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CONTRIBUTO OPP

Livro Branco – O Presente e o Futuro do SNS

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Comentários Técnicos e Gabinete de Estudos OPP Outubro 2018


Contributos OPP Lisboa
COMENTÁRIOS TÉCNICOS E CONTRIBUTOS OPP

Índice

1. A Saúde em Portugal – Desafios Actuais e Futuros

1.1. Intervir nos Determinantes Sociais e Comportamentais da Saúde

1.1.1. Mudanças Demográficas


1.1.2. Alterações Climáticas e Problemas Ambientais
1.1.3. Comportamentos e Estilos de Vida

1.2. Implementar Estratégias de Colaboração Intersectorial

1.3. Investir na Prevenção, Promoção da Saúde e Desenvolvimento das Pessoas

1.3.1. Saúde Mental e Psicológica


1.3.2. Demências
1.3.3. Doenças Oncológicas

1.4. Prevenir e Intervir nos Riscos Psicossociais

1.5. Maximizar o potencial das Tecnologias de Saúde

1.6. Privilegiar Modelos de Financiamento por Resultados

1.7. Promover a Investigação e a Inovação

2. O Papel da Psicologia e dos Psicólogos no SNS – Desafios Actuais e Futuros


Conclusão

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Contributo OPP
Livro Branco – O Presente e o Futuro do SNS

O presente documento surge como iniciativa da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e
enquanto contributo para o desafio lançado pelo Governo com o objectivo de promover a reflexão e
a construção de um Livro Branco subordinado ao tema “Presente e Futuro do Serviço Nacional de
Saúde”.

A OPP é uma associação pública profissional que representa e regulamenta a prática dos
profissionais de Psicologia que exercem a profissão de Psicólogo em Portugal (de acordo com a Lei
nº 57/2008, de 4 de Setembro, com as alterações da Lei nº 138/2015, de 7 de Setembro). É missão
da OPP exercer o controlo do exercício e acesso à profissão de Psicólogo, bem como elaborar as
respectivas normas técnicas e deontológicas e exercer o poder disciplinar sobre os seus membros.
As atribuições da OPP incluem ainda defender os interesses gerais da profissão e dos utentes dos
serviços de Psicologia; prestar serviços aos membros em relação à informação e formação
profissional; colaborar com as demais entidades da administração pública na prossecução de fins de
interesse público relacionados com a profissão; participar na elaboração da legislação que diga
respeito à profissão e nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso
à profissão.

Neste sentido, a OPP julga pertinente oferecer um contributo para a reflexão e a discussão em
torno do Presente e do Futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Começamos por analisar alguns
desafios, actuais e futuros, que se colocam à Saúde em Portugal, no geral, e depois, ao papel da
Psicologia e aos Psicólogos, em particular.

1. A Saúde em Portugal – Desafios Actuais e Futuros

A sociedade actual confronta-se com um conjunto de desafios económico-políticos, sociais e


individuais. A nível macro e micro as preocupações da Europa e de Portugal centram-se à volta de
temas como as mudanças demográficas e o bem-estar; a sustentabilidade económica e ambiental;
um mundo em mudança que exige a participação activa dos cidadãos e novas formas de promover a
inclusão, a inovação e a segurança.

Entre esses desafios, ocupa lugar de destaque a Saúde, uma vez que constitui um elemento crucial
da qualidade de vida de uma população saudável e é, inegavelmente, um componente fundamental
de uma economia e de uma sociedade sustentáveis e prósperas. A produtividade económica, o
desempenho educativo, o envolvimento cívico e a cidadania activa, assim como a resiliência social
dependem da Saúde da população.

Os desafios de Saúde que enfrentamos são complexos, multinível e multifacetados. Não existem
soluções simples nem isoladas para as doenças crónicas, a obesidade, os problemas de Saúde

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Mental, as desigualdades em Saúde, o aumento dos custos em Saúde ou o envelhecimento da


população. Simultaneamente, os desafios ambientais gerados pelas mudanças climáticas, a escassez
de água e de outros recursos naturais ameaçam exacerbar os problemas de Saúde existentes e criar
novos desafios em Saúde. Todas estas dificuldades estão inextricavelmente relacionadas e, portanto,
priorizar a Saúde é uma estratégia chave para promover um amplo conjunto de objectivos sociais
e políticos.

Apresentamos de seguida um conjunto de desafios e estratégias que consideramos fundamentais


para a construção de um presente e de um futuro do SNS que garanta a eficácia e qualidade dos
cuidados e dos ganhos de Saúde em Portugal, assim como a sustentabilidade, não só do SNS, mas
também do país.

1.1. Intervir nos Determinantes Sociais e Comportamentais da Saúde

Os determinantes sociais e comportamentais da Saúde explicam grande parte da morbilidade e


mortalidade prematura da população, desempenhando um papel cada vez mais preponderante na
melhoria geral da Saúde da população. Estes determinantes incluem: o contexto socioeconómico e
político (políticas macroeconómicas, políticas sociais de emprego e habitação, políticas públicas de
educação, saúde e segurança social); o estatuto social, a educação, a profissão e o salário; as
circunstâncias materiais relativas às condições de vida; os comportamentos e estilos de vida (por
exemplo, hábitos alimentares, actividade física, consumo de álcool); factores biológicos e
psicossociais (por exemplo, stressores psicossociais, relações e condições de vida stressantes, apoio
social e estratégias de coping). E limitam a escolha dos cidadãos na mudança para comportamentos
mais saudáveis, criando barreiras à igualdade de oportunidades e alimentando as desigualdades
(sociais, económicas e de Saúde).

Dentre os determinantes que ameaçam a Saúde dos cidadãos portugueses destacamos: as


mudanças demográficas, as alterações climáticas e os problemas ambientais, assim como os
comportamentos e estilos de vida.

1.1.1. Mudanças Demográficas

Em Portugal, verificou-se o decréscimo da população jovem (0 a 14 anos de idade) e da população


em idade activa (15 a 64 anos de idade), em simultâneo com o aumento da população idosa (65 e
mais anos de idade). Actualmente, 26,6% da população tem mais de 65 anos, mas até 2050 esse
valor deverá ultrapassar os 40%. Esta tendência vai agravar-se: de acordo com as projecções,
existirão, em 2080, 2,8 milhões de idosos em Portugal e o índice de envelhecimento mais do que
duplicará, passando de 147 para 317 idosos por cada 100 jovens (INE, 2017).

O aumento da esperança média de vida e do número de anos que vivemos já está a transformar a
sociedade e a economia, levantando diversas questões que vão desde o financiamento dos cuidados
de saúde, às medidas de protecção social ou às dimensões que é necessário promover para que a
qualidade de vida e o bem-estar acompanhem o prolongamento da vida.
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O envelhecimento da população é acompanhado de um aumento das doenças crónicas, que em


2020 serão responsáveis por 75% das mortes em todo o mundo, e que afectam não só os indivíduos
como as suas famílias, constituindo problemas para os quais é necessário encontrar respostas.

Cada vez mais a velhice traz também sintomas de Demência. Segundo o relatório de Saúde mais
recente (OECD, 2017), Portugal é o quarto país da OCDE com mais casos de Demência, com 19,9
casos por mil habitantes – um valor superior à média dos 35 países avaliados. Estima-se que existam
182 mil portugueses com Demência e que, em 2037, a prevalência das Demências em Portugal
aumente para os 32,5 por mil habitantes. Esta realidade acarreta custos muito elevados, reflectindo
uma sobrecarga para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para a economia das famílias. Assume-se
que as Demências sejam a principal causa de gastos na Saúde relativas a indivíduos acima dos 65
anos. Em 2015 estimou-se que 76.250 portugueses diagnosticados com Demência receberiam
fármacos anti demenciais, representado um encargo financeiro de 37 M€/ano.

Para além de uma pirâmide demográfica envelhecida, há que constatar ainda o desequilíbrio entre a
natalidade desejada e o índice de natalidade em Portugal.

Sustentar o envelhecimento da população requer um foco crescente no prolongamento da


equidade na Saúde e no bem-estar ao longo do Ciclo de Vida. Os idosos requerem cuidados de
Saúde de longo-prazo que são, responsabilidade dos sectores da Saúde e social.

Para além do envelhecimento da população, a nível demográfico, é preciso salientar ainda as


mudanças no perfil migratório de Portugal. Desde o início do século XXI que se assiste a um
decréscimo da população imigrante (embora isso não se verifique em todos os perfis – por exemplo,
aumentaram as autorizações de residência para estudantes do ensino superior, assim como o
número de descedentes de imigrantes que adquiriram a nacionalidade portuguesa) e um aumento
gradual da emigração portuguesa para o estrangeiro. Por isso, é necessário perspectivar as
migrações enquanto parte de uma estratégia de valorização do talento, do crescimento económico e
do capital humano; garantir o respeito pela dignidade da pessoa humana, a igualdade e o acesso à
Saúde, assim como consolidar o trabalho de acolhimento e integração das diferentes gerações de
imigrantes.

1.1.2 Alterações Climáticas e Problemas Ambientais

As alterações climáticas e os restantes problemas ambientais constituem uma das principais


ameaças à Saúde no século XXI e têm impactos directos e indirectos na Saúde. Por exemplo, a
diminuição do acesso a água potável, a poluição, o aumento do nível do mar, o aumento do buraco
na camada de ozono ameaçam a vida humana e os ecossistemas dos quais a vida humana depende.
Neste sentido, a sustentabilidade ambiental pode ser considerada, em si mesma, um objectivo de
Saúde. Muitas estratégias de resposta aos desafios ambientais têm importantes co-benefícios na
Saúde. Por exemplo, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa através de alterações nos
meios de transporte – substituir a utilização do carro por modos de transporte activos como andar a
pé, de bicicleta ou transportes públicos – pode trazer grandes benefícios para a Saúde através da
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redução da poluição do ar e do aumento da actividade física, o que reduziria a prevalência das


doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose, depressão e outras doenças crónicas.

1.1.3. Comportamentos e Estilos de Vida

As evidências científicas sobre o impacto dos comportamentos e estilos de vida nas principais causas
de mortalidade e morbilidade são contundentes. Sabemos que comportamentos como fumar,
consumir álcool em excesso, hábitos alimentares pouco saudáveis, falta de exercício físico e
comportamentos sexuais de risco podem contribuir determinantemente para um elevado número
de doenças.

Por exemplo, entre os principais factores de risco para o aparecimento da Diabetes, quer nas
crianças quer nos adultos, estão os hábitos de exercício físico e alimentares, assim como o excesso
de peso. A Diabetes (tipo 2) constitui um dos grandes desafios de Saúde Pública que enfrentamos
hoje em dia e é, em larga medida evitável: a adopção de estilos de vida saudável, que incluam a
prática de actividade física e uma alimentação equilibrada, pode evitar cerca de 70% dos casos de
Diabetes. Neste sentido, poder-se-ia eliminar ou reduzir esta doença através da facilitação de
mudanças comportamentais e da adopção de estilos de vida saudáveis.

O mesmo se aplica a outras Doenças Não Transmissíveis (DNT), como os problemas


cardiovasculares, o cancro ou a depressão. Segundo o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-
Cardiovasculares (2017), quase 30% dos óbitos em Portugal devem-se a doenças cardiovasculares,
mantendo-se inalterada, há 5 anos, a mortalidade por Doença Isquémica Cardíaca com um
agravamento da mortalidade prematura, abaixo dos 70 anos. De acordo com o Eurostat, em
Portugal, uma em cada quatro pessoas morre de cancro. Segundo o Relatório do Programa Nacional
para as Doenças Oncológicas, em 2015, e descontando os efeitos do envelhecimento, 152,2
portugueses em cada 100 mil habitantes morreram de cancro, o que revela um aumento de 0,46%
face ao ano anterior. Em Portugal, a depressão corresponde a 7,9% do total das doenças mentais,
tendo uma prevalência ao longo da vida de 16,7% (Almeida & Xavier, 2009). A depressão constitui
um factor de risco para todas as grandes causas de morte relacionadas com doenças físicas: no
geral, está associada a um aumento da mortalidade em 50%.

AS DNT são responsáveis pela perda potencial de 3,4 milhões de anos de vida produtivos nos países
da União Europeia e explicam mais de 70% dos custos de Saúde da OECD. Na Europa causam quase
86% das mortes e 77% do encargo com a doença, aumentando a pressão nos sistemas de Saúde, no
desenvolvimento económico e no bem-estar de grande parte da população, particularmente aquela
com mais de 50 anos. Simultaneamente são responsáveis pelo aumento das desigualdades em
Saúde e estão associadas a um gradiente socioeconómico e a diferenças de género significativas.
Estas doenças desenvolvem-se mais cedo nas populações vulneráveis e levam à morte mais
precocemente e mais frequentemente.

Referindo-se a sustentabilidade (da sociedade, no geral, e da Saúde e do SNS, em particular) à


capacidade de atender às necessidades do presente sem comprometer as necessidades do futuro,

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fica claro que só é possível garanti-la intervindo naqueles que são os determinantes sociais e
comportamentais do bem-estar e da Saúde dos cidadãos.

1.2. Implementar Estratégias de Colaboração Intersectorial

Se, como vimos, a Saúde depende e é influenciada por um conjunto de determinantes sociais e
comportamentais que abrangem todas as áreas da sociedade – desde a política, à economia, ao
ambiente ou à educação – então, a Saúde deve ser tida em consideração em todos os sectores da
sociedade e sempre que são tomadas decisões importantes, as consequências para a Saúde devem
ser ponderadas.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946) define Saúde enquanto um “estado de bem-
estar físico, mental e social completo e não meramente a ausência de doença”. E, portanto, a
amplitude deste estado de bem-estar vai muito para além daquilo que o sector da Saúde pode
proporcionar sozinho.

No entanto, a população e as organizações sociais continuam a esperar “Saúde” exclusivamente ou


principalmente do sector da Saúde. É imprescindível mobilizar parcerias noutros sectores e
fomentar um diálogo transversal e integrado que conduza à criação de redes de co-
responsabilidade em que todos sejam participantes activos na protecção da Saúde.

A Saúde não pode ser enquadrada isoladamente, as perspectivas focadas exclusivamente na Saúde
devem ser alargadas a perspectivas mais holísticas e multinível. A capacidade de influenciar os
determinantes sociais e comportamentais da Saúde implica a colaboração intersectorial, implica
que outros sectores reconheçam o impacto do seu trabalho na Saúde e destruam os silos existentes,
construindo e integrando novas parcerias que promovam a Saúde, a equidade e a sustentabilidade.
É necessário um compromisso de todas as áreas de governação com a Saúde numa abordagem
“Saúde em todas as políticas”.

Para além de acções do governo e dos decisores dos diferentes sectores sociais, a promoção da
Saúde envolve ainda acções de indivíduos, famílias, comunidades, organizações e influenciadores
sociais.

1.3. Investir na Prevenção, Promoção da Saúde e Desenvolvimento das Pessoas

Dentro e fora do SNS é necessário apostar nas acções de prevenção, de promoção da Saúde e do
desenvolvimento das pessoas. Não sendo viável desenvolver um sistema de Saúde sustentável sem
capacitar os profissionais de Saúde e os cidadãos para os comportamentos e competências de
prevenção e promoção da Saúde, é imperativo mudar o paradigma remediativo actual. É
fundamental proporcionar, de modo planeado e sistemático, meios para que os profissionais de
Saúde, os cidadãos, as famílias e as comunidades possam actuar em prol das mudanças sociais
necessárias, da superação das desigualdades e da melhoria das condições e qualidade de vida, quer
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directamente, quer indirectamente, contribuindo para influenciar a construção de políticas


concertadas de equidade e sustentabilidade.

As estratégias de prevenção, promoção da Saúde e desenvolvimento pessoal devem incluir medidas


para o aumento da Literacia em Saúde; para a educação para o auto-cuidado e a auto-regulação;
para o desenvolvimento de competências transversais de vida; para a adopção de estilos de vida
saudáveis; para o envelhecimento activo; e para a resiliência e o empowerment da população.

Estas medidas e os resultados que podem produzir estão inextricavelmente relacionados, fazendo
parte de uma solução complexa que envolve a mudança de comportamentos.

A Literacia e Educação para a Saúde dizem respeito à forma como os indivíduos compreendem
informação acerca da Saúde (Física e Psicológica) e dos cuidados de Saúde e de como a aplicam às
suas vidas, utilizando-a para tomar decisões e interagir com os profissionais de Saúde. A literacia
para a saúde está relacionada com a capacidade de autogestão da doença e outros resultados de
saúde, constituindo também o primeiro passo para promover a participação e o empowerment dos
cidadãos para que realizem escolhas e decisões de saúde de modo informado e se envolvam
activamente nas decisões que impactam a sua Saúde (incluindo a definição de políticas e serviços de
Saúde). Este representa ainda um elemento chave para assegurar a acessibilidade dos Serviços de
Saúde e melhorar a capacidade do SNS para responder a desafios de Saúde emergentes. O acesso à
informação e ao conhecimento, no geral, e a Literacia em Saúde, em particular, são pré-requisitos
para uma sociedade que se quer manter saudável.

Deste modo, a Literacia e a Educação para a Saúde também dependem da promoção de


competências transversais de vida (como a flexibilidade, a comunicação interpessoal, a tomada de
decisão, a resolução de problemas ou a negociação de conflitos) e de competências de auto-
promoção da Saúde (como o auto-cuidado e a auto-regulação, que capacitam os indivíduos para
exercer o controlo sobre os seus comportamentos, processos e estados internos, para atingir os seus
objectivos e ajustar o seu comportamento às necessidades e circunstâncias). Por sua vez estas
relacionam-se e alimentam a resiliência e o empowerment. A resiliência está relacionada com a
capacidade dos indivíduos ou dos grupos para ultrapassarem situações adversas, stressantes e de
incerteza, utilizando activamente recursos internos e externos para saírem delas fortalecidos. A
promoção da resiliência, da auto-determinação e da percepção de controlo sobre a própria Saúde
permite criar ambientes sociais de apoio e comunidades que não dependem apenas de Profissionais
de Saúde, mas também de redes de cuidados informais e do envolvimento e participação de toda a
comunidade. O empowerment em Saúde permite ainda atingir maior autonomia e ganhos em
Saúde, capacitando os cidadãos para tomar decisões e fazer escolhas relativas à sua Saúde e bem-
estar.

As competências enumeradas são essenciais para adoptar e manter estilos de vida saudáveis
(sobretudo no que diz respeito à alimentação e ao exercício físico) que, por sua vez, são essenciais
no processo de envelhecimento activo. Por isso, para além da promoção de competências
transversais de vida e de autocuidado, as estratégias de promoção de estilos de vida saudáveis e do
envelhecimento activo passam, por exemplo, por desmistificar crenças erróneas e preconceitos,
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informando a população; pela redução de factores e comportamentos de risco; pela facilitação da


participação activa na vida colectiva da sociedade; por desenvolver programas de estimulação
cognitiva que permitam a cada pessoa atingir o seu potencial máximo durante a velhice; por
implementar sistemas de monitorização da Saúde que permitam prevenir e gerir a dor e a doença,
tal como nos cuidados paliativos e de fim de vida; e por facilitar o ajustamento e a adaptação às
tarefas desenvolvimentais da velhice e a momentos de transição como a reforma.

Estas medidas de capacitação e cidadania activa devem ser implementadas não apenas no
contexto da Saúde, mas nos diversos contextos de vida dos cidadãos: laboral, escolar, social e
comunitário. Por isso, é fundamental estabelecer parcerias com autarquias, escolas e empresas,
por exemplo, que permitam capitalizar e dinamizar localmente os esforços de prevenção e
promoção da Saúde junto dos cidadãos.

1.3.1. Saúde Mental e Psicológica

Os problemas de Saúde Mental e Psicológica representam uma proporção considerável (e em


crescimento) do encargo global com a doença, constituindo um dos principais desafios da Saúde
Pública no presente e no futuro, dada a sua prevalência e impactos (mortalidade prematura, níveis
mais elevados de suicídio, percentagen de anos de incapacidade, sofrimento pessoal e familiar,
custo económico e social incomensurável).

Especificamente acerca da Saúde Mental e Psicológica, a OPP considera fundamental:

 Enfatizar os esforços de prevenção e promoção da Saúde Mental e Psicológica através das


acções de monitorização e intervenção nos determinantes sociais e comportamentais da
Saúde e de estratégias como a promoção da adopção de estilos de vida saudáveis ou da
auto-regulação e dos auto-cuidados, não só nos Cuidados de Saúde Primários, mas também
nos contextos laborais e escolares – que, pela sua relevância ao longo do ciclo de vida dos
cidadãos, constituem contextos catalisadores do desenvolvimento de competências
pessoais.

 Garantir uma abordagem da Saúde Mental e Psicológica ao longo de todo o ciclo de vida,
desde medidas que tenham como objectivo prevenir e gerir os problemas de Saúde
(Psicológica) Materna durante a gravidez e o pós-parto; aos programas de apoio às famílias
e ao desenvolvimento de competências parentais; à estimulação do envelhecimento activo.

 Promover a paridade de estima entre a Saúde Mental e Psicológica e a Saúde Física, uma
vez que não há Saúde sem Saúde Mental e Psicológica.

 Assegurar um modelo multinível de organização das respostas às necessidades de Saúde


Mental e Psicológica, que permita garantir que as situações de psicopatologia moderada e
ligeira (as mais prevalentes entre a população), e não apenas as situações de psicopatologia
grave, não evoluam para situações graves e crónicas (consumindo mais recursos do SNS,
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aumentando as dificuldades de acesso aos cuidados de Saúde, o sofrimento e o impacto


económico destas doenças).

 Reforçar o papel e a relevância dos Primeiros Socorros Psicológicos, de modo a que possa
existir um apoio psicológico de primeira linha para cidadãos afectados por acontecimentos
de crise, enquanto parte dos cuidados básicos de Saúde. Os Primeiros Socorros Psicológicos
promovem o funcionamento adaptativo dos cidadãos confrontados com um acontecimento
de crise, assim como a redução dos factores de risco para o desenvolvimento de problemas
de Saúde Mental e Psicológica.

1.3.2. Demências

Portugal carece de respostas adequadas às Demências, com consequências graves no curso da


doença e no bem-estar dos indivíduos e dos seus cuidadores. O reconhecimento das Demências
enquanto problema de Saúde Pública e a elaboração de um Plano Nacional para as Demências
poderia melhorar a qualidade de vida das pessoas com Demência (e das suas famílias), ajudando-as
a viver com a doença e garantindo-lhes acesso a serviços sociais e de Saúde de qualidade.

Neste sentido, a OPP considera fundamental o desenvolvimento e implementação de:

 Estratégias de prevenção e redução dos factores de risco. Uma vez que os estilos de vida
contribuem significativamente para o risco de desenvolver uma Demência, é necessário
ajudar a população a modificar os seus comportamentos e a adoptar estilos de vida
saudáveis, assim como promover o envelhecimento activo e saudável.

 Estratégias de realização de um diagnóstico precoce. Como parte fundamental do processo


de diagnóstico, é necessário garantir o acesso atempado à avaliação neuropsicológica.

 Estratégias de individualização dos cuidados sociais e de saúde. Melhorar a qualidade de


vida das pessoas com Demência significa garantir que os seus cuidados estão adaptados às
suas necessidades ao longo do processo demencial. As pessoas com Demência devem ser
apoiadas na tomada de decisão, tanto quanto possível. E quando tal não é possível, os seus
desejos, sentimentos, valores e crenças devem ser considerados conjuntamente com os seus
cuidadores. Os serviços sociais e de Saúde devem incluir intervenções farmacológicas e
psicológicas, reabilitação neuropsicológica e estimulação cognitiva, cuidados paliativos e
outros apoios (por exemplo, apoio domiciliário, transporte, centro de dia com actividades
estruturadas).

 Estratégias de intervenção, incluindo psicológica. Deve ser garantido o acesso a cuidados


de Saúde, física e psicológica, às pessoas com Demências. A reabilitação neuropsicológica e
a estimulação cognitiva têm como objectivo reduzir o impacto da doença e as dificuldades
no quotidiano, optimizando as capacidades físicas e mentais através de estratégias
compensatórias, aquisição de novas habilidades e adaptação às perdas permanentes. A
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intervenção deve visar ainda a adaptação à doença e a melhoria da sua funcionalidade e


relações sociais, assim como tratamento de perturbações frequentes nestas situações, como
a Depressão e a Ansiedade.

 Estratégias de intervenção junto dos Familiares e Cuidadores. As famílias e os cuidadores


desempenham um papel fundamental na qualidade de vida das pessoas com Demência. Mas
este papel pode afectar a sua Saúde física e psicológica, assim como o seu bem-estar e
relações sociais. Devem, por isso, ser incluídas nos cuidados de sociais e de saúde e deve
ser-lhes garantido o apoio psicológico, de modo a preservar a sua saúde e evitar degradar o
seu bem-estar e qualidade de vida, melhorando ainda as suas capacidades enquanto
prestadores de cuidados.

 Estratégias de consciencialização da população sobre a Demência. A falta de Literacia sobre


as Demências gera estigma e discriminação. Aumentar o conhecimento da população sobre
as Demências pode contribuir para criar sociedades amigas das pessoas com Demências,
permitindo-lhes maximizar a sua autonomia e participação social.

1.3.3. Doenças Oncológicas

Nas últimas três décadas assistimos a uma consciência crescente dos desafios significativos, a nível
emocional, interpessoal, familiar, vocacional e funcional, que os indivíduos que sofrem de doenças
oncológicas experienciam e a forma como estes desafios podem afectar o seu estado geral de
saúde e a sua qualidade de vida (e até mesmo os resultados de saúde associados à doença
oncológica, comprometendo a adesão e a eficácia dos Cuidados de Saúde).

Proporcionar serviços de Saúde Oncológica de qualidade implica responder às necessidades


psicossociais dos indivíduos que sofrem com doença Oncológica, dos indivíduos que lhe sobrevivem,
dos seus familiares e cuidadores e também dos profissionais que os acompanham.

Neste sentido, a OPP considera essencial:

 A integração dos Serviços de Psico-Oncologia nos serviços de Saúde Oncológica, onde


podem desempenhar um papel fundamental na optimização dos cuidados médicos; na
coordenação e comunicação entre os doentes, as famílias, os serviços e os profissionais de
Saúde; na gestão dos aspectos psicossociais da doença e das suas consequências; na
promoção de estratégias de auto-regulação, autocuidado e gestão da doença; no
desenvolvimento de estratégias para aumentar a literacia sobre a doença entre doentes,
familiares e profissionais de Saúde; na promoção da Sáude física, psicológica e da qualidade
de vida; no apoio aos familiares e cuidadores informais.

 Incluir, nos primeiros passos dos cuidados oncológicos, um rastreio do distress psicológico,
da ansiedade e da depressão, através de instrumentos construídos e validados para a

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população portuguesa. Estudos apontam para que o distress psicológico entre doentes
oncológicos atinja os 47% e que entre 30% a 40% apresentem problemas de ansiedade e/ou
depressão.

1.4. Prevenir e Intervir nos Riscos Psicossociais

É fundamental considerar os Riscos Psicossociais no conjunto dos problemas de sustentabilidade


do SNS.

Cada vez mais, as condições de vida e o bem-estar no trabalho não são influenciadas somente pela
segurança e pela Saúde nos locais de trabalho, consideradas apenas na sua dimensão mais física,
mas também pela Saúde Psicológica, por factores psicossociais, como as relações interpessoais, as
exigências colocadas aos colaboradores, ou a organização do trabalho, por exemplo. De acordo com
a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010) um Local de Trabalho Saudável é aquele em que
todos os membros da organização (empregadores, gestores e colaboradores) cooperam com vista
ao melhoramento contínuo dos processos de protecção e promoção da saúde, da segurança e do
bem-estar. Enquanto os riscos para a Saúde Física associados a más condições de trabalho estão
cada vez mais controlados, auditados e são cada vez melhor geridos, com os riscos psicossociais tal
não sucede e os problemas de Saúde Psicológica relacionados com o trabalho traduzem-se, hoje,
num conjunto significativo de consequências nefastas quer para o trabalhador, quer para o
empregador e organizações, quer para os serviços públicos de saúde e de segurança social onde
estes problemas têm impacto. Dentre os principais riscos psicossociais é possível enumerar o
stresse ocupacional, o assédio (moral e sexual), a violência no trabalho, a síndrome de burnout, a
adição ao trabalho, a fadiga e carga mental no trabalho, assim como o trabalho nocturno e o
trabalho por turnos.

Dentre os Riscos Psicossociais tem ganho relevância, nos últimos anos, o equilíbrio entre a vida
pessoal/familiar e profissional e outros associados à ausência de fronteiras entre o trabalho e o
lazar. O progresso tecnológico transformou o mundo do trabalho e contribuiu para que as fronteiras
entre o trabalho e a vida profissional se tenham tornado mais difíceis de estabelecer e identificar. A
emergência da internet e das ferramentas que lhe estão associadas (por exemplo, emails ou
plataformas de mensagens instantâneas) podem fazer com que os colaboradores sintam que estão
sempre conectados com o trabalho e que responder rapidamente a todos os emails e mensagens é
sinal de bom desempenho, continuando a trabalhar quando estão fora do local e do horário de
trabalho. A incompatibilidade entre os papéis laborais e os papéis familiares pode causar conflitos e
tensões em ambos os contextos. Por isso é fundamental promover o equilíbrio entre a vida
profissional e pessoal e familiar, permitindo aumentar os níveis de bem-estar físico e mental e
prevenir problemas de Saúde.

Considerando esta realidade, é prioritário que haja uma vigilância da Saúde que inclua os riscos
psicossociais, neuropsicológicos e o bem-estar dos colaboradores das organizações e um processo
contínuo de prevenção e gestão destes riscos, que assegure a segurança, a saúde (física e
psicológica) e a qualidade de vida dos colaboradores.
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Especificamente no sector da Saúde, o stresse e o burnout explicam uma proporção elevada do


stresse ocupacional (Martino, 2003). Em Portugal, entre 2011 e 2013, 21,6% dos profissionais de
saúde apresentaram burnout moderado e 47,8% burnout elevado (Marôco, Marôco, Leite, Bastos,
Vazão & Campos, 2016). Em 2016, Gomes, Faria e Lopes concluíram que um em cada cinco
enfermeiros está em exaustão emocional (burnout) e 86% trabalham em stress elevado ou
moderado. Estes números são bastante acima daquela que é a média da população em geral. No
caso do sector da Saúde os riscos psicossociais têm implicações para os próprios profissionais – o
burnout representa ainda um risco não só para o próprio profissional mas também para os seus
colegas uma vez que é “contagioso” – os profissionais de Saúde transferem a tensão psicológica para
os membros da equipa com que interagem (Westman & Bakker, 2008) – mas também para os
utentes, colocando em risco a própria viabilidade e a qualidade da prestação dos cuidados de
Saúde (Blewett et al., 2006). Deste modo, é essencial investir na prevenção, avaliação e
intervenção sobre potenciais situações de stress ocupacional, burnout, entre outras,nos
Profissionais de Saúde, desenvolvendo também programas especiais de apoio aos profissionais
sujeitos a situações de stresse agudo, de que são exemplo os profissionais do INEM.

Dado o seu impacto inter-sectorial e o contributo positivo ou negativo que pode ter na
sustentabilidade do SNS, defendemos que a Saúde Ocupacional deve ser enquadrada enquanto
área da Saúde Pública e não matéria exclusiva de regulação laboral.

1.5. Maximizar o potencial das Tecnologias de Saúde

É imperativo facilitar uma maior integração das tecnologias da Saúde na gestão da comunicação
entre os profissionais de Saúde e os cidadãos, assim como maximizar o potencial das tecnologias
para a promoção da Saúde.

As novas tecnologias já revolucionaram as expectativas que temos sobre os serviços de Saúde e


sobre a forma como podemos interagir com eles. A aplicação destas tecnologias às práticas de Saúde
pode acontecer em complementaridade aos serviços presenciais e, apesar dos desafios que coloca,
possui já uma base considerável de evidência científica que sustenta os seus benefícios e comprova
o seu papel na melhoria da acessibilidade aos cuidados de saúde e na eficácia destes cuidados.

A Inteligência Artificial e os seus mecanismos desempenharão um papel cada vez mais


preponderante nos cuidados de Saúde, introduzindo mudanças significativas no armazenamento e
gestão dos dados pessoais do utente, na utilização desses dados para a realização de diagnósticos de
Saúde, no desenvolvimento de novos tratamentos de Saúde e estratégias de prevenção e detecção
precoce da doença.

Neste contexto, existem diversos aspectos a acautelar, nomeadamente as questões relacionadas


com a privacidade e confidencialidade dos dados dos utentes, implicações éticas e de segurança da
utilização das novas tecnologias, tal como a existência de evidências científicas sobre a eficácia e os
resultados terapêuticos de determinada intervenção ou ferramenta. É necessário ainda alargar a
literacia tecnológica a toda a população, nomeadamente aos idosos.
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COMENTÁRIOS TÉCNICOS E CONTRIBUTOS OPP

Neste âmbito é ainda de referir que a OPP defende a rápida e total implementação do SClínico em
todas as Unidades de Saúde, tendo estado envolvida no desenvolvimento de terminologias e
procedimentos de report de actos psicológicos através do sistema informático de gestão do SNS
SClínico. Com o desenvolvimento desta ferramenta espera-se que haja uma comunicação
interprofissionais mais eficaz, tornando mais fácil identificar grupos de intervenção prioritária,
responder a necessidades (listas de espera, intervenções mais integradas e centradas nas pessoas,
...), bem como a referenciação entre diferentes especialidades.

1.6. Privilegiar Modelos de Financiamento por Resultados

O investimento financeiro no SNS (ou na Saúde a partir de outros sectores da sociedade) deve
privilegiar modelos de financimento por resultados: resultados do ponto de vista dos utentes do
SNS (qualidade de vida, experiência com os cuidados de saúde ou capacidade de auto-cuidado, por
exemplo), dos Profissionais de Saúde (por exemplo, qualidade de vida profissional ou resultados
clínicos relevantes), da população geral (esperança média de vida ou expectativa de vida saudável,
por exemplo) e resultados do ponto de vista do sistema de saúde (cuidados de Saúde seguros e de
qualidade, alocação eficaz de recursos, equilíbrio e estabilidade financeira, por exemplo). É
necessária uma mudança de paradigma, encaminhando-nos para modelos de gestão e avaliação (e
monitorização) dos cuidados de saúde com base em resultados de Saúde, de modo a atingir um
financiamento baseado na criação de valor em Saúde.

Para além disso, não é possível continuar a investir a maior parte do orçamento da Saúde na
remediação, quando sabemos que a sustentabilidade (social e financeira) do SNS só será possível
apostando na prevenção e na intervenção nos determinantes sociais e comportamentais da Saúde.

1.7. Promover a Investigação e a Inovação

Apenas 14% do conhecimento científico é traduzido na melhoria de resultados de Saúde e tal


acontece com um atraso médio de 17 anos. Este hiato entre o conhecimento e a prática implica
fomentar a investigação que possa alimentar novas políticas e modelos de intervenção, de modo
contingente, com base na experiência empírica. Por exemplo, a inovação em Saúde só será possível
se se apostar em RCT (Randomized Controlled Trials), de modo a permitir testar e validar
tratamentos e procedimentos de Saúde inovadores, reduzindo possíveis enviesamentos e
verificando a eficácia e efectividade das intervenções, com o objectivo último de escalar e
generalizar a sua aplicação.

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2. O Papel da Psicologia e dos Psicólogos no SNS – Desafios Actuais e Futuros

O SNS reúne, actualmente, um total de 917 Psicólogos, distribuídos pelos Cuidados de Saúde
Hospitalares (50%), pelos Cuidados de Saúde Primários (23%) e Outros serviços (27%).

Para além destes números significarem uma cobertura insuficiente quanto ao rácio
internacionalmente recomendado de Psicólogo/número de utentes (1/5.000; NHS Scotland), há
ainda uma distribuição territorial muito assimétrica e pouco adequada às necessidades e
características da população.

Só é possível assegurar o acesso atempado e equitativo de todos os cidadãos aos cuidados de


saúde necessários de acordo com as suas necessidades reforçando o número de Psicólogos
existentes no SNS. Por isso é urgente corrigir a carência e a assimetria identificadas na quantidade e
na distribuição de Psicólogos a trabalhar no SNS, uniformizando a sua presença na infra-estrutura da
Saúde e da Saúde Pública a nível local, regional e nacional.

Mais Psicólogos no SNS significariam maior acessibilidade a intervenções custo-efectivas num


leque mais diversificado de áreas (avaliação psicológica, intervenção psicológica, estratégias de
mudança comportamental, psicoterapia, promoção e desenvolvimento de competências, apoio para
crianças e jovens em risco, intervenção precoce ou cuidados paliativos, por exemplo). Mais
Psicólogos significam benefícios clínicos (diminuição do sofrimento e aumento do bem-estar e da
Saúde, física e psicológica), benefícios económicos e sociais (redução da prevalência dos problemas
de Saúde, física e mental; aumento do acesso a cuidados de Saúde de qualidade; e redução dos
gastos económicos do SNS).

Para além destes benefícios, o contributo da Psicologia e dos Psicólogos é indissociável de uma
agenda nacional que vise promover comportamentos e estilos de vida saudáveis e prevenir os
factores de risco e os determinantes sociais e comportamentais da Saúde. A Psicologia é uma das
ciências que mais contribui para a compreensão e o conhecimento sobre os aspectos motivacionais,
cognitivos e inconscientes dos hábitos e comportamentos humanos fundamentais para iniciar e
manter acções que prenivam doenças e promovam a Saúde, o bem-estar e a qualidade de vida em
diferentes contextos. As metodologias e intervenções psicológicas podem garantir mudanças
comportamentais efectivas, sustentadas e associadas a ganhos em Saúde a longo prazo. Ampla
evidência científica demonstra a eficácia e os resultados positivos, estáveis e duradouros da
intervenção psicológica no desenvolvimento saudável e no bem-estar (físico e psicológico) dos
cidadãos; no aumento da qualidade e da satisfação com a vida, da resiliência; na diminuição da
mortalidade/morbilidade e das desigualdades em Saúde; assim como na resposta aos determinantes
sociais e comportamentais da saúde e à promoção de estilos de vida saudáveis.

Neste sentido, os Psicólogos podem dar um contributo crucial na implementação das estratégias de
prevenção, promoção da Saúde e desenvolvimento das pessoas, nomeadamente na promoção da
Literacia em Saúde, dos auto-cuidados e da auto-regulação, das competências transversais de vida,
da adopção de estilos de vida saudáveis, do envelhecimento activo, da resiliência e do
empowerment da população.
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COMENTÁRIOS TÉCNICOS E CONTRIBUTOS OPP

Neste modelo de futuro, valorizam-se e trabalha-se a partir das competências dos cidadãos, por
oposição aos seus défices e incapacidades. E os Psicólogos, por inerência do seu Perfil Funcionar e
dos actos em saúde que podem realizar enquanto Psicólogos, terão um papel fundamental na
avaliação das competências e capacidade funcional dos indivíduos e no desenvolvimento e
promoção dessas competências capacidades.

Na verdade, o trabalho dos Psicólogos é central para a Saúde Pública do futuro, pelo papel que
podem desempenhar na informação das políticas públicas com os insights comportamentais da
ciência psicológica, através da consultoria junto dos sistemas e decisores políticos para a construção
de estratégias e políticas públicas intersectoriais que visem melhorar a Saúde, a acessibilidade aos
Cuidados de Saúde e a diminuição das desigualdades.

Fica claro que dada a relevância dos factores comportamentes na avaliação, diagnóstico, tratamento
e reabilitação da maior parte dos problemas de Saúde, os Psicólogos devem ser incluídos no fluxo
dos percursos de Saúde do SNS, articulando-se com os restantes profissionais. A intervenção dos
Psicólogos deve ser transversal em relação a todas as especialidades médicas que integram o SNS
nos diferentes níveis de cuidados.

Acresce a estes contributos, o papel dos Psicólogos na humanização dos cuidados de Saúde, mais
do que na construção de políticas de gestão humanizada, mas efectivamente na humanização das
práticas e das relações que se estabelecem no contacto com o SNS, promovendo a melhoria da
comunicação e da qualidade das relações interpessoais entre profissionais e entre profissionais e
utentes; a mudança de comportamentos organizacionais que se traduzam em promiximidade e foco
no utente e nas suas necessidades; a integração dos familiares e cuidadores informais do utente nos
cuidados prestados; ou a potenciação da autonomia e da auto-determinação dos utentes.

Tendo em conta a mais valia que os Psicólogos representam para o SNS, para além da necessidade
de reforço dos Recursos Humanos nos Serviços de Psicologia, o papel do Psicólogo deve ser
valorizado pelo próprio SNS, quebrando-se a vigente estigmatização associada ao acto de consultar
apoio psicológico. Além disso, e enquanto profissional com autonomia científica e técnica para
prestar cuidados de Saúde, deve usufruir das mesmas condições de trabalho que os demais
profissionais de saúde, no que se refere a questões contratuais, recursos e condições físicas de
trabalho, oportunidades de liderança e autonomia nas suas iniciativas laborais, usufruem. É
essencial reforçar o papel da organização das “carreiras” no contexto do SNS, garantindo condições
de investimento em recursos de melhoria das práticas, a progressão e a formação contínua, o
desenvolvimento pessoal e profissional em contexto de Saúde. Enquadra-se aqui também a
necessidade de investir na aquisição de instrumentos e provas psicológicas para os serviços de
Saúde, permitindo melhores e mais fundamentadas avaliações psicológicas.

Uma vez que todos os cidadãos têm direito de acesso a cuidados psicológicos de qualidade no
âmbito do SNS, defendemos que devem existir núcleos/unidades/serviços de Psicologia nos
Cuidados de Saúde Primários, nos Cuidados Hospitalares e nos Cuidados Continuados Integrados,
mantendo a sua autonomia científica, técnica e funcional simultaneamente com a sua integração
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COMENTÁRIOS TÉCNICOS E CONTRIBUTOS OPP

nas diferentes equipas multidisciplinares. Os Serviços de Psicologia devem ser integrados em


múltiplos cenários (famílias, comunidades, escolas, instituições sociais, organizações, Centros de
Saúde e Hospitais, por exemplo), permitindo aos cidadãos utilizarem-nos na medida das suas
necessidades e enquadrados nos seus contextos de vida.

Conclusão

Acreditamos num presente e num futuro em que todos possam ser tão saudáveis quanto possível ao
longo de todo o ciclo de vida. Acreditamos num país que promove a coesão social, o bem-estar e o
desenvolvimento pessoal de todos os cidadãos, onde seja possível viver, trabalhar e envelhecer em
ambientes saudáveis e sustentáveis. Acreditamos num país que proporciona um acesso à Saúde
atempado, equitativo e de elevada qualidade a todos.

Neste sentido, a OPP defende um SNS de acesso universal, que integre uma estratégia concertada e
multissectorial de promoção a Saúde, do bem-estar, das competências e do desenvolvimento
pessoal, assim como da qualidade de vida dos cidadãos, focando-se em metas de sustentabilidade,
inclusão e coesão social, e cidadania activa.

Sublinhamos a disponibilidade para funcionar como um parceiro activo do SNS, contribuindo com
comunicação e partilha de informação e conhecimento, no sentido de desenvolver um Sistema de
Saúde sustentável, promover a Saúde da população e reduzir as desigualdades na Saúde.

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Sugestão de Citação:
Ordem dos Psicólogos Portugueses (2018). Contributo OPP – Livro Branco: O
Presente e o Futuro do SNS. Lisboa
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