de uma pessoa. Assustado, limpo os olhos na
camiseta. Olho ao meu redor novamente e nada. — Olhe para o
alto! — era aquela voz novamente, volto os meus olhos para o céu.
— Você é meu! — a voz fala novamente e um arrepio toma conta de
todo o meu corpo e sinto algo queimar dentro do peito. Era como se
tivesse perdido o controle dos meus pensamentos e estivesse
conversando comigo mesmo dentro da minha mente. Eu nunca
havia vivido aquilo antes e jamais saberia explicar. — Eu te escolhi
— novamente.
— O que está acontecendo aqui? Eu estou ficando louco?
Aquela voz me incomodava a ponto de acelerar a minha
respiração. Ignoro o pensamento e ando em passos rápidos em
direção à sala, apanho a chave do meu carro e saio. Bato a porta do
carro e o ligo como se sair de casa fosse a solução para fugir de
Deus. Piso no acelerador e dirijo na mesma intensidade da minha
raiva procurando um muro alto para atingir em cheio. Naquele
momento, Clara vem em meus pensamentos e começo a diminuir a
velocidade até parar em um estacionamento vazio no meio do nada.
Eu estava cansado. Eu estava frustrado. Eu queria que tudo aquilo
acabasse e… O meu celular toca. A tela exibia o nome de Sophie.
— Alô? — atendo desconfiado.
— Brian? Você está bem?
— Por que eu não estaria? — pergunto achando estranho.
— Eu tive um sonho ruim. Você estava dentro de um carro e
sofreu um acidente. Eu senti que deveria te ligar — ela diz, e fico em
silêncio. — Brian? — ela chama. — Você está bem mesmo?
— Eu estou bem — desligo sem me despedir e volto dirigindo
para casa em silêncio, mas, dessa vez, dentro do limite de
velocidade. A casa estava vazia e escura. Por mais que eu tentasse
entender o que havia acontecido, eu não conseguiria. Tudo na
minha vida ultimamente não tinha explicação. Jogo-me no sofá e
adormeço na tentativa de entender as coisas. Aquela voz não falou
mais comigo.

O interfone toca e me desperta. Eram nove horas da manhã.


Espreguiço-me, bocejo e arrasto os pés até a porta. Com os olhos
entreabertos, atendo a porta.
— Bom dia! — Sophie diz com um leve sorriso. Viro-me
deixando a porta aberta para que ela entrasse. — Eu fiquei
preocupada. Por que desligou na minha cara?
— Eu posso ir ao banheiro antes de você começar a matracar?
— assim faço. Minutos depois estou um pouco mais desperto.
Ofereço um café a ela e me sento a sua frente na bancada da
cozinha sentindo uma sensação estranha.
— Como sabia que eu estava mal? — pergunto curioso.
— Você estava?
— Não foi por isso que você me ligou?
— Eu achei que você estivesse mal por causa do meu sonho
ruim, mas você disse que estava bem.
— Eu pensei em cometer suicídio ontem — digo de uma vez.
— Quê? Meu Deus, Brian! Como assim?
— Eu quase joguei o carro em alta velocidade em um muro —
dou de ombros, os olhos dela carregavam preocupação e uma fina
camada de lágrima. — Eu perdi o meu lugar no time, eu fiquei
arrasado. E, depois disso, pequenos acontecimentos foram à gota
d’agua pra mim.
— Eu comecei a orar por você todos os dias desde o início do
tratamento — ela conta —, mas, ontem, eu senti tão forte que eu
deveria orar mais por você. Agora eu entendi o motivo — bufo
impaciente esperando a pregação terminar. — E Deus me disse
para eu te ligar.
— Como assim Ele disse?
— É difícil de explicar, é um pensamento que não é meu.
— Uma voz, que não é exatamente uma voz, e fala na sua
cabeça e só você ouve? — ela assente com um olhar questionador.
— Como sabe que é Deus?
— Pelas circunstâncias, pela coerência, pela Palavra, pela paz,
por eu não ter controle desses pensamentos.
— Quando você começou a ouvir?
— Eu não lembro, mas isso vai acontecendo naturalmente.
— Ontem… — reorganizo os meus pensamentos — Eu acho
que eu ouvi… Ele — a última palavra quase não sai da minha boca
por achar tudo aquilo um absurdo. — Eu não sei, eu acho. Eu ouvi o
meu nome, mas eu estava sozinho em casa. Depois Ele disse para
eu te ligar, mas eu não quis. E, então, você me ligou. O que pode
ser coincidência — apresso em dizer.
— Por que é tão difícil para você acreditar Nele?
— Ele tirou a pessoa que eu mais amava.
— Sua mãe? — respondo positivamente com a cabeça.
— Por que, Sophie? Eu sinto tanta raiva!
— Eu não sei responder essa pergunta. Você não vai ter a sua
mãe de volta, mas Deus pode te dar o conforto que você precisa
para superar essa dor.
— Eu duvido que Ele me dê alguma coisa que eu pedir.
— Brian, você dá tudo que a Clara te pede?
— Não.
— Por que não?
— Porque nem tudo o que ela pede é bom para ela — ela me
encara e depois continua.
— Imagina que a Clara venha até você somente para te pedir
coisas que ela quer e o outro restante do tempo ela viva da maneira
que a convém sem se importar com o que você pensa e sente. Seria
horrível, não seria? Porque, afinal de contas, você a ama e quer
fazer parte da vida dela. O amor de Deus é assim. Ele quer fazer
parte da nossa vida. É um amor é relacional, como pai e filho, como
você e a Clara. Você não deve tratar Deus como um gênio da
lâmpada ou agir como uma criança mimada. É um relacionamento
construído diariamente.
— Ele não está nem aí para mim, Sophie.
— Então, por que Ele falaria com você? Com tantas pessoas no
mundo, por que Ele falaria com você? — fico sem resposta. — Eu
não sei por que a sua mãe partiu tão cedo nem por que você sofreu
essa lesão, mas eu sei que Deus tem grandes coisas para te
ensinar através disso. E você encontrará as respostas que você
precisa no presente que eu te dei.
— Eu não vou ler! — digo irritado.
— Deus é gentil, Brian, Ele não vai arrombar a porta do seu
coração, mas Ele claramente está batendo, é você que escolhe girar
a maçaneta. Ele é tão bom pra mim, eu O amo tanto. Quando eu
menos mereci, foi Ele que me estendeu a mão. Quando eu estava
no fundo do poço sofrendo com a morte do Hugo e me sentindo
impura com pensamento suicida, Ele me resgatou — ela não
contém as lágrimas e me contagia.
— Eu estou me sentindo péssimo.
— Brian, o sofrimento não é culpa de Deus. Isso que você está
sentindo é a consequência ausência Dele em nossa vida. Ele nos
deu acesso direto a Ele através de Jesus, o que mais precisamos
para nos achegar a Ele? Ele cedeu, agora é a nossa vez. Como
todo relacionamento, ambos se entregam.
— Se eu O aceitar, o meu sofrimento acaba?
— Não, porque ainda estamos em um mundo mal. Mas, eu te
garanto que, com Ele, tudo o que há de mal, há, também, algo bom
para extrair. Não muda o sofrimento, mas nos muda diante dele.
— Sophie, eu preciso de ajuda — peço sussurrando sem
forças. — Por favor, me ajuda! — choro.
— Eu posso orar por você? Eu prometo que se sentirá melhor
— permito sem conseguir ver outra saída. Eu estava assustado.
Sophie desce da banqueta e estende as mãos para mim. Fico em
pé de frente para ela e seguro em suas mãos. Ela fecha os olhos e
abaixa a cabeça, faço o mesmo.
— Senhor, Jesus, eu te apresento o Brian, e eu sei que o
Senhor já o conhece e conhece o mais íntimo de seus pensamentos
e o mais profundo do seu coração. Peço que o Senhor se revele a
ele e o toque com o seu grandioso e infinito amor concedendo a ele
a sua misericórdia. Aceite-o, Pai, para que a vida dele seja
testemunho vivo da Sua bondade, que ele seja instrumento de Suas
mãos, seja purificado, transformado e lançado como flecha em
muitos corações. Eu oro em nome de Jesus, amém!
Abro os olhos e ela sorri.
— Diz “amém”.
— Amém! — Sophie me abraça. O abraço dela era tão bom e
se encaixou perfeitamente em mim. Eu conseguia extrair uma paz
que havia nela, era um lugar seguro que eu não queria sair. Como
eu sentia falta daquele tipo de abraço! Era um abraço puro, sem
interesse ou segundas intenções. Um abraço confortável e seguro
que eu não recebia há anos e sentia muita falta.
— Obrigado — digo ainda dentro do abraço. — Por tudo! — ela
me desabraça e eu lamento por isso. Eu estava vulnerável e
bastante envergonhado diante dela, ainda que ela me passasse
segurança, eu não queria parecer fraco.
— Eu preciso ir. Eu tenho que apresentar o resultado do seu
caso para o Dr. Dalton.
— É hoje? — ela assente. — Eu posso fazer alguma coisa para
te ajudar?
— Pode!
— O quê? — pergunto.
— Continuar lutando, voltando a viver e recomeçando da
maneira certa. Esse é o melhor resultado que eu posso apresentar
para alguém — ela me encoraja. Olhando em seus olhos, ela se
despede e acaricia o lado esquerdo do meu rosto rapidamente e vai
embora.
17
Sophie
— Bom dia, Dr. Dalton, Dra. Brianna e Spencer. O meu nome é
Sophie e fiz parte do Projeto Enviados da Saúde no caso do jogador
de Football Americano Brian Winters — digo lutando para me
mostrar confiante. O olhar do médico chefe era extremamente
pesado e me causava tremores. Começo a explicar detalhadamente
toda a lesão de Brian e quais foram as maneiras adotadas por
Spencer para a recuperação ter sido um sucesso. Apresento o antes
e depois dos exames e raios-X. E como eu acredito que o
psicológico e emocional faziam parte de um tratamento físico de
sucesso, menciono, também, as minhas pesquisas particulares
sobre o assunto deixando claro que era uma forma de contribuir
para o avanço e não atuar como psicóloga, pois esse não era o meu
papel e nem a minha função.
— Qual foi a sua maior dificuldade? — ele pergunta.
— Deixar o meu lado profissional falar mais alto diante da dor
do paciente para que ele não se desmotivasse e acreditasse que a
dor fazia parte do processo de uma recuperação bem sucedida.
— Pensou em desistir? — ele pergunta, olho para a Dra.
Brianna que não expressa nada.
— Pensei — o meu coração dispara com medo de acabar com
a minha imagem —, mas eu não desisti.
— Por quê?
— Porque eu tinha uma grande responsabilidade diante de mim
e isso me assustou por ser a minha primeira experiência. No
entanto, eu acredito que a Fisioterapia pode mudar a vida das
pessoas e eu queria ver isso acontecer, então, desistir deixou de ser
uma opção.
— O que você acha Dra. Brianna?
— O caso do Brian era bastante deliciado e obteve resultados
surpreendentes, nem eu acreditava tanto nessa recuperação como
ela. Eu vejo muito potencial na Sophie, a clínica ganharia muito com
a presença dela — sorrio, ela pisca para mim.
— E você, Spencer, o que tem a dizer sobre ela já que
trabalharam juntos?
— Bom, Dr. Dalton, a Sophie é bastante inexperiente e acredito
que lhe faltou postura profissional — o meu sorriso desapareceu no
mesmo instante.
— Como assim? Conte-me mais, Spencer.
— Algumas vezes, a Sophie questionou o meu trabalho na
frente do paciente e…
— Era o meu primeiro dia — interrompo, mas Dr. Dalton levanta
a mão pedindo que eu ficasse em silêncio.
— Esse tipo de atitude é desconfortável, principalmente porque
sempre dei a ela liberdade de executar os exercícios, claro, com a
minha total supervisão em todo o tempo — eu devo estar dormindo
e isso é um pesadelo. O que deu no Spencer? Além de estar me
dando uma rasteira, está mentindo descaradamente. — E também,
Dr. Dalton, houve um boato de que a mãe da Sophie tinha comprado
a vaga no hospital.
— Isso já foi esclarecido, Spencer — Dra. Brianna me defende.
— Isso foi um boato maldoso, a Sophie não tem a vaga comprada.
— Eu sei, mas gerou uma imagem ruim sobre ela na clínica. Já
em relação ao paciente, eu acredito que ela o iludiu um pouco. O
que ela chama de estímulo, eu chamo de enganação. Veja bem, o
Brian se recuperou, mas tudo indicava que isso não aconteceria.
Imagina, Dr. Dalton, se o resultado fosse negativo, o paciente
estaria frustrado falando mal do hospital e da clínica, da Dra.
Brianna, de mim, do senhor e, inclusive, da própria Sophie. Na
teoria é um ato bonito, mas na prática não é algo muito inteligente a
se fazer — ele falava com uma naturalidade assustadora, eu
respirava aceleradamente.
— Mais alguma coisa? — ele ouvia atentamente.
— Sim — ele continua. — Eu acho que essas visitas que ela
fazia para ele em sua casa causava má impressão além de ser
antiético — ele olha para mim. — Não estou afirmando isso, Sophie,
perdoe-me se soar ofensivo, não é a minha intenção, mas parecia
que você não ia lá para fazer exercícios, entende?
— Quê? Que absurdo! — digo sem me preocupar com tom.
— Brian e Sophie chegaram até discutir na minha frente sem
que eu entendesse nada, o que me deixava bastante
desconfortável. E como Brian gosta de um rabo de saia e ele tem
seus atributos — ele faz um gesto de contar dinheiro com os dedos
—, eu achei bastante suspeito.
— Isso é mentira! — bato a pasta de exames na mesa ao meu
lado com muita raiva de todas as mentiras que Spencer disse. —
Por que está inventando essas coisas?
— Eu não inventei, e você sabe disso! Você não foi a casa
dele?
— Eu fui para ajudá-lo com os exercícios!
— Que tipo?
— Chega, Spencer! — Dra. Brianna se levanta e vem ao meu
lado. — Isso está indo longe demais!
— A Dra. não estava lá. A Sophie sabe que é tudo verdade.
— Você distorceu todos esses acontecimentos e falou mentiras!
— Dr. Dalton tira os seus óculos e os guarda no bolso de seu jaleco,
exala sem paciência, levanta e se dirige a mim. Ele olha em meus
olhos e lança o meu contrato sobre a mesa.
— Negada! — ele diz.
— Dr. Dalton — Dra. Brianna o chama antes que ele deixe a
sala —, não faça isso, por favor. A Sophie é uma ótima candidata,
apresentou ótimos resultados e tudo isso pode ser esclarecido. Você
nem chegou a ouvi-la.
— Eu não tenho tempo nem paciência para esse drama
mexicano. Eu já ouvi o suficiente e está decidido — ele bate a porta.
Dra. Brianna se vira para mim.
— Eu sinto muito, Sophie! — Dra. Brianna diz. — Spencer, por
que você fez isso?
— Eu não poderia correr o risco de perder o meu emprego, Dra.
Brianna. Desculpa, Sophie!
— Do que você está falando? — Dra. Brianna pergunta.
— Eu estou com a corda no pescoço. O Dr. Dalton ia contratar
a Sophie se ela apresentasse um bom resultado.
— Mas esse era o objetivo do estágio dela.
— Pois é, mas ele me mandaria embora.
— Quem te disse isso?
— A Samantha ouviu uma conversa dele em uma reunião em
que eles estavam planejando dispensar alguns funcionários antigos
para dar lugar aos estagiários para poder pagar um salário inferior.
Isso vai acontecer com todos os outros. Antes ela do que eu, né? —
ele me olha. — Você me perdoa, anjinha?! — não respondo e viro a
cara.
— Com licença — Samantha abre a porta, eu evito olhar para
ela. — Spencer, o jornalista esportivo está aí e quer falar com você.
— Que jornalista? — Dra. Brianna pergunta.
— Eles querem saber sobre a recuperação do Brian. Eu vou
detalhar como foram todas as sessões. Eu vou vender o meu peixe,
né? — ele sorri e sai da sala com Samantha. Dra. Brianna para
diante de mim completamente sem saber o que dizer, e eu muito
menos. Ela me abraça, eu choro com muita raiva dentro de mim.

Perguntava-me como a tristeza do tamanho do mundo cabia


dentro de mim. Em casa, depois daquele show de horror, arrasto-me
sem energia e me sento no sofá. As lágrimas caem enquanto olho
fixamente para o chão sentindo a dor da facada. Mentiras ditas,
oportunidade perdida, todo esforço jogado fora.
— Sophie! Acabei de ver a entrevista ao vivo do Spencer
dizendo que o Brian teve alta — ela sorri.
— Sim, ele teve.
— Por que você não está na entrevista? E por que está com
essa cara de enterro?
— Eu fui negada, mãe — digo de uma vez.
— Como assim?
— Eles não me aceitaram na clínica nem no hospital.
— Depois de tudo? — assinto. — Por quê? — sem forças conto
para minha mãe sem muitos detalhes.
— Ai, Sophie, mas você é tão tonta! — olho para ela. —
Quando você vai entender que o mundo é dos espertos?
— O que houve? — meu pai aparece na discussão.
— Quer que eu conte para o seu pai ou você mesma quer
compartilhar o seu fracasso? — fico em silêncio. — A sua filha não
foi aceita no estágio, perdeu a única oportunidade que ela tinha de
crescer nessa carreira sem futuro que ela escolheu.
— Por quê? — ele altera o tom.
— Porque ela é tonta! O tanto que eu aconselhei essa menina
não adiantou de nada! Ganhou uma merreca de dinheiro para nada!
— Que vergonha, hein! Estava na cara que iria acontecer. Eu
avisei, mas ninguém me ouviu — o meu pai diz. — Eu vou trabalhar
porque eu não tenho tempo para fracassar, não é? — ele sai com
destino ao seu escritório. A sós com a minha mãe e sem forças para
brigar, escuto em silêncio todos os xingamentos. Eu estava muito,
muito arrasada.
— Vai ficar aí chorando? É melhor se organizar para começar
uma nova faculdade no ano que vem, e estude bastante para não
afundar o escritório do seu pai quando começar a trabalhar lá. Eu te
dou duas opções: Direito, que é o que você deveria estar fazendo,
ou Administração. Medicina está fora de questão já que está claro
que você não presta para isso — fico calada. — Você não vai falar
nada? — não respondo. Com raiva pelo meu silêncio, minha mãe
me puxa pelo braço e me coloca em pé.
— Eu estou falando com você!
— O que você quer que eu fale? — digo brava. — Eu estou
arrasada!
— Imagina como nós estamos com vergonha que você nos faz
passar.
— Vocês nunca se importaram comigo! Vocês só querem se
exibir para os amigos de vocês ou para me fazer de fantoche —
esbravejo.
— E nem para isso você serviu! Tudo por causa de um capricho
seu e essa cabeça vazia. Maldito dia que eu engravidei de você! Eu
deveria ter te colocado no lixo! Toda vida farta e cheia de
oportunidades foram desdenhadas por você. Não venha jogar para
mim a conta do seu fracasso. Essa vergonha eu não pedi para
passar. Se você usasse isso aqui — ela bate o indicador na minha
cabeça —, teria feito algo que preste — ela me encara e, em
seguida, desce o olhar para o meu pescoço. Em um segundo, ela
arranca o meu estetoscópio e começa a batê-lo no chão, entortá-lo
e, por fim, o destrói. Tento impedir, mas estou sem forças. Desabo
no chão e choro.
— E esse jaleco será um pano de chão! — ela o leva com o
meu estetoscópio quebrado, e me deixa sozinha. Fico ali por longos
minutos no chão da sala chorando com uma dor profunda no peito.
18
Brian
— Dra. Brianna? — peço licença e vejo que a expressão dela
não era boa. — Por favor, não me diga que os meus resultados do
exame estavam errados e que eu ainda estou com problema.
— Não, Brian, não é sobre isso que eu pedi para que viesse
aqui. Você viu a entrevista que o Spencer deu na televisão?
— Não — digo e Dra. Brianna me mostra um vídeo em que
Spencer aparece com uma repórter bastante conceituada, ambos
falavam sobre mim.
— Spencer, conte-nos um pouquinho de como foi o
tratamento do Brian.
— Ah, foi bastante difícil e intenso. Foram meses de dedicação
para que o nosso campeão finalmente pudesse voltar ao campo.
— Você teve um papel muito importante na recuperação
dele, não foi?
— Sim, eu pensei em tudo, e trabalhamos muito. Brian estava
bastante desmotivado, e eu o ajudei nisso. Eu acredito que além da
situação física, o emocional e o psicológico podem atrapalhar
bastante o progresso do paciente. Por isso, além do meu trabalho
como fisioterapeuta, também estudei essas questões. Com o tempo,
ele foi ganhando mais confiança e hoje eu posso me orgulhar de
tudo isso.
— Que bom que existem profissionais como você!
— Que isso! Eu amo o que eu faço! Eu sempre soube que ele
voltaria a jogar ainda que todos duvidassem. Eu não posso, de
maneira alguma, desvalidar o meu paciente, não é mesmo? Brian se
esforçou muito. O que seria de mim sem o esforço dele?
Quem era aquele individuo?
— O que é isso? — pergunto.
— O Spencer está tomando todo o crédito. E depois da Sophie
não ter conseguido o emprego…
— Ela não conseguiu?
— Ela não te contou?
— Não, eu falei com ela ontem antes da apresentação que ela
tinha e depois não falei mais.
— O Spencer acabou com ela na frente do Dr. Dalton — Dra.
Brianna me contava todos os detalhes do ocorrido, e a fúria se
enchia dentro de mim.
— Aquela cópia barata do Ken Humano fez isso? — ela
assente.
— Partiu o meu coração ver como a Sophie ficou. Eu sei que o
Spencer fez o trabalho dele muito bem, mas não tinha a
necessidade de atrapalhar a carreira dela.
— Não, não. O Spencer passou os exercícios para Sophie e ela
aplicou. A maior parte do tempo das minhas sessões ele estava na
recepção dando em cima da recepcionista. Isso não é justo! Ela não
pode perder essa oportunidade, era algo que ela queria muito!
— O Dr. Dalton já decidiu, ele não quis nem me ouvir.
— Eu vou falar com ele — dou um passo, mas Dra. Brianna me
impede segurando a porta.
— Você vai falar o quê?
— Que a Sophie esteve comigo enquanto aquele babaca
estava na recepção.
— Você acha que vai ajudar a Sophie fazendo isso? Pois não
vai, ela não era formada e ela deveria estar junto ao fisioterapeuta
responsável. Isso vai prejudicá-la ainda mais, Brian. Ela não deveria
ter aceitado te atender sozinha ainda que os exercícios tenham sido
preparados pelo Spencer.
— Mas ela estava quase formada.
— Fazia parte do contrato. Ela errou nisso, e ele se aproveitou.
E ela também não deveria ter ido a sua casa para te ajudar.
— Se ela não tivesse ido, eu não teria voltado a fazer
Fisioterapia. Ela me ajudou!
— O hospital não se importa com isso, Brian, ele segue as
regras e ponto final. Eu sinto muito!
— Eu vou arrebentar o Spencer e vou fazer com que ele
precise dela para voltar a andar.
— Brian, calma!
— Não! — esbravejo. — A Sophie me ajudou. O mínimo que eu
posso fazer é defendê-la. Os pais dela são dois monstros que não
estão nem aí para ela, e eu não ficar olhando uma situação dessas
sem fazer nada.
— Brian, agir com violência não leva a lugar nenhum! Além de
gerar mais violência, a Sophie não iria gostar e a sua imagem ficaria
péssima. Não aja com a cabeça quente! A gente deveria mandar a
Samantha embora, isso sim, essa menina é uma fofoqueira e vive
criando caso.
— Samantha? O que ela fez?
— Foi ela que contou ao Spencer sobre os planos do Dr. Dalton
em mandar boa parte do pessoal antigo embora, e isso levou o
Spencer a fazer o que fez. E o boato da compra da vaga, pelo o que
tudo indica, também iniciou através dela — ela relata. Enfurecido,
xingo Samantha sem dó e sem medir palavras e sou repreendido
por Dra. Brianna.
— Mas ela é isso tudo e muito mais!
— Esteja ao lado da Sophie. E, por favor, não brigue com o
Spencer!
— Tá bom! — respondo por responder.
— É sério, Brian! Pensa no seu nome circulando por aí e a
Clara te vendo em um barraco.
— Eu não vou fazer nada — digo impaciente. — Eu vou tentar
falar com a Sophie — digo e saio do consultório. Logo vejo
Samantha no final do corredor, respiro fundo e passo ao seu lado
fingindo a sua inexistência e insignificância. Tento ligar para Sophie
assim que piso na calçada, mas nada. Se eu soubesse onde ela
morava eu poderia ir até lá. Tento de novo e nada. Olho para cima e
digo em pensamento: “Eu preciso que me ajude a encontrar um jeito
de ajudar a Sophie.”. Se Deus existia, Ele amava Sophie. E, então,
Ele a ajudaria, certo? Eu engoli o meu orgulho e pedi a Ele. Não foi
algo fácil para mim. Confesso que me senti um idiota falando com o
céu.
Durante o caminho para casa, ainda com muita raiva, ligo o
rádio e escuto uma propaganda de um jornal através de uma voz
conhecida.
— Olá, aqui é Evelyn Bastos, e esse é o giro de notícias em um
minuto.
Evelyn?
E se…
19
Brian
Eu não sabia se aquela ideia ajudaria Sophie de alguma forma,
mas eu tentaria tudo que estivesse ao meu alcance. Digito os
números na tela do celular e faço uma ligação.
— Oi, boa tarde! É do jornal InTV? — pergunto.
— Isso mesmo! Em que eu posso ajudar? — uma moça
atenciosa me atende.
— O meu nome é Brian Winters, eu sou o jogador de Football
que se recuperou de uma lesão recentemente.
— Ah, sim! Como vai? Fico feliz pela sua recuperação, Sr.
Winters.
Senhor Winters? Sério? Ser chamado de senhor aos 21 anos?
Eu, hein.
— Sim, estou bem, obrigado. Eu poderia falar com a Evelyn
Bastos, por favor?
— O senhor tem horário agendado com ela? — que senhor,
minha senhora?
— Não, eu não tenho, mas é urgente. Se você puder avisar que
é sobre a Sophie, eu agradeço.
— Um momento, por favor — ela pede. Respiro fundo e torço
para que Evelyn me atenda. Os longos minutos de espera pareciam
não ter fim.
— Alô? — ela diz, finalmente.
— Evelyn?
— Sim.
— Oi, é o Brian.
— Oi — ela diz desconfiada. — O que aconteceu com a
Sophie? — conto a Evelyn toda a trapaça de Spencer e pergunto se
há alguma chance de fazermos alguma matéria para o jornal em
que ela trabalha.
— Isso é sério, Brian? Ou é mais uma das suas tramoias?
— Evelyn, qual é? Não estamos mais na escola.
— Eu não confio em você, Brian! E a Sophie não me contou
nada, ela sempre me conta tudo.
— Isso aconteceu ontem.
— Eu vou ver o que eu posso fazer, depois entro em contato —
ela diz cheia de desconfiança. Ela não faria nada, ela não acreditava
em mim.
— Anota o meu número.

Havia se passado dois dias e não tive retorno nem de Evelyn


nem de Sophie. O que me deixou bastante preocupado. Além de
toda essa confusão envolvendo a Sophie, eu tive que lidar com a
baixa procura da mídia, diferente de como era no passado. Eu
precisei recusar muitos jornais que não eram nem um pouco
confiáveis para não prejudicar ainda mais a carreira da Sophie nem
a minha. Eu sabia que Evelyn preservaria a imagem dela e era esse
o meu foco. Enquanto aguardo notícias, assisto a um desenho
animado e sinto falta da minha pequena, penso em visitá-la, mas o
meu plano para aquela tarde é interrompido por uma ligação.
— Oi, Brian, é a Evelyn. Eu estou em São Paulo. Onde eu
posso te encontrar? — sorrio.
Combinado o meu encontro com Evelyn depois de quatro anos
em uma pequena e discreta cafeteria. Chego dez minutos antes e
me sinto ansioso. Fazia quatro anos que eu não a via, e como as
coisas não acabaram bem entre nós, eu estava inquieto por revê-la.
Evelyn entra e percebo que ela não é mais a garota do ensino
médio que eu tinha guardado na memória. Ela estava um mulherão
cheio de confiança e profissionalismo. A sua aparência permanecia
a mesma, mas a sua postura era outra.
— Estou aqui — ela estava séria e falava de forma direta e
objetiva com a formalidade de uma jornalista.
— Obrigado por vir!
— Eu vim por ela.
— Você conseguiu falar com a Sophie? Ela não me atende.
— Ela também não me atendeu. Por que queria me ver?
— Primeiro de tudo, Evelyn. Eu queria te pedir perdão por ter
sido tão babaca com você e, principalmente, com a Emma — ela se
espanta com o que eu digo.
— Eu já te perdoei, Brian. Eu não ligo para o que passou, não
significa nada para mim.
— Que bom! — digo sem jeito e forço um sorriso com os lábios,
e ela faz o mesmo. — Então, eu pensei em te conceder uma
entrevista para falar sobre o meu tratamento e contar um pouco de
como foi todo o processo. Eu não queria fazer isso com qualquer
pessoa, eu queria alguém que se importasse com a Sophie.
— Eu vi a entrevista daquele palhaço.
— Pois é, eu queria poder falar sobre isso.
— Certo! Por quanto?
— Como assim?
— Quanto você vai cobrar pela sua entrevista?
— Nada. Eu não vou cobrar por isso.
— Bom, então, nós podemos fazer agora, se você quiser.
— Agora?
— Eu estou com a minha câmera.
— Tudo bem — balbucio. Ela ajeita a câmera e me instrui antes
de começar a gravar.
— Aqui é Evelyn Bastos para o Jornal InTv. Hoje eu estou com
Brian Winters, jogador de Football… — enquanto Evelyn fazia a
introdução daquela reportagem, eu tentava me lembrar de tudo que
pudesse ajudar a Sophie. Começo relatando com o máximo de
detalhes que consigo.
— Brian, como foi a sua recuperação?
— Intensa e dolorida, e inexplicavelmente um sucesso.
— Você pretende voltar a jogar, então?
— Com certeza! O Football é a minha vi… É o que eu amo
fazer, e quero, sim, voltar o mais rápido possível.
— Algum time à vista?
— Não, ainda não.
— Você atribui o sucesso da sua recuperação a quem?
— Eu tive altos e baixos durante toda a minha vida. E, dessa
vez, eu estava no fundo do poço, mas uma pessoa me estendeu a
mão. Sophie a pessoa que extraiu o melhor de mim e a única que
acreditou verdadeiramente na minha recuperação. Depois que o
resultado vem é muito fácil encher a boca para falar que estava lá,
mas, na verdade, quem realmente estava não precisou sair se
exibindo por aí. Sophie, foi a minha maior incentivadora, foi a amiga
que eu não mereci ter, a fisioterapeuta que não me viu como um
coitado, mas como alguém cheio de potencial pronto para voltar a
viver. Ela cuidou do meu físico e emocional, diferente do que
Spencer anda dizendo. Eu queria agradecer publicamente a Dra.
Brianna, a minha xará, que foi incrível do início ao fim. Agradeço ao
Spencer por não ter feito o mínimo e, dessa forma, ensinou-me a
como não ser. À Sophie por sempre me mostrar que o melhor está
por vir.
— Brian, o que você diria para as pessoas que estão
passando por alguma dificuldade de locomoção como você
teve?
— Que encontre a sua Sophie.

— O que você acha? — pergunto depois que Evelyn encerra a


entrevista.
— Que você é um clone do Brian.
— Quê?
— Quem é você? Você não é o Brian que eu conheci, bem que
a Sophie disse que você mudou bastante.
— Ela disse?
— Disse. E me contou que você tem uma filha. Eu fiquei
chocada.
— É, eu tenho — pego o celular e mostro uma foto de Clara.
— Ai, que linda, Brian! Parece um anjo!
— Para mim, ela é!
Após o sorriso derretido de Evelyn ao ver a foto de Clara, a sua
expressão muda e a sua voz se firma de novo. Ela me encara
seriamente e sem piscar passa o seu recado.
— Brian, a Sophie é a pessoa mais incrível que eu já conheci, e
ela vê algo bom em você. Por favor, prove que ela está certa —
assinto. — Se você estiver aprontando alguma coisa com ela nessa
entrevista…
— O que eu estaria aprontando, Evelyn?
— Eu não sei. Eu não tenho a maldade que você tem. Eu estou
te avisando, se você prejudicar a minha amiga, eu não vou ficar
calada. Eu tenho os meus meios de te prejudicar, mas eu não quero
fazer isso. No entanto, eu não vou assistir a Sophie sofrer em suas
mãos, entendeu?
— Evelyn, eu quero ajudar a Sophie tanto quanto você, ou até
mais por ter visto de perto toda essa injustiça. Eu sei que é difícil
acreditar em mim depois de tudo, mas eu sou realmente muito grato
a ela. Eu não sou mais aquele babaca da escola. Ainda sou babaca,
mas não como eu era na escola — ela ri, eu sorrio.
— É difícil não te enxergar como o mesmo babaca de sempre,
mas que tipo de cristã eu seria se eu não acreditasse em milagre?
— Obrigado — rio, ela sorri. — Você acha que a entrevista vai
ajudar a Sophie?
— Vai. Eu não sei se vai mudar alguma coisa na carreira dela,
mas eu tenho certeza que ela ficará feliz com o reconhecimento.
— Eu espero que sim.
— Ela merece.
— Ela realmente merece.
— Brian, você tem sentimentos por ela?
— Óbvio, senão eu não estaria aqui. Eu a admiro, respeito,
consid…
— Não. Eu me refiro de forma romântica — ela dá de ombros.
— Não — dou uma risada contida. — Nós somos apenas
amigos, Evelyn.
— E você sabe ser apenas amigo de alguma mulher?
— Sei! — afirmo.
— Por um acaso você tem alguma amiga?
— A Kelly. Ela é a mãe… da minha filha — sorrio com os lábios
de forma constrangida. Evelyn levanta as sobrancelhas. — Evelyn,
relaxa, a Sophie e eu temos zero interesse um pelo outro.
— Eu acho bom mesmo! — ela diz em tom de ameaça.
— Obrigado pela ajuda, Evy!
— Eu vou enviar a matéria para o jornal daqui.
— Eu espero que mude a atual situação dela. Se não…
— Se não, Deus proverá. Ele sempre tem o melhor. E o melhor
Dele é diferente do nosso — ela diz com confiança. Assinto.
20
O interfone toca inesperadamente. Sozinha em casa, atendo a
porta com receio de quem pudesse ser.
— Evelyn? — digo surpresa ao abrir a porta de casa.
— Oi, Soph! — ela abre aquele sorriso enorme e sincero que eu
amava, e, em segundos, eu estava em seus braços. — Que
saudade! — ela diz. Eu estava tão triste que eu chorei ali mesmo
dentro daquele abraço.
— Sophie? Ei, calma — ela faz carinho em mim.
— Eu estou tão mal, Evelyn.
— Conta tudo! Eu estou aqui para te ouvir — ela me solta do
abraço e eu a conduzo para o meu quarto. Acomodamo-nos em
minha cama e começo a contar em detalhes desde o começo até a
recusa da minha contratação por trapaça do Spencer.
— Por que eu tenho que sofrer tanto? — pergunto. — Desde
que eu nasci sempre passei por situações que me machucaram
muito. Os meus pais sempre me cobraram em tudo. Eu me revoltei
com tanta pressão e me envolvi com as pessoas erradas. E quando
eu finalmente entrei no caminho certo, eu enfrento dificuldade
profissional, primeiro com os meus pais, depois com o Brian e agora
com o Spencer. Quando eu vou poder viver uma vida normal,
Evelyn? Uma vida em paz e com pessoas com quem eu possa
compartilhar os meus dias sem ouvir uma crítica ou sofrer uma
humilhação? — eu chorava e falava sem pensar, apenas colocava
tudo para fora. Evelyn ouvia tudo atentamente sem me interromper.
— Você não merecia nada disso, Sophie.
— Eu só quero ter o meu trabalho, ajudar pessoas e ganhar o
meu dinheiro de forma honesta. Eu quero me casar com um homem
incrível, eu quero ser… mãe. Eu quero viver em uma casa onde haja
sorrisos, gargalhadas, respeito, olhar sensível. Eu quero uma família
de verdade. O mundo já é tão difícil. Eu quero ter uma família para
ser o meu porto seguro, entende? Tantas pessoas tem isso, eu
também quero! Eu estou pedindo muito? Será que eu vou ter isso
um dia, Evelyn?
— Claro que vai, Sophie! Isso faz parte do processo. Você
precisa aprender alguma coisa com tudo isso para que você possa
viver os seus sonhos com mais sabedoria.
— Eu estou cansada, muito cansada — a minha voz falha. —
Eu não consigo entender como um pai e uma mãe não tem um
pingo de amor pela filha. Eu chego a me questionar o porquê eu
nasci.
— Deus sonhou com você, Soph, e Ele tem grandes coisas
para você. Ele vai te honrar!
— Eu sei. Se não fosse Ele… — a minha voz falha novamente
e a minha vista embaça. Enxugo as lágrimas e mudo de assunto. —
O que você veio fazer aqui em São Paulo?
— Eu vim fazer uma matéria com o Brian.
— Sério? Você está nervosa para se encontrar com ele?
— Na verdade, eu já falei com ele.
— E como foi?
— Estranho, mas bom. Ele realmente parece diferente.
— Deus está tocando o coração dele. Nós até oramos juntos.
— Não brinca, Sophie!
— É sério, Evelyn! Ele me contou que ouviu Deus falar com ele.
— Mentira!
— Ele está sendo tocando, eu sei que está.
— Uau! Glória a Deus por isso! Quem diria?
— Brian e eu tivemos uma conversa tão profunda outro dia que,
sinceramente, deixou-me em choque ao saber sobre a vida dele. Ele
sofreu muito, Evy. Quando eu olho para os meus erros eu consigo
entender o que o levou a agir como agiu. O inimigo é tão sujo!
— Eu fico feliz por ele. Quem tem Deus tem tudo.
— Se não fosse Ele, o que teria sido de mim dentro dessa
realidade que eu vivo? Se não fosse Ele a me dar forças, paz, amor,
valor… Eu não sei aonde eu estaria hoje. Eu me sinto tão
fracassada, como agora, por exemplo, e saber que Ele me ama e
está cuidando de mim ainda que eu não sinta é o maior tesouro que
eu tenho na vida.
— Coisas melhores virão!
— É o que eu digo para o Brian: o melhor está por vir!
— Falando nele… — ela pega a câmera dentro da bolsa e me
mostra o vídeo que fez de Brian. Assisto prestando atenção e me
emociono.
— Uau! Ele falou de mim, eu não esperava.
— Ele pediu para ser entrevistado para falar sobre você, eu não
fui atrás dele, não era matéria do meu jornal. O Brian me pediu isso
porque sabia que eu não ia inventar coisas ao seu respeito. Ele está
preocupado com você.
— Então, ele soube.
— Sim, ele já está sabendo. E pareceu preocupado com você
desde que você não atendeu as ligações dele.
— Eu não queria conversar. Você acha que essa reportagem
vai me ajudar de alguma forma?
— Eu não sei, Sophie, não crie expectativas. O Brian está fora
do alvo da mídia esportiva depois da lesão, talvez ninguém dê
importância para o depoimento dele — fico triste em saber daquilo.
— Mas, você merecia esse reconhecimento e por isso eu o fiz. Você
foi o nosso foco.
— Obrigada, Evelyn. Isso me deixa feliz, saiba disso — mudo o
foco da conversa. — Como estão as coisas?
— Bem! Eu amo aquela cidade, amo o meu trabalho e amo o
meu namorado.
— Você e o Lucas combinam muito! Eu quero ser madrinha,
hein!
— Você tem alguma dúvida de que você será?
— Eu estou muito feliz por você!
— Logo você encontra o seu amor e será muito feliz também!
— Eu não vejo a hora! Eu apenas me pergunto aonde ele pode
estar.

No final daquela tarde, depois da partida de Evelyn e me


sentindo mais leve, torço para que a minha noite continuasse em
paz, mas foi pior do que eu imaginava. Os meus pais abrem a porta
do meu quarto sem bater, tiro os fones assustada com a invasão à
espera do pior.
— Escolha! — meu pai joga em cima da minha escrivaninha um
punhado de panfletos sobre curso de Administração e Direito.
— Você vai trancar a faculdade de Fisioterapia e irá se
inscrever em um desses cursos — minha mãe diz.
— E também trabalhará comigo a partir de segunda-feira — ele
ordena.
— Eu estou no último semestre, agora faltam poucas semanas
para a minha formatura — digo.
— Isso não importa, eu não vou mais pagar essa faculdade —
ele diz. — Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando paguei
a primeira mensalidade. Talvez eu tivesse altas expectativas em
relação a você.
— Eu não vou trancar Fisioterapia — falo em baixo tom.
— O seu cartão está bloqueado caso você pense em usá-lo
para pagar a faculdade. E eu duvido que a merreca que você
ganhava no estágio banque esses últimos meses.
— Podemos contar com a sua colaboração? — minha mãe
pergunta.
— Não!
— Como é? — ele sobe o tom.
— Eu não vou parar a Fisioterapia! — levanto-me e fico diante
deles.
— Ah, você vai!
— Eu não vou, pai! E não vou começar outro curso e muito
menos trabalhar no seu escritório!
— Então, arrume as suas coisas e vá embora agora dessa
casa! — ele fala em baixo tom, mas com muita raiva.
— Willian! — minha mãe o repreende.
— Aqui, ela não fica mais. Fora! — ele grita.
— Está escuro lá fora, meu bem — minha mãe tenta.
— Você tem uma hora para arrumar as suas coisas e sair dessa
casa — ele diz mais uma vez e sai do meu quarto.
— Feliz? — era a vez dela, que sai em seguida.
Com toda a dor em meu coração, pego a minha mala de
viagem e coloco as minhas roupas, sapatos e acessórios mais
importantes para o momento. Era inacreditável que eu estava
passando por aquilo. Para onde eu vou? O que eu vou fazer? Eu
estou com o meu cartão bloqueado. O meu pai estava certo, o
dinheiro que eu ganhei no estágio não era muito, mas eu
conseguiria pagar as últimas mensalidades se eu não gastasse um
centavo. Mas, onde eu iria morar? Até quando eu conseguiria me
sustentar? Eu teria que desistir dos meus planos e abaixar a cabeça
para os planos deles. Eu não posso fazer isso comigo!Fecho o zíper
da mala chorando. Meu Deus, como isso dói! Desço as escadas
com dificuldade pelo tamanho e peso das malas. As chaves do meu
carro não estavam mais onde eu as deixei. E, então, saio sem me
despedir arrastando as minhas malas pesadas e com o rosto
encharcado de lágrimas sem rumo.
21
Brian
— Que filme mais sem noção! — digo a mim mesmo na
escuridão da sala enquanto Day e o meu pai já tinham ido dormir. —
Perdi duas horas da minha vida — desligo a televisão e caminho até
a cozinha para pegar um copo de água para ir me deitar. O relógio
apontava para as onze horas de uma noite fresca da primavera.
Encostado no balcão da cozinha, eu penso em tantas coisas: no
Football, na entrevista com Evelyn, na Sophie… Até que ouço
batidas na porta. Quem seria aquela hora? Desconfiado chego perto
da porta sem fazer barulho.
— Quem é?
— É a Sophie — Sophie? Abro a porta no mesmo instante e a
vejo em um péssimo estado.
— Eu não tenho para onde ir.
— Como assim? — pergunto espantado com o que eu vejo. Os
olhos vermelhos e inchados de Sophie mostravam a tristeza que
carregava dentro do peito.
— Os meus pais me expulsaram de casa. Eu posso ficar aqui
essa noite? Por favor? — ela pede. Encaro-a processando aquela
informação e volto para a realidade.
— Claro! — ajudo Sophie com as malas pesadas. — O que
aconteceu? — pergunto enquanto fecho a porta. Ela me conta
resumidamente e em desespero me olha.
— Eu não sei o que fazer! Eu não sabia para onde ir.
— Bom, no momento, você precisa descansar. Eu nunca te vi
assim.
— Eu não quero atrapalhar, Brian. Amanhã mesmo eu vou dar
um jeito.
— Tudo bem, Sophie, não se preocupa com isso. Você não vai
atrapalhar!
— Obrigada! — ela diz desviando o olhar nitidamente
envergonhada.
— Você está com fome?
— Não, eu estou bem.
— Mesmo? — ela confirma com a cabeça. — Você pode dormir
no quarto da Clara.
— Eu posso dormir no sofá.
— Não. A cama dela é mais confortável, e você tem mais
privacidade lá. Não é uma cama infantil, então, você cabe nela. Se
bem que, se fosse, eu acho que você caberia também — ela sorri
entre lágrimas. — Eu te levo lá.
Subimos a escada juntos em silêncio. Ela estava constrangida.
Os seus olhos de Sophie percorriam cada canto do quarto.
— Que quarto bonitinho! — ela comenta.
— É muito rosa para o meu gosto.
— Tem certeza que não prefere que eu fique no sofá? Eu não
me importo.
— Sophie, relaxa! A roupa de cama está limpa e você pode
usar o banheiro dela. Tem toalha limpa se quiser tomar um banho.
Pode até brincar de boneca se você quiser — digo com sinceridade
e a faço rir.
— Ela vem para cá por esses dias?
— No final de semana. Mas ela pode dormir comigo. Afinal, ela
sempre acaba indo para minha cama mesmo. Porém, nós temos um
quarto de hospedes que precisa de uma organização e uma
limpeza. Ninguém o usa, então, amanhã eu peço para Day dar uma
ajeitada nele para você ficar lá.
— Não precisa, Brian. Amanhã, eu vou me…
— Shh! — a silencio. — Calma! Você pode ficar o tempo que
precisar. Amanhã eu vejo o quarto de hospedes para você e
conversamos sobre isso, tá bom?
— Tá bom.
— Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Se você sentir
fome, fique a vontade para comer o que quiser.
— Obrigada — ela segura o choro.
— Vai ficar tudo bem — digo sem jeito. Ela assente. — Boa
noite, Soph!
— Boa noite, Brian!
Sophie
Brian fecha a porta e me deixa sozinha naquele mundo cor de
rosa, o que era bastante contrastante com a minha vida. Observo os
brinquedos de Clara, as suas roupas bem arrumadas nos guarda-
roupas e a cama cheia de almofadas coloridas. Em sua mesinha,
alguns desenhos estavam à vista, e seus lápis coloridos, em um
potinho. Era tudo lindo e cheio de amor. Clara era bem cuidada,
bem assistida, muito amada. Como eu queria ser ela naquele exato
momento. Eu me sentia uma criança indefesa. Com todos esses
pensamentos, deito em sua cama macia e sinto cheiro de morango,
típico de bonecas. Que aconchego! Eu tive ali alguns segundos de
paz e me senti abraçada por aquela atmosfera de amor.
22
Brian
— Bom dia! — digo a Day e ao meu pai, que estavam na
bancada da cozinha tomando café.
— Bom dia com croissant! Eu deveria participar desses
programas culinários da televisão, eu sou um espetáculo na
cozinha! — ela oferece.
— Daqui a pouco eu experimento e digo se você teria a minha
torcida na competição — brinco. — Vocês se lembram da Sophie,
né? — Day me lança um olhar de espanto. — Não, Day, ela não
morreu.
— Ai que susto, menino! Você faz suspense. O que tem ela?
— Ela dormiu aqui.
— Brian! — ela me repreende.
— Não, Day! Não é isso que você está pensando! — conto aos
dois o real motivo.
— Ai, eu não acredito que eles tiveram coragem de fazer!
— Eles fizeram, Day. Eu não poderia virar as costas para ela.
Espero que não se importem de ela ficar aqui por um tempo.
— Claro que não, Brian! Eu teria feito a mesma coisa que você.
Nós temos tanto, vamos ajudá-la, com certeza!
— Pai? — questiono para saber o que ele pensava sobre.
— Por mim, tudo bem. Ela já te ajudou tanto, não foi? —
assinto.
— Eu vou esperar a Sophie acordar para tomar café com ela
para que ela não se sinta desconfortável.

Sophie
Uma lembrança desagradável invadiu os meus pensamentos na
manhã seguinte. Lembro-me das diversas vezes em que eu acordei
em outro lugar que não era a minha cama só para fugir da realidade
em que eu estava inserida. Era uma manhã fresca, nem frio nem
quente, e o Sol batia na janela às oito horas. Ali, sentada naquela
cama, recordo a noite anterior e sinto muita vergonha de descer a
escada. Eu comecei a pensar dez vezes se eu tomava banho ou
não, mesmo depois de Brian ter me dado essa liberdade. Eu
precisava de um banho. Eu já estava acabada emocionalmente,
queria estar apresentável fisicamente, pelo menos. E assim faço.
Não me demoro no banho como costumava fazer, visto-me com a
toalha rosa enrolada no cabelo e faço uma maquiagem leve para
disfarçar a minha situação. Enquanto penteio os cabelos, lembro-me
de que não peguei o meu secador de cabelo. Então, eu abro os
armários de Clara. Ela deve ter um secador, certo? Sim, eu estava
certa. Mas, e se barulho incomodar? Ainda é cedo. Eu não sabia
que horas eles costumavam acordar. É horrível não se sentir em
casa. Com a preocupação em ser desagradável, seco os cabelos
com a toalha repetidamente para tirar todo excesso de água. Com
os cabelos úmidos, parada na porta no quarto tomando coragem
para dar as caras, eu respiro fundo e em passos lentos, desço
degrau por degrau enquanto cutuco o cantinho das unhas. Ao
chegar ao final da escada, encontro Day, que estava subindo.
— Bom dia, Sophie! Dormiu bem? — ela pergunta de forma
gentil e concluo que Brian já estava acordado e a atualizou do
ocorrido.
— Oi… Bom dia! É… Sim, dormi bem — digo sem jeito. — Eu
vou não vou ficar por muito tempo, Day, eu não quero atrapalhar.
— Sophie, você não atrapalha em nada. Pode ficar o tempo que
precisar. Eu sinto muito pelo o que aconteceu!— ofereço um meio
sorriso.
— O Brian está em casa?
— Sim, ele está na sala esperando você acordar para tomar
café. Eu vou subir e trocar de roupa para malhar um pouco. Se
precisar de alguma coisa, é só me falar. Se quiser que eu compre
algo no supermercado ou se você precisar de alguma coisa
feminina, não fique com vergonha e venha me pedir, está bem? —
concordo com a cabeça lutando para não mostrar que eu havia
ficado emocionada com tanta atenção e carinho. Day sobe para
cumprir os seus planos para aquele dia, e eu vou ao encontro de
Brian na sala de estar. A televisão transmitia um desenho animado,
até considerei que Clara estivesse com ele, mas não estava.
— Bom dia! — digo.
— Oi, bom dia! A criança que mora em mim está bem viva
como você pode ver — ele sorri, desliga a televisão e para diante de
mim. — Você está mais calma?
— Sim.
— Eu pedi para Day ajeitar o quarto de hóspedes para você.
— Brian, não se preocupe. Eu vou arrumar um lugar para ir hoje
mesmo.
— Mas, por quê? Temos um quarto vazio, a casa é grande e
você precisa. Relaxa, Sophie. Hoje mesmo a Day disse que vai
deixar tudo limpo e organizado para você.
— Então, eu mesma o limpo e organizo. Pode ser?
— Nesse caso, você se resolve com a Day.
— Eu vou te pagar por isso, tá? — digo com firmeza.
— Pagar pelo o quê?
— Por me deixar ficar aqui.
— Aqui não é hotel, Sophie.
— Eu sei, mas eu prometo que vou te pagar.
— Eu te deixo livre dessa promessa. Eu não quero o seu
dinheiro.
— Uma pessoa é mais um gasto. Você ainda não está
trabalhando, tem as despesas da casa e tem a Clara que…
— Sophie! — ele puxa minha atenção. — Essas preocupações
não são suas, são minhas. Você escutou a parte em que eu disse
que você pode ficar o tempo que quiser e que você não está
atrapalhado? O meu pai concordou, a Day está feliz em te ajudar, e
eu também. Você esteve comigo no meu pior momento, é mínimo
que eu posso fazer por você — engulo o choro com as suas
palavras.
— Eu não sei como agradecer.
— Eu sei — ele diz e o meu corpo gela com medo de alguma
proposta indecente. — Deixando-me tomar café da manhã, eu estou
morrendo de fome — respiro aliviada e sorrio. — Você também deve
estar, não é?
— Sim, bastante! — confesso antes que a minha barriga me
acusasse e sigo Brian até a cozinha.
— Qual é a sua cor favorita? — ele pergunta enquanto abre o
armário.
— Verde — digo.
— Sério? — ele duvida.
— É uma cor bonita.
— Verde?
— É uma cor bonita — repito.
— Tá bom — ele evita discutir e me entrega uma caneca verde
musgo muito linda.
— Pelo menos combina com os seus olhos — ele fixa o seu
olhar no meu para analisar a cor, gelo instantaneamente. — Eles
são verde escuro, são diferentes e bonitos — fico sem reação. Ele
sorri levemente com os lábios e pega a cafeteira.
— Como você gosta do seu café? Com leite, açúcar…?
— Forte e puro!
— Uau! Só pessoas sem alma tomam café assim.
— Credo, Brian! — ele ri enquanto me serve.
— Eu digo isso porque é assim que eu também gosto — Brian
se senta depois de colocar todos os itens do nosso café em cima da
bancada. Day passa por nós sorrindo com a sua roupa de ginástica
cor amarelo neon. Brian repara e comenta.
— Falando em olhos, eu acho que fiquei cego.
— É uma cor alegre, não é, Sophie? — concordo.
— Você está parecendo um marca texto.
— E você um velho rabugento aos vinte um anos — rimos. —
Não se esqueçam do meu croissant! — ela avisa.
— Ela vai falar desse croissant o dia todo — Brian comenta,
sorrio. Observo Brian em tudo o que ele estava fazendo até que ele
nota segundos depois que os meus olhos estão sobre ele.
— O que foi?
— Nada.
— Você está com vergonha, não está? — ele pergunta.
— Sabia que quando uma pessoa está com vergonha fica mais
envergonhada com uma pergunta dessas?
— Desculpa! — rimos.
— Eu vou procurar um estágio ou emprego hoje mesmo —
asseguro.
— Como vai fazer com a faculdade?
— A minha mãe bloqueou o meu cartão. O único dinheiro que
eu tenho é o que eu ganhei no estágio. Eu o coloquei em uma conta
bancária à parte. Se eu gastar um centavo desse dinheiro, eu não
vou conseguir concluir a faculdade, e foi por isso que eu não fui para
um hotel. É tudo que eu tenho no momento.
— Mais um motivo para você continuar aqui.
— Está difícil processar tudo — confesso.
— Eu não me conformo que eles tiveram essa… Eu ia dizer
coragem, mas foi covardia mesmo. Eu não entendo.
— Nem eu.
— Eles sempre te trataram assim?
— Sim. Eles me manipulavam muito quando eu era criança,
mas quando eu cresci, percebi como eles agiam. Eu não aguentei
ficar calada e foi assim que as coisas chegaram nesse ponto — ele
força um sorriso com os lábios mostrando lamento. — E você? Algo
em vista no Football?
— Sim, eu decidi ir atrás de um clube e me oferecer para jogar
na tentativa de entrar em um time novamente.
— Isso é ótimo!
— Mais ou menos, né, Sophie? Eu sou atleta profissional e eu
vou pedir para entrar em um time muito inferior ao que eu estava
acostumado a jogar. Isso chega a ser humilhante.
— Você precisa recomeçar de algum lugar.
— Foi o que eu pensei. Os clubes já sabem da minha alta e
nenhum entrou em contato comigo. Ninguém acredita que eu possa
jogar novamente.
— Isso é questão de tempo. Assim que eles te virem em campo
vão se arrepender de não ter te contatado antes — ele sorri.
— Eu espero que sim! Depois da rejeição do Hamilton por
causa do Tutu…
— Tutu?
— Um palhaço que todo mundo lambe o chão onde ele pisa.
— Eu nunca ouvi falar sobre ele.
— Não está perdendo nada. Ele tomou a minha posição no time
que eu estava, e o treinador é o maior puxa saco dele. Ele era assim
comigo também, mas…
— E quando você pretende ir ao clube?
— Hoje.
— Eu estarei orando para que tudo dê certo!
— Obrigado! — ele diz timidamente.
23
Brian
Estacionado em frente ao clube SP Lions, e sinto uma
insegurança enorme tomar conta de mim. Eu estava com medo de
sofrer outra humilhação. Com a postura que eu aprendi com o meu
antigo treinador, anuncio o meu nome na portaria e sou liberado
pelo porteiro e direcionado por ele o caminho que deveria seguir
para chegar à sala de Gabe, a treinadora. O espaço era muito bom,
organizado e com o símbolo do time por todo canto. Um leão
rugindo com toda a sua força era o destaque. As cores do time eram
mostarda e preto. Aproximo-me da porta da sala de Gabe, respiro
fundo e sigo em frente.
— Bom dia, Coach Gabe — bato na porta que estava aberta e
ela autoriza a minha entrada. Com a mão estendida, apresento-me
— Eu sou o Bri…
— Brian Winters — ela interrompe e ignora a minha mão
estendida. — o ex-jogador do American Football in Brazil, ou AFB.
Considerado o melhor wide receiver no ano retrasado, três
touchdowns no último jogo e o mais rápido em campo antes de
sofrer uma grave lesão no joelho esquerdo após invadir um terreno
para jogar com os colegas em uma tarde de verão. Além de ver a
carreira desmoronar, ainda teve que lidar com o fato de ter invadido
uma propriedade privada sendo poupado pelo dono do espaço que,
gentilmente, não prestou queixas pelo simples e importante fato de
seu filho gostar muito de ver você em campo e não te tornar uma
grande decepção ao pequeno sonhador que tem como referência,
você. Ou tinha — ela diz sem perder o fôlego, resumindo a minha
própria vida melhor do que eu mesmo deixando-me completamente
sem graça. — Em que eu posso te ajudar, Winters?
— Eu gostaria de entrar para o seu time — digo sem pensar
com medo de perder a coragem. Ela, por sua vez, encara-me
seriamente por alguns segundos e cai na gargalhada.
— Desculpa — ela tenta se conter. — Desculpa — ela pede
novamente, respira e volta a seriedade com esforço. — O Hamilton
virou as costas para você, não foi? — assinto envergonhado. —
Então, você veio aqui com o rabo entre as pernas pedir para que eu
o aceite no meu time. Por que eu faria isso? — ela cruza os braços.
— Porque eu amo o que eu faço e sou bom nisso, você
conhece o meu histórico e sabe que ele é bom.
— De fato, você era muito bom — ela coloca ênfase no verbo
no passado. — Como eu posso saber se você vai avacalhar com o
meu time ou elevá-lo?
— Com todo respeito, Coach, o seu time não está entre os
melhores — ela me encara. Era tudo ou nada. — E eu quero
compensar todo o tempo em que fiquei em recuperação dentro de
campo. Tudo o que eu preciso é de uma oportunidade para dar o
meu melhor. Eu estou apto e quero jogar, e entendo do esporte.
— Vamos supor que você realmente esteja melhor do que você
foi um dia, quando o seu destaque vier e o seu nome estiver na
boca de todo mundo, você vai me dar às costas?
— Se você me der essa oportunidade, eu te dou a minha
palavra que eu continuo no seu time — digo com firmeza, ela pensa.
— Dizem que o seu desempenho caiu.
— Quem disse? Eu ainda não joguei para que tirassem
conclusões como essa. Se eu entrar em campo, eu provo que eu
estou pronto.
— Eu me lembro de você ainda garoto, catorze anos mais ou
menos, sendo comentado pelo Hamilton, que já estava de olho em
você. Você, no entanto, era um rapazinho muito arrogante que se
achava melhor que os seus colegas, que ria dos erros dos outros e
achava que todos eram um fracasso, menos você.
— Eu tinha catorze anos, eu era imaturo.
— E você está disposto a aceitar que uma pessoa do sexo
feminino te treine ou vai bater de frente comigo se achando melhor
do que eu pelo simples fato de você ter nascido homem?
— Talvez o Brian de catorze anos fizesse isso, mas eu não sou
mais aquele adolescente, muita coisa aconteceu na minha vida que
fez com que eu precisasse engolir o meu orgulho e ser uma pessoa
melhor. Acredite, eu não estaria aqui se eu não tivesse mudado.
— Na verdade, você não teve muita escolha, não é? — dou de
ombros, ela tinha razão.
— Eu quero que saiba, Coach, que eu sou pai de uma menina
— digo.
— E o que isso tem a vê com o Football?
— Pelo simples fato de que uma das coisas que eu mais desejo
para ela é que ela seja respeitada em todos os níveis e em tudo que
ela escolher fazer na vida. Ela não será menos capaz de nada por
ser mulher. Eu ensino isso a ela desde cedo. Então, não, isso não
faz com que eu te respeite menos. Aliás, ver o time crescer por ser
comandado por uma mulher não vai inspirar só a minha filha, mas
diversas outras meninas. Se eu discordar de você em algo, não será
pela diferença de sexo, mas, sim, por simples opiniões diferentes
como qualquer outra situação — sinto o meu corpo tremer.
— Muito bonito, Winters! Você acha que usar de
sentimentalismo seria uma boa estratégia para me convencer por eu
ser, naturalmente, um ser mais emocional do que você?
— Não, Coach, eu… — tento me defender, mas sou
interrompido antes de começar.
— Escuta! — ela diz. — Tem um uniforme na sala dez, deve
servir em você. Quero você em campo em uma hora para o
treinamento, esteja aquecido e preparado. Eu não quero as suas
palavras bonitas. Eu quero ver o seu desempenho em campo e
quantos pontos você faz para o meu time. Eu não estou nem aí se
você é Brian Winters, o Obama, o Papa ou o Zé Pangaré. O Tom
Brady não é famoso pelo nome ou pela família linda que ele tem,
mas por ser um jogador excepcional. Eu quero o seu melhor em
campo! Consegue fazer isso?
— Sala dez, né? Eu te vejo em uma hora, Coach! — digo
olhando no fundo de seus olhos escuros e firmes.
Corro em direção ao meu carro e piso no acelerador para
chegar em casa. Eu precisava buscar a minha chuteira, o capacete,
os protetores, calça elástica e, meu Deus, são muitas coisas, eu não
estava preparado para aquilo. Começo a pensar em desistir ao ver o
ponteiro disparar pelo relógio. A velocidade em que corro para
dentro de casa e subo a escada já estavam sendo um bom
aquecimento. Visto-me o mais rápido que consigo, desço correndo
torcendo para não ter me esquecido de nada.
— Está tudo bem? — Sophie pergunta ao me ver descer a
escada com rapidez sem entender o que estava acontecendo.
— Tudo. Depois eu te conto.
Jogo as coisas no carro e dirijo em velocidade alta para chegar
o mais rápido possível no clube. Correndo, chego na sala dez,
acendo a luz, olho ao redor e vejo equipamentos, bolas, cones e
todos os acessórios de Football. Procuro a camiseta do uniforme e a
visto. Começo a me aquecer faltando quinze minutos para o horário
combinado. Respiro fundo e percebo que o meu corpo treme, a
ansiedade e o medo estavam tomando conta de mim. Olho-me no
espelho vestindo o meu uniforme e sinto o meu peito queimar de
alegria e desespero. Eu estava onde eu deveria estar, mas eu, de
fato, estava pronto para isso?
— Oi — digo baixinho a Deus. — Eu sei que ainda estamos nos
conhecendo, mas eu preciso te pedir que me ajude, eu não sei se
vou conseguir. Eu preciso mostrar confiança para Coach Gabe, mas
no fundo eu estou apavorado. Eu tenho medo do meu joelho
arrebentar de novo e por medo disso acontecer, mostrar baixo
desempenho — eu não sabia se eu estava orando certo, eu não
sabia se Deus estava me ouvindo, eu não sentia nada. Mas, ainda
assim, eu fiz lembrando-me de Sophie e me sentindo bastante idiota
depois. Eu respirei fundo, peguei o meu capacete e pensei do que
eu falei para Clara e repeti para mim mesmo olhando fixamente em
meus olhos diante do espelho: Você é um vencedor!
Faltando dois minutos para o horário, aproximo-me de Coach
Gabe que fazia anotações em sua prancheta. Ela nota a minha
presença, apita e pede para que os outros jogadores se aproximem.
— Pessoal, eu quero apresentar uma pessoa.
— A gente sabe quem ele é, Coach.
— Eu não te perguntei nada, camisa 82. Como eu estava
dizendo, esse é o Brian Winters e vai fazer alguns testes. Se ele
passar, será o novo colega de time de vocês. Espero que o recebam
bem! — ela é direta.
— E ele vai tirar o lugar de quem, Coach?
— Ele vai jogar na posição de Wide Receiver.
— Quê? Logo na minha posição?
— Algum problema?
— Claro! Isso não é justo!
— A vida não é justa, Tom! Se o Brian jogar melhor do que
você, ele fica nessa posição, fim de papo. Apenas dedique-se e
colherá os frutos do seu esforço, isso me parece justo. Se você não
quer que ele tome seu lugar, fale menos e jogue mais — recebo um
olhar de ódio fuzilante dele, mas permaneço em silêncio. Eu estava
sendo um Tutu para ele.
— Em posição — ela grita e apita. Corro para a marcação e me
posiciono. Analiso cada movimento e calculo os meus passos.
Football era um jogo estratégico e precisava de muita atenção.
Aguardo o som do apito e o arremesso da bola. Disparo e pego
velocidade, driblo os meus adversários e salto o mais alto que
consigo, agarro a bola que bate diretamente no meu peito.
Comemoro discretamente. Como eu sentia falta disso! Essa
adrenalina, essa corrida contra o tempo e os passes de agilidade
me dão uma satisfação que não caberia em palavras.
— Winters! — Coach gesticula me chamando, corro em sua
direção na expectativa de ouvir um elogio. — Você pulou muito alto
sem necessidade. Contenha-se! É para você jogar e não para se
exibir. Estamos em um treino e não na final de um campeonato —
assinto e volto para a minha posição para outra jogada. Gabe
instruía cada jogador e orientava a equipe com propriedade. Ela era
bastante grossa desnecessariamente, mas era nítido que ela
entendia de Football e sabia exatamente o que estava falando.
Eu estava começando a ficar cansado devido ao meu
condicionamento físico atual. Fazia pouco tempo que eu havia
voltado ao hábito de me exercitar diariamente, então, o meu corpo
ainda estava em processo de adaptação. Com falta de ar pronto a
desabar no chão, Gabe apita encerrando o treino. Que alívio! Em
passos rastejantes e corpo suado, tento controlar a respiração para
conversar com Gabe sem demostrar exaustão.
— Eu esperava mais de você, Winters.
— Como é? — considerei ter entendido errado.
— Eu esperava mais de você — ela repete.
— No que eu deixei a desejar, Coach?
— O seu condicionamento físico está baixo. É nítido que você
perdeu o fôlego várias vezes. Enquanto os outros estão cheios de
energia, você está se arrastando para sair de campo. Está faltando
garra, tática, visão.
— Vou me atentar a isso — digo contendo a minha irritação.
— Te espero amanhã às cinco horas.
— Certo!
— Cinco da manhã — ela dá as costas e fico sozinho no
campo. O Sol estava se pondo, o ar gelado batia em meu rosto
quente. Agarro uma garrafa de água e me refresco. Reparo que um
dos meus colegas de time estava parado me observando.
— Vai me escorraçar como todos os outros estão se roendo
para fazer, QB[5]? — aproximo-me e puxo conversa.
— Não — ele ri. — Eu percebi que você estava sem fôlego e
como eu já senti isso antes eu achei melhor ficar de olho. Eu
desmaiei, e não foi nada legal.
— Eu estou bem, obrigado — digo com gratidão sincera dando
um tapa amigo em seu ombro. — Não é fácil voltar. Eu estou me
sentindo um idoso no meio dos jovens. E o que deixa tudo pior é
que temos praticamente a mesma idade.
— Você foi bem!
— Não sei se a Gabe acha a mesma coisa.
— A Coach Gabe precisa ser durona. Esses caras são muito
folgados. No começo, eu tinha muita raiva dela, mas hoje… Ela é
uma das pessoas que eu mais admiro, de verdade. E, quanto a
você, pode contar comigo — ele estende a mão, e eu sinto um
pouco de desconfiança, mas retribuo.
— Eu nem acredito que eu vivi o dia de hoje. Que loucura! Eu
não esperava estar em campo assim tão de repente — digo
enquanto seguimos para o vestiário. — Mas, graças a Deus, deu
tudo certo — digo sem pensar e sem perceber o que eu havia dito.
— Você é cristão? — ele pergunta.
— Humm… Bom… — pigarreio. — Não exatamente. Eu estou
aprendendo ainda, eu não sei dizer.
— Eu sabia! — ele diz com convicção.
— Sabia o quê?
— Você tem algo diferente!
— Diferente como?
— Sei lá, cara, você transmite algo bom.
— Eu?
— É! Sei lá, você parece ser uma boa pessoa.
— Muitas pessoas discordariam de você.
— Nem Jesus agradou a todos, não é? — evito prolongar o
assunto e fico quieto. Já bastava a Sophie para me encher com
esse assunto, eu não precisava de mais uma pessoa para isso.
— Olha só o Michael — é a primeira coisa que ouvimos quando
entramos no vestiário. — O virgem tentando converter o promíscuo.
— Não liga, não, Brian — Michael me diz.
— Ou ao contrário, né? — diz outro jogador que em passos
lentos e bem direcionados para na minha frente de peito aberto. —
Talvez o Winters esteja tentando fazer o Michael cair na gandaia
com ele levando a irmã dos outros para cama — inesperadamente
levo um empurrão e bato as costas no armário. Michael entra no
meio e sana a briga que estava por vir. Respiro fundo para não virar
um soco na cara dele.
— Você se lembra da Samantha, seu babaca? Ou já se
esqueceu que saiu com a minha irmã?
— Eu não baixo a ficha familiar das garotas que eu saio, mas
eu deveria ter feito isso antes de sair com alguém da sua linhagem
— provoco e ele vem para cima, mas a briga é impedida pelos
demais jogadores. — Mas, respondendo a sua pergunta, sim, eu me
lembro dela. Ah, e como eu me lembro! Foi um prazer conhecer a
sua irmã, se é que você me entende!
— Eu te arrebento, Winters! — ele avança e é impedido
novamente. — Eu te arrebento!
— Manda as minhas lembranças para ela. Saudades, inclusive!
— Chega! — Michael encerra a discussão e me lança um olhar
que me convence a ficar quieto. Separados, cada um em um canto
do vestiário, Michael se aproxima.
— O que foi aquilo? — ele diz e bato a porta do armário.
— Não é fácil aguentar calado, é um desafio para mim. Mas, de
certa forma, eu agi diferente hoje. Por mim, eu teria quebrado a cara
dele e eu não fiz isso.
— Cuidado para não cair na provocação deles e perder a
oportunidade que você está tendo.
— Porque você está me ajudando?
— Por que eu não ajudaria se eu posso fazer isso? — Michael
parecia gente boa, mas ainda assim eu tinha receio de acreditar em
sua bondade gratuita.
De banho tomado e muito cansado, saio do clube em alerta
para me defender caso eu fosse atacado por algum daqueles
idiotas. No entanto, eu consigo chegar em paz em casa, mas não
encontro as minhas chaves. Na pressa em estar no horário do treino
devo ter me esquecido de pegá-las. Bato na porta, e Sophie a abre.
Olhar para ela era como se tudo voltasse a ter calma novamente.
Todo aquele turbilhão de sentimentos e negatividade se desfaz. Ela
me passava a leveza que eu precisava.
— Você está cansado, não está? — ela pergunta. Eu amava o
fato de Sophie estar sempre atenta a tudo e observar cada detalhe
das pessoas. Estar com ela era ter a sua total atenção. Naquele
momento, eu era o seu foco, e isso fazia com que eu me sentisse
especial. Ou também poderia considerar que a minha cara estava
tão acabada que era impossível não reparar a minha bateria
descarregada. Mas, eu ainda prefiro pensar que ela é detalhista.
— Que dia, Sophie! Eu estou acabado! E amanhã tem mais!
— Conta tudo! — ela pede. Então, nós nos sentamos na
banqueta da cozinha enquanto eu esquentava a comida do jantar.
Volto os meus olhos para ela e conto em detalhes tudo o que havia
acontecido.
— Sério? Você jogou? — ela se alegra.
— Foi incrível! Eu não ainda não acredito que joguei depois de
todos esses meses parado — ela ainda sorria. — Mas eu acho que
a treinadora não gostou de mim. Eu espero que amanhã eu jogue
melhor, e ela passe a acreditar mais em mim.
— Ela disse para você jogar de novo, não disse?
— Sim, amanhã às cinco da manhã.
— E você tem dúvidas se ela gostou de você?
— Você acha que ela gostou?
— Eu acho.
— Espero que sim! Ah, sabe quem é o meu colega de time? —
ela nega com a cabeça e, então, eu lhe conto.
— O irmão da Samantha? — ela se choca.
— Dá para acreditar? Qual a probabilidade? Eu sou muito
azarado!
— Não tem nada a vê com azar, Brian. Isso é consequência da
sua vida promiscua. Para começar, você não deveria ter alimentado
a provocação. Segundo, você não deveria ter falado desse jeito
sobre o que aconteceu ainda mais por ser a irmã dele. Isso deve
ficar entre você e a Samantha, não interessa a mais ninguém.
— Eu sei. Eu ainda estou aprendendo a me controlar. Eu ainda
menti. O que eu tive com ela nem foi tão bom assim.
— Brian! — ela me repreende. — Você está fazendo isso de
novo!
— Desculpa — passo as mãos no rosto e esfrego os olhos para
me manter acordado. — Vou dormir cedo hoje, certeza! Na verdade,
eu espero que eu consiga dormir. Eu estou ansioso.
— Vai dar tudo certo!
— Que bom que você está aqui. Depois de tudo que eu passei,
a primeira pessoa que eu queria compartilhar tudo isso… era você
— sorrio levemente com os lábios e ganho o mesmo de Sophie e
também o seu silêncio tímido.
Ela me fazia companhia e me escutava atentamente. Eu
devorava o meu prato de comida e falava sem parar para descrever
o meu dia para ela. Quando sinto o cansaço me derrubando
lentamente, busco coragem para me levantar dali, não apenas pela
necessidade de dormir, mas porque era bom conversar com Sophie.
Ela era uma ótima companhia, e eu queria continuar ali… com ela.
— E você, procurou estágio ou emprego?
— Sim — ela estava desanimada. — Eu não encontrei nada.
— Vai ficar tudo bem, Sophie — ela assente. Levanto-me
finalmente para lavar a louça, mas sou impedido.
— Deixa! Eu lavo para você! Você está cansado e não me custa
nada. Vai descansar. Já são quase dez horas e amanhã você
precisa acordar cedo.
— Obrigado, Soph!
— Boa noite e bom descanso! — ela diz com a sua voz doce.
— Boa noite! — fico alguns segundos olhando em seus olhos,
dou um pequeno passo e deposito um beijo em sua testa que
representava afeto e respeito que eu tinha por ela. Quando me
afasto, percebo que ela não esperava por aquilo. Preocupo-me por
instantes, mas evito pensar. Depois de tudo o que ela passou, talvez
precisasse de um pouco de carinho. Dou as costas e subo para o
meu quarto.
24
Logo cedo, Day e eu damos um jeito no quarto de hóspedes. A
faxina foi completa: aspiramos o pó embaixo da cama, nas cortinas,
nos rodapés, limpamos o banheiro, trocamos as roupas de cama e
até decoramos de maneira bem simples e clean.
— Day, não precisava de tanto, e eu mesma poderia ter feito
sozinha — digo enquanto ajeito as almofadas.
— Ah, Sophie, se você soubesse o prazer que eu tenho em
arrumar uma casa você ficaria chocada. Eu amo fazer isso! Eu
tenho prazer em servir as pessoas, em cozinhar, em limpar cada
cantinho. Eu me alegro quando o meu marido chega em casa e está
tudo limpinho e cheiroso. Ou quando o Brian chega cansado e eu
tenho comida fresca para oferecer. Eu sei que tem muitas mulheres
pirariam só de me ouvir falar, mas eu amo.
— É muito bonito, Day! Eu também gosto, eu confesso.
— Eu sou uma mocinha tradicional, embora eu não aparente.
— Você é bem resolvida e tem personalidade, e isso é para
poucos.
— E incomoda muitos — ela ri. — Vamos descer as suas
coisas? Eu te ajudo.

Brian
Acordado desde as cinco da manhã quando o Sol ainda não
havia dado o ar da graça, entro no vestiário e vejo o irmão de
Samantha. Decido trocar uma palavra com ele.
— Eu vim na paz — aviso. — Foi mal por ontem e… foi mal
pela sua irmã. Podemos deixar isso para lá? O meu foco é o time.
Eu não quero confusão — na real, eu não estava sendo 100%
sincero. Eu não gostava dele e tinha raiva de Samantha por causa
do que ela fez à Sophie, mas tentei dar sinal de paz para não perder
a oportunidade que eu tinha em mãos. Ele me olha de cima abaixo e
me dá as costas. Engulo a vontade de falar algumas coisas.
Em campo, fazemos flexões, abdominais e outros exercícios
antes de treinarmos alguns lances. Coach Gabe, que estava mais
amigável, passava-me instruções bastante pertinentes. Ela tinha
uma boa visão e movimentação dos jogadores o que resultava em
grandes jogadas. No entanto, eu percebia desânimo e baixo
rendimento do time em suas posições atuais. Considero algumas
alterações, mas não sabia se eu daria um tiro no meu próprio pé se
falasse alguma coisa. Espero, então, por uma oportunidade para
fazer isso.
Após duas horas e meia em campo, somos dispensados por
aquele dia. Eu passei a observar as conversas que rolavam no
vestiário e comecei a me envergonhar por um dia ter feito parte
disso.
— O marido da Gabe deve ter feito um bom trabalho essa noite,
ela está feliz — o babaca do irmão da Samantha comenta e todos
riem menos Michael e eu — a única coisa que eu pensava era que
um dia, caras babacas como aqueles, fariam o mesmo com a minha
filha. Eu estava sentindo um incomodo muito grande dentro de mim.
Eu já não gostava mais do Brian que eu costumava ser, mas eu
também não sabia quem eu era ou queria ser. Porém, eu algo
estava mudando dentro de mim, e era bom.

— Oi, Soph! Oi, Day! — digo assim que as vejo na cozinha. —


O que vocês estão aprontando aí?
— Eu, nada. A Sophie que está pipocando nas ideias.
— A Day falou que a Clara vai passar a tarde aqui, e eu pensei
em fazer cookies para ela. O que você acha?
— Sério?
— Sim. Por quê? Não é uma boa ideia? — ela mostra
preocupação.
— Ela vai amar! — sorrio, ela corresponde.
— Mas tem um pequeno detalhe — ela diz.
— Qual?
— Está faltando alguns ingredientes.
— Ah, tudo bem, eu corro no mercado rapidinho, Sophie — Day
diz. — Aliás, vamos juntas! — ela dá de ombros e aceita. — Eu vou
pegar a minha bolsa, já volto!
— Como foi no clube? — Sophie pergunta a espera de Day.
— Melhor do que ontem. Porém, a Gabe ainda não falou nada
sobre contratação.
— Na hora certa as coisas vão acontecer.
— Digo o mesmo a você em relação ao emprego.
— Vamos, Sophie? — Day a chama.
Sozinho e cansado, tomo um banho para relaxar. O que estava
ao meu alcance eu fazia. Eu precisava ter paciência, e isso era
muito difícil para mim.

Sophie
A companhia de Day era maravilhosa. Eu amava a sua risada e
o seu bom humor. O pensamento dela era rápido tanto quanto a sua
fala. Era muito bom ter uma companhia feminina para conversar
sobre coisas que a maioria das mulheres gosta: cosméticos, roupas,
séries, etc. Day tinha trinta e oito anos e compartilhava comigo
vários perrengues que passou ao longo da vida. Eu amava ouvir
história de outras pessoas, sempre havia coisas que me inspirava a
ser uma pessoa melhor. Eu estive tão imersa naquele momento que
fui capaz de me esquecer de tudo. Eu queria fazer aquilo mais
vezes sem sombra de dúvidas, mas eu não sabia se teria essa
oportunidade. Em breve, eu iria embora daquela casa e perderia o
contato com ela. Enquanto isso não acontece, eu iria aproveitar ao
máximo o que eu tenho hoje.
— O Brian está tão diferente — ela comenta enquanto
estaciona na garagem após a nossa ida ao mercado.
— Diferente como?
— Ele era tão seco e ríspido. Agora ele parece em paz, não sei
explicar. Ele era carinhoso apenas com a Clara, mas quando ele me
olha eu vejo tanto carinho que até me choca. Você mudou esse
garoto, Sophie.
— Não, Day, não fui eu.
— Então, eu não sei, mas ele está diferente! — ela reafirma e
sai do carro. Faço o mesmo carregando um sorriso suave. — A
Clara já está aí — Day comenta ao abrir a porta de casa. Ela tinha
razão. Escuto a voz de Clara e a sua risada gostosa acompanhada
de gritos agudos, típico de quando uma criança está se divertindo
muito. Em seguida, ouço a voz de Brian e também o escuto rir. Ele
tinha uma risada engraçada que me fazia sorrir. Os dois corriam no
corredor do andar de cima.
— Eles estão brincando de pega-pega — Day conta. — É uma
delícia de ver os dois brincarem! — o meu coração se aquece.
— É tão bom vê-lo correndo, ainda mais em uma cena como
essa — digo organizando as compras na despensa que ficava perto
da escada.
— Eu imagino! Você contribuiu para que isso acontecesse,
Sophie.
Brian desce as escadas com Clara gargalhando sendo
carregada sobre o seu ombro de cabeça para baixo.
— Ei, Sophie, aceita uma criança como pagamento das minhas
futuras sessões?
— Essa, eu aceito — ele a coloca no chão e a conduz em
minha direção.
— Toma!
— Não — ela diz rindo.
— Não? — ele pergunta colocando o cabelo atrás de sua
orelha. Ela balança a cabeça em negação e abraça a sua perna.
— Clarinha, vamos tomar um pouco de água, você está
precisando — Day a chama e fico a sós com Brian.
— A Gabe estava certa. O meu condicionamento físico está
baixo, eu já estou cansado. Eu achava que voltar ao Football seria a
melhor conquista dessa recuperação, mas nada supera esses
momentos que eu tenho com a Clara, sabe? — assinto. — Eu quero
criar essas memórias com ela. A minha mãe brincava assim comigo
e foi muito especial para mim. Ela deixava tudo de lado nem que
fosse por dez minutos, mas aquele tempo era totalmente nosso.
— E a Clara parece gostar muito também.
— Sim. Às vezes acontece uma queda acompanhada de um
choro estridente que encerra a brincadeira, mas…
— Nada que um colo e um carinho não cesse, não é? — olho
em seus olhos.
— É… — ele retribui o olhar. E, por alguns segundos, os
nossos olhares ficam fixos um no outro. O mundo parecia ter
congelado. Era como se eu pudesse ter acesso à parte mais
sensível de Brian apenas por olhar no fundo de seus olhos.
— Você quer ter mais filhos? — pergunto.
— Agora? — ele olha no relógio brincando como se eu tivesse
feito uma proposta e me arranca um sorriso e uma virada de olhos.
— Talvez um dia. Você quer?
— É o meu maior sonho.
— Você será uma ótima mãe — ele diz.
— Você acha mesmo?
— Eu acho. Você tem um jeito maternal.
— Tenho?
— Tem. Você se preocupa, é atenciosa, tem um olhar doce e
tem jeito com criança. E consegue ser chata também como toda boa
mãe — rio.
— Eu tenho medo de ser igual a minha mãe.
— Não carregue isso com você, Sophie. Quebre esse ciclo. Eu
tenho um bom relacionamento com o meu pai hoje, mas você sabe
que não era assim. Eu tive um péssimo pai e hoje eu tento ser o
melhor pai que eu posso ser. É uma decisão e escolhas conscientes
que só dependem de você. Não é fácil, mas se você me aguentou
esse tempo todo…
— Uma criança é fichinha.
— Exato! — ele ri.
— Eu fiquei muito feliz de ver você correndo. Você parece bem.
— Eu me sinto muito bem.
— Mas, ainda temos muitos exercícios preventivos para fazer.
— Eu sei.
— Você vai continuar o tratamento com o Spencer?
— Não, claro que não! Eu não vou à clínica desde daquele dia.
— Você precisa continuar o tratamento de prevenção, Brian.
— Eu sei. Eu verei isso. Quando você se forma mesmo? —
sorrio.
— Logo.
— Ah! A Clara pediu para eu te perguntar se ela pode ver seu
estetoscópio de novo — sinto uma dor no peito e a minha expressão
muda.
— Hum…
— Tudo bem, não precisa se não quiser. Eu explico para ela.
— Não é isso. Na verdade, eu não me importaria e ficaria feliz
em mostrar.
— Então, por que parece incomodada?
— Porque eu não o tenho mais.
— Era da clínica?
— Não — ele parecia confuso e esperando algo a mais de mim.
— A minha mãe destruiu quando soube que eu havia sido
dispensada do estágio — digo com um nó na garganta e a
expressão de Brian muda de confuso para irritado. Clara surge e
agradeço por isso em pensamento, eu não estava com vontade de
falar sobre aquele episódio triste.
— Papai, a Day falou que vocês vão fazer cookies para mim.
— Nós? Nós é muita gente, filha. A Sophie vai.
— E o seu pai também!
— Quê? — ele me olha e balança a cabeça em negação.
— Sim — eu ordeno com discrição. — Você quer cookies,
Clarinha? — pergunto animada.
— Sim! — ela responde com empolgação.
— Nós vamos fazer para você, né, Brian? — ele não responde,
mas eu sabia que o tinha convencido.
— Eu posso fazer também?
— Claro que sim, princesa! — ela sorri. — Vem cá! — pego-a
no colo e seguimos até a cozinha. — Vou te mostrar tudo o que
compramos.
25
Parecia cena de um filme, mas não era. Era real. Com todos os
ingredientes na bancada, Brian ajudava Clara a colocar as medidas
certas para despejar na tigela. Com toda mistura da massa feita e
gotinhas de chocolate sendo apanhadas por pequenos dedinhos,
colocamos o cookies no forno e iniciamos a limpeza, ou melhor, a
bagunça. Brian volta aos seus cinco anos de idade e desliza a mão
cheia de farinha pelo meu rosto arrancando uma gargalha de Clara.
Ali, parada e processando, faço o mesmo em Brian, mas ele desvia
e me provoca.
— Escolheu a pessoa errada. Esqueceu que eu sou o melhor
Wide Receiver e desvio dos meus adversários? — ele fala andando
para trás com bom humor.
— Mas eles não tem o que eu tenho aqui — levanto o saco de
farinha entrando na brincadeira até mudando o tom de voz ao cerrar
meus olhos.
— Ela vai pegar você, papai.
— Vamos ver — ele provoca.
— Eu te ajudo, Sophie.
— O quê? Traidora! — ele faz drama. Saio correndo atrás dele
e Clara me ajuda. Nós duas conseguimos encurralar Brian em um
canto da cozinha depois de várias voltas ao redor da bancada entre
risadas e um “olé”.
— Eu me rendo — coloco a mão dentro do saco de farinha e
apanho a maior quantidade que consigo para jogar nele, mas Brian
é mais rápido e segura o meu pulso com uma mão e, com a outra,
arranca o saco de farinha virando-o tudo em cima de mim.
Desacreditava, eu jogo tudo o que tenho em mãos, nele. Ele
continuava a me segurar conforme eu tentava sujá-lo. Clara me
ajuda pegando do chão e jogando nele.
— Para! — ele diz rindo até se sentar no chão e levar mais
farinhada de nós, sendo rendidas ao cansaço também sentamos ao
chão com ele. Com o rosto todo branco, nos entreolhamos e rimos.
— Olha a bagunça que vocês fizeram — ele diz.
— Como é? — jogo mais farinha nele e a sua risada é como
uma canção aos meus ouvidos. — Vamos ter um trabalhão para
limpar tudo isso — comento.
— Day? — Brian a chama baixinho.
— Ela não é sua empregada, Brian.
— Ela era.
— Não é mais. Você fez a bagunça, você limpa!
— Só eu?
— Você começou!
— Sophie, você está se sentindo bem? — ele cerra os olhos. —
Você está um pouco pálida.
— Há, há! Palhaço!
— Está um pouco sujo aqui — ele aponta para perto da boca
debochando da minha cara branca e ri.
— Vocês deveriam se casar — Clara comenta de repente e o
silêncio fica gigante entre nós, nem a farinha seria capaz de cobrir o
meu rosto vermelho de vergonha.
— E eu acho que a Sophie deveria dar uma olhada nos cookies
enquanto eu pego o aspirador de pó. E, você, mocinha, vai me
ajudar.
Levanto-me e bato a roupa para não espalhar mais farinha e
vou até o forno checar o andamento dos cookies, que ainda
precisavam de alguns minutinhos. Assim que fecho o forno, viro-me
dando de encontro com Brian. Estávamos tão perto um do outro que
o meu coração chegou a acelerar. E, para contribuir, Brian passa a
mão em meu rosto limpando a farinha.
— Desculpa, eu te sujei bastante — ele sorri e me olha nos
olhos. — Se você quiser ir para o forno, já está untada — caio na
gargalhada. Ele se afasta sorrindo para pegar o adaptador de
tomada que estava no balcão.
Enquanto Brian aspirava, eu passava um pano úmido. Sem
contar que ainda tínhamos que limpar a nós mesmos.
— Posso entrar? A porta está aberta — uma voz feminina ecoa
pela sala.
— Entra, Kelly! — Brian diz.
— O que aconteceu aqui? Cadê a minha filha? — ela se choca
com o nosso estado e leva no bom humor.
— Aqui — Clara diz levantando as mãos.
— Onde? — Kelly brinca girando a filha. — Não, não pode ser
— ela limpa o rosto de Clara e finge surpresa. — Oh, você está aí!
— Eu disse!
— Clara, por que você não dá um abraço na sua mãe? Ela está
com saudade de você.
— Nã… — antes que Kelly pudesse dizer alguma coisa, Clara
agarra as pernas da mãe que usava uma calça jeans preta que,
agora, estava cheia de farinha.
— Eu te mato, Brian! — ela o ameaça com humor.
— Kelly, nós fizemos cookies. Eu vou separar para Clara levar.
— Obrigada, Sophie! Os seus cookies são deliciosos! Vamos
embora para casa, mocinha? Fala tchau para o papai e para a
Sophie, e agradece pelos cookies.
Ainda que Kelly e Brian não fossem um casal, eles eram mais
família do que os meus pais, que viviam em casamento sem um
pingo de respeito. Era lindo ver a relação de amizade que eles
criaram. Clara não tinha culpa do deslize deles. E, a cada dia, eu me
apegava àquela menina. Eu chegava a sentir saudade quando ela
se despedia. A casa ficava maior e silenciosa.
— Você e a Kelly continuam próximos? — puxo assunto
enquanto ainda limpávamos a bagunça.
— Não muito. Depois que a Clara nasceu a gente se distanciou
bastante. Embora nós tenhamos um ótimo relacionamento, não é
mais como antes.
— Ela parece ser uma boa companhia.
— Ela é! Eu acho que não te contei, mas nós passamos todos
os natais juntos.
— Sério? Que legal!
— É muito bom! Se você quiser passar o natal aqui, será bem-
vinda! Não sei quais são os seus planos, mas… já está convidada.
— Eu não sei nem o que vou fazer amanhã. O meu futuro está
tão incerto.
— O futuro é incerto, Sophie. Em um dia você está em um lugar
e no outro… Enfim.
— Você está bem? — preocupo-me.
— Estou. É que… eu me lembrei de uma coisa. Ou melhor, de
uma pessoa.
— Quem?
— Eric. Ele tentou me assaltar um tempo atrás — choco-me
com o que ele dissera. — É triste ver como a droga destrói um ser
humano. O Eric… — ele exala — era um bom amigo até se envolver
com umas pessoas tranqueiras. Depois disso, ele não pensava duas
vezes antes de passar a perna em alguém, inclusive eu, que sou o
amigo de infância dele.
— A Evelyn se preocupava muito com ele na época da escola.
Se ela souber como ele está agora ficará muito triste.
— Eu fiquei. Enfim… — ele fica pensativo e muda de assunto
— Você quer assistir alguma coisa? — ele convida e dá de ombros
com o meu silêncio.
— Quero! — digo, e ele sorri. — Mas eu acho melhor a gente
tomar banho primeiro.

Por volta de uma hora depois, Brian, Day, George e eu


estávamos em frente à televisão com as luzes apagadas fazendo
uma maratona de Friends. Como era bom estar ali! A risada de Day
adicionava mais graça à cena e contagiava a todos nós. George, por
fim, pediu uma pizza e foi o ápice da noite. Eu apenas pedia que
Deus me abençoasse com uma família assim, era tudo o que mais
queria na minha vida. E, eu, com certeza, aceitaria o convite de
Brian para o Natal com eles. O que eu mais queria era estar ali.
26
Os dias se passaram sem grandes novidades. Brian ainda
estava lutando para ser contrato pelo time de Gabe, e eu buscando
uma oportunidade de trabalho. Em meu quarto emprestado, recebo
a ligação de Evelyn a meia noite e lhe conto todos os
acontecimentos recentes.
— Morado com ele? Sophie! — ela me repreende.
— Eu não tenho outra escolha, Evelyn!
— Uma amiga da faculdade? — ela sugere.
— Eu não tenho amigas na faculdade, eu tenho colegas. Nós
apenas conversamos sobre coisas relacionadas a isso. O Brian é a
pessoa mais próxima que eu tenho — comecei a sentir pena de mim
mesma.
— E as suas aulas? Como tem feito para ir para a faculdade?
— Eu consegui uma carona com uma colega que faz o caminho
da casa de Brian e ela não vai me cobrar nada por isso. E mesmo
eu não achando justo e querendo, com todo o meu coração, pagá-
la, eu não vou conseguir. E, ainda assim, ela disse para que eu
ficasse em paz.
— Por que você não mora com ela?
— Porque ela mora em uma kitnet com o namorado. Seria
extremamente desagradável. A carona já é algo grandioso para mim
nessa situação. Deus é bom, Evelyn, Ele pensa em tudo.
— Eu não tenho dúvidas de que você precisa passar por isso
para viver algo maior e melhor que está por vir.
— Eu sei, mas é tão difícil! — exalo, e ela muda de assunto.
— Você viu a matéria que eu fiz com o Brian?
— Você publicou?
— Sim, mas não teve muitas respostas, Sophie. Eu sinto muito!
Porém, eu acho que foi legal da parte dele, e você realmente
merecia esse reconhecimento e carinho. Ele foi legal!
— Ele tem sido legal, Evy. Na verdade, ele tem sido incrível! Eu
nunca imaginei que o Brian tinha esse lado.
— Eu acho que ele tem interesse em você.
— Claro que não, Evy! Não é porque estamos nos dando bem
que estamos apaixonados um pelo outro. Apenas ficamos amigos.
— Vocês são “amigos” — ela coloca entre aspas — porque
você colocou um limite. Espera uma oportunidade ou dá uma brecha
para ver se ele não vai para cima. O Brian é mulherengo, e você é
muito bonita.
— Eu não duvido, Evelyn, mas eu não quero nada com ele.
— Por favor, cuida do seu coração, tá bom? Eu não quero que
você caia na lábia dele.
— Não se preocupe! — sigo com firmeza.
— Agora vai dormir, mocinha! Está muito tarde!
Depois de ouvir atentamente aos conselhos de Evelyn, procuro
a reportagem de Brian. Uma vez não foi suficiente, eu estava na
oitava repetição daquele vídeo. Eu não entendia porque, mas
assisti-lo ficou viciante para mim. Era pelo sorriso de Brian ao falar o
meu nome? Ou pelo brilho de seus olhos?
A imersão que eu estava chegou ao fim quando um barulho
veio da cozinha. Levanto-me no mesmo instante e, descalça para
não fazer barulho, caminho em direção ao som de risadas abafadas.
Com facilidade, devido à luz da Lua que entrava pela porta de vidro,
pude ver Brian com uma garota. Eles estavam aos beijos e risadas.
Observo aquela cena com muita decepção. Eles seguem em
direção à escada. Sem sombra de dúvidas, para o quatro dele. Que
nojo! Que raiva! Que vontade de ir lá e atrapalhar aqueles dois!
Tudo que Brian e eu conversamos não adiantou de nada! De volta
para o meu quarto bufando com o que acabara de ver, tento dormir,
mas não consigo.

Com mau humor por não ter dormido bem, Brian surge em
minha frente na manhã seguinte de bom humor, e isso me irrita um
pouco. No entanto, tento me conter, mas não consigo. Aquele “bom
dia” sorridente me impossibilitou de segurar as palavras em minha
boca.
— Você se divertiu bastante ontem à noite? — ele me lança um
olhar, mas não diz nada. — Ou aquela companhia não foi do seu
agrado?
— Você está me espionando, Sophie?
— Não, mas o meu quarto é do lado da cozinha, não foi difícil
ouvir risadas, beijos e copo caindo no balcão.
— É que estava muito bom, foi difícil nos contermos — ele
provoca. — Eu peço desculpas se nós te acordamos. Eu só estava
vivendo a minha vida a qual eu não devo satisfação a ninguém. E
você deveria fazer o mesmo. Eu recomendo! — pelo seu tom até
parecia uma conversa amigável, mas eu podia garantir que não era.
— Você cai de dez para zero no meu conceito em questão de
segundos — digo e depois sussurro. — Ele não sabe o que faz,
Senhor, tenha misericórdia.
— E você acha que eu estou preocupado com o que você
pensa sobre mim? — o olhar dele havia perdido o brilho, era
carregado de raiva como costumava ser, diferente do que eu vi dias
atrás. — Sophie, eu não me importo com o que você acha ou o que
o seu Deus pensa, se é isso que você vai começar a falar. Eu vou
viver a minha vida do jeito que eu quiser. Eu quero ver você ou seu
Deus me impedir.
— Cuidado com o que diz, Brian — assusto-me com o seu
enfrentamento a Deus. Ele pega uma caneca de café e sai para a
área da piscina.
Eu sabia que não era da minha conta, mas Brian era teimoso
demais! Bom, eu também era. As pessoas nunca vão entender os
convertidos até conhecerem Jesus de verdade. Eu sabia que eu não
tinha o poder de fazer Brian acreditar Nele e mudar de vida, e,
justamente por saber disso, eu me sentia frustrada. A única coisa
que eu poderia fazer por ele era orar, orar muito. Eu não vou negar
que nesses últimos meses eu comecei a sentir um afeto por ele. A
convivência nos permite ver o outro lado. Brian era uma pessoa
muito agradável de estar por perto, dava para ver que ele era um
homem bom e cheio de potencial. Eu só pedia que Deus
trabalhasse naquele coração mesmo depois de Brian não frear a
sua língua.

Que situação chata! Durante todo aquele dia, Brian não falou
mais comigo. Ele estava bravo. De certa forma, eu também estava
ao continuar a procurar emprego sem obter resultados. Eu estava
acreditando que só conseguiria ser contrata após a formatura.
Insegurança e medo do futuro resumiam o meu atual estado.
Quanto tempo mais eu ficaria na casa de Brian? Ao mesmo tempo,
eu estava triste por deixá-los. Eu passei o dia no quarto sem
vontade de conversar pensando sobre a vida. Quando o relógio
apontava por volta das oito horas da noite vejo Brian descendo a
escada arrumado, perfumado e… muito bonito.
— Vai me criticar? Se for, seja rápida — ele diz enquanto ajeita
a gola de sua camisa azul clara.
— Não, não vou — digo desanimada sem expressão e passo
por ele. Percebo a sua estranheza pela minha indiferença ao sentir
o seu olhar me acompanhar, mas o silêncio prevalece.
27
Brian
— Esse é o evento que você disse que era legal? — pergunto a
Kelly que estava com a câmera na mão registrando todos os
momentos da inauguração de um bar na avenida principal da
cidade.
— Olha só, você veio!
— Com quem você deixou a Clara? — pergunto.
— Com a minha mãe. Ela está na cidade.
— Você podia ter deixado em casa.
— Eu sei, mas minha mãe queria passar um tempo com a
Clara. Ela é a avó dela, né, Brian?
— Ah, não diga! — ela revira os olhos e faz mais alguns
cliques. — Eles não tinham uma temática melhor, não? Hawaii?
Sério?
— Eles devem ter uma vaga para organizador de eventos. Caso
seja do seu interesse, favor, anexar currículo.
— Que mau humor, hein! — digo e me afasto de Kelly seguindo
até o bar. O que eu mais enxergava era um bando de homem sem
camisa usando um colar havaiano com bermuda florida. Nem
preciso comentar o quanto aquilo era ridículo.
— Ei, você não está vestido a caráter!
— Ainda bem, né? — respondo a uma garota que faz um
pedido no bar.
— Você não gosta de festas havaianas?
— Não sou fã.
— E por que você veio?
— Boa pergunta! Uma amiga me convidou.
— Apenas amiga? — ela mostra interesse.
— 100% só amiga.
— Bom saber… — ela sorri com outras intenções. — Sabe... Eu
também não sou muito fã de festa havaiana, então, se você quiser ir
para outro lugar… — uau! Esse foi o encontro mais rápido que eu
arrumei em meses. O que eu tinha a perder?
Apesar de ter massageado o meu ego, havia algo diferente. Por
mais que eu quisesse estar com ela, no fundo eu estava
incomodado. Era um sentimento estranho, não chegava a ser culpa,
mas era parecido. Eu não entendia muito bem o que era, mas nunca
senti aquilo antes.
Dentro do carro ao som de alguma música aleatória que tocava
na rádio e com a voz daquela desconhecida cantarolando ao meu
lado, seguimos para um motel. Eu estava decidido a me esquecer
de todos os meus problemas, pessoas, dos conselhos intrometidos
de Sophie e, principalmente, o Deus dela. Eu estava cansado de
todo mundo palpitar sobre a minha maneira de viver. Eu era adulto e
sabia o que eu estava fazendo. E tudo o que eu queria naquele
momento era aproveitar cada segundo com Aline, ou era… Alana?
Algo assim. Desligo o meu celular para aproveitar cada momento
sem interrupção. Porém, eu não fazia ideia do que eu estava
prestes a viver naquele quarto. Tudo estava estranho. Eu estava
inquieto. No entanto, eu segui em frente sem imaginar que aquela
noite seria crucial para minha vida. Era o meu fim. Naquela noite, eu
morri.
28
Sophie
Eram dez e meia da noite e eu estava tentando dormir, mas
insistentes batidas na porta do meu quarto fazem com que o meu
coração dispare e acelere os meus passos para atender a pessoa
impaciente.
— Brian? — assusto-me com o que vejo. Brian estava
chorando, com os olhos vermelhos e, nitidamente, desesperado.
— Sophie, me ajuda? Por favor? — ele implora balbuciando as
palavras. Eu o abraço, e ele chora sobre os meus ombros.
— O que aconteceu? — pergunto, mas ele não responde. — Eu
vou pegar um copo de água para você — corro em direção a
cozinha para buscar um copo de água, e apanho, também, uma
caixa de lenços. A porta do quarto estava encostada e o meu
coração estava apertado e ansioso pelo o que ele me diria. Ele
estava sentado na minha cama com o olhar distante.
— O que aconteceu?
— Eu não sei explicar. Foi horrível! — com dificuldade ele
começa a me relatar algo surpreendente e sobrenatural. — Antes
que você me julgue pelo o que eu fiz, por favor, escute — assinto. —
Eu estava em um motel com uma mulher que eu conheci em um
bar, e algo aconteceu. Eu estava deitado e ela estava em cima de
mim, mas não estávamos fazendo nada ainda — ele diz e começo a
me perguntar o porquê ele está me detalhando a sua intimidade —,
e, de repente, ela começou a me bater — franzo a testa. — Ela tinha
uma força que eu nunca vi igual. Na hora, eu achei que ela pudesse
ser masoquista ou algo assim, e, então, eu pedi para ela parar com
aquilo porque eu não gosto de agressão. Ela riu e me bateu de
novo. E eu pedi mais uma vez para que ela parasse, mas ela riu de
forma maléfica. Ela me deu socos e tapas, e ria muito. Eu não tive
forças para tirá-la de cima de mim. Ela grudou a mão no meu
pescoço e me olhava com ódio, e eu não conseguia me mover de
jeito nenhum. Sophie, eu nunca vi isso antes — começo a me
atentar a cada detalhe e sinto um arrepio. — Eu senti nojo. Nojo
dela, do ambiente, de me imaginar tenho relações com ela, tudo.
Tudo embrulhou o meu estômago. Eu senti muito medo e eu…
chamei por Ele… por Jesus — ele conta sem jeito. — E foi aí que eu
consegui jogá-la para o lado no espaço vazio da cama. E, assim que
eu fiz isso, eu vomitei — sinto outro arrepio. — Eu vomitei um
líquido preto. Eu fiquei apavorado. Eu ouvi aquela voz de novo que
me disse para ir embora, e eu fui. Quando eu olhei para aquela
mulher antes de sair do quarto, parecia que nada tinha acontecido,
que foi apenas coisa da minha cabeça. Ela ficou sem entender
absolutamente nada, e eu fui embora — ele me olha, mas não
consigo dizer nada. — Eu acho que estou enlouquecendo, Sophie.
Por favor, me ajuda! — ele implora. Fico sem palavras diante de
uma pessoa que precisava muito delas. Como eu ia abordar algo
tão profundo?
— Brian…
— Sophie, parecia que eu estava olhando para um demônio.
— Era um demônio, Brian.
— Quê? Como assim?
— Brian, eu preciso te contar uma coisa para que você
entenda, e eu também preciso que preste atenção e ouça até o fim
— ele assente. Eu respiro fundo e organizo os meus pensamentos
para contar a Brian sobre os perigos dos envolvimentos sexuais. —
Eu vou te explicar sem o intuito de te convencer de nada e muito
menos apontar o dedo. Eu apenas te peço que esteja aberto a
entender.
— Tudo bem.
— Brian, o que nós cristãos acreditamos é o que está escrito na
Bíblia. Nós não mudamos nenhuma vírgula, pois acreditamos que
ela foi inspirada por Deus. Para nós, ela é a verdade absoluta. E
quando Deus nos instrui ao caminho que devemos seguir é para nos
proteger. E por sermos humanos, nós seremos tentados pelo
inimigo a duvidar de Deus começamos a ver as coisas danosas
como “nada demais”. Deus nos criou, e se Ele diz “Não” ou “Ainda
não” é porque há um motivo muito sério para isso. O que Deus nos
pede é obediência. Assim como você quer o melhor para a Clara,
Deus quer o melhor para os seus filhos. Vou dar um exemplo. Você
não deixaria a Clara dirigir o seu carro antes do tempo mesmo que
ela te diga “eu sei o que estou fazendo”, pois você sabe que por
mais que ela tenha certeza sobre o que ela diz, ela não está
preparada para aquilo naquele momento. Mas, quando ela fizer
dezoito anos e tirar a carteira de motorista, ela poderá dirigir o seu
carro.
— E o que isso tem a vê com o que aconteceu?
— O sexo antes do casamento.
— Bom, não é nada demais. As duas pessoas estão de acordo,
está bom para os dois e é só um momento legal. Eu não acredito
que Deus esteja se importando com quem eu estou me
relacionando sexualmente, há tantas coisas mais sérias no mundo
— ele dá uma risadinha debochada.
— Deus é um pai completo e se importa com a gente em todos
os aspectos da nossa vida, inclusive, sexual. Você não se importa
com todos os aspectos da vida da sua filha? — ele pensa. — Deus
criou o sexo como uma aliança entre duas pessoas para que elas
sejam para sempre uma só carne. Diante de Deus, duas pessoas se
tornam uma. E essas duas pessoas geram vidas, o que faz parte
dos planos de Deus. Ele ama a família.
— Então, o sexo é apenas para reprodução? Que coisa mais
chata!
— Não, não é. Também é uma forma de conexão, intimidade e
prazer sem egoísmo entre o casal que se uniu com a permissão e
benção de Deus. Quando nos envolvemos sexualmente antes do
casamento, muitos problemas começam a surgir na nossa vida.
— Quais? Se for doença ou gravidez, nem comece, pois isso
qualquer um sabe.
— Não é só isso.
— O que seria?
— Bom, primeiro, Deus estabeleceu duas coisas importantes
para o casal. Para o homem, Deus deu a ele o compromisso de
amar a sua esposa como Cristo amou a igreja, ou seja, morrendo
por ela. Já para a mulher, o compromisso é respeitar o seu marido.
É uma troca linda. Se o homem ama a sua esposa como Cristo
amou a igreja não é difícil que ela o respeite. E é por isso que não
devemos nem cogitar viver um relacionamento em jugo desigual.
Duas pessoas que são verdadeiramente transformados por Deus
assumem esse compromisso diante Dele de amar e respeitar o
cônjuge de uma forma tão profunda que em um namoro ou sexo
casual não há. E sem esse compromisso e sem essa aliança, os
envolvimentos casuais geram insegurança e dependência
emocional. E eu vivi isso e posso falar com propriedade.
— Com o Hugo?
— Principalmente com ele.
— Como era?
— Aquele relacionamento me sugava. O Hugo não tinha
compromisso comigo e nenhuma responsabilidade pelo o que
acontecia entre nós. Eu sentia um vazio enorme dentro de mim por
medo de perder o Hugo. E quando ele morreu, eu senti que eu morri
junto. Eu carregava um pedaço dele comigo e ele levou um pedaço
meu com ele, e isso é muito sério. Quando nos relacionamos
sexualmente, tudo de bom e de ruim que temos, nós passamos para
a pessoa, e vice-versa, inclusive de outros parceiros que já tivemos.
O Hugo me traía sem discrição, e pedaços de outras mulheres que
estavam com ele passava para mim.
— Isso é ridículo, Sophie.
— Brian, as consequências são, geralmente, inconscientes. Eu
comecei a ter crise de identidade. Eu não sabia quem eu era, para
onde eu deveria ir ou como era se sentir amada. Eu sabia que na
primeira oportunidade, Hugo me deixaria. Eu tinha um vazio que
nada completava. Eu tinha medo de ficar solteira para sempre. Eu
sentia carência e tristezas repentinas que ardiam em desejo de ser
valorizada por alguém. Era como se eu tivesse várias
personalidades dentro de mim e não pudesse me reconhecer em
nenhuma delas. Brian, o inimigo odeia o sexo, o casamento e a
vida. E por odiar, ele distorceu todas essas coisas. O sexo virou
bagunça, diversão, pornografia livre, prova de amor. O casamento
virou um espetáculo de ostentação. O divórcio virou um simples
rompimento na primeira insatisfação e dificuldade que o casal
passa. A vida já não tem valor. Por que o aborto anda sendo tão
defendido? Porque as pessoas fazem sexo com quem elas querem
sem ter o compromisso e a responsabilidade que há dentro do
casamento, e tirar a vida de alguém é mais fácil. Percebe como o
inimigo trabalha? Ele quer destruir a família. Eu não vim de uma boa
família e você sabe disso. Se eu não estivesse firmada em Deus e
curada, provavelmente eu estaria defendendo tudo isso que é contra
Deus.
— Eu tive uma filha e assumi a responsabilidade, também sou
contra o aborto e não tenho nada contra o casamento. Eu só não
quero ser obrigado a isso. Eu quero ter a minha liberdade.
— Não há liberdade nisso, Brian.
— Por causa da dependência? — assinto. — Eu não sinto
dependente de ninguém.
— Você mesmo disse que procurava essas garotas por sentir
falta de carinho feminino que tanto te faltou. Eu também fiz isso pelo
mesmo motivo. Jesus sanou essa carência em mim e não dependi
de nenhum garoto para preencher o vazio que eu tinha pela
ausência dos meus pais — ele pensa. — O sexo dentro do
casamento gera confiança, segurança, amor, troca. Coisas que eu
não tive com o Hugo, e acredito que você não tenha com as
mulheres que você sai. Para os homens, o sexo antes do
casamento distorce a visão dele sobre nós mulheres, e isso gera o
machismo, o desrespeito, os olhares desejosos pelos nossos corpos
que não são de vocês. Nós não somos vitrine, bonecas, prêmio ou
troféu. Vocês não têm ideia do quanto isso nos destrói por dentro.
Eu me sentia uma privada onde o Hugo fazia as necessidades e ia
embora, deixando-me com o sentimento que eu era um… cocô. Não
é isso que eu quero para minha vida. Eu não quero que o prazer do
sexo acabe em uma noite. Eu quero me sentir amada, valorizada,
cuidada e respeitada pelo resto da vida com uma única pessoa que
me trará paz, segurança e amor. E… — sorrio — as pessoas me
acham louca por proteger a minha mente até em cenas de sexo em
filmes e séries que eu pulo para que a visão de sexo segundo a
Bíblia não seja distorcida na minha mente, pois há um mundo
espiritual que nós nem sequer imaginamos cheios de demônios que
trabalham focados nisso.
— Igual o que aconteceu comigo?
— Sim, Brian.
— Bom, mas agora já está feito, não dá para voltar atrás. Por
sorte eu não cheguei ao ato em si com aquela garota.
— Deus nos limpa se nos arrependermos verdadeiramente e
buscarmos viver a forma pura que Ele criou o sexo na nossa vida. O
nosso corpo é o templo do Espírito Santo e não há como viver um
pé cá e outro lá. O sexo antes do casamento pode até ser bom por
alguns minutos, mas as consequências são profundas e muito
perigosas. Deus reconstruiu a minha virgindade, a minha pureza, a
minha mente. Já conseguiu imaginar um sexo que glorifica a Deus?
Parece contraditório, né? O inimigo deixou sujo algo que é um
presente de Deus para duas pessoas que se amam. Precisa ser
muito homem para assumir essa responsabilidade de amar uma
única pessoa e ser fiel a ela. Quem visa apenas o prazer é, ainda,
um moleque — ele me encara com o cenho franzido. — E muitos
pensem que quantidade afirma a masculinidade, mas não é
verdade. Sabe quando dizem que mulher se arruma para outra
mulher? O homem mostra que faz sexo para outros homens. As
mulheres gostam de homens que nos valorizam, e não que nos
tratam como objetos de prazer. A mulher ama quem ela admira. Que
admiração há em um homem que a cada noite sai com uma
diferente? Como eu disse, o inimigo destorceu tudo de belo que
Deus criou.
— Se o sexo é uma aliança, então eu fiz…
— Várias alianças com várias mulheres. Muitas pessoas acham
que Deus é mau por proibir o sexo antes do casamento, mas, na
verdade, Ele está nos protegendo do pior. Na Bíblia diz, e outras
religiões também, que o sexo é um pacto de sangue. A consumação
do casamento acontece onde? Quando dois se tornam um, certo?
Toda vez que você tem relações você se casa com aquela pessoa
no mundo espiritual.
— E, por que eu vomitei?
— Eu não sei. Talvez Deus esteja te libertando desses
envolvimentos.
— E agora, Sophie? O que eu faço?
— Corre para Jesus, Brian. Ele pode te limpar e te fazer novo.
— Apagar tudo?
— Tudo! Se você realmente quiser, sim. Ele pode!
— Mesmo?
— Eu te prometo que sim! Busque a Ele, Brian, com todo o seu
coração. Vá para o seu quarto, feche a porta e fale com Ele. Eu te
garanto que será a melhor decisão da sua vida!
— E se Ele não me quiser?
— Por um acaso Ele te deu as costas quando você O chamou
naquela situação?
— Não.
— Por que Ele te rejeitaria agora? Ele fez tudo para ter você e
está de braços abertos, ouvidos atentos e cheio de amor para te dar.
— Eu não quero ser um fanático careta e insuportável.
— Igual a mim? — brinco, ele ri com esforço.
— Na igreja só tem gente hipócrita!
— Brian, Jesus veio para os doentes. Se os cristãos fossem
perfeitos, não faria sentido estarmos aqui. A igreja é um hospital
cheio de pessoas que precisam ser curadas, e você é uma delas. A
gente não pode olhar para a cruz que o outro carrega, a gente tem a
nossa bem pesada para carregar. Se você não quer se tornar um
careta fanático e insuportável, então, não busque uma religião.
Busque Jesus. Ele é perfeito! — digo emocionada, ele ouve e fica
em silêncio. — Está mais calmo?
— Não. Eu estou com medo. Isso é ridículo, eu sei.
— Não, não é. Tudo bem sentir medo. O que não está tudo bem
é continuar agindo assim. Brian… eu não sou “chata” por hobby —
brinco. — Eu realmente me preocupo. Se eu não me importasse, eu
ficaria quieta.
— Eu sei — ele enxuga as lágrimas e respira fundo. — Eu vou
pensar sobre isso — ele se levanta e vê um folheto da minha
formatura na escrivaninha a sua frente. — A sua formatura é na
semana que vem?
— Sim.
— Uau! Você está quase formada! — ele sorri.
— Eu não vejo a hora!
— Que legal, Soph.
— É…
— Eu vou para o meu quarto. Eu espero conseguir dormir.
— Fale com Ele, está bem? — ele assente. — Eu estou aqui se
você precisar.
— Obrigado… de novo. Boa noite, Soph!
— Boa noite!
29
Brian
O meu coração já não era meu, era todo Dele. Era muito difícil
aceitar que eu não tinha mais o controle da minha vida em minhas
mãos. Inseguro, envergonhado e sem sono, saio de casa depois da
minha conversa com Sophie. As ruas desertas se assemelhavam ao
meu coração. Eu sentia um vazio e uma necessidade de
preenchimento. Em cada rua que eu passava a fim de distrair a
minha cabeça, levava-me para um lugar que eu não esperava, mas
que Ele já havia preparado. Aquela rua, em específico, estava
ocupada por diversos carros estacionados. Era uma festa?
Aproximo-me para matar a curiosidade. Era quase meia noite e a
igreja estava cheia. O que estava rolando ali? Encontro uma vaga na
rua lateral e estaciono o carro. Abaixo o vidro e ouço o louvor alto e
continuo. O desejo em entrar lá era grande. As minhas mãos suam e
o meu coração dispara. Incerto se entraria, saio do carro e ando em
passos curtos. Interrompo o caminhar e encaro a igreja. As luzes
apagadas me deram o conforto que eu precisava. Ninguém notaria a
minha presença. Subo degrau por degrau e mantenho as mãos
dentro do bolso. Acomodo-me no último banco enquanto as pessoas
estão em pé louvando a Deus. Será que um dia eu estarei assim?
Era tão estranho para mim. Aplausos tomam conta ao término
daquela música. Começa a tocar mais um louvor[6] e, dessa vez, a
letra e a melodia me atingiram em cheio. O refrão me quebrou no
meio. Com os cotovelos apoiados nos joelhos, choro. Eu estava
destruído e eu precisava ser consertado. Depois de tudo o que eu fiz,
como Ele, Perfeito e Santo, ainda me amava? Que amor é esse?
Ajoelho-me, abaixo a cabeça e estendo as mãos, pedindo perdão e
implorando por ajuda. Eu choro ainda mais. Eu estava com o
coração agradecido por conseguir me ajoelhar na presença Dele
sem dor e sem dificuldade. Eu estava perdido. Eu não sabia orar,
mas ainda assim eu fiz. O simples fato do meu coração estar
batendo é devido a sua misericórdia. E o ar que entra e sai dos meus
pulmões era o sopro da vida que Ele soprou em mim. Deus não me
devia nada, eu devia tudo a Ele. Conforme o louvor foi finalizando,
limpo o meu rosto e apoio a minha mão para me levantar. Na minha
cadeira havia um bilhete:

Olho ao redor, mas não consigo identificar alguém que possa ter
feito isso. Engulo a seco e me sento na cadeira, ainda um pouco
envergonhado de ter sido alvo de atenção de alguém em momento
de fragilidade. As luzes não se acendem totalmente, mas era
possível enxergar o rosto das pessoas, mas nenhuma me parecia
suspeita em tal ato. Orações e louvores e, uau, era como se a minha
vida inteira eu estivesse vendado e hoje a venda foi retirada de meus
olhos. Era como se tudo fizesse sentido. Era como se cada pecinha
se encaixasse perfeitamente e tudo ficasse claro. Onde eu estava
andando esse tempo todo? Como eu consegui viver esse tempo todo
longe Dele? Era tão bom estar ali. Eu sentia uma paz que eu nunca
senti antes.
Contra a minha vontade, a vigília se encerrou e as pessoas iam
embora pouco a pouco, e eu segui para o meu carro me sentindo
outra pessoa. Eu era outra pessoa, alguém que eu precisava
conhecer. Um filme se passava na minha cabeça e eu tive
consciência de todas as coisas erradas que eu já fiz que eu achava
que eram certas. Os meus inúmeros pensamentos me faziam
companhia naquela rua deserta. Eu precisava de mais. Eu estava
inquieto. Eu precisava conhecer mais sobre quem Deus era. Assim
que chego em casa, em passos silenciosos para evitar acordar
alguém, sigo para o meu quarto e leio a Bíblia que Sophie me dera e
que estava no fundo da gaveta. Ajeito-me na cama da mesma forma
que cheguei e começo a leitura do Novo Testamento e sigo até
adormecer no quase clarear do dia.
30
Sophie
Já passava das dez da manhã e Brian ainda estava dormindo.
Segundo Day, e pelo o que eu vi no tempo em que estive morando
aqui, ele sempre acordava cedo. Eu estava começando a ficar
preocupada. Sem saber o que fazer nesse tempo, eu vou para o
meu quarto — se é que eu posso chamá-lo de meu — e ocupo a
mente com a minha formatura. Envio para os meus pais um e-mail
com o convite da cerimônia com receio de que parecesse
provocação, mesmo que a minha intenção tenha sido uma forma de
gratidão por eles terem me proporcionado essa oportunidade ainda
que contra as suas vontades. Era o certo a se fazer, e eu o fiz.
A minha formatura era dali a poucos dias e eu estava cheias de
expectativas para o que viria pela frente. Com a última mensalidade
da faculdade paga e com pouco dinheiro na conta que sobrou, tento
encontrar na internet um vestido em promoção, mas nada bate com
o meu orçamento. Será que devo passar na casa dos meus pais
para pegar algum dos meus vestidos que deixei? Havia tantas
coisas minhas lá. Angustiada, abstraio as minhas preocupações por
alguns minutos e sigo para a cozinha para pegar um copo de água
bem gelada. Brian havia acordado e estava na cozinha às onze da
manhã mexendo na geladeira quando eu me aproximo
silenciosamente. Ele se vira para mim e leva um susto.
— Sophie! Você me assustou! — ele diz de forma calma com a
mão no coração.
— Desculpa, não foi a minha intenção. Como você está?
— Bem — ele diz e bebe um gole de água, ele parecia
diferente.
— Mesmo?
— Honestamente, eu nunca estive melhor — ele diz com
naturalidade enquanto eu franzo as sobrancelhas tentando
entender.
— O que aconteceu entre a nossa conversa e agora?
— Eu fui à igreja de madrugada e estava acontecendo uma
vigília. Foi muito bom — ele diz, eu sorrio e recebo o seu sorriso
sem graça de volta. Impensadamente, corro em volta do balcão em
direção a Brian e o abraço. Ele envolve os braços na minha cintura
e me aperta forte. O nosso abraço era tão bom, confortável e
seguro.
— Eu estou tão feliz por você! — digo com sinceridade. — É a
melhor decisão de toda a sua vida!
— Eu não tenho dúvidas disso — ele diz e me solta do abraço.
Eu podia ver o brilho de seus olhos. — Eu ainda não sei direito
sobre as coisas…
— Você vai aprender, é um processo. Eu também não sei, eu
aprendo todos os dias.
— Eu vou fazer o meu melhor. No entanto, eu estou um pouco
preocupado.
— Com o quê?
— Eu não fui ao clube hoje. Eu avisei a Gabe que eu estava me
sentindo mal, e eu espero que isso não me prejudique.
— Você não mentiu. Você estava mal.
— Eu sei, mas eu não posso falhar com ela.
— Deus cuida de tudo, Brian. Aliás, você sabia que nós somos
a única criação de Deus que se preocupa com tudo? — ele franze a
testa. — Os passarinhos não se preocupam se terão comida no dia
seguinte porque Deus sempre provê para eles. Um bichinho de
estimação não se preocupa se o dono irá alimentá-lo, porque confia
em quem cuida dele.
— São animais irracionais.
— Exatamente. Nós que somos racionais deveríamos ter mais
confiança em Deus do que eles, não acha?
— Espera aí, isso que você falou por um acaso não está no
Novo Testamento? — ele pergunta esforçando para lembrar o nome
do livro. Ele leu! Ele leu!
— No livro de Mateus, capítulo… seis! — arrisco-me no palpite
puxando pela memória.
— Eu acho que é isso mesmo — ele confirma.
— Ele diz: “Qual de vocês, por mais preocupado que esteja,
pode acrescentar ao menos uma hora à sua vida?”. E depois:
”Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará
as suas próprias inquietações. Bastam para hoje os problemas
deste dia.”.
— Uau! Como você memoriza tudo isso?
— Eu gosto de memorizar para sempre lutar contra
pensamentos ansiosos que me vem. Eu só tenho dificuldade de
lembrar exatamente onde está escrito.
— Eu preciso fazer isso.
— Bíblia e oração são as armas do cristão, é assim que nós
lutamos as nossas guerras.
— Eu acho que eles cantaram uma música que falava isso na
vigília.
— Esse louvor é ótimo!
— Eu preciso me lembrar disso porque eu não sei mais o que
fazer para que a Gabe me contrate, eu estou dando o meu melhor.
— Continue fazendo isso, e na hora certa as coisas vão dar
certo — ele assente. — “Busquem, em primeiro lugar, o reino de
Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão dadas.”.
— Olha, uma Bíblia com pernas — ele diz me fazendo rir.
— Vai dar certo, Brian! — digo sorrindo. — Confie em Deus! Ele
continua trabalhando mesmo sem a gente ver. Da mesma forma que
nós não precisamos nos lembrar de respirarmos, Ele dá ar aos
nossos pulmões.

Brian
No final da tarde daquele dia, ainda me sentindo bem e
sustentando uma paz dentro de mim que vinha Dele, recebo uma
visita inesperada e receio perder essa sensação boa.
— Hamilton? — o meu ex-treinador estava parado na porta da
minha casa.
— Não me chama mais de Coach?
— Você não é mais o meu Coach, então…
— Como vai, Winters?
— Bem. O que está fazendo aqui? — pergunto desconfiado,
mas calmo.
— Eu posso entrar? — ele pede, e eu lhe dou passagem contra
a minha vontade. Encosto a porta e parados de frente um para o
outro, ele começa a falar a que veio. — Eu soube que você está
tentando uma vaga no time SP Lions da Coach Gabe.
— Como soube?
— Você é conhecido, muitos estão comentando da sua
recuperação e a sua tentativa de se recolocar no Football.
— Estão?
— Uhum — ele cruza os braços.
— E…?
— Bom, eu queria te fazer uma proposta.
— Qual?
— Você conhece o time BFG, Bear Football Game?
— Sim, eu conheço.
— Eu sou muito amigo do técnico e posso te colocar no time. É
um time excelente, só fica abaixo do meu — ele tinha razão. Era um
dos melhores times, e entrar lá seria uma oportunidade incrível.
Porém, quando eu fiz a minha lista de clubes para tentar uma vaga,
ninguém quis me receber. A Gabe foi a única a me abrir as portas.
— E, vamos ser sinceros, Brian, o time da Gabe é muito fraco!
É um dos piores, e não é à toa, né? Um time comandado por uma
mulher é uma piada, ela não entende nada!
— Você está enganado, Hamilton, a Gabe entende, sim.
— É mesmo? Então, conte-me as estratégias dela, e eu te digo
se são boas ou não. Se forem boas, eu assumo. Se forem ruins,
garantirei as minhas gargalhas por hoje — finalmente eu entendi o
motivo daquela visita.
— Em troca da minha contratação no BFG? — ele assente. —
Se você acha a Gabe ruim, por que você quer as estratégias dela?
— Para que o pouco que eles têm em mãos seja perdido no
jogo.
— Está com medo de que o time dela ganhe destaque com a
minha entrada nele?
— Boa piada, Winters! Nem a sua presença garante aquele
time — ele ri. — Os jogadores dela estão desmotivados, muitos
estão esperando o contrato acabar para mudar de time e, por isso, o
SP Lions vai à falência e não atuará mais.
— E você quer que isso aconteça.
— Naturalmente.
— Por quê?
— Porque a Gabe é uma vergonha para o Football.
— Porque ela é mulher.
— E estrangeira.
— Uau! — não consigo disfarçar a minha decepção.
— Quanto menos time, melhor. E melhor para você, inclusive.
Pensa bem, Brian, se o time dela perder o próximo campeonato vai
falir e você vai junto. Se para você está ruim agora, ficará pior lá na
frente.
— Faz sentido — digo pensativo.
— E aí, vai aceitar a proposta que pode mudar a sua vida?
— Eu… — digo, e ele sorri com expectativas — Eu vou recusar
— finalizo.
— Quê?
— Hamilton, desculpa, mas não dá. Eu não vou passar a perna
na única pessoa que me deu uma oportunidade.
— Que oportunidade é essa? Ela nem te contratou.
— Eu sei, e talvez ela não me contrate, mas eu…
— O time dela está indo a falência!
— Você tem razão.
— E você se arriscar? — dou de ombros. — Em troca do quê?
— Em troca de ter a minha consciência tranquila, de manter a
minha integridade e ser profissional de respeito. Eu não brinco de
jogar Football e eu nunca precisei de trapaça para chegar aonde
cheguei.
— E você está em ótimo lugar, não é? Está até implorando para
entrar nos times.
— Eu não estou implorando. Eu estou lutando para voltar
porque alguém me deu as costas no momento em que eu mais
precisei, e eu não farei o mesmo com a Gabe.
— Você acha que você será o salvador daquele time?
— Eu não sei, Hamilton. Mas, depois de todos esses meses, eu
passei a valorizar coisas que antes eu não reparava. Quando eu
sofri a minha lesão eu precisava de ajuda até para ir ao banheiro, e
quando eu consegui ir sozinho foi uma grande conquista para mim.
Consegue imaginar o quão humilhante foi isso? Quando eu fiquei
em pé eu não tinha noção o quanto andar era importante, afinal, é
algo que a gente faz sem pensar todos os dias. E dar os primeiros
passos sem auxílio das muletas foi memorável para mim. Eu não
preciso mencionar como estar no campo novamente ou brincar de
pega-pega com a minha filha foram o ápice dessa fase que eu
passei. Então, é claro que eu quero ter a minha estabilidade
financeira e ter destaque no time, mas eu não vou jogar sujo por
algo que posso conquistar honestamente e em que eu sou bom. Eu
quero fazer valer o meu esforço e dar orgulho para as pessoas que
estiveram comigo, e que em momento nenhum me deram as costas.
A sua proposta não é melhor forma de começar a fazer isso. Então,
eu agradeço pela oferta, mas não — ele me encara nitidamente com
raiva.
— Estou começando a me questionar se a sua lesão foi mesmo
no joelho — ele diz olhando no fundo dos meus olhos e vai embora
batendo a porta de casa. Meu Deus, que oportunidade! Ele tinha
razão, eu sabia que ele tinha. O time da Gabe não era bom, na
verdade, era bastante fraco. Mas como eu poderia trapaceá-la?
Oração e Bíblia — digo a mim mesmo — essas são as minhas
armas. Eu precisava estar bem munido. Eu estava inquieto e
ansioso andando de um lado para o outro até decidir tirar uma
dúvida com Sophie.
— Sophie — bato na porta do seu quarto —, eu posso te fazer
uma pergunta?
— Claro! — ela fecha o notebook, e eu sento na beirada de sua
cama.
— A gente pode pedir sinais para Deus?
— Claro que sim. Porém, tem coisas que não precisam.
— Como assim?
— Deus é bom, justo, honesto, misericordioso, amoroso, entre
outros atributos. Se você está pedindo um sinal para saber se algo é
da vontade Dele, pense se isso condiz com o caráter de Deus.
— Você consegue me dar alguns exemplos?
— Se você aceitar uma proposta de um chefe que tem intenção
de desviar dinheiro da empresa, por exemplo, você não precisa
pedir um sinal para Deus se você deve fazer isso ou não, mesmo
que você precise muito de dinheiro. Deus é honesto, então, você já
tem a resposta. Há situações em que, conhecendo a Deus, você
saberá que decisão tomar ainda que isso venha a te prejudicar. Não
há nada melhor do que agradar o coração de Deus. Ele é justo e
bom, e honra quem age corretamente. Entendeu?
— Entendi.
— Foi um exemplo fraco, desculpa, não veio nada melhor na
minha cabeça.
— Não, foi ótimo! — reflito.
— Você pediu um sinal para Ele sobre alguma coisa?
— Pedi, e Ele enviou através de você. Era tudo o que eu
precisava ouvir. Obrigado! — digo aliviado, ela sorri.
Hamilton tinha más intenções e já passou a perna em mim. Eu
estaria agindo com ingratidão a Gabe aceitando a sua proposta. Ela
não me prometeu uma vaga em seu time, mas eu me comprometi a
não lhe dar as costas. Eu estava em cima do muro. De um lado,
uma ótima proposta, e do outro, a incerteza da contratação. Porém,
ao considerar entrar no BFG, a paz não fazia presença em meu
coração. Eu sentia que deveria continuar com Gabe mesmo sem
entender o motivo. E agora, Senhor?
31
Brian
No dia seguinte, logo pela manhã, chego ao clube meia hora
antes do horário. O vazio do corredor parecia um pouco assustador
àquela hora, o Sol ainda estava nascendo e a luminosidade era
baixa. Sem fazer barulho chego à sala da Coach Gabe que estava
com as luzes acessas e a porta entreaberta, mas freio os passos
assim que me deparo com uma cena: Coach Gabe estava de
joelhos apoiada na cadeira orando pelo time e pedindo a Deus que
não viessem à falência. Engulo a seco, retiro-me sem fazer barulho
e me sento no banco na área externa. A Coach Gabe estava lutando
com as mesmas armas e juntos poderíamos ser mais fortes, certo?
Cerca de dez minutos depois, Gabe me vê na área externa olhando
para o nada. Ela mal sabia que eu também estava orando.
— Chegou cedo, Winters.
— Bom dia, Coach — encaro-a sem discrição, ela percebe.
— O que está acontecendo?
— Coach, eu estava pensando… se eu… É que…
— Desembucha, Brian!
— Eu poderia dar algumas opiniões sobre o time?
— Opiniões?
— Sim, e sugestões. Eu acredito que alguns ajustes podem
melhorar o desempenho assim como motivar os jogadores.
— Você acha que eles estão desmotivados?
— Com todo respeito, eu acho.
— E o que você sugere?
— Algumas trocas de posições, melhorar o bloqueio, o ataque,
a defesa…
— Tudo?
— Basicamente. Uma reorganização do time pode ser uma boa
solução. As suas estratégias são muito boas, Coach, mas eu acho
que podem ser executadas de uma maneira melhor com essas
pequenas mudanças.
— Mostre-me a sua ideia. A minha sala está livre se precisar
desenhar no quadro, eu quero uma boa explicação de tudo isso —
assinto com um leve sorriso.
32
Os dias estavam tão corridos que eu mal conseguia me
encontrar com Brian mesmo morando na mesma casa. Ele estava
bastante empolgado com a chance que Gabe havia lhe dado em
expor a sua estratégia de jogo e ambos estavam tendo pequenos
progressos no desempenho dos jogadores. Eu estava feliz e
orgulhosa dele. Eu poderia dizer o mesmo sobre mim, mesmo
sentindo o meu corpo tremer ao apertar o interfone da casa de meus
pais. A porta se abre e o coração pula para a boca. A minha mãe
era imponente e, depois de tudo com o que aconteceu, eu estava
com medo dela.
— Ah, você se lembrou de que tem mãe? — é a primeira coisa
que ela diz.
— Eu não quero brigar.
— E por que veio?
— Eu vim buscar um vestido — digo e passo por ela
apressadamente.
— Para quê? — paro no meio da escada para respondê-la.
— Para a minha formatura, é amanhã. Eu te enviei o convite
por e-mail.
— Eu vi.
— Eu gostaria muito que vocês fossem.
— É mesmo? Não cansou de nos envergonhar e quer mais?
— Mãe…
— Você está trabalhando?
— Não.
— Está morando onde? — não respondo. Dou as costas e volto
a subir a escada ignorando a sua pergunta que não era em tom de
preocupação, mas carregava uma dose bem cheia de deboche. Ela
me segue e continua a fazer perguntas.
— Como você está se sustentando? O que anda fazendo? Na
rua você não está, é notável. Onde está morando?
— Eu estou na casa de um amigo.
— Amigo? Você acha que eu vou acreditar nisso? —
rapidamente, abro o guarda-roupa e vasculho peça por peça e
decido levar os meus três vestidos de festa para decidir na casa de
Brian, com calma, qual eu usaria na formatura. Aproveito e pego
outras coisas, eu não sabia quando voltaria àquela casa.
— A formatura é amanhã, todas as informações estão no e-mail
— desço rápido e saio ignorando o meu nome saindo repetidamente
da boca de minha mãe enquanto ela me seguia. Conforme vou me
distanciando, desacelero os passos e entro no carro.
— Obrigada por me dar uma carona, Day.

— Não foi nada, Sophie, não se preocupe. Vamos para casa?


— sorrio e concordo com a cabeça.

Eu podia respirar aliviada ao chegar em uma casa que não era


minha, mas que fazia com que eu me sentisse protegida. Era um
lugar em que eu não tinha vergonha de expor a minha opinião, de
compartilhar minhas tristezas e alegrias, eu não tinha receio de ser
criticada ou julgada. Eles não eram uma família perfeita. Havia
coisas ali que eu não concordava, mas a essência era boa. George
fazia comentários desnecessários, principalmente ao se referir ao
filho. Day tirava a autoridade de Brian na frente de Clara diversas
vezes. Kelly aparecia sem avisar como se todos estivessem
disponíveis para atender a sua agenda e deixar a filha com gente a
hora que ela quisesse. E Brian… Não preciso falar que ele era o
mais impaciente, exceto com Clara, a qual eu percebia que ele
respirava mil vezes diante de alguns comportamentos que ela tinha.
E, mesmo assim, eu amava estar entre eles. O acolhimento era a
característica suprema daquela família. Eu nunca havia sentido isso
antes. O que entristecia o meu coração era que, quanto mais o
tempo passava, mais se aproximava do momento de ir embora. A
atmosfera, o cheiro, o aconchego e o cuidado daquele lar me
abraçavam toda vez que eu passava por aquela porta. Olho ao
redor daquele quarto temporário e pensava por quanto tempo eu
ainda ficaria ali.
— Sophie? — Brian me arranca dos meus pensamentos assim
que aparece no meu quarto com um sorriso. — Eu tenho uma
novidade!
— Qual?
— Eu gostaria de te informar que você está diante do novo
Wide Receiver contratado oficialmente pela SP Lions — ele diz com
orgulho, e não contenho um gritinho de felicidade.
— Quê? Meu Deus, Brian! Parabéns! — dou-lhe um abraço
rápido.
— Obrigado! Eu estou tão feliz! Eu esperei tanto por isso! Eu
assinei o contrato hoje e começo a treinar oficialmente com o time
no mês que vem. Ah, eu estou reorganizando todas as estratégias
com Coach Gabe e você vai ver, Sophie, o SP Lions que estava
aqui — ele abaixa a mão e sobe assobiando — estará aqui, no
primeiro lugar! Eu vou dar o meu melhor para estarmos nos
destaques, na boca do povo, para animar a torcida e até ganhar o
campeonato — ele diz empolgado, e os meus olhos se enchem de
água. Ele nota.
— Ei, o que foi?
— Eu estou tão feliz por você! — digo e enxugo as lágrimas.
— Você não parece bem. O que aconteceu?
— É que… Eu fui à casa dos meus pais hoje.
— E como foi?
— Péssimo! — impeço as lágrimas de caírem novamente
passando os meus dedos anelares no canto dos meus olhos. —
Enfim, a sua novidade supera a minha tristeza — ele sorri com as
minhas palavras e logo os seus olhos se voltam para os vestidos
estendidos na cama.
— São para a sua formatura?
— Sim, eu fui buscá-los na casa dos meus pais, mas eu não sei
qual usar. Alguma sugestão?
— Deixe-me ver — ele analisa. — O preto é muito básico. O
azul muito simples…
— Eu o usei na festa do segundo ano.
— Então, é muito velho! — ele diz. — E esse… É muito
brilhante, parece um globo de festa. Você não precisa de tanto
brilho, mas eu ainda sugiro esse. É uma ocasião especial, então…
— Eu nunca o usei por achar muito chamativo.
— E por que você comprou? — dou de ombros sem saber
responder. — Ah, mulheres…
— Eu vou com esse, então — pego o vestido paetê prateado
tomara que caia e o separo no canto da cama.
— É amanhã, né?
— Sim, às sete da noite. Eu sei que eu te convidei, mas tudo
bem se não quiser ir. As cerimônias de formaturas são cansativas e
nem todo mundo gosta, então, não precisa ir se você não quiser, eu
não vou ficar chateada.
— Tá bom — ele diz, sorri suavemente com os lábios e coloca
as mãos no bolso da calça. — Estou feliz por você, Soph!
— E eu por você, Brian — ele mantém o sorriso e sai do quarto.
Será que pareceu que eu convidei por educação e que eu não
queria que ele fosse? Na verdade, eu queria, mas eu não queria que
ele se sentisse obrigado a ir. Ou, ele não queria ir e se sentiu
aliviado. E agora? Eu quero que ele vá.
33
Eu estava nervosa. O grande dia chegou e eu mal podia
acreditar. Em poucas horas, eu seria oficialmente uma fisioterapeuta
apta a trabalhar. Finalmente! Todos na casa, exceto eu, obviamente,
estavam vivendo normalmente como se nada fora da rotina fosse
acontecer. Eu estava distante, sem fome e sem vontade de
conversar. Apesar de estar vivendo um momento em que eu tanto
esperei, principalmente, nesses últimos meses, eu imaginava que
seria diferente. Eu estava feliz pela minha conquista, mas com pena
de mim mesma por não ter as pessoas que eu queria ao meu lado.
No fundo, eu torcia para que o amor maternal, ainda que mínimo,
levasse a minha mãe a minha formatura. O meu pai, eu tinha
certeza de que não iria. A Evelyn não conseguiu folga do trabalho,
mas me enviou um vídeo lindo em que ela falava o quanto estava
orgulhosa de mim e que, apesar da distância, ela me amava como a
irmã que ela teve. Sem dúvidas, a Evy era a amiga que Deus me
deu para segurar a minha mão. Nós já passamos por tempestades
que testaram a nossa amizade, mas provamos que juntas podemos
enfrentar qualquer coisa. Eu não poderia falar o mesmo de Emma,
embora eu a entendesse, eu lamentava o fim da nossa amizade. E
me senti culpada ao saber que Emma também bloqueou Evelyn
depois da reportagem do Brian. Emma, com os seus motivos,
escolheu isso e ela tem todo o direito. E desejo que ela se cure de
todo o mal e seja plenamente feliz.

Encontro Brian pela cozinha naquela manhã ensolarada vestido


com roupas de academia. Ele me deseja bom dia e segue para os
seus exercícios. Sozinha novamente no meu quarto, eu encaro o
vestido por alguns minutos até o meu celular tocar. Era Evelyn.
— Oi, formanda! Que belo dia para colar grau, hein! Você vai
ser a formanda mais gata da noite! — ela estava animada, até mais
que eu.
Depois de responder perguntas sobre os detalhes da grande
noite e sobre o meu vestido, Evelyn me pergunta algo que eu havia
me esquecido: a maquiagem. Como eu não tinha o costume de
usar, eu acabei me esquecendo desse tópico completamente. O que
eu tinha no meu pequeno estojo não era nada além de um blush
rosa, máscara de cílios e um batom nude.
— Sophie! Você é linda sem maquiagem, mas é o seu grande
dia e você vai tirar muitas fotos.
— Tudo bem, Evelyn, eu não vou conseguir comprar o álbum
mesmo.
— Eu vou te dar a maquiagem de presente.
— Não, Evy!
— Sophie, eu tenho esse direito como amiga de te presentear.
Eu vou agendar um horário para você hoje mesmo, e você vai!
— Em cima da hora?
— Confia em mim!
— Evy…
— Eu preciso desligar para pesquisar um bom salão para você.
Até mais tarde! Beijinhos! — ela desliga, mas cerca de trinta minutos
depois, ela retorna a ligação com o horário, local e ainda me
aconselha a ir direto para a formatura, pois o encaixe era uma hora
antes da cerimônia e voltar para a casa me atrasaria. Eu não
encontrava palavras para agradecê-la.
A ansiedade estava a mil!
Depois do relógio descongelar lá por volta das cinco horas, Day
e George estavam aconchegados na sala assistindo televisão e logo
notam a minha presença.
— Oi, Sophie! Hoje não vamos fazer o jantar, pediremos uma
pizza mais tarde. Tudo bem para você? O Brian saiu, e eu não sei a
que horas ele volta.
— Tudo bem, eu também vou sair.
— Eu guardo para vocês comerem depois, então — assinto e
volto para o quarto para tomar um banho e sair. Eu já estava
conformada de que Brian não iria, mas eu me perguntava onde ele
poderia estar. Deus queira que ele não esteja fazendo coisa errada
de novo. Respiro fundo e foco no meu grande momento, e sigo para
o salão.

Faixas, flores, um mar de becas e chapéus quadrados andando


de um lado para o outro, e eu era uma dessas pessoas. A imagem
que eu via no espelho do banheiro do salão de festas fazia o meu
coração disparar. Eu estava tão linda! A maquiagem marcava os
meus olhos e realçava a cor verde escuro como Brian havia
descrito. Nos lábios, o batom nude carregava um sorriso.
— Meninas, vamos para a fila! — a organizadora de eventos
nos chama.
Em fila, encontro a colega que me deu carona para a faculdade
enquanto eu morava com Brian. Em um abraço gentil a agradeço
por me ajudar nesse período difícil. Eu queria ser como ela, uma
pessoa que facilita a vida de alguém em dificuldade.
Alinhadas e nervosas, entramos ao som de Feel So Close de
Calvin Harris acompanhada de assobios de familiares orgulhosos
que, com certeza, não eram os meus pais. Acomodamo-nos nas
cadeiras e a cerimônia começa. Fotos e mais fotos eram tiradas,
discursos e a promessa eram feitas, e, para finalizar, a entrega do
canudo era o momento tão esperado. Ouvir o meu nome no
microfone seguido de aplausos e assobios dos que nos assistiam
era muito bom. Agradeci em pensamento a essas pessoas gentis
que me fizeram sentir um pouquinho do que era ter alguém torcendo
por você.
Formada, finalmente! Eu poderia encher a boca para falar: eu
sou fisioterapeuta!
Depois de centenas de fotos tiradas e beca devolvida, despeço-
me da minha colega para ir embora, mas sou surpreendida no
corredor. Brian caminhava em minha direção. Os meus movimentos
cessam, e sentia que o meu coração estava prestes a fazer o
mesmo. No entanto, ele dispara. Brian vestia um terno azul escuro.
Por que os homens ficam mais bonitos de terno? Ele estava lindo!
— Oi! — digo realmente surpresa e incapaz de segurar o
sorriso.
— Parabéns! — ele sorri de volta.
— Obrigada! Eu achei que não viesse.
— Bom… Eu vim.
— Eu achei que você não se lembraria… — dou de ombros.
— Eu não poderia faltar. Eu até assobiei quando chamaram o
seu nome — sorrio.
— Era você?
— Era eu.
— Não imaginava — eu estava completamente sem jeito.
— E os aplausos… Eram eles — olho para trás após Brian
apontar e ali estavam eles: Day, George, Kelly, Clara e Kevin. Eu
não podia acreditar. Eles estavam ali por mim! George e Day me
enganaram direitinho! Eu tentava conter o choro para não borrar a
maquiagem, mas foi inevitável, principalmente, ao ver Clara vindo
até mim com flores nas mãos.
— Parabéns, Sophie. E obrigada por ter cuidado do papai.
Agora, ele pode correr comigo — olho para ele, e ele sorri.
— Obrigada, Clarinha — acaricio o seu rosto e apanho o buquê
de girassóis.
— Sophieeeeeee — Day vem em minha direção de braços
abertos e me aperta contra si. — Parabéns! E que você não tenha
pacientes chatos igual ao Brian!
— Ele me fez ver o quanto eu sou uma pessoa forte — ele sorri
e balança a cabeça.
— Vamos para casa para comemorar! — Day se empolga.
— Espera! Juntem-se, eu vou tirar uma foto — Kelly pede.
O sorriso disfarçava a minha decepção pela ausência dos meus
pais, mas entregava a alegria de ter a família de Brian comigo. Eu
tinha duas escolhas: estragar a minha noite em profundo lamento ou
aproveitar cada momento com essas pessoas que foram tão gentis
comigo. E eu escolhi a segunda opção.

Brian
Em casa e em família, comemorávamos a formatura de Sophie
com comilança e brindes desejando o sucesso em sua carreira. Ela
estava feliz, e eu também estava. Sophie merecia muito mais, mas o
que eu podia fazer para tornar aquela noite inesquecível para ela,
eu fiz. Enquanto esperávamos a pizza, afasto-me deles e vou até a
cozinha preparar os copos e pegar os refrigerantes. Kelly se
aproxima discretamente e me encara por alguns segundos, aquilo
começa a me incomodar.
— O que foi? — pergunto sem paciência.
— Quando você vai dizer a ela?
— Dizer o quê e a quem? — indago.
— Para de se fazer de bobo! Para a Sophie, oras.
— Falar o quê para ela?
— Que você está apaixonado por ela.
— Quê? De onde você tirou isso? Você enlouqueceu, Kelly?
— Eu enlouqueci por aquele cara ali — ela aponta para Kevin.
— E você está louquinho por aquele diamante. Aliás, eu amei
aquele vestido! Porém, os seus olhos brilham mais do que aqueles
paetês quando você olha para a pessoa que o veste.
— Pae… O quê? — ela revira os olhos.
— A quem você quer enganar? — ela insiste.
— Kelly, eu não estou apaixonado pela Sophie. Nós somos só
amigos.
— Uma pena! A Sophie é o tipo de mulher que você precisa.
— Mas eu não sou o homem que ela merece.
— Eu só queria te avisar que eu aceito fotografar o casamento
de vocês sem cobrar um centavo por isso.
— Eu vou fingir que eu não ouvi isso — ela ri e se junta aos
outros me deixando com os meus milhões de pensamentos.
Eu não estava apaixonado por ela, eu apenas gostava da
companhia de Sophie. Talvez do sorriso dela também, ou do seu
olhar doce, e de suas palavras sábias, e dos seus bons conselhos.
Eu a admirava pela sua força, fé e resiliência. E ela é tão… linda.
Não, Brian! Para com isso! — repreendo-me. Nós somos amigos. E
bons amigos dão presentes um para o outro, certo? Encosto a mão
no bolso da calça e sinto a caixinha que daria a ela mais tarde. Ela
merecia. Era o seu grande dia e era uma forma de agradecer por
tudo o que ela fez por mim. Afasto os pensamentos e me junto a
eles que brincavam de Testa-me. Sophie estava tão feliz, era a
primeira vez que a via daquela forma. A maior parte das vezes em
que eu estava com ela, parecia carregar um mundo de
preocupações, mas, ali, ela estava leve aparentando estar
verdadeiramente feliz.

As horas se passaram rapidamente. Kelly foi embora com Kevin


deixando Clara, que dormia no sofá. O meu pai e Day subiram para
o quarto, e Sophie ajeitava as coisas na cozinha.
— Ei, amanhã a gente dá um jeito nisso, não se preocupa —
digo.
— Depois dessa noite, é o mínimo que eu posso fazer.
— Você pode, por favor, aceitar um presente sem querer pagar
por ele de alguma forma? — peço tirando o que ela tinha em mãos.
— Aproveita esse dia, ele é todo seu. Amanhã a gente arruma.
— Você quis dizer a Day? — rio.
— Não. Sim. Não sei — ela ri. — Eu vou colocar a Clara na
cama e eu já volto. Você me espera ou você está muito cansada?
— Na realidade, eu estou muito agitada para dormir.
— Eu já volto, então.
— Você quer ajuda?
— Não precisa, eu estou acostumado. Eu já volto.
Aconchego Clara em sua cama recheada de almofadas
coloridas e fico alguns segundos parado perto da porta ao sentir o
meu coração bater diferente. Respiro fundo e desço as escadas
procurando por Sophie que estava na área da piscina olhando para
o céu. Aproximo-me dela com cuidado para não assustá-la.
— O céu está lindo — ela diz assim que paro ao seu lado.
— Ele é perfeito, né?
— Perfeito, soberano, maravilhoso! Ainda que eu falasse todos
os adjetivos jamais seria suficiente — ficamos ali alguns minutos
contemplando aquele céu até sentir o meu pescoço reclamar.
— Ei, Sophie — ela se vira para mim —, eu tenho um presente
para você.
— Presente? — ela estranha. Coloco a mão no bolso e tiro a
caixinha e lhe entrego.
— Brian, para quê isso?
— Não é nada demais — digo sem jeito enquanto ela abre
delicadamente e sorri.
— Nada demais? É lindo!

Sophie
— Eu não sou bom com essas coisas, mas quando eu olhei
para esse pingente eu consegui visualizar você com ele — ele diz
sem ter noção do quanto aquilo estava sendo especial para mim.
Era um colar dourado com um pingente de girassol que abria ao
meio revelando outro pingente escrito “You’re my Sunshine” (Você é
o meu raio de sol).
— Você trouxe luz na minha escuridão e beleza para minha
vida. E o mais importante, levou-me até Ele. E eu achei que seria
uma boa representação, ainda mais agora que você vai começar
uma nova etapa da sua vida. Eu quero que você se lembre do
quanto você é capaz de iluminar a vida de alguém.
Olho em seus olhos ouvindo cada palavra sendo incapaz de
conter o meu sorriso bobo. Quando ele finaliza as suas belas
palavras, estendo-lhe o colar para que ele o coloque em mim. E
assim ele o faz. Viro-me de costas para Brian e puxo o meu cabelo
para o lado. Assim que aquele pingente encosta em minha pele,
sinto uma paz enorme invadir o meu peito. Olho para Brian por cima
do meu ombro e os seus olhos encontram os meus. Alguns
segundos de intensidade estavam ali, o meu olhar no dele. O ar falta
em meus pulmões. Como desconectar daqueles olhos que tanto me
atraiam?
— Obrigada, eu amei! — digo por fim em tom de sussurro e
lentamente me viro de frente para ele que parecia hipnotizado. —
Eu amei tudo, eu não esperava por nada disso.
— Você transforma um pequeno gesto em algo grandioso.
— Mas foi grandioso.
— Não, Sophie, não foi nada demais.
— Ou talvez seja comum para você, mas para mim, não.
— Você se refere aos seus pais?
— Eles não foram à minha formatura, e mesmo eu sabendo que
eles não iriam, eu esperei vê-los lá. Eles queriam que eu fizesse
Direito ou Medicina. Na verdade, nada do que faço está bom para
eles. Ainda que eu me formasse em alguns desses cursos, eles
encontrariam algo para me criticar. Nada do que eu faço os deixa
feliz — digo com lágrimas prestes a escorrer. — Dói… dói muito — o
nó se forma na minha garganta.
— Eu não sei se faz diferença, mas… Eu estou aqui — ele diz,
e eu assinto com o coração quentinho e um leve sorriso nos lábios.
— É por isso que hoje, aqui, com vocês, foi tão especial para
mim… Eu nunca tive isso. Eu não paguei a festa porque eu não vi
motivo para ir, e também porque eu não tinha dinheiro — rio. — E lá,
os alunos dançam com alguém da família, eu não queria ficar
olhando com dor no meu coração sem alguém para dançar comigo.
E nem ver os pais cheios de orgulho enquanto os meus estavam
envergonhados de mim — desabafo.
— Quer saber, Sophie? — ele diz, e eu o olho sem entender.
Ele pega o celular e coloca uma música em volume baixo. Ele
estende a mão direita e sorri. — Dança comigo?
O celular de Brian estava dentro do bolso do seu paletó e
tocava a música My Girl da banda The Temptations. Sem jeito, eu
pego em sua mão e começamos a dançar embaixo daquele céu
estrelado perto da piscina. Brian, em nenhum momento, deixou-me
desconfortável. Pelo contrário, ele manteve uma distância entre nós
bastante respeitosa e me tratou com tanta delicadeza que eu me
senti uma verdadeira princesa. Entre sorrisos e risadas, cantamos
juntos contendo o volume das vozes para não acordar ninguém. Eu
amava a letra daquela música, o ritmo, as vozes, o refrão, e passei
a amar também aquele momento.
— Eu disse que você não sabia como tratar uma mulher, mas,
na verdade, você sabe perfeitamente. Apenas estava fazendo isso
da maneira errada. Você é um verdadeiro cavalheiro, Brian Winters!
— Não é difícil ser um cavalheiro ao lado de uma verdadeira
dama — os nossos olhares estavam fixos um no outro.
Como eternizar aquele momento? Eu sabia que ele teria fim,
mas eu não queria que ele chegasse. Aproveito cada segundo.
Brian segurava as pontas dos meus dedos e lentamente me girou e
puxou para a dança novamente no ritmo da música. Olhares e
sorrisos faziam presença. Eu já não me lembrava onde eu estava.
No entanto, qualquer lugar seria bom se ele tivesse comigo. Brian
conseguiu transformar aquela noite de ausência preenchendo o
vazio do meu coração. A playlist seguia a sequência, e a música Iris
da banda Goo Goo Dolls começou a tocar, e continuamos
dançando. Dessa vez, mais lentamente.
— Se um dia eu for pai de outra menina, eu gostaria que ela se
chamasse Iris, como essa música.
— Por quê?
— É um nome curto, forte, feminino e bonito.
— É bonito. Eu sempre me imaginei sendo mãe de uma
menininha mesmo não tendo preferência.
— E como você a chamaria?
— Eu gosto de Iasmin, com I! — deixo clara a minha
preferência. — É bonito, feminino, forte e, ao mesmo tempo,
delicado.
Em movimentos lentos de dança, os meus olhos acompanham
os de Brian em intensidade e permanência. Não havia mais nada a
nossa volta, parecíamos estar em um mundo paralelo onde nada
poderia nos interromper. Os olhos de Brian descem para a minha
boca. Gelo. E, impensadamente, faço o mesmo. O meu coração
pula no peito. Estávamos tão perto… Brian pausa a música de
repente. Volto para a realidade sem entender o que havia
acontecido.
— O que foi? — pergunto.
— A Clara me chamou — ele diz prestando atenção.
— Ela te chamou? — eu estava tão imersa que não ouvi nada.
Segundos depois, um choro manhoso chegava cada vez mais perto
de nós.
— Quando você tiver a Iasmin, a sua audição ficará aguçada —
ele brinca. — Boa noite, Sophie!
— Boa noite! Obrigada por essa noite!
— Foi um prazer!
— Papai… — Clara se aproxima coçando os olhos.
— Oi, meu amor.
— Eu tive um pesadelo. Era um monstro desse tamanho — ela
abre os pequenos bracinhos para demonstrar.
— Desse tamanho? — Brian finge estar chocado e a pega no
colo.
— Eu estou com medo!
— O papai está aqui — ele me olha pela última vez antes de
entrar em casa e seguir para o quarto. Eu olho para o céu pela
última vez naquela noite e digo a Deus:
— Obrigada pelo Teu cuidado e os mimos. Eu te amo, e o
Senhor me ama. Que coisa boa, hein! Boa noite, Paizinho.
34
No dia seguinte, luto para levantar. Eu estava cansada e tinha
saído completamente fora do meu horário. A preguiça batia e eu não
tinha coragem de sair da cama. Com a força extraída do mais íntimo
de mim, ajeito-me para mais um dia. A casa estava com a cara da
preguiça. E Day, logo cedo, já estava limpando a cozinha e fazendo
o café da manhã.
— Gostou da surpresa de ontem? — ela pergunta sorrindo
quando me vê.
— Como não gostar? Vocês foram incríveis!
— Bom dia! — Brian chega com o seu pai. Eu estava me
sentindo diferente perto dele, um pouco nervosa, eu diria. George
falava sobre uma notícia que havia lido e Day faz alguns
comentários enquanto Brian e eu nos olhávamos e desviávamos os
olhares em quase todo o tempo. Não era apenas eu que me sentia
assim, Brian estava bastante desconcertado.
— Nós precisamos organizar as coisas para o Natal, é na
semana que vem! — Day se espanta ao olhar o calendário. — Eu
preciso sair para comprar o presente da Clara. Eu sou tão enrolada!
Os presentes! — Penso comigo — Como eu iria presentear cada
um deles com o pouco dinheiro que eu tenho na conta?
— Ah, Sophie, nós temos uma regra aqui — Day diz. — Nós
presenteamos apenas a Clara, os adultos concordaram em não se
presentear — sinto alívio, ela leu os meus pensamentos.
— Não precisa comprar nada para Clara — Brian me diz. — Ela
já vai ganhar bastante brinquedo, mas, caso queira, eu digo que o
meu presente é seu também. Ela vai amar de todo jeito. Não quero
que gaste, eu sei como as coisas estão. Não se preocupe!
Apesar da atitude gentil de Brian, depois de tudo o que eles
fizeram por mim, eu queria agradecer de alguma forma. Mas, como?
Que situação! Os meus pensamentos estavam a mil e eu já tinha
me desligado da conversa enquanto enxugava um prato para
guardá-lo.
— Eu acho que esse prato já está seco contando o tempo que
você está com eles em mãos em movimentos repetitivos — Brian
brinca, e eu fico mais sem graça. O que estava acontecendo
comigo? Ouço o meu celular notificar uma mensagem, peço licença
e vou para o quarto. Era Evy.
— Como estão as coisas em relação ao emprego?
— Eu não acho nada, Evy. Eu não consegui nenhuma
entrevista.
— Estamos no final do ano, é uma época difícil. Em janeiro, as
coisas vão melhorar você vai ver.
— Eu espero que sim. Eu estou cansada de procurar e não ter
uma resposta, ou não poder comprar nada para não zerar a minha
conta no banco — bufo. — Mudando de assunto, Evy… — abaixo a
voz mesmo com a porta fechada e lhe conto em detalhes sobre a
formatura e a minha dança com Brian.
— Uau! Você dançaram juntos sob o céu estrelado ao som de
uma música romântica, e a sós. Very romantic!
— Evelyn! — repreendo-a.
— Sophie, isso já está passando de uma amizade. Eu, por
exemplo, nunca fiz isso com o Lucas, que é o meu namorado. Aliás,
estou chateada com isso. Brian consegue ser mais fofo que o
Lucas. Chocada!
— Evelyn, não foi proposital. Ele só estava sendo legal comigo
por causa da ausência dos meus pais.
— Sophie, ele estaria sendo somente legal se ele te falasse
palavras de carinho, como “Parabéns!” ou “Sucesso!”. Fim. Mas,
vocês tiveram, praticamente, um encontro.
— Você está exagerando! — começo a me irritar.
— O seu coração não dispara perto dele? — ela pergunta
sabendo a resposta.
— Não — minto.
— Sophie, cristão não mente — bufo.
— Evy, eu fico nervosa porque…
— Porque…
— Porque é o Brian, oras. É estranho, só isso.
— Eu entendo. É estranho estar apaixonada pelo Brian, né?
— É. Não! — confundo-me. — Eu não estou! — ela ri.
— Eu sabia que isso ia acontecer. Eu só estava com medo
devido ao histórico dele. No entanto, ele parece diferente, não é?
— Definitivamente, ele não é o mesmo.
— Sophie, eu vou ser sincera. Eu não preferia que fosse
qualquer outro homem, mas se você sente algo por ele…
— Não, Evy.
— Sophie, escuta! Se você sente algo por ele, ore. Ore muito!
Peça a Deus para que Ele te mostre as reais intenções do Brian e,
você, fique atenta aos sinais. Deus cuida de nós! Ore e jejue.
Busque com todo o seu coração. Sophie, não entregue o seu
coração para o Brian sem a benção do Pai.
— Evelyn, eu não quero nada com ele.
— Tá bom. Você sabe o que sente — ela diz. E, não, eu não
sabia. — Cuide-se, por favor!
— Evy, mudando de novo de assunto. O que eu poderia dar de
presente para Brian? — pergunto, e ela segura a risada. — Evy, é
sério! É apenas uma forma de agradecimento.
— Desculpa! — ela tenta conter a risada. — Eu tenho uma
ideia.
35
As músicas natalinas ecoavam pela sala enquanto Day, Clara e
eu decorávamos o ambiente. A época mais linda do ano estava
chegando e eu a passaria com as minhas novas pessoas favoritas.
A árvore estava entrando no clima com os enfeites de bolas
brilhantes douradas e vermelhas que colocávamos. O glitter grudava
em minhas mãos. Os laços davam o toque especial. Day e Clara
analisavam em qual galho deixava a decoração mais harmônica.
Com todos os enfeites postos, Clara pega uma caixinha com mais
alguns enfeites.
— Day, a Sophie não tem um desse.
— O quê? — pergunto curiosa.
— É verdade, Clarinha! Sophie, nós temos o nome de cada
membro da família escrito nesse enfeite de MDF em formato de
coração que nós penduramos na árvore. Eu vou resolver isso agora!
Membro? Eu não era membro, embora me sentisse como tal.
Day, no mesmo instante, escreve o meu nome com caneta
permanente em um enfeite de coração. Eu observava aquela cena
me sentindo tão amada, tão vista, tão especial. Day me entrega,
sorrio e encaixo com delicadeza em um galho me sentindo parte de
uma família de verdade.
— Tem até o nome do Cookie — Clara mostra.
— Sophie, na véspera, nós teremos o jantar às sete da noite,
depois nós assistimos filmes de Natal até tarde.
— E todo mundo dorme junto — Clara comenta. — É muito
legal!
— É verdade. Nós colocamos os colchões no chão da sala e
todo mundo dorme junto. E no café da manhã… Conta aí, Clarinha.
— Abrimos os presentes!
— É a sua parte favorita? — pergunto.
— Sim!
— Depois do café da manhã, nós geralmente ficamos na
piscina ou jogamos alguma coisa.
— Eu não vejo a hora, Day, parece tão divertido o Natal de
vocês.
— São os melhores dias do ano — Clara comenta. — Eu
também gosto do meu aniversário. Ah, e o dia das crianças.
— Quando você faz aniversário, Clarinha? — pergunto.
— Eu não lembro — Day ri.
— Dia 03 de janeiro, Clarinha.
— É! E você, Sophie? — ela me pergunta.
— Por incrível que pareça no Natal, exatamente no dia 25 de
dezembro.
— Sério? — Clara abre a boca surpresa.
— É sério, Sophie? — Day pergunta em seguida, respondo
positivamente com a cabeça.
— Você ganha dois presentes? — Clara pergunta.
— Você é mesmo filha do seu pai — digo, mas ela não entende.
— O seu pai me perguntou a mesma coisa quando soube.
— O Brian sabia e não me falou nada!
— Tudo bem, Day, eu não comemoro.
— Ah, como não? Tem que cantar “Parabéns” e comer um
bolinho.
— Não precisa, Day, eu estou acostumada a não comemorar,
afinal, eu faço aniversário nesse dia desde que eu nasci — brinco,
Day cai na gargalhada.
— Sophie, eu acho que nesses meses que você me conhece
conseguiu perceber como eu sou, não é? Eu não tenho filhos, mas
eu sou a mãezona de todo mundo.
— Você é a minha avó.
— Que avó, menina?! E eu tenho cara de avó? Eu, hein — Day
brinca, Clara ri.
— Uau! — Brian comenta ao entrar na sala. — Que bagunça!
— Nos aguarde! Essa sala vai ficar a coisa mais linda que você
já viu na vida!
— Mais do que isso aqui, Day? — Brian carrega Clara e enche
de beijo. — Impossível!
A VÉSPERA
Era véspera de Natal, e o presente de Brian estava pronto. A
ideia de Evelyn foi ótima e me salvou! Eu queria entregá-lo em
particular, e isso seria mais tarde. Eu já estava de banho tomado e
com o meu pijama xadrez cor de rosa nada natalino quando me
junto aos outros na sala que também vestiam as suas roupas de
dormir. A pessoa mais bonita, sem dúvidas, era Clara vestindo o seu
onesie de rena. Kelly e Kevin chegaram também vestidos a caráter
trazendo a sobremesa.
— Por que essa casa está com esse clima? — Kevin comenta.
— Que clima de desânimo!
— Cadê a música, gente? — Kelly cobra e aperta o play em
uma música animada. Ela era desinibida e fazia de uma colher o
seu microfone. Enquanto eu ajudava Day a finalizar o jantar, George
e Brian arrumavam a mesa. Kevin e Clarinha dançavam com a
cantoria de Kelly.
— O Natal não era assim — Day comenta comigo. — Era uma
chatice até aquele pingo de gente nos unir. Criança é uma benção!
— concordei com ela. O meu maior sonho era ter uma criança para
chamar de minha e encher a boca para falar que ela é uma benção.
A minha benção.
— Como costumava ser o Natal de vocês? — pergunto curiosa.
— Um velório! Depois que a Clara nasceu, a Kelly começou a
passar o Natal com a gente. E depois ela conheceu o Kevin e o
trouxe na bagagem. As coisas ficaram mais animadas por aqui, até
esse clima se tornar algo normal na nossa família — sorrio ao olhar
para eles.
— Vamos comer? — George pede nitidamente faminto.
— Vamos! — Day diz. Acomodo-me na mesa e um filme se
passa pela minha cabeça. Eu sonhei tanto com um momento como
esse.
— Pai — Brian contém o pai que estava pronto para se servir
—, nós podemos agradecer primeiro? — ele assente um pouco
constrangido. E, de mãos dadas, orarmos. Eu segurava na mão de
Brian e sentia a sua firmeza.
— Senhor — Brian diz, e eu contenho o choro, mas não
contenho o arrepio. Ao mesmo tempo em que as palavras saíam de
sua boca, o seu dedo polegar acariciava a minha mão —, muito
obrigado pela comida que temos hoje em nossa mesa e por nada
nos ter faltado. Eu peço que o Senhor alcance aqueles que estão
passando por fome e dificuldade. Obrigado por estarmos todos
juntos e com saúde. Nós pedimos que Senhor continue nos
sustentando. Em nome de Jesus, Amém.
— Que lindo! — Day comenta emocionada. Olho para Brian e
sorrio, ele retribui.
— Eu posso falar uma coisa? — peço e recebo atenção. — Eu
não sei se todos aqui são cristãos… — eles balançam a cabeça
positivamente —, mas eu queria que nos lembrássemos do real
significado do Natal: o nascimento de Jesus. Ele é o real motivo
dessa celebração, e Ele está aqui conosco.
— Viva, Jesus! — Day diz.
— Viva! — respondemos.
Após o jantar agradável e muito saboroso que Day havia
preparado, recolhemos as louças enquanto os homens desciam os
colchões e arrastavam os móveis organizando a sala para o nosso
cinema natalino. Escapo por alguns minutos e vou em direção a
Brian que colocava a fronha nos travesseiros.
— Foi muito bonita a sua oração — digo.
— Obrigado. Eu ainda sinto um pouco de vergonha, não nego.
— É normal.
— Aquilo que você me disse sobre eu ter tudo, nunca mais saiu
da minha cabeça. Eu estou criando o hábito de agradecer por tudo
que eu tenho. E quanto mais eu agradeço, mais eu vejo o quanto eu
ainda tenho a agradecer.
— O nosso olhar muda sobre as coisas, né?
— Sim. Todas as vezes que eu… sei lá, pago cada uma das
minhas contas ou abasteço o meu carro, eu agradeço. E em relação
à comida… Eu nunca passei fome. Eu não tenho ideia do que é
sentir vontade de comer alguma coisa e não poder. Eu sempre pude
escolher o que eu queria e nunca tinha agradecido por isso. Eu
queria poder fazer mais, e eu farei. Obrigado por me fazer enxergar
isso.
— Nossa… Embora eu tenha despertado isso em você, eu não
tinha pensando assim de forma tão sensível como você pensou.
Deus, com certeza, está muito feliz com você.
— Eu espero que sim.
— Você já falou para a Clara sobre Jesus?
— Ainda não.
— É importante que você faça isso — aconselho, ele concorda.
— Sabe… — ele pensa — eu consigo entender melhor o amor
de Deus quando eu estou com a Clara. E, ainda assim, é
inexplicável. Eu amo tanto a minha filha, mas nada se compara ao
amor Dele por nós. É louco pensar nisso!
— É… é muito louco!

Com o filme escolhido, luzes apagadas e deitados


confortavelmente, assistimos ao filme escolhido por Clara que
dormiu após meia hora. Ela dormia no colchão entre Brian e Kelly.
Do outro lado de Brian estava eu que, provavelmente, fui a segunda
pessoa a dormir.

Brian
Era manhã de natal. A claridade me despertou. Espreguiço-me
e viro para o lado e vejo Sophie dormindo como um anjo. Ajeito-me
para observar cada detalhe de seu rosto. Ela é tão linda. Meu Deus
que obra maravilhosa que o Senhor fez! Eu queria ter essa visão
para sempre. Eu queria acordar ao lado dela todos os dias da minha
vida. Como eu queria abraçá-la agora! Que jeito bom de começar o
dia! Aos poucos e lentamente, Sophie se mexe. Ela esfrega os olhos
e olha ao redor até perceber que eu a encarava.
— Bom dia! — sussurro.
— Brian, o que está fazendo? — ela cobre o rosto com as
mãos. — Você estava me olhando dormir?
— Sim — rio.
— Isso não se faz! — ela estava brava, e isso a deixava ainda
mais linda. — Eu estou horrível!
Ah, se ela pudesse ler os meus pensamentos…
Ela se levanta e me deixa sozinho. O que eu faço com o que eu
estou sentindo? Eu nunca senti isso por ninguém.
— Papai! Acorda! — Clara pula em cima de mim. — Eu quero
abrir os presentes e a Day só deixa depois que você acordar, e só
falta você!
— Tá bom, tá bom, eu estou acordado. Eu já vou lá, eu só
preciso de uns minutinhos.
Todos estavam em volta da árvore entregando os presentes
para Clara. Eu a observava, ela estava tão feliz e empolgada
rasgando os embrulhos de cada brinquedo, e isso enchia o meu
coração. Casinha de boneca, patinete, bonecas, bichinho de pelúcia
maior do que ela era a sua felicidade. Além do brilho dos olhos de
Clara, era visível o mesmo nos olhos de Sophie. Ao desviar os meus
olhos dela encontro os de Kelly e nos comunicamos por expressões
faciais discretamente. Eu entendia o que ela queria dizer, mas eu
não podia confessar que eu estava sentindo algo a mais por Sophie.
Eu não queria estragar tudo. Impaciente, reviro os olhos e os
desvios de Kelly.
— Não se esqueçam de que temos mais uma aniversariante
hoje — digo, Sophie fica sem graça.
— Parabéns! — Kelly envolve Sophie em um abraço. — Muitas
felicidades, saúde e muito amoooooor — ela enfatiza o último
desejo e finjo que não foi de propósito quando ela me lança um
olhar discreto. Sophie recebe abraço de todos e, por último, o meu.
— Feliz aniversário! — abraço-a forte. Eu posso ficar aqui para
sempre? Ah, como eu queria!
Mais tarde, quando decidimos ir à piscina, subo para o meu
quarto para buscar uma bermuda. Sophie bate na porta entreaberta
com um pacote de presente em mãos.
— Atrapalho?
— Não, pode entrar.
— Eu queria te dar uma coisa.
— Para mim? — ela assente.
— Feliz Natal! — ela estende um pacote, mas não pego.
— Sophie, os adultos não se presenteiam. Você quebrou a
regra.
— Por favor, aceite, não é nada demais. É apenas uma forma
de agradecimento por esses meses.
— Você não precisava fazer isso.
— Eu sei, mas eu quis.
— Teimosa! — digo, pego a caixa e luto para desfazer o nó da
fita.
— Você gosta mesmo de Football, né? — ela observa a
decoração. Em cada canto havia um enfeite de bola ou capacete.
— Se você tinha alguma dúvida…
— Pelo menos o presente vai combinar com o seu quarto.
— Então, você acertou em cheio! — finalmente, venço o nó e
retiro de dentro um quadro realista colorido. Era um desenho meu
vestindo uniforme de Football com a bola na mão.
— Uau! Sophie! — sorrio admirado — Que incrível!
— É simples, mas…
— Simples? É incrível! Uau! Eu amei! — digo com sinceridade.
— Eu não sei nem o que falar.
— Que bom que gostou! — fico admirando aquele quadro por
alguns segundos observando cada detalhe. Eu realmente tinha
gostado.
— Obrigado!
— De nada! — ela sorri sem jeito. — Vamos descer?
— Espera! Eu também tenho um presente para você — digo.
— Como é? E o combinado de não presentear os adultos?
Você quebrou a regra!
— Isso era o combinado para o Natal. O presente é de
aniversário.

Sophie
Ele me entrega uma caixa branca laçada por uma fita verde.
Será que a cor foi proposital?
— Feliz aniversário!
— Não acredito! — sorrindo e sem jeito, puxo a fita desfazendo
o laço e abro a caixa delicadamente. Os meus olhos saltam com o
que eu vejo. Um estetoscópio novo em folha estava em minhas
mãos.
— Brian… — fico de boca aberta completamente sem palavras.
— Você estava precisando de um, não estava? Eu quero que a
minha fisioterapeuta esteja bem equipada — o olho em seus olhos
sendo incapaz de segurar o meu sorriso. — E isso não é não
suficiente para agradecer por tudo o que você representou na minha
vida. E, agora, você pode usá-lo para ouvir uma coisa que está
acontecendo comigo, eu estou um pouco preocupado.
— O quê? — preocupo-me também. Ele pega o estetoscópio da
minha mão e o coloca em minhas orelhas. — Há algum estralo na
dobra do joelho ou sente alguma dor enquanto se movimenta? —
ele não responde e coloca o diafragma do estetoscópio em seu
peito e ouço as batidas aceleradas do seu coração. Ele faz aquela
carinha de coitado fingindo preocupação com um possível
diagnóstico de alguma doença terminal.
— É grave? Ele fica assim toda vez que eu estou com você —
ele diz brincando de forma dramática.
— Eu achei que era algo sério! — repreendo-o.
— Mas é sério, muito sério — o meu coração pula dentro do
peito. Ele estava a um passo de mim e os seus olhos estavam fixos
nos meus.
— Ou você acha que você não me deixou traumatizado com
aqueles exercícios? — ele quebra o clima. Ah… Então, era isso a
que ele se referia. Óbvio! — O meu coração chega a pular quando
me lembro das sessões de tortura.
Como você é boba, Sophie! Você achou mesmo que ele sentia
alguma coisa por você? De repente, a presença repentina de
alguém na porta me tira daquele momento. Era Kelly.
— Desculpa! Estou atrapalhado?
— Não — digo.
— Está! — ele diz. Repreendo-o com o olhar, e ele dá de
ombros.
— Foi mal! Eu vim pegar um short para Clara, mas eu não
estou achando, e aí eu vim te perguntar onde está.
— Bom, eu vou descer. Obrigada pelo presente. Eu amei! —
digo com sinceridade.
— Não foi nada.
— Para mim, foi. Obrigada!
— De nada — ele sorri, retribuo e os deixo sozinhos.

Brian
— Hummm… — Kelly provoca assim que Sophie sai.
— Não começa.
— O que foi aquilo? — ela pergunta.
— Nada — digo.
— Você acha que me engana com essa cara de bobo? Você
está apaixonado por ela, não está? Confessa!

Sophie
Com o estetoscópio nas mãos desço os primeiros degraus da
escada e me lembro de que deixei a caixa em cima da cama de
Brian. Decido, então, voltar. O carpete bloqueia o barulho dos meus
passos. A porta que eu deixei aberta estava encostada, Brian
conversava com Kelly, e o assunto parecia sério. Aproximo-me em
passos curtos e ouvidos atentos. Tento captar o assunto para saber
se eu poderia ou não fazer parte daquilo. Eu pude ouvir o meu nome
na voz de Brian. Bom, se eles estavam falando sobre mim, eu
poderia ouvir, certo? Aproximo-me mais e começo a ouvir a
conversa deles perfeitamente.
— Eu não sei o que fazer, Kelly — ele diz.
— É muito simples, basta dizer: Sophie, eu estou apaixonado
por você — o meu coração dispara.
— Ela nunca acreditaria em mim.
— Por que não, Brian?
— Porque ela me conhece desde o ensino médio e sabe as
besteiras que eu fiz.
— Brian, isso já faz anos. Você mudou muito!
— Eu sei, Kelly, mas eu… eu tenho medo de fazer tudo errado
e perder a Sophie.
— Você não vai perder a Sophie, ela não é nada sua — Kelly
debocha.
— Eu estou falando sério.
— Brian, ela também gosta de você!
— Ah, é? Como você sabe?
— O jeito que ela te olha entrega tudo. Que fisioterapeuta gosta
tanto de trabalhar fora do horário como ela fez? A terapia era só
uma desculpa. Até cookies ela já fez.
— A gente realmente fazia as sessões, não eram encontros
românticos, Kelly. E os cookies foram para Clara, não para mim.
— Brian, apenas diga a ela — Kelly diz com impaciência.
— Eu não sei o que fazer. As meninas que eu saía
praticamente se jogavam em cima de mim, eu não precisava fazer
esforço.
— Que horror!
— Você foi uma delas.
— Ei! Eu estava bêbada. Eu jamais sequer te olharia com outra
intenção. Eu só não me refiro ao que a gente teve como um erro por
causa da Clara.
— Tá bom, Kelly. Podemos voltar ao assunto? Eu tenho medo
de falar alguma coisa e ela me entender mal. Ou tentar alguma
coisa e ela nunca mais querer falar comigo.
— Se você ficar aí esperando que ela tome atitude vai esperar
para sempre. A Sophie não tem cara de quem toma iniciativa para
isso. Ela é a moda antiga.
— Se ela tomasse iniciativa facilitaria a minha vida e cessaria a
minha insegurança.
— Você está parecendo um adolescente apaixonado pela
primeira vez. Ou só um cara frouxo mesmo.
— É assim que eu me sinto. Eu gosto da companhia dela. Eu
gosto de como eu me sinto quando ela esta comigo. Eu amo as
nossas conversas. Eu fico feliz de ver como ela e a Clara se
gostam. Eu nos amo como família. E também amo os cookies que
ela faz — sorrio. — Eu amo os olhos dela. E o sorriso. Ela me
entende, Kelly. Ela me apoia. Eu a admiro tanto. Ela é a pessoa
mais incrível que eu conheci na vida.
— Eu nunca te vi assim antes.
— Eu nunca me senti assim antes.
— Tudo o que você falou para mim você precisa falar para ela.
— Eu não quero agir no impulso e estragar tudo. Eu nunca
pensei que ficaria tão inseguro para tomar iniciativa com alguém.
Ela é especial, né? — as minhas bochechas ardiam com o sorriso
escancarado que estava em meu rosto.
— Vocês têm o meu apoio e a minha torcida.
— Obrigado. Se é que isso serve para alguma coisa…
— Diga a ela! Eu não tenho outro conselho para você. Seja
educado e respeitoso, e veja no que dá. Se ela não quiser, segue a
sua vida. Eu sei que parece simples, mas se você não tentar, pode
perder uma oportunidade.
— É… — reflito.
— Eu acho que deveríamos descer — assim que ela fala isso
corro para as escadas pedindo a Deus que me dê equilíbrio para
não descer rolando. Em passos rápidos, vou para o quarto guardar
o estetoscópio e sigo em direção à piscina como se nada tivesse
acontecido. E foi assim durante toda a semana. Evitei a todo
custo ficar perto de Brian para que ele não tivesse chance de se
declarar. Eu tinha receio que ele desconfiasse ou pensasse algo. Eu
estava insegura e não queria ouvir que ele estava apaixonado por
mim. Ou queria?
Diferente do Natal, a virada do ano foi bastante calma. Kelly,
Kevin e Clara não estavam com a gente. Day, George, Brian e eu
ficamos sentados conversando na área da piscina esperando ver os
fogos, mas logo após a meia noite sigo para o meu quarto para não
ter contato com Brian. Pelo meu distanciamento, percebo que Brian
parecia confuso. Era melhor assim, ainda mais com a notícia que
surgiu na primeira semana do ano novo.
36
Deus me ama tanto que enviou o seu filho para morrer para que
eu tivesse vida. Ele provou o quanto Ele me ama. O criador do
mundo provou o amor Dele por mim. Se Brian gostava tanto de mim
como ele disse, eu queria provas.
Era dia primeiro de janeiro. Caminho em direção a Brian
naquela manhã nublada e abafada. Ele estava concentrado em seu
notebook vendo algum vídeo de Football.
— Brian? — chamo-o e tenho a sua atenção. — Podemos
conversar?
— Claro! — ele diz. Sento-me de frente para ele na bancada da
cozinha. Eu precisava de coragem.
— Eu estou indo embora amanhã — digo. O leve sorriso dele
desaparecera.
— Quê? Por quê?
— Eu fui chamada para um trabalho temporário.
— Uau! Que bom, Sophie! — ele sorri. — Mas, por que você vai
embora?
— Porque o trabalho é em outra cidade — a sua expressão
muda.
— Outra cidade?
— É. Eu quase recusei por esse motivo.
— Temporário, né?
— É! Mas… eu também aceitei porque eu acho melhor a gente
se afastar.
— Como assim? Por quê?
— Porque você está em uma fase muito importante da sua vida.
— E…?
— Você precisa focar em você. Agora que você entrou para
esse time, você deve se dedicar ao máximo a esse momento que
você tanto sonhou. Aproveitar esse tempo para conhecer esse novo
Brian, vencer os seus medos, as suas inseguranças, o seu passado
e planejar o seu futuro. É o momento que você precisa estar
conectado com Deus e as curar feridas.
— Sophie, eu te fiz alguma coisa?
— Não. Você não me fez nada de ruim. Muito pelo contrário, eu
sou muito grata a você. Você era tudo que eu tinha. E quando eu
estava em um momento difícil, quem estendeu a mão para me
ajudar foi você. E é isso que eu carrego comigo.
— Eu achei que você seria a minha fisioterapeuta. Eu te
pagaria e você continuaria morando aqui até as coisas se ajeitarem
para você. Um ajudando o outro, sabe?

— Eu sei. Eu também pensei nisso, mas é melhor não. Pelo


menos, não agora.

— Isso não faz sentido! Por que isso agora?


— Eu não quero que você se deixe levar pela sua emoção. Eu
não quero que você apoie a sua fé em mim. Eu quero que você
esteja firme em Jesus, por Ele e somente por Ele. Você precisa
caminhar com as suas próprias pernas.
— Eu estou fazendo isso.
— Eu sei. Você precisa se encher cada dia mais para
transbordar isso.
— A gente pode transbordar juntos.
— Juntos?
— É… — ele fica sem jeito tanto quanto eu.
— Brian, eu ouvi a sua conversa com a Kelly — confesso.
— Ouviu? — confirmo. — Tudo?
— Boa parte. Eu voltei para buscar a caixa do estetoscópio e
ouvi o meu nome. Você disse que está… apaixonado por mim.
— É… eu estou — ele balbucia. — Eu nunca senti isso antes.
— Eu não sou bagunça, Brian. Eu fui, mas eu não sou mais —
deixo claro.
— Eu sei! E eu sei que é difícil acreditar em mim depois de
tudo…
— Por favor, escuta — interrompo. — Eu sei o meu valor, e não
é qualquer pessoa que vai ter acesso a minha vida, não mais. Eu
gosto de você, mas eu gosto mais de mim.
— Esse é o fora mais carinhoso que eu recebi.
— Não é um fora, Brian — eu o olhava no fundo dos olhos.
— Você não vai mais voltar, não é?
— Eu vou, eu vou voltar! — afirmo.
— Quando?
— Eu te aviso — Brian estava nitidamente triste, assim como
eu. — Procure passar mais tempo com a sua família. Leia a Bíblia,
crie raízes profundas na Palavra de Deus. Ore pela sua vida em
todas as áreas. Ore pela sua filha, crie mais memórias com ela. E
comemore os cinco anos dela com a sua total presença.
— Eu posso fazer tudo isso com você aqui.
— Eu preciso ir.
Que luta interna! Eu estava completamente apaixonada por
Brian e a minha vontade era de viver intensamente aquele
sentimento, mas não era hora. O meu coração era dele, eu o
amava, mas eu precisava me proteger. Eu não queria me machucar.
Eu precisava de um tempo e também precisava ver até onde Brian
estava decidido a viver aquela nova vida. Deus me pediu para ir
embora, e eu deveria confiar Nele completamente.
— Por favor, não demora — ele praticamente implora.
— Obrigada por tudo — digo com os olhos cheios de água.
— Eu que agradeço!
Por que, meu Deus? Por que o Senhor me pediu isso? Eu sei
que devo confiar em Ti e sei que é o melhor, mas eu estou com
muito medo. Eu não quero que ele me esqueça. E se ele me
esquecer? E se ele conhecer outra pessoa nesses três meses? Eu
demorei a aceitar que Deus tinha me dado todas as confirmações
que eu deveria ir para esse trabalho, mas agora estava feito. Eu
preciso depender do Senhor em tudo, e colocar Nele toda a minha
confiança. Ele tinha o melhor para mim. E o melhor nem sempre foi
o que eu acreditava que seria. Com a coragem que veio do céu,
despeço-me de todos e sigo em frente. Meu Deus, como dói deixar
quem nós amamos. Eu já amava aquela família e deixá-los era
como se arrancasse um pedaço do meu coração.
— Está tudo bem, menina? — o taxista me pergunta
preocupado por medo de ter o seu carro inundado de tantas
lágrimas.
— Não, eu estou péssima. Eu estou com medo, muito medo. Eu
tenho medo de perder o homem que eu amo e a família que eu
tanto sonhei.
— Você acredita em Deus? — ele pergunta.
— Sim, com todo o meu coração!
— Então, por que está se preocupando? Ele te conhece e sabe
o que é melhor para você. Ele é o autor da vida. Apenas permita
que Ele também seja o autor da sua história de amor. Ele criou
todas as coisas e tem o controle sobre tudo. Se for da vontade Dele
que vocês fiquem juntos, vocês ficarão juntos e não há nada que
impeça a decisão Dele. Então, viva a sua vida e confie. Ou melhor,
tenha sempre uma coisa em mente e repita isso a você: “Deus me
ama”. Isso mudou a minha vida. E se Ele te ama, não há com o que
se preocupar. Eu faria tudo pelos meus filhos, imagina o que Deus
não faria para te ver feliz? Ele é o próprio amor. Fica tranquila,
menina. Acalma o seu coração.
Ele tinha razão. Tudo, ainda que difícil, valia a pena ser vivido
ao lado de Deus. Ele me ama e é isso que vou carregar para
sempre comigo, com Brian ou sem ele.
TRÊS MESES DEPOIS
Brian
Era dia 1º de Abril, meu aniversário. Enquanto me arrumo para
começar o dia com vinte e dois anos, percebo que a casa estava em
completo silêncio. Sussurros e risadas abafadas foram surgindo
conforme eu descia a escada. Quando coloco o meu pé descalço no
chão gelado da cozinha, levo um susto com o barulho do lança
confetes.
— Surpresa! — Day, Clara e o meu pai dizem de forma
sincronizada. — Feliz aniversário!
— Parece mentira que você já tem 22 anos! — o meu pai fazia
esse comentário todos os anos alterando apenas a idade. —
Parabéns, filho! — ele me abraça.
— A Kelly e Kevin estão vindo para cá — Day avisa. Naquele
mesmo momento o interfone toca.
— Chegaram!
— Eu atendo, Day — corro em direção à porta, mas o meu
coração para com o que eu vejo.
— Sophie?
Depois de três meses sem o mínimo contato, finalmente, ela
estava ali. Eu não sabia como descrever o que eu estava sentindo,
mas era algo muito bom.
— Oi — ela sorri e ganha o meu sorriso de volta. — Feliz
aniversário! — abraço-a repentinamente. Ela estava ali! Eu não
poderia estar mais feliz!
— Eu senti tanto a sua falta! — digo.
— Como você está? — ela pergunta quando a solto do abraço.
— Mais velho — brinco, ela ri —, e muito feliz! — os seus olhos
brilhavam como os meus. — Que bom que você veio! A Kelly está
vindo também.
— Ouvi o meu nome? — Kelly aparece caminhando em nossa
direção. — Feliz aniversário, Pinóquio! Se o seu nariz fosse grande,
a minha piada teria mais graça.
— Não, não teria, continuaria ruim.
— Incorporou o Zangado, Sophie — ela, finalmente percebe o
retorno dela. — Sophie! Como eu sou lerda! Você voltou! O Brian
estava quase entrando em depressão.
— Que isso, Kelly? — repreendo-a.
— Exagerei, mas é verdade. Bem-vinda! — elas trocam
abraços e sorrisos. — Agora, com licença, porque eu quero ver o
meu pedacinho do céu. Eu estou com saudades dela.
— Ela está lá dentro.
— Amor, espera! Os enfeites! — Kevin surge vindo em nossa
direção com alguns acessórios. Kelly, sem noção alguma, coloca em
mim um óculos de coração ridículo e me puxa para dentro de casa.
Eu mal consegui falar com Sophie que ganhou abraços de todos.
Day, Sophie, Clara e até meu pai dão corda para aquela
vergonha que Kelly criara. Elas dançam em circulo em volta de mim
usando acessórios coloridos e colocando colar de pluma de cores
neon em mim ao som de 22 de Taylor Swift.
— Acho que estou ficando velha também, eu estou sem ar —
Kelly diz quando a música acaba, e finalmente posso voltar a ter
sossego.
— Ei, Brian, você viu o bolo que eu fiz pra você? — Day me
mostra. — A Clara decorou.
— Deu para perceber — rio. — Obrigado, Day.
Eu estava constrangido com tudo aquilo. Em todos esses anos,
eu nunca tinha vivido nada parecido. As pessoas que eu mais
amava estavam ali comigo. Day havia feito o bolo com ajuda da
Clara, o meu pai decorou o ambiente com a temática do Football,
Kelly e Kevin, que tinham nome de dupla sertaneja ou de
protagonistas de alguma sitcom de baixa audiência, eram os
responsáveis pela parte animada da festa. Kelly, com o seu gosto
peculiar, sabia escolher as músicas mais horríveis e tornar tudo
engraçado.
— Como fotógrafa você é uma ótima palhaça! — digo.
— Aquela frase “Você amadurece depois que tem filho” não
funcionou comigo — Kelly brinca, pega a sua câmera e registra
alguns momentos. Logo Sophie se aproxima um pouco sem jeito.
— Como se sente com 22 anos?
— De coração e barriga cheia, bem cheia.
— Eu também me sinto assim.
— Que bom ter você de volta, foi o melhor presente que eu
ganhei. E não me refiro apenas a sua presença hoje, mas na vida.
— Estou muito feliz de estar de volta, eu senti falta daqui — ela
não mencionou em nenhum momento que sentiu a minha falta
especificamente.
— Você está livre amanhã à noite? A gente podia sair para
jantar e conversar sobre tudo que aconteceu durante esses meses
— convido-a.
— Eu adoraria! — ela sorri.
— Sério? — eu estava esperando um grande “não”. — Ótimo!
Ah, você pode voltar a morar aqui, se precisar.
— Eu consegui um apartamento, é simples, mas é um ótimo
começo.
— Que bom! Eu posso te buscar amanhã, pode ser? — ela
assente, e começo a ficar ansioso.

Sophie
O meu novo espaço era pequeno e pouco confortável, bem
diferente do que eu estava acostumada e vivi a vida inteira, mas,
ainda assim, era o meu cantinho. Ainda que eu dormisse em um
colchão no chão, não tivesse armários ou televisão, eu tinha paz. E
uma boa perspectiva. Eu estava começando a minha vida. Eu tinha
tudo o que eu precisava no momento e, um dia, eu mudaria essa
realidade para melhor. Eu pensava sobre isso enquanto passava a
maquiagem de sempre. Tudo estava sob controle, mas eu estava
nervosa. Eu não sabia o que se passava com Brian, nem se os
sentimentos dele por mim ainda faziam morada em seu coração.
Mas eu sabia de uma coisa: ele estava firme na fé. Eu não poderia
ter discipuladora melhor! Sarah me atualizava sobre Brian, que
estava sendo acompanhado por um dos pastores da nossa igreja.
Eu não sabia detalhes, pois isso não era correto de ser
compartilhado, mas eu sabia que ele estava se esforçando e
apresentando mudanças visíveis.
Eu estava ansiosa para vê-lo! Eu não negaria mais os meus
sentimentos, e Deus conhecia todos eles. Eu orei e jejuei. E por
mais maluco que possa parecer, a distância aumentou ainda mais
esse sentimento. Era hora da verdade. O celular notifica uma
mensagem de Brian avisando que me esperava na calçada como eu
pedi que ele fizesse. Desço a escada com o coração acelerado e
chego à portaria. Lá estava ele, encostado em seu carro. Ele vem
em minha direção. Ah, aquele perfume! Ah, aquele cheiro de banho
tomado!
— Você está linda!
— Obrigada! — evito elogiá-lo logo de cara. Eu não queria
massagear o seu ego tão facilmente… Mas, Deus, como ele estava
lindo!
Ele, gentilmente, abre a porta do carro para mim. As músicas
românticas dos anos 80 eram as minhas músicas favoritas e
estavam sendo reproduzidas naquela estação de rádio enquanto
seguíamos para um restaurante aconchegante ao ar livre com luzes
e flores. Era lindo. Tudo estava lindo. O céu limpo e estrelado, o
vento fresco daquela noite causava uma sensação de coisas novas
surgindo. Enquanto esperávamos o pedido, eu puxo assunto
bastante interessada e curiosa para saber o que aconteceu com ele
nesses últimos tempos detalhadamente.
— E, então, quais são as novidades? — pergunto.
— Além de me redimir com boa parte das pessoas que eu feri,
eu tive uma conversa intensa com o meu pai, e foi muito bom. Eu
esperei tanto ouvir que ele tinha orgulho de mim e que ele me
amava, e eu ouvi naquela conversa. As coisas estão mais leves lá
em casa, mais do que eram. Também conversei com a Day. Ela
precisava saber a importância que ela tem na minha vida e como ela
foi a chave que mudou tudo. Eu pedi perdão a Deus, fiz vários
jejuns, estive imerso na presença Dele, procurei ajuda e oração. Eu
busquei sanar as minhas dúvidas e abri o meu coração para Jesus.
Eu não consigo mais enxergar a minha vida sem Ele, e não sei
como eu consegui viver tanto tempo longe. Eu tinha uma visão tão
errada sobre felicidade. Eu não sei se faz sentido o que estou
dizendo.
— Faz todo sentido. Eu estou te entendendo perfeitamente. O
que mais mudou além de tudo isso, e o fato de você estar sem
barba? — brinco.
— Eu queria mudar um pouco, não gostou?
— Você está ótimo! — finjo gostar.
— Você prefere com barba, né?
— Sim — confesso.
— Dê-me alguns dias — ele ri. — Bom, além de todas essas
coisas, eu tenho treinado muito no time e tem sido bom. O Michael,
o Quarterback, é um cara muito gente boa e também é cristão, isso
tem me ajudado muito em relação a fé. E, no mês que vem,
começarão os jogos e será o meu primeiro jogo oficial pós-lesão.
— E como você está em relação a isso?
— Eu estou bastante nervoso, eu confesso. O treino é
totalmente diferente do jogo. Eu estou me cobrando muito, o que
tem me gerado estresse e ansiedade.
— Isso faz parte. Todos esses sentimentos só vão passar
quando você entrar em campo, não tem outro jeito.
— É… — ele respira fundo, ele parecia bastante preocupado.
— Você está convidada para assistir.
— Eu vou não vou perder! Com certeza, eu estarei lá.
— Sabe, Sophie… nesse tempo, eu deixei a minha mãe ir. Eu
sofri tanto com morte dela que eu me agarrei ao luto eterno. Eu vou
amar a minha mãe para sempre e vou me lembrar dela por toda a
minha vida. Mas, o que eu carregava comigo não era um sentimento
bom, era raiva. Eu passei a agradecer por tê-la conhecido. Eu tive a
oportunidade de saber quem ela era, como ela era e como ela me
amava. Eu vi, eu senti, eu soube o que é ter uma mãe. Eu poderia
passar a vida reclamando pela ausência dela e eu decidi passar
agradecendo por tantas lembranças boas.
— Eu sabia que eu deveria ter passado uma máscara de cílios
à prova d’agua — contenho as lágrimas com o guardanapo para
evitar parecer um panda. Brian ri.
— Enfim, eu falei demais. E você, como foi o trabalho?
— Foi incrível! O corpo humano é incrível! — digo empolgada.
— Eu amo a nossa estrutura óssea e como tudo é encaixado de
forma perfeita — detalho e logo percebo um esforço da parte de
Brian em achar aquilo interessante. — E eu tenho uma novidade em
relação a isso. Eu estou trabalhando aqui na cidade.
— Sério? Que bom! — ele escancara um sorriso.
— Eu fui contratada por uma clínica de Fisioterapia por
indicação da Dra. Brianna e hoje faz uma semana que estou
trabalhando lá. A maioria dos meus pacientes são idosos, eu já
aprendi tanto com eles nesses cinco dias. Eu esperei tanto por um
emprego e veio na hora certa. Às vezes a gente se desespera a toa.
E, além disso, eu vivi um tempo de conexão com Deus muito bom
para mim. Eu orei muito por você, inclusive!
— E eu, por você — ele diz.
— Eu achei que você se esqueceria de mim — arrependo-me
imediatamente do que disse por soar desespero.
— Jamais! Eu não conseguiria colocar em palavras para
descrever o quanto eu senti a sua falta, mas, ainda assim, eu tentei.
Eu espero que goste de ler.
— Ah, é? Por quê? Você escreveu uma carta para mim?
— Na verdade, eu escrevi bilhetinhos… um por dia.
— Quê? — fico atônita.
— Como você não gosta de matemática, eu deduzi que
gostasse de ler. Não são palavras profundas, não crie expectativas.
Eu não sou bom nisso. No entanto, eu escrevi todos os dias algo
sobre o que sentia em relação a você, ou que eu estava fazendo de
diferente e interessante, ou um versículo que mexeu comigo… —
ele pausa e pensa. — Sophie, se eu te falar que os meus
sentimentos por você continuam iguais eu estarei mentindo — gelo.
— Eu amo você! Mas eu não amo como eu amava antes. Na
verdade, eu amo muito mais hoje. E eu sei que estou correndo um
risco enorme de levar um fora porque eu não sei o que se passa
dentro de você, mas essa é a verdade. Eu te amo!
Meu Deus! O que eu faço? Ficamos em silêncio nos olhando.
Brian pega em minha mão gelada.
— Você quer casar comigo?
— Quê? — assusto-me.
— Eu não estou falando para a gente casar amanhã ou mês
que vem, eu só quero firmar um compromisso e viver destinado a
isso com você todos os dias. Não me entenda mal, eu não estou
dizendo para gente viver uma vida de casados, mas ter o foco nisso
para o nosso futuro.
— Brian… — puxo a minha mão, pigarreio e sem jeito vou
direto ao assunto — Nesse tempo, você se relacionou com alguém?
— Não. Eu não vou mentir, eu tive vontade, muita vontade, mas
não. Eu estou fazendo acompanhamento com o pastor da igreja e
tenho me purificado todos os dias, e isso não é fácil — eu sabia que
não era, e como eu sabia. — Mas eu… eu quero me relacionar
apenas a minha futura esposa e ser tocado apenas por ela. Eu
quero isso, Sophie, mesmo! Se você quiser investigar esses três
meses, fique a vontade. Eu sei que não posso jurar, mas, se eu
pudesse, eu faria.
— Eu acredito em você! Agora você deve entregar seu coração
apenas para quem valha a pena compartilhar a vida — ele olha no
fundo dos meus olhos por longos segundos.

— É o que eu quero, mas… com você!

— Brian, o casamento é algo muito sério para mim e eu,


realmente, quero me relacionar com objetivo de casar. Nisso,
estamos de acordo.

— Então, você aceita? Você também me ama? — ele pergunta


com expectativa, mas ignoro.
— Como eu estava falando… Comigo, o casamento, só
funcionará com algumas regras.
— Quais?
— Nós dois temos o propósito de viver em castidade até o
casamento, certo? — ele concorda. — Nós dois temos um passado
inclinado para a sexualidade e não podemos confiar em nós
mesmos em relação a isso. Algumas dessas regras seriam: nunca
ficarmos sozinhos, não criar ambientes que despertem esse desejo,
não tocar o outro em partes estimulantes, não provocar um ao outro
e não… — pigarreio — não beijar.
— Beijar também é pecado?
— Não, não é. Mas, isso pode nos levar a pecar. Eu acho que
seria perigoso para nós devido ao nosso passado. É apenas um
cuidado.
— Eu topo! — ele diz com firmeza sem pensar.
— Não beijar, Brian! Você entendeu bem essa parte?
— Sophie, Jacó trabalhou catorze anos pela mulher que ele
amava, por que eu não faria isso por você? Eu quero você! Eu
quero me casar com você, eu quero ter filhos com você, eu quero
que você seja a Senhora Winters! — ele se enche para falar — Não
importa mais nada desde que seja com você.
— Eu quero ser a Senhora Winters — digo sem jeito.
— Quer? — ele pergunta derretido.
— Quero! — não nego mais os meus sentimentos.
— Sophie, você aceita ser a minha eterna namorada, a minha
futura noiva e esposa? Ou melhor, a Senhora Winters?
— Com uma condição!

— Senhor, que mulher difícil! — ele brinca. — O que é?

— Deus tem que ser o centro desse relacionamento. Caso


contrário, não daremos certo.

— Então, nós daremos muito certo, pois sem Ele, eu também


não quero — sorrio.

— Então, sim, eu aceito! — o sorriso e o brilho nos olhos eram


mais fortes que qualquer luz a nossa volta.
— Eu te amo! — ele diz.
— Eu te amo! — correspondo.
— Não mais do que eu amo você.
— Que bom! — digo, ele ri.
— Nem um beijinho? — ele tenta.
— Brian!
— Estou brincando! Eu vou respeitar isso, eu prometo!
Eu estou namorando! Permita-me repetir, eu estou namorando!
Eu queria explodir de felicidade! Eu tinha vontade de rir da vida,
como eu poderia um dia imaginar que eu estaria namorando o meu
ex-colega de escola que eu não suportava? Deus nos surpreende.
Hoje faz sentindo tudo o que passei e posso ser grata.
Um mês depois
— Eu estou surtando — Brian diz assim que me vê no clube no
dia do jogo.
— Amor, você está pronto para isso!
— É o meu primeiro jogo, Sophie, e contra o meu antigo clube,
todos estarão de olho em mim. Eu estou suando frio.
— Concentre-se no jogo, não foque nas pessoas.
— Você viu a multidão lá fora?
— Multidão?
— As arquibancadas estão cheias! Todos os jornalistas
esportivos estão lá. O Hamilton é um excelente técnico e tem boas
estratégias e me conhece melhor do que ninguém em campo. E
essa rivalidade entre mim e o Tutu…
— Amor, calma! Olha para mim — seguro o seu rosto com
firmeza e fixo os meus olhos nos dele. — Você consegue! Nunca se
esqueça de que Ele está com você e Ele é o seu maior torcedor.
Você é um jogador incrível e eu sempre te disse isso porque de fato
você é! Entra nesse campo e mostra que eu tenho razão! Eu
acredito em você, por favor, faça o mesmo! Não dê poder às
pessoas para te derrubar, não é a elas que você serve. Dê o seu
melhor! E faça valer o meu pompom com glitter — ele ri.
— Obrigado! — ele diz aparentemente mais calmo, dou-lhe um
beijo na bochecha.
— Não se esqueça de orar. Eu te amo! — digo a ele que
deposita um beijo em minha testa e acaricia o meu rosto.
— Eu te amo! — ele coloca o seu protetor bucal e logo em
seguida o capacete.
— Bora, cara! Está na hora! — Michael o chama e eles seguem
rumo ao campo.
Lá estava ele em campo com uniforme do SP Lions. Eu estava
tão orgulhosa dele, e apreensiva também. Eu não me sentia assim
desde a escola quando BHS jogava contra a Parker.
— Sophie, por favor, você pode me explicar tudo? Eu não
entendo nada — Day me pede.
— Embora eu goste muito de assistir, eu não entendo muito,
Day.
— Eu tentei explicar para ela, mas não adiantou nada —
George diz.
— É complicado demais! — ela reclama.
O som do apito faz o meu coração pular dentro peito. Brian
estava correndo, e ele era veloz. Eu orava a cada segundo, a cada
lançamento de bola e, principalmente, pela estabilidade emocional
dele. Eu sabia que os jogadores se provocavam em campo, e
mesmo que Brian estivesse com pavio menos curto, ainda temia
que no calor da emoção ele reagisse da pior forma, principalmente
com Tutu. Eu me preocupava com as estratégias de Hamilton tanto
quanto ele, mas eu preferi não alimentar a sua preocupação minutos
antes do jogo. Os jogadores iam para cima de Brian a troco de nada
e isso era extremamente irritante. Ele, porém, tinha um reflexo
excelente e conseguia se desviar deles, essa era a sua maior marca
dentro de campo assim como a sua velocidade.
— Como que vocês se divertem com isso? Meu Deus! É um
empurra-empurra, um cai, o outro derruba. Como isso é violento! —
Day estava horrorizada com a dinâmica do Football e ficava
preocupada com todas as vezes que Brian era derrubado ou rolava
pelo chão na tentativa de pegar a bola.
A pontuação estava acirrada, a diferença era mínima e o tempo
estava se esgotando. O time de Hamilton estava na frente. O apito
ecoa pelo estádio, aperto os dentes a espera do melhor. Michael faz
o arremesso para Brian, que percorre pelo campo e salta agarrando
a bola marcando a maior pontuação do jogo, o Touchdown.
— Vencemos? — Day pergunta.
— Sim, Day! — digo pulando e comemorando com toda torcida.
Gritos, aplausos e assobios eram altos e eufóricos. SP Lions
ganhou o jogo e a volta de Brian foi marcada com sucesso. Ele foi
incrível! Ele é incrível! O meu largo sorriso e os meus olhos fitavam
Brian enquanto ele comemorava com os colegas. Quanto orgulho
dele!

Brian
— Brian, conta para gente como é estar de volta ao campo —
uma jornalista pergunta enfiando o microfone na minha cara.
— É muito bom estar de volta! Graças a Deus deu tudo certo e
eu estou muito feliz! — digo com dificuldade por me faltar fôlego.
— Como foi jogar contra o seu antigo clube?
— Foi desafiador. AFB é um time excelente e bem treinado.
— Você se sentiu traído pelo seu ex-treinador?
— Não, de maneira alguma. O ser humano fecha portas, mas
Deus abre o mar. Eu sei em Quem eu tenho posto a minha
confiança. O “não” que a gente recebe também é uma benção. Hoje
eu estou feliz e satisfeito pela oportunidade que a Coach Gabe me
deu.
— Você acredita que a sua entrada no time fez vocês vencerem
a partida?
— Nós somos um time, eu não venci sozinho. A Coach Gabe é
uma excelente treinadora e nós somos o resultado de sua
dedicação.
— Gostaria de dedicar a vitória a alguém em especial?
— A Deus em primeiro lugar, à minha namorada, a minha filha
que eu amo mais do que tudo, ao meu pai, Day, Kelly, Kevin e, claro,
a minha Coach, Gabe. E… — olho para a câmera —, Dra. Brianna,
não pense que eu me esqueci de você. Ela merece todo
reconhecimento pelo excelente trabalho. Obrigado à torcida, e
continuaremos rugindo mais e mais forte com o nosso time.
— Parabéns! É muito bom te ver em campo novamente.
Sucesso!
— Muito obrigado! — saio do campo e sigo para o vestiário
para comemorar com os meus colegas. Euforia era o que
caracterizava aquele ambiente. Michael me abraça e vibra.
— Cara, que jogo! Você foi demais!
— Nós fomos! O Touchdown é nosso, irmão! Que arremesso foi
aquele?
Tudo estava diferente. Eu me sentia completo e
verdadeiramente feliz. Eu venci o meu passado, o meu medo, a
minha lesão. Eu estava orgulhoso de mim. Eu sentia cada parte do
meu corpo, os meus músculos queimavam e lembravam como é
bom estar vivo. O meu time estava unido e eu já não tinha mais
problemas com nenhum deles. A saída do irmão de Samantha
contribuiu para a paz reinar. Os ajustes feitos com Gabe motivou o
time e isso contribuiu para a nossa interação como equipe.
Ouvir que a minha família estava orgulhosa de mim não tinha
preço. Esse sem dúvidas era o maior ponto que eu fiz em toda a
minha vida.
37
Muitas coisas não fazem sentindo, mas lá na frente tudo se
esclarece. Ainda bem que Deus não atende a todos os nossos
pedidos, pois nós não sabemos o que pedimos. Quantas vezes eu
pedi para que Ele me tirasse daquela situação com Brian no início
do estágio? Eu mal sabia que Ele estava me preparando para viver
aquilo que eu sempre sonhei. Ou melhor, mais do que eu sonhei.
Deus sabe a hora certa, e Brian estava pronto para me amar. Todas
as regras seguidas. Todo respeito que ele tinha por mim era para
me deixar com cara de boba.
Um ano depois, Brian estava de joelhos colocando um lindo
anel de ouro branco em meu dedo anelar. Eu estava oficialmente
noiva! Eu disse sim ao meu melhor amigo, a minha companhia
favorita, ao homem que eu sempre sonhei! E seis meses após o
pedido, eu estava encarando no espelho a imagem que eu sempre
sonhei em ver.

O vestido longo branco e fluído de renda era simples e o mais


lindo que eu já vi. Os meus cabelos estavam preso em um penteado
bem elaborado. Eu estava leve me sentindo uma verdadeira
princesa vivendo o dia mais feliz da minha vida. Eu não saberia a
melhor forma de agradecer a Day. Ela preencheu um vazio em meu
coração. Eu sempre achei que a minha mãe estaria ao meu lado
nos preparativos da cerimônia e nas provas de vestido. Eu sempre
sonhei que um dia ela seria transformada por Jesus e estaria
segurando a minha mão emocionada com o dia em que casaria a
sua menininha. Mas esse lugar foi ocupado por Day. Embora, não
fosse a mesma coisa, eu estava feliz e muito grata por tê-la em
minha vida. E eu não poderia deixar de mencionar George que,
mesmo não sendo o meu pai e nem possuidor dessa figura em
minha vida, estendeu o braço e me levou até o altar. A maquiagem a
prova d’água era mais do que necessária naquele momento. Não
me contive quando o vi. Brian estava lindo e emocionado a minha
espera. Ele usava o seu terno azul escuro que eu tanto elogiava
quando o via usando. A sua barba bem feita era moldura do seu
largo sorriso. Nem em sonho eu poderia acreditar no que estava
diante de mim. Tudo estava lindo. O final de tarde de um tempo
firme não trouxe preocupações quanto a chuva. O enorme jardim no
quintal da casa de Brian estava decorado com girassóis. Essa se
tornou a minha flor favorita. Tudo estava como eu sonhei um dia.
Nada seria capaz de apagar essas lembranças, e menos ainda as
palavras de Brian em nossos votos de casamento.
— Uma vez alguém me disse que Deus é bem humorado e eu
acredito que esse momento é a prova disso. Quem diria que um dia
nós estaríamos aqui? Quem diria que aquela menina careta da
escola que não me despertava nenhum interesse seria a mulher a
minha vida? Pois é, amor, Deus tem bom humor e hoje Ele sorri
conosco. Eu jamais seria capaz de agradecê-lo por me amar tanto a
ponto de confiar a mim a Sua filha amada. Eu prometo que serei o
melhor de mim para nós e para a família que vamos formar. Que
Deus seja sempre o centro do nosso relacionamento, que
continuemos melhores amigos, que criemos mais piadas internas,
que continuemos sendo o porto seguro um do outro e a mão
estendida quando um estiver caindo. Que sonhemos juntos o sonho
do outro. Eu te amo, Soph, e jamais conseguiria colocar em
palavras o tamanho desse amor.
Uau! Ele dizia que não era bom com as palavras, mas
conseguiu usá-las lindamente. Cada palavra, uma lágrima escorria
em meu rosto. Eu nunca me senti tão amada por pessoas como
naquele dia. Eu estava emocionada com tanto cuidado de Deus
sobre a minha vida nos mínimos detalhes. Recomponho-me, respiro
fundo e olhos nos olhos de Brian.

— Amor… — era a minha vez — quando eu paro para pensar


em tudo que vivemos até chegar aqui percebo os detalhes de Deus.
A nossa história começou muito antes de quando nos vimos pela
primeira vez na BHS aos dezesseis anos de idade, onde a menina
careta e o jogador mauricinho mal se falavam. Ela começou no
coração de Deus. Ele olhou para nós e viu que era muito bom, e
partir daí virou o autor desse romance, a qual você é o meu
personagem favorito. Não foi fácil chegar até aqui, mas como valeu
a pena! Eu viveria tudo de novo só para ter você ao meu lado e
poder te chamar de amor da minha vida, pois é isso que você é, o
meu amor, o meu melhor amigo, o meu maior incentivador. E tudo
isso não começou como uma paixão avassaladora, mas como uma
construção calma e diária de companheirismo, de presença e muita
diversão. Como nós nos divertimos juntos! É tão bom estar ao seu
lado e ver o seu sorriso. É tão bom rir das suas piadas ruins, que só
são engraçadas por serem ruins. É tão bom me encaixar em teus
braços e ouvir o seu coração bater. É tão bom ver o homem que
você se tornou: íntegro e cheio de fé; aquele que eu sempre sonhei
em me casar. Obrigada por me amar, respeitar, por me valorizar e
por me aproximar mais de Jesus. Eu prometo ser a mão estendida,
o abraço seguro, a palavra encorajadora, a sua parceira e a sua
melhor amiga. Eu te amo e te amarei para sempre. Você é a minha
resposta de oração. Você é minha benção!
E, pela primeira vez, após o pastor nos declarar casados, os
meus lábios encostaram delicadamente nos de Brian. Eu era a sua
esposa. Eu estava começando uma nova etapa da minha vida e eu
queria vivê-la da melhor forma. Aplausos, assobios, sorrisos e flashs
caracterizavam aquele momento. Olho no fundo dos olhos de Brian
e via claramente o amor dele por mim.
O nosso casamento foi simples como eu desejei. O grande
quintal da casa de Brian era perfeito para acomodar os poucos
convidados e o nosso pastor. Kelly foi a nossa fotógrafa e nos deu o
álbum de presente. Day carregava uma caixa de lenços enquanto
George e Kevin fingiam não estar emocionado. Evelyn iluminava o
ambiente com o seu sorriso ao lado de seu namorado. Clara foi a
nossa daminha de honra e roubou toda atenção, e eu nem em
atreveria a competir, eu perderia feio.
— Atenção! — Kevin pega o microfone e capta a nossa
atenção. — Uma pessoa especial quer falar algumas palavrinhas —
ele entrega o microfone para Clara que estava tímida com todos os
olhares voltados para ela. Brian e eu estávamos surpresos com a
sua atitude espontânea em nos dizer palavras carinhosas.
— Sophie e papai, vocês são o casal igual dos filmes de
romances da Disney que eu assisto — ela arranca gargalhadas de
todos. — Eu amo a Sophie porque ela é muito carinhosa comigo, ela
brinca comigo e faz os melhores cookies. O papai é o melhor pai do
mundo, e eu quero me casar com alguém que me olhe do mesmo
jeito que ele olha para Sophie. Eu amo vocês dois! — ela devolve o
microfone e corre para nos abraçar com as bochechas vermelhas.
Os abraços carinhosos enchiam o meu coração. Eu podia sentir
o amor e a felicidade de cada um deles. Eram pessoas especiais e
que faziam parte ativamente de nossas vidas ainda que houvesse
distância entre nós, como no caso de Evelyn, que deixou o Rio de
Janeiro para estar no meu casamento.
— Uau, Sophie! — Evelyn se aproxima — Se alguém me
falasse que você e o Brian se casariam um dia, eu, com certeza,
chamaria essa pessoa de louca!
— Eu faria a mesma coisa, Evy!
— Eu desejo tudo de bom para vocês! E se o Brian te fizer
alguma coisa ruim, avise-me para vir aqui e quebrar a cara dele!
— Ele é uma benção! — olho para ele que estava com um
sorriso escancarado conversando com Kevin, Lucas e George.
— Ah, eu conheci a filha dele.
— Ela é muito fofa, né, Evy?
— Muito! Ela me chamou de tia Evelyn. Ah, quase infartei!
— Eu não vejo a hora de ser mãe de uma coisa fofa como ela.
— Imagina você sendo mãe, Soph! — ela se derrete ao falar,
sorrio imaginado.

No final da festa, com abraços e felicitações, os convidados se


despedem. Brian e eu fomos para uma pousada dentro da cidade. O
clima romântico nos envolveu por completo. Estar ao lado dele era
ter um gerador de amor em constante funcionamento. A Lua
brilhava forte e iluminava o nosso quarto junto à luz de vela. Eu
estava diante do meu marido – marido!!! – em nossa lua de mel.
— Eu estou nervoso. Eu estou tão nervoso que parece que eu
nunca fiz isso antes.
— É a nossa primeira vez. Deus fez tudo novo, não importa
mais o que passou. E… eu também estou nervosa.
Brian me puxa para um beijo apaixonado e ali nos tornamos
uma só carne sem culpa com paz e a benção de Deus. Como valeu
a pena essa espera!

No dia seguinte, ao abrir os meus olhos e olhar para o lado, a


ficha cai. Era minha primeira manhã ensolarada sendo uma mulher
casada e eu já estava sonhando acordada com os nossos filhos. Eu
precisava controlar a minha ansiedade e aproveitar o melhor que
cada dia tinha para oferecer. E, no momento, a piscina, a comida
boa, o Sol brilhando e a minha companhia favorita mereciam toda a
minha atenção.
— Amanhã voltamos à realidade — Brian comenta enquanto
nos preparávamos para o café da manhã.
— Por favor, não! — ele ri, abraça-me por trás e sussurra no
meu ouvido: — Eu te amo!
— Mais do que ama a Jesus? — pergunto.
— Nunca!
— É por isso que eu te amo!
— Mais do que ama a Jesus? — era vez dele.
— Nunca!
— É por isso que eu te amo!
38
O quarto que era apenas de Brian agora era o nosso quarto, e,
obviamente, eu precisei urgente mudar aquela decoração. Eu não
queria sentir como se dormisse em um campo de Football. Ainda
respeitando o gosto do meu marido, diminui um pouco as bolas
ovais que tinha em cada canto daquele quarto. As coisas foram se
moldando conforme os dias passaram, e depois do nosso final de
semana cheio de amor, a rotina de trabalho nos chama de volta.
Por volta das cinco da tarde de uma segunda-feira enquanto
voltava para casa, escuto o meu nome sendo chamado em uma voz
familiar que me causou arrepio. Viro-me e vejo minha mãe na porta
da clínica.
— Finalmente você fez algo bom na sua vida — ela comenta
sobre o meu casamento. — Pela primeira vez você me ouviu.
— Mãe, não começa, por favor.
— Nós teríamos ido se você não tivesse nos excluído de sua
vida.
— Mãe, eu amo você apesar de tudo, mas estava impossível
manter esse relacionamento. Eu jamais vou virar as costas para
você, mas eu não posso permitir que você continue me
machucando.
— Você está grávida, não está? — ela dispara ignorando o que
eu havia dito.
— Quê?
— Você deu o golpe, não foi?
— Não, mãe, eu não estou grávida, e também não dei golpe.
— O Brian não é o tipo de homem que assume compromisso.
Agora você vai entender o que é casamento de verdade e vai
entender quando o seu maridinho pular a cerca que casamento
aberto é mais vantajoso e vai se arrepender por ter me criticado
tanto.
— Eu queria manter um relacionamento saudável com vocês,
mas, mais uma vez, eu estou vendo que isso não será possível —
digo firme, eu não aguentava mais aquelas provocações.
— Agora que você está com o Brian, eu acredito que possamos
nos acertar.
— É sério? — pergunto desacreditada do que eu acabara de
ouvir.
— Não vejo motivos para não tentarmos.
— Eu vejo, e muitos.
— Quais?
— Mãe, eu não quero que você me ame sob condições. Eu não
quero que você me dê valor pelo marido que eu tenho. E eu não
quero que os meus filhos passem pelo o que eu passei.
— Mas você disse que não está grávida.
— Eu ainda não estou, mas esse é o meu sonho. Eu quero ter
uma vida leve. Eu não quero que os meus filhos estejam perto de
alguém que vai tratá-los mal.
— Eu não vou tratá-los mal. Muito pelo contrário, eu acredito
que a minha experiência com você me fará uma boa avó e impedirá
que os meus netos se percam na vida como você. Talvez eles
tenham a inteligência proveniente do pai — encaro-a sem saber o
que dizer.
— Mãe, eu estou pedindo gentilmente que você me deixe viver
a minha vida. Com licença — passo por ela.
— Virou madame de um dia para o outro, né? Quando o Brian
te largar, não venha me procurar!
— Como você consegue dizer isso para a sua própria filha? —
viro-me para ela.
— Ah, não. Começou o dramalhão da menina.
— Eu não quero você perto dos meus filhos e isso é motivo
suficiente para manter distância entre nós.
— Se você tiver filhos, né? Você só causou decepção para mim
e para o seu pai. Agora é a vez do Brian que se arrependerá de ter
casado com alguém de ventre seco incapaz de gerar uma vida.
— Não são as suas palavras que determinam a minha vida.
Mantenha-as com você!
— Eu queria que alguém tivesse dito isso para mim, assim eu
não teria engravidado de você.
— Se você acha isso, então esse é mais um motivo para
mantermos distância. Adeus, mãe! — sigo o meu caminho
mantendo a postura. O choro vem quando chego em casa, no meu
lugar seguro.
Não era fácil cortar relações com os meus pais, mas eu não
toleraria mais insultos. Eu estava cansada daquela situação, nunca
mudava e eu sempre me machucava. A melhor maneira era me
distanciar. E assim eu fiz.
Um Tempo Depois
Negativo. Esse era os resultados dos testes de gravidez que eu
fazia. Meses se passaram e eu não conseguia engravidar, o
problema só poderia ser comigo. Eu estava arrasada! Lembrava-me
constantemente das palavras de minha mãe e tinha receio do peso
delas sobre a minha vida. Eu orava repreendendo todo mal, mas o
meu coração se angustiava. Embora eu soubesse que a minha
ansiedade era o que mais atrapalhava, eu queria ver o “positivo” a
todo custo. Brian estava tranquilo em relação a isso, embora ele
quisesse ter mais filhos, ele não tinha pressa, afinal ele tem vivido
isso há sete anos.
— Amor, relaxa! Nós estamos tentando há pouco tempo —
Brian tenta me acalmar.
— Há meses! Eu poderia ter engravidado de primeira.
— Mas não engravidou. Deus não vai nos abençoar se você
ficar de birra. Vamos confiar Nele e esperar.
Ele estava certo, eu precisava acalmar o meu coração. Eu
passei dali em diante, a focar no meu trabalho, nas pessoas e no
momento que eu tinha no presente, sem ansiar pelo futuro. Pois,
além disso, eu também estava colocando em prática o meu projeto
de abrir a minha própria clínica de Fisioterapia. Decidi, então,
dedicar a minha atenção nisso. Porém…
Um mês depois, senti algo estranho. Eu acordei me sentindo
diferente. Era um enjoo e uma sensação estranha. Será que…
O meu coração dispara e as minhas mãos suam. Eram os
minutos mais longos da minha vida. Os meus olhos fechados
torciam para ver o que eu tanto esperava. Minutos que levaram
horas. Respiro fundo e finalmente olho o resultado. Será que isso
está certo? — pensei e duvidei. O meu coração acelerado e a
dúvida no meu coração. Naquele momento, eu senti que perdi toda
a minha inteligência e noção. Por mais que o “positivo” estivesse
claro naquele teste, eu enxergava “negativo” com todas as letras.
Por que eu não estava pulando de alegria? O tão esperado
“positivo” estava diante de mim! Eu estava louca? Eu estava
sonhando? Eu estava grávida mesmo? Os testes negativos feitos
anteriormente deixaram um espaço de dúvida. Eu precisava o teste
de sangue para cair a ficha, e eu o fiz.

Positivo. Positivo. Positivo. Eu repetia a mim mesma enquanto


olhava o céu pela janela do quarto após o resultado do exame sair.
Eu estava grávida! O meu sonho estava sendo gerado dentro de
mim.
— Oi! — levo um susto com a chegada de Brian. — Tudo bem?
— Tudo — não lhe conto.
— Você está estranha — ele percebe.
— Eu?
— Uhum.
— É que eu me assustei, eu estava distraída.
Eu queria contar para Brian ali mesmo, mas eu queria fazer
algo especial, e eu tinha algo em mente. A minha ideia precisava de
alguns dias para chegar e eu rastreava ansiosa pela chegada de um
único produto que revelaria a Brian a grande novidade.
Eu não sei como eu consegui controlar a minha ansiedade e
segurar a língua dentro da boca. A encomenda chegou após dois
dias de espera. Eu estava animada para contar e coloquei o objeto
dentro de uma sacola de presentes em cima da cama a espera de
Brian no final da tarde.
— Oi — digo sorrindo. — Eu estava te esperando.
— Para quê? — ele dá um sorriso malicioso.
— Primeiramente, eu estava com saudades — dou-lhe um
beijo. — E… eu comprei uma camiseta para a Clara e eu queria
saber a sua opinião.
— Uma camiseta?
— É.
— Assim… Do nada?
— Abre — entrego-lhe a sacola. Eu estava tremendo, e ele,
desconfiado.
Ele abre o pacote de maneira desengonçada e lenta que me
causava impaciência. A vontade de arrancar das mãos dele e rasgar
a embalagem me possuía. Calmamente, ele desdobra a camiseta
branca e vira a estampa para si que dizia “Big Sister”, que significa
“irmã mais velha”. Imediatamente, Brian me olha processando,
sorrio emocionada.
— Você… está… está grávida? — ele gagueja e balanço a
cabeça positivamente com os olhos cheios de lágrimas prestes a
cair. — Sério? Meu Deus! Sophie! — ele se chocada, sorri e me
abraça forte.
— Vamos ter um bebê! — digo chorando.
— Meu Deus! Eu não acredito que vou ser pai de novo! — ele
diz e beija a minha barriga agradecendo a Deus, e me beija em
seguida.
— Obrigada por viver esse sonho comigo! — digo chorosa.
— Está brincando? Essa é a parte favorita da minha vida! Eu
vou amar viver isso com você. Eu quero estar em todas as consultas
e viver cada momento.
— Então, prepare-se para estar livre daqui uns dias.

O ultrassom mostrava tudo, menos um bebê, mas ele estava


ali. Brian segurava a minha mão e estava atento a tudo. A médica
deslizava o equipamento pela minha pequena barriga. Eu estava
animada a espera do que ela tinha a me dizer e o seu silêncio me
deixava inquieta.
— Como está o nosso bebê? — pergunto impaciente.
— Então, Sophie e Brian…
— Tem alguma coisa errada? — Brian carregava preocupação
em sua voz assim como eu devido ao tom da doutora.
— O meu bebê está bem? — insisto.
— Sim, mas…
— Mas, o quê? — pergunto desesperada.
— Que tal nós colocarmos a letra “S” no final da palavra
“Bebê”?
— Quê? — pergunto mesmo após ter entendido.
— São dois.
— Dois? — Brian pergunta assustado.
— Dois! — ela confirma. — Gêmeos sem sombra de dúvidas!
Gêmeos bivitelinos, ou seja, não serão idênticos. Sendo assim,
podem ser duas meninas, dois meninos ou um casal. Mas, isso, nós
só saberemos daqui algumas semanas.
— Meu Deus! — eu estava em choque tanto quanto Brian.

Dentro do carro após aquela consulta, ficamos em silêncio no


estacionamento processando a informação. Dois bebês! Duas vidas!
Definitivamente, eu não esperava por aquilo.
— Gêmeos… — Brian quebra o silêncio. — Um dia eu não
tinha filhos e no outro eu tenho três. Que loucura!
— Eu estou nervosa. Será que eu serei uma boa mãe? E se eu
não conseguir?
— Sophie, eu fui pai aos dezesseis anos e eu consegui, e eu
nem queria ser pai. E hoje eu sou pai de três — ele processa
novamente. — Uau!
— Você tem experiência, eu não.
— Mas eu não tinha.
— Mas era só um bebê, não dois.
— Amor, se Deus nos deu é porque nós vamos conseguir. Você
não está sozinha! Você será uma ótima mãe!
Eu estava insegura e muito nervosa, mas ao mesmo tempo
muito feliz. A notícia alegrou a todos, a família estava crescendo
mais rápido do que imaginávamos. Deus pode mudar a nossa vida
de um dia pra o outro. Eu que era uma pessoa sozinha ganhei uma
família enorme. Eu que sonhava em ser mãe e hoje posso encher a
boca para falar “estou grávida”. Brian que morava apenas com o pai,
hoje mora em uma casa cheia. Deus sabe os nossos sonhos e tem
prazer em nos dar aquilo que queima em nosso coração. Ele é um
bom pai.
A minha ansiedade do momento era saber o sexo dos meus
bebês. E, dessa vez, eu estava sozinha na consulta com aquele gel
gelado sendo depositado e lambuzado em minha barriga.
— Quer mesmo saber? — a doutora pergunta, eu respondo
positivamente.

Eu aguardava Brian chegar em casa depois do treino para


contar a novidade. Eu estava tão feliz! Eu alisava a minha barriga
com uma enorme gratidão. As minhas bênçãos finalmente estavam
comigo.
— Oi, amor. Desculpa por não ter ido à consulta, o meu dia foi
uma loucura e eu estou exausto — as palavras dele entravam e
saíam pelo meu ouvido sem que eu desse muita atenção. — E
como foi? Você está bem? Os bebês estão bem?
— Estamos bem. E eu já sei o sexo.
— Conta! — ele se empolga.
— Bom, considerando que o pai determina o sexo dos filhos,
você, Brian Winters, aparentemente só sabe fazer meninas — ele
abre a boca chocado e sorri em seguida.
— Duas? Duas meninas?
— Sim, duas meninas.
— Meu Deus! Sophie! — ele estava processando.
— Você ficou decepcionado?
— Quê? Claro que não! Por que eu ficaria?
— Porque você já tem uma menina.
— Eu estou muito feliz! — ele parecia realmente feliz. — Eu
posso confessar uma coisa?
— O quê?
— Eu já sabia — ele diz.
— Como assim?
— Eu não tinha certeza, mas eu sentia que seriam duas
meninas. Eu acho que tenho boa intuição — ele diz.
— No fundo, eu também — confesso em tom de sussurro. —
Eu que sempre me vi sendo mãe de uma menininha, Deus me deu
duas — ele sorri com as minhas palavras.
— E eu que convivia com tantos homens, hoje estou cercado
por mulheres.
— Não se preocupe porque no futuro você terá três genros.
— Ah, não, você precisava estragar a magia do momento? —
ele surtava só de imaginar, eu ria.
— Eu não vejo a hora de conhecer as minhas bebezinhas.
— A Iasmin? — ele pergunta, olho para ele instantemente.
— E a Iris — digo me lembrando daquela noite. Brian me
abraça e ficamos ali, por alguns minutos juntinhos.
— Quantas meninas de TPM para lidar, meu Deus, ajude-me —
rio do seu comentário.
— Amor, eu estava pensando em uma coisa — digo.
— O quê?
— Eu quero incluir a Clara em tudo que decidirmos para as
gêmeas. Eu não quero de maneira nenhuma criar nenhum tipo de
ciúmes nela. Eu amo a Clara, e eu quero que ela faça parte disso
com gente.
— Uau! Isso é muito lindo, Sophie! Obrigado! Significa muito
para mim!
— Eu sei, para mim também. Eu quero que ela ame ser a irmã
mais velha.
— Ela parece bastante empolgada! Obrigado por isso, amor!
— Não precisa agradecer. É a nossa família!
Eu estava vivendo a vida dos meus sonhos e eu só tinha a
agradecer a Deus.
39
Iris e Iasmin vieram ao mundo em um dia lindo de agosto.
Ambas eram loiras de olhos claros, mas eram diferentes uma da
outra. Iasmin se parecia com Brian e tinha cabelos lisos. Iris, por sua
vez, era a minha cara, mas diferente da irmã, os seus cabelos eram
levemente ondulados nas pontas. Dois seres pequeninos e capazes
de nos derreter por inteiro. Eu estava apaixonada por elas. Brian
estava emocionado e segurava uma por vez para se apresentar a
elas, dando-lhes as boas-vindas, fazendo promessas, declarações
de amor e profetizando sobre a vida delas. Era lindo! Era mais do
que eu pedia a Deus.

Dois anos após o nascimento das meninas, eu vivia a vida


que eu não podia reclamar. Iris era meiga, calma e carinhosa, mais
apegada a Brian. Iasmin requeria um pouco mais da minha atenção
devido a sua personalidade mais agitada. Não era a toa que vivia
atrás de Day para gastar energia.
Quanto ao meu projeto, eu tinha dado um passo adiante e abri
a minha clínica de Fisioterapia, a “Girassóis”. A carga horária de
trabalho era perfeita para continuar sendo uma mãe presente
quando elas voltavam da escolinha. O maior foco da minha vida era
ser mãe. E aos finais de semana, era o nosso momento dedicado à
família. Naquele domingo quente de verão, decidimos ir ao shopping
levar as meninas em um parquinho interno. Enquanto Brian tirava
Iasmin do carro, Iris, que já estava no meu colo, passeava comigo
pelo estacionamento a espera dos dois. De um carro estacionado,
sai uma moça distraída e olha para nós, a sua expressão era
surpresa tanto quanto a minha.
— Emma?
Emma e eu não nos falamos mais desde daquele dia em que
brigamos, e eu não esperava mais vê-la, muito menos ali depois de
tanto tempo. Era estranho estar diante dela.
— Mamãe… — Iris aponta para algo, mas não dou bola, eu
estava nervosa.
— É a sua filha? — ela pergunta com a testa franzida.
— É! — dou-lhe um sorriso nervoso.
— Que pergunta idiota! Ela é a sua cara! — mantenho o sorrio
nervoso. Os olhos de Emma cravam em minha mão.
— Você se casou?
— Sim, há três anos mais ou menos. Eu tenho mais uma filha,
elas são gêmeas. Essa é a Iris, e a outra se chama Iasmin — eu
estava apreensiva.
— E cadê a outra?
— Está com o pai.
— Quem é o pai? — ela pergunta e ganha o meu silêncio até
descobrir com os seus próprios olhos.
— Papai — Iris diz descendo do meu colo e indo em direção a
Brian que aparece segurando a mão de Iasmin sem se dar conta de
quem estava diante de nós.
— Oi, meu am… — ele percebe a presença de Emma enquanto
pega Iris no colo.
— Uau — Emma diz. — Bela família! — ela ironiza.
— Obrigado — Brian diz, eu o repreendo com o olhar
segurando, dessa vez, Iasmin no meu colo. Emma passa por nós
balançando a cabeça como se estivesse cansada daquela situação.
— Emma — chamo-a.
— Sophie, na boa, vai viver a sua vida. Eu não esperava menos
de você. Eu estou bem, de verdade. E você também. É o que
importa agora. Eu desejo o melhor para você, mas, eu não te quero
mais na minha vida. Tchau — ela se vira e segue em frente.
Eu também não esperava menos do que isso vindo de Emma.
Apenas pelo fato de ter falado comigo era uma grande coisa. Os
meus sentimentos por ela estavam em processo de cicatrização
quase em sua total cura. Porém, aquele momento me abateu um
pouco. Iris e Iasmin estavam novamente no chão e brincavam entre
elas em uma área segura do estacionamento correndo atrás de uma
borboleta laranja. Brian me conforta mais uma vez.
— Está na hora de deixá-la ir, Soph. A Emma foi importante na
sua vida, mas agora a realidade é outra. Não é fácil pensar dessa
forma, eu sei, ainda mais por eu ter sido o causador de tudo isso. Eu
me sinto péssimo todas as vezes que eu penso nisso. Mas, o que
vai adiantar eu ficar remoendo isso a minha vida inteira? Eu tentei
contatar Emma durante aqueles três meses que nos afastamos e…
— Tentou?
— Sim, eu queria pedir perdão a ela, mas ela me bloqueou.
— Você nunca me contou isso.
— Eu não queria me converter a vítima por causa de uma boa
atitude. O que eu fiz foi o mínimo. E não vou mais atrás, mas eu
tentei. Você tentou. Nós estamos juntos, felizes e em família, vamos
deixar o passado para trás. O meu coração sempre foi seu, com a
Emma ou sem a Emma. Eu sei que eu manchei uma parte da nossa
história com isso, e se eu pudesse eu apagava ou arrancava essa
folha. No entanto, Deus nos deu um livro novo em branco todinho
para preencher com um futuro. Você, eu e as nossas meninas.
— Você tem razão! — sorrio.
— Vamos viver essa felicidade, então? — assinto e afasto os
pensamentos ruins.
Brian pega Iris no colo e Iasmin vem para o meu. Juntos
encontramos Kelly, Kevin e Clara no parque. Era loucura imaginar
que Clara já estava com dez anos. O tempo passava muito rápido e
eu não permitiria mais reclamar do que havia ficado para trás. Eu
orava por Emma e pelos meus pais para que onde eles estivessem
pudessem sentir a mesma felicidade que eu estava sentindo ao lado
das pessoas que eu amava. Eu quebrei um ciclo e estou vivendo
aquilo que eu sempre sonhei. Eu não sou o meu passado, pois ele
não me define. Eu não sou vítima, porque eu sou uma vencedora.
Eu não sou mais uma no mundo, eu sou filha de Deus. Tudo vem
Dele e tudo é para Ele.
Essa é a minha história. Qual é a sua?
Epílogo
— Brian, você está se preocupando demais!
— Você não entende, Sophie.
— Eu não entendo? Eu tenho duas filhas que, aliás, são suas
também e precisam muito de você. Amor, a Clara já tem dezoito
anos, é uma mulher crescida. Você precisa parar de querer protegê-
la de tudo como se ela ainda fosse aquela menininha de quatro
anos que eu conheci. Deixe-a cometer erros, viver as experiências
dela e aproveitar essa nova etapa.
— Não é porque você não teve o apoio dos seus pais que eu
vou deixar a minha filha sem suporte.
— Uau! Isso não é justo! Eu amo a Clara! Eu vi essa menina
crescer e quero o melhor para ela. O que eu estou dizendo é que
você está se preocupando demais e isso pode interferir nas
escolhas dela.
— Ela está indo para outro país para morar com estranhos, ela
não está mudando para casa ao lado, Sophie. É óbvio que eu me
preocupo.
— E eu não tiro a sua razão, mas a sua preocupação está em
excesso. Essa viagem será boa para ela.
— Você pode até amar a Clara, ter visto-a crescer e querer o
melhor para ela, mas ela não é a sua filha. E se uma das meninas,
ou as duas, viverem algo parecido futuramente, Deus queira que
não porque eu não sei se eu vou aguentar, você vai entender o que
eu estou falando, ou melhor, sentindo.
— Brian… — canso de discutir.
— Olá! — Clara entra em casa sorrindo com as mãos cheias de
sacolas. — Eu acabei de fazer as últimas comprinhas para a
viagem. Eu estou tão animada! Pai, não esquece, a gente precisa
estar no aeroporto às oito. O voo sai às dez horas — ela caminha e
fala ao mesmo tempo indo em direção ao seu quarto. Brian sorri
levemente com os lábios forçando uma alegria para não desmotivá-
la. Envolvo-o em um abraço.
— Eu não queria parecer insensível, desculpa. Ela vai ficar
bem! — solto Brian do abraço, ele assente.
— Desculpa por ter falado aquilo sobre os seus pais.
— Está tudo bem.
— Eu vou falar com ela — ele diz e segue até o quarto da filha.

Brian
O quarto de hóspedes deu lugar ao quarto de Clara, que dormia
de vez em quando conosco. Já o seu antigo quarto pertencia às
gêmeas e ficava próximo ao meu e de Sophie. A porta aberta me
permitiu ver Clara separando as coisas na cama em concentração.
As malas no canto apertavam o meu coração de pai.

— As suas malas estão prontas? — pergunto.


— Uhum, há dois dias. Eu acho que estou ansiosa demais e
com as expectativas enormes.
— Você quer muito isso, né? — pergunto sentido.
— Eu preciso disso, por vários motivos e você sabe quais.
— Eu sentirei a sua falta!
— Você não é tão velho assim e pode usar o celular para fazer
vídeo-chamada sempre que quiser.
— Eu não sou velho, tira esse “tão” da sua frase. E, sim, tenha
certeza que eu vou usar o meu celular. E, você, mocinha, atenda! —
digo em tom descontraído enquanto ela sorria.
— Claro que eu vou atender. Eu também sentirei a sua falta! —
puxo-a para um abraço e a aperto contra mim. Eu só queria carregá-
la no colo como eu fazia quando ela tinha metade da metade da
altura que ela tem hoje.
— Pai? — ela diz após eu conter o desabraço. — Está tudo
bem?
— Está — respiro fundo e ela me olha. — Filha, eu amo muito
você!
— Eu também te amo.
— Não mais do que eu amo você — ela sorri.
Com dor no coração, às dez horas da noite, ela entra no avião e
voa para o mundo afora. Eu sabia que muitas coisas a aguardavam.
Que Deus a acompanhe nessa nova jornada. Pai de joelho, filhos
em pé. Não é o que dizem? Bom, assim eu fiz.
Conheça a História de Clara Winters
Sinopse:
Clara Winters, a modelo de beleza chamativa e filha de um jogador
de Football Americano bem conceituado, leva uma vida insatisfeita.
Após receber uma proposta nada tentadora da agência onde
trabalha, Clara decide seguir o desejo adormecido em seu coração:
ser cantora.
Com a cara e a coragem, ela embarca rumo aos Estados Unidos
para participar de um programa de talentos, o Big Star. Lá, a jovem
se depara com a diferença cultural e a saudade da família. O
ambiente extremente competitivo extrai de Clara todas as suas
forças para ir em busca do seu sonho. O que ela não contava era
que, dentro desse sonho, o seu coração também despertaria para o
amor e mudaria não apenas a carreira profissional, mas também
toda a sua vida.

Ela fez um pedido para Deus: Senhor, muda a minha vida!

E Ele atendeu!

Uma história cheia de música, romance, fé e amor!

Confira o capítulo 1 dessa história que vai mexer com o seu


coração:
Prólogo
Maquiagem. Luz. Música. Vento artificial. Roupas. Poses.
Carão. Cliques. Essa era a minha rotina. A rotina sonhada por
milhares de meninas ao redor do mundo e que se tornou algo
natural para mim. Eu sou modelo fotográfico e trabalho para várias
agências em São Paulo desde os meus quinze anos. Eu nunca
havia feito esforço algum para estar aqui. Os elogios ao meu
respeito eram feitos a todo momento, eu não tinha tempo de ver a
minha autoestima cair, pois sempre havia alguém me elevando.
Bom, eu poderia dizer isso me referindo apenas ao meu exterior. Eu
era o padrão. Era comum ouvir as seguintes frases “Gisele
Bündchen que se cuide!”, “Olha aí, a substituta da Gisele”, “Entrou
na fila da beleza e não deixou nem um pouco para nós” ou “Como é
ser a filha favorita de Deus?”. O sorriso amarelo era visto com
nitidez, mas, na verdade, era um disfarce para o meu vazio interno.
Eu me olhava no espelho e sabia que eu era bonita, e esse era o
problema. Eu era apenas bonita, ninguém me conhecia de verdade.
01
Às oito e meia da manhã ouvindo um podcast enquanto faço os
meus ovos mexidos, minha mãe entra em casa como um foguete
exibindo um largo sorriso.

— Clara, é melhor você se sentar, eu tenho uma novidade!

— Só um minuto — peço enquanto continuo mexendo os ovos


na frigideira ao mesmo tempo em que desligo o podcast para ouvi-la
com atenção.

— Você foi convidada para desfilar no Gigi Fashion Show! —


ela diz eufórica. Viro-me para ela processando a informação que,
para mim, não era nada empolgante.

— Aquele desfile de lingerie igual à Victoria’s Secret onde toda


a mídia estará presente?

— Sim! Não é demais? — ela ainda sustentava o largo sorriso.

— Eu sou modelo fotográfico, nunca desfilei.

— Para tudo há uma primeira vez. E foram eles mesmos que te


convidaram. Clara, a maioria das meninas luta para conseguir uma
resposta deles ainda que seja um “não”. E você, minha filha, está
sendo convidada para um dos desfiles mais importantes do mundo
da moda!

— Eu prefiro ficar fora das passarelas, mãe — desligo o fogo e


coloco a minha porção de ovos mexidos em um prato.

— Clara, você precisa ir! E, na verdade, eu já disse que você


vai.

— Quê? — encaro-a e a repreendo. — Mãe!


— Desculpa, filha! Eu não poderia deixar essa oportunidade
passar. Você vai me agradecer depois, apenas dê uma chance.

— Não! — insisto.

— Por que não?

— Eu não quero desfilar de lingerie! Que vergonha!

— Vergonha do quê? Você não vai à piscina de biquíni? É a


mesma coisa!

— Não, não é! Eu não quero desfilar usando peças íntimas e


sensuais em frente a uma multidão de pessoas. Imagina o meu pai
e o meu avô vendo isso. Argh! — afasto os pensamentos. — E o
pior serão os homens desconhecidos me fitando de cima a baixo.
Não, obrigada — digo entre uma garfada e outra.

— Eu vou dar um tempo para você pensar.

— Não tem o que pensar, mãe. Eu não vou desfilar! Eu nem


tenho treinamento para isso.

— São três anos sendo fotografada. Está mais do que na hora


de você avançar na sua carreira.

— E se não for isso que eu quero para minha vida?

— Quê? Você é perfeita para isso!

Ignoro mais um comentário relacionado a minha aparência. Eu


sempre fui reservada e detestava a exposição que a minha mãe
fazia de mim. Ela se tornou uma influenciadora digital, mas eu não.
No entanto, por diversas vezes, eu estava lá, nos vídeos e nas fotos
dela contra a minha vontade. As minhas redes sociais eram
recheadas de fotos profissionais belíssimas e muitos seguidores
comentavam corações em cada uma das minhas postagens. E
manter as minhas redes atualizadas fazia parte do meu trabalho.
Quantas vezes eu publiquei uma foto maquiada e com roupas caras
enquanto eu estava deitada no meu sofá de pijama, descabelada e
sem maquiagem? Muitas! E, ainda assim, a minha mãe, que
também era fotógrafa, conseguia fazer fotos despojadas desses
momentos tão meus. Era sufocante. Eu sabia que tudo o que ela
fazia era pensando no melhor para mim, mas eu não enxergava os
seus planos da mesma maneira. Embora, eu tivesse um
relacionamento muito bom com os meus pais, a minha mãe falhava
nessa parte de maneira brusca.

— Clara! — ela estrala os dedos me tirando do devaneio.


Levanto-me, coloco o prato na pia e sigo para o meu quarto.
Enquanto calçava o meu tênis branco, minha mãe continuava
insistindo no desfile argumentando que eu precisava agarrar todas
as oportunidades que a vida estava me dando. Em silêncio, continuo
me ajeitando para sair. Coloco a minha bolsa no ombro esquerdo e
dou uma última olhada no espelho e saio.

— Aonde você vai? — passo por ela.

— Para a casa do meu pai.

— Para a Sophie te engordar com cookies? — ignoro a


pergunta, e ela continua. — Você precisa dar uma chance para as
coisas, Clara. E, se possível, ser um pouquinho mais grata também.
Tudo o que você faz no trabalho é reclamar. Ou o cabelo está ruim
ou a roupa está apertada e curta demais.

— Mãe, você já parou para pensar que eu não gosto de ser


modelo?

— Desde quando?

— Desde sempre!

— Como assim?

— Desde que eu sou criança você me fotografa. Você nunca


parou para pensar o quanto isso é invasivo para mim? Você registra
tudo, até o meu prato de comida. Como se as pessoas estivessem
realmente interessadas no que eu como.

— Mas elas estão!

— Depois de tirar cerca de cinquenta fotos iguais para postar


uma, você me autoriza a comer a comida fria do meu prato para
depois sorrir diante da câmera e dizer “Hum, está uma delícia!”,
quando, na verdade, não está. Eu não quero essa vida de mentira,
mãe!

— Você está dizendo que a minha vida é uma mentira?

— Não, eu não estou dizendo, eu estou vendo, ou pior, vivendo.

— É um trabalho, Clara. Isso é normal.

— Eu não consigo achar isso normal. Nada disso é espontâneo,


é tudo fingimento.

— As pessoas gostam de acompanhar a sua vida — ela diz de


forma descontraída.

— Elas gostam de acompanhar a vida que você criou para mim.

— Eu?

— Sim, você! — eu estava começando a me irritar.

— Clara, o desfile é daqui alguns meses, ainda dá tempo de


você aprender a desfilar.

— Por que você não desfila? — pergunto.

— Ora, Clara, por motivos óbvios. Eu não sou modelo e é mais


difícil aos 34 anos.

— Mas não é impossível! Esse mercado é muito amplo. Por que


apenas eu tenho espaço? Há diversas pessoas com diversos
biotipos que se sentiriam muito mais representadas por alguém que
realmente quer estar lá sem necessariamente se encaixar no padrão
exigido. Aliás, mãe, você se encaixa em muitos requisitos da
agência. Você deveria desfilar!

— O foco da conversa não é esse.

— Deveria.

— E você acha que eu não quis ser modelo? Era o meu maior
sonho!

— Mas não é o meu!

— E o que você quer fazer da sua vida?

— Eu ainda não sei.

— Clara, você não pode abandonar a sua carreira. Se você


investir nisso vai ganhar muito dinheiro e vai estar com a sua vida
feita.

— Eu não vou! — digo mais uma vez. — Você deveria ter


investido na sua carreira como modelo já que isso é algo que você
tanto ama.

— Eu teria feito isso.

— E por que não fez?

— Porque eu engravidei. Eu deixei tudo para trás para cuidar


de você — ela explode. Cada palavra dela entra como facadas no
meu coração.

— Desculpa ter estragado o seu sonho e ter frustrado a sua


vida, mãe — digo com dor em cada palavra e nó na garganta.

— Clara, eu não quis dizer isso.


— Mas disse.

— Não!

— Eu não quero ser modelo, mãe. Eu não quero passar a


minha vida fazendo algo que eu não ame. Eu sinto muito por
estragar as suas expectativas… de novo.

— Clara… — ela chama antes que eu fechasse a porta atrás de


mim.

Ligo o meu carro e uma música aleatória começa a tocar. Por


alguns minutos fico ali dentro me perguntando: quem eu sou? O que
eu realmente quero? Quem é a Clara por de trás desse rosto
bonito? Eu não tinha uma resposta. Respiro fundo e sigo para a
casa do meu pai sem saber se eu o encontraria lá àquela hora da
manhã.

— Pai? — entro e o vejo na bancada da cozinha mexendo em


seu computador.

— Que surpresa boa! — ele sorri e me abraça quando me vê.


— Como você está?

— Bem — minto.

— Mesmo?

— Você me conhece tão bem — bufo.

— O que aconteceu? — ele pergunta enquanto nos


acomodamos na banqueta.

— Promete que não vai rir?

— Prometo!

— É sério!
— Tá bom!

— Eu estou cansada de ser bonita! — digo como se tirasse um


peso enorme de dentro de mim, mas ele cai na gargalhada.

— Pai! — repreendo-o.

— Desculpa! — ele pede, mas eu bufo. — Como assim, Clara?

— Ah pai, ninguém me conhece de verdade. Tudo gira em torno


do meu exterior. As pessoas me seguem porque eu sou bonita,
porque eu tenho fotos legais, porque eu sou o padrão. Essas
pessoas me idolatram e nem me conhecem de verdade.

— Elas gostariam ainda mais se te conhecessem — ou não.


Esse foi o meu primeiro pensamento. Será que eles gostariam da
verdadeira Clara? Mas, quem era a verdadeira Clara? O que eu
tinha de bom a oferecer ao mundo?

— E não pense que você está fora da minha lista! — ele se


surpreende com o que eu falo. — Sim, você acha que é fácil ter o
seu sobrenome? Em todo lugar em que eu me apresento, as
pessoas perguntam o nosso grau de parentesco, e quando eu digo,
eles começam a falar sobre você o tempo todo. Eu já perdi as
contas de quantas vezes eu escutei a sua biografia em áudiobook.
E não pense que acabou. Todo garoto quer sair comigo só para te
conhecer. Ou seja, eu sou a modelo bonita e filha do Brian Winters,
é isso que eu sou — ele aperta os lábios em um sorriso
constrangido. — Desculpa — peço.

— Tudo bem.

— Eu estou nervosa — justifico-me.

— Por que, Clara?

— A minha mãe e eu brigamos. Ela disse que eu estraguei o


sonho dela em ser modelo.
— Ela disse isso? — assinto em resposta. — Clara, eu conheço
a sua mãe há anos e, com certeza, ela falou isso da boca para fora
e está arrependida se remoendo de preocupação nesse exato
momento. Ela ama você.

— Eu sei. Eu só… não queria te estragado a adolescência de


vocês — seguro o choro.

— Clara, para com isso! Eu não vou mentir para você, foi
assustador. Mas você foi a melhor coisa que aconteceu na minha
vida, e eu passaria por tudo de novo só para ter você. E a sua mãe
concordaria com cada palavra — sorrio levemente com os lábios.

— Pai, eu entendo que a minha mãe me ama e quer o melhor


para mim, mas ela está fazendo isso da maneira errada. Eu não
quero ser modelo.

— E você vai aceitar isso até quando?

— Aceitar o quê?

— Fazer o que não gosta e ser definida pelas pessoas — ele


me encara. — Você precisa descobrir o que você realmente quer.
Clara, quando eu me lesionei, o que eu mais escutava era que eu
não jogaria mais. Ou seja, eu teria que fazer qualquer outra coisa da
minha vida e ter que deixar o que eu mais amava de lado. As
pessoas me definiam o tempo todo. Eu era o jogador lesionado, o
mulherengo, o pai adolescente e tantas outras coisas. Eu escutava
aquelas palavras e a primeira coisa que eu fazia era absorver aquilo
e mostrar que eu não era o que me diziam, ou seja, eu fazia tudo
para agradar as pessoas. E, por causa disso, eu me perdi
totalmente no meu caminho — eu ouvia tudo atentamente. —
Quando eu me converti, eu entendi que, a única pessoa que pode
me definir é Deus. E quando eu soube quem eu era, eu quis agradar
a Ele. E, então, Ele me direcionou para o caminho certo. É isso que
você precisa fazer, senão você vai viver uma vida frustrada. E,
definitivamente, eu não gostaria de ver alguém como você, cheia de
potencial, sendo ofuscada pelas pessoas.

Quando o meu pai me contava as suas rebeldias do passado


quase não conseguia acreditar o tanto que ele já aprontou. A sua
transformação era visível. Ele era outra pessoa. De um homem
mulherengo para um homem descente, bem casado, pai de família e
um excelente coach que elevou o SP Lions, que estava fadado ao
fracasso. Eu tinha muito orgulho dele, e eu sabia que ele também
tinha de mim mesmo sem eu ter nada a oferecer.

— Clara, descubra essas três coisas: quem você é; a quem


você quer agradar; e o que você quer realizar.[1] Quando você
encontrar essas respostas e se firmar nelas, ninguém terá o poder
sobre você.

— Você acha mesmo que eu tenho alguma coisa para oferecer


ao mundo?

— Eu não tenho dúvidas — ele diz com firmeza.

— Eu não quero mais modelar — digo mais uma vez.

— Então, não modele.

— A minha mãe vai me matar.

— Não, ela não vai.

— Eu não quero decepcioná-la, eu sei o quando isso significa


para ela.

— E o que isso significa para você? Não se anule, essa é a sua


vida. A sua mãe tem a vida dela, você precisa construir a sua. Vá
atrás do você realmente quer.

— Eu não sei o que eu quero, eu não sei quem eu sou…


— Quem conhece melhor a criatura senão o próprio criador?
Você sabe onde podemos encontrar todas as respostas para as
nossas perguntas, não sabe?

— Na oração e na Palavra — digo.

— Exato! O que eu sempre te falei?

— Você é uma vencedora!

— Isso. Mas eu quero que você fale em primeira pessoa.

— Eu sou uma vencedora!

— Com entusiasmo, Clara.

— Eu sou uma vencedora! — tento.

— Ainda pode melhorar — ele sorri levemente com os lábios e


faço o mesmo.

— Quando eu penso em algo que talvez eu queira, parece-me


tão impossível…

— Mais impossível do que eu voltar a jogar depois de uma


lesão grave? Eu sempre vou testemunhar isso e nem me fale que já
sabe decor.

— Você sempre conta como se fosse a primeira vez.

— Foi muito marcante para mim — ele diz com o olhar distante
e mudo de assunto antes que ele repita a história pela milésima vez.

— Que pena que as meninas estão na escola, eu queria vê-las.

— Elas vão chegar mais tarde hoje.

— Elas estão fazendo aulas extracurriculares, né?


— Sim. A Iasmin quer jogar vôlei.

— Olha só, uma atleta. Quem será que ela puxou? — brinco.

— Eu me vejo tanto nela que chega a ser assustador.

— E a Iris?

— Ballet.

— Duas personalidades completamente diferentes.

— Pois é.

— Até elas sabem o que querem fazer…

— Elas têm dez anos, cada hora elas querem uma coisa
diferente.

— Eu lembro que eu queria ser veterinária e ficava encantada


com o estetoscópio da Sophie, lembra?

— Eu lembro — ele sorri. — Depois você quis ser astronauta,


atriz, maquiadora…

— É tão legal ver quem já nasce sabendo o que quer ser na


vida igual você e a Sophie.

— Cada um tem um processo, Clara. O que faz o seu coração


arder? Você não precisa me dizer, mas pense sobre isso. O que
você faria pelo resto da sua vida se você não ganhasse nem um
centavo por isso? Pense a respeito — assinto ao conselho do meu
pai e mudo de assunto novamente.

— O que você está fazendo em casa? Eu achei que não ia te


encontrar aqui a essa hora.

— Eu estou estudando algumas estratégias para passar aos


meus jogadores amanhã.
— Você está gostando da vida de Coach?

— Sim. Tem sido incrível. Com exceção do meu time adversário


comandado pelo insuportável do Tutu, mas “tutu” bem.

— Você e o Tutu vivem como cão e gato desde que eu me


entendo por gente.

— Eu não suporto esse entojado — rio. — O importante é que o


SP Lions está em uma excelente posição devido a muito esforço e
dedicação. Foi uma honra substituir a Gabe. Logo, o aposentado,
serei eu.

— Você é jovem ainda.

— Eu sei, mas o tempo voa. Ontem, você tinha quatro anos e


agora, dezoito — sorrio.

— E a Sophie?

— Está na clínica.

— Deixe o meu beijo para as três princesas. Ou melhor, quatro.


Cadê a Day?

— Saiu com o seu avô para fazer compras. Um minuto de paz


— ele brinca.

— E eu atrapalhei — cerro os olhos brincando também.

— Você nunca me atrapalha.

— Nunca?

— Só quando você chorava de madrugada, ou fazia xixi na


cama, ou…

— Chega! — ele ri. — Eu preciso ir.


Despeço-me do meu pai e sigo para casa com o coração mais
calmo. Eu precisava estar calma, pois eu não iria naquele desfile
nem por um decreto!

◆◆◆

Entro em casa discretamente e escuto a voz da minha mãe


vindo do meu quarto. Ela falava ao telefone. Em passos lentos tento
ouvir alguma coisa. Aos poucos, as palavras vão fazendo sentindo.
Ela conversava com o meu pai.

— Eu sei que ela foi aí, Brian — ela pausa. — Eu estava de


cabeça quente, eu não quis dizer aquilo — empurro a porta que
estava entreaberta. Ela estava de costas para mim.
Silenciosamente, encosto-me no batente e cruzo os braços ouvindo
a conversa. Como a ligação não estava no viva-voz, eu não pude
ouvir o que o meu pai dizia, mas não era nada que a acalmasse. Ela
estava nervosa e falava sem parar.

— E não é verdade? A Clara não foi planejada, foi um acidente,


ou melhor, a consequência de uma idiotice nossa. Ela acha que nós
dois, em algum momento, éramos apaixonados, mas, na verdade,
ela é fruto de uma noite de bebedeira — ela se vira para mim e se
choca com a minha presença. — Brian, eu preciso desligar.

— Bebedeira? — pergunto.

— Não foi bem assim, Clara — quanto mais ela falava, pior
ficava. Mesmo que ela disfarçasse e falasse de maneira
descontraída, o meu dia ruim ficou péssimo. A única coisa que eu
consegui dar a minha mãe foi o meu silêncio.

— Clara…

— Mãe… — tento manter a calma — eu não quero conversar.


Por favor, eu preciso ficar um pouco sozinha.
— Vamos conversar mais tarde, então? Eu odeio quando a
gente briga.

— Eu também odeio, mas agora eu preciso ficar sozinha, por


favor.

— Tá bom — ela beija a minha cabeça e me deixa sozinha.

Fecho a porta do quarto, sento no chão e arranco o meu tênis.


As lágrimas escorrem sem controle enquanto abraço as minhas
pernas.

— Por favor, meu Deus, muda a minha vida. Mostra-me o


porquê eu nasci. Eu não quero viver achando que eu sou um ser
vagando no mundo sem propósito algum. Por que o Senhor me deu
a vida? Por favor, eu quero uma razão. Empresta-me os Teus olhos,
pois eu não vejo perspectiva alguma. O que o Senhor sonha para a
minha vida? Simplesmente me mostra, Pai. Por que o Senhor
permitiu que eu tivesse vida? — eu implorava.

Eu orei com toda a minha fé, e eu tinha a certeza em meu


coração de que Deus recebeu cada palavra, letra, vírgula e ponto da
minha oração. Eu sabia que o melhor ainda estava por vir, como
Sophie sempre costuma nos dizer. E ela não está errada, mas eu
me esqueci de um detalhe: para viver o meu sonho, eu precisava
passar pelo processo.
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Mensagem da autora
Obrigada por ter chegado até aqui e ter feito parte desse sonho
comigo. Eu não poderia desejar menos do que fé e esperança em
sua vida. Eu não sei pelo o que você tem passado, mas eu espero
que você tenha a perseverança de Sophie, que mesmo sem
entender nada confiou no Pai. E que o testemunho dela te encoraje
para enfrentar as dificuldades da vida. Que você faça tudo por amor
ainda que as circunstâncias sejam adversas. Que você possa se
inspirar em Brian e abrir o seu coração para Deus cada dia mais. E
que você se lembre que, só Jesus pode preencher o vazio do nosso
coração. Que Brian te inspire a nunca desistir de um sonho. E que
você tenha o discernimento como ele e busque consertar o que for
necessário e abandone o que for mal. Que você seja cheia da
alegria da Day e sirva as pessoas sem esperar nada em troca. Que
você estenda a mão a alguém e recomece como o George. Que
você seja verdadeira, encorajadora e parceira como a Kelly. Que
você, à distância ou presencialmente, seja uma boa amiga como a
Evelyn. Que você conheça pessoas que vejam o seu potencial como
a Dra. Brianna fez de maneira excelente, e que você se torne uma
pessoa assim. Que você tenha aprendido com o Spencer a como
não ser. E, por último, mas não menos importante, que você seja
puro de coração como a Clara. Que em meio a uma dificuldade,
você se olhe com carinho e nunca duvide de sua capacidade. Você
consegue! Você é uma vencedora! Ah, e coma cookies! — A receita
está no meu instagram — E não deixe a sua criança morrer,
portanto, coma gotinhas de chocolate durante o preparo. Que os
seus beijinhos milagrosos aqueçam o coração das pessoas. Que
você sonhe alto! Que sua realidade hoje não determine o seu futuro.
Que você quebre os ciclos ruins e construa um novo em folha cheio
de amor. Que as palavras mal ditas não criem raízes em seu
coração. E lembre-se que uma tempestade é um faxinão no céu
quando sentir medo. E que esse livro de forma geral tenha
transmitido a principal mensagem:

O Melhor está por vir!


Literalmente! Maranata! É com Ele, por Ele e para Ele!

Com meu amor,

Lauren.

A Autora
Lauren Christ, nasceu em 1991, no interior do Estado de São Paulo,
Brasil. Formou-se em Letras, português e inglês, pela Universidade
de Sorocaba e trabalha como escritora, preparadora/revisora de
texto e professora. Além da paixão pela escrita, que a acompanha
desde a infância, o seu grande objetivo é levar a Palavra de Deus
através de seus livros como forma de reflexão e entretenimento aos
jovens cristãos.

[1] Inspirado em uma pregação de Talitha Pereira: Não deixe a ansiedade te


paralisar – disponível no Youtube.
[1] Wide Receiver: recebedor. É a posição ofensiva do Futebol Americano.
[2] NFL: National Football League é a liga esportiva profissional de futebol americano
dos Estados Unidos.
[3] Quarterback: posição do Futebol Americano que dá início as jogadas e faz passes
com o Wide Receiver.
[4] Parábola de Jesus em Mateus 18:21-22 sobre o perdão.
[5] QB ou Quarterback = é uma posição no Football Americano.
[6] Louvor: Eu Tenho Você – Marcelo Markes ft. Isadora Pompeo

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