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Desigualdades na Saúde

Ano letivo 2022/2023


Desigualdades e Movimentos Sociais

Ana Raquel Matos


Tópicos de discussão
• O Estado da saúde da população reflete, em parte, a qualidade do
setor da saúde, mas também o progresso económico e social;
• Importa ter em consideração que a saúde resulta de determinantes
sociais (educação, rendimento, estilos de vida…) e não apenas no
investimento na prestação de cuidados;
• A saúde deveria ser um domínio de atuação intersetorial;
• “Desigualdades são diferenças, evitáveis, injustas e passíveis de
modificação, do estado de saúde de grupos populacionais de
contextos sociais, geográficos ou democráticos diversos” (Marmot et
al, 2008)
Saúde e desigualdades
• Tema estudado por várias disciplinas (Sociologia, Economia, Geografia… entrecruza
diversas áreas de estudo: estudos de género/estudos migratórios)

• Implica definir “ter saúde” e considerar a importância da saúde para o bom


funcionamento das sociedades, já que a saúde é uma dimensão central da vida
social:
• implicações na sustentabilidade do sistema de segurança social (baixas médicas) e
no sistema produtivo (ausências por doença e perdas de produtividade com
reflexo na economia do país)

• Saúde como um valor a preservar e sua relevância na definição de políticas públicas


Desigualdade e iniquidade

• Há diferenças ao nível da saúde inevitáveis: idosos e jovens


• Há desigualdades multicausais, e que não dependem apenas do
acesso e da qualidade dos serviços prestados
• Iniquidades existem porque existem políticas erradas (Margaret
Chan, OMS, 2011 conferência sobre determinantes sociais de saúde).
Determinantes Sociais da Saúde (i)
• 1960-70 – Os DS na sua relação com a saúde eram tratadas como um problema irrelevante
• Progresso social - apostava-se no paradigma biomédico levando a especialização médicas de base
hospitalar
• Desenvolvimento da medicina (medicina privada)
• A partir de 1980 – há uma mudança radical neste contexto analítico
• Black Report (1980) – dá conta de que há aspetos socioeconómicos da doença, o que permite
demonstrar a distribuição desigual dos indicadores de saúde entre classes de rendimento, género e
etnia
• Comissão sobre determinantes sociais da saúde (OMS, 2005) conferência internacional sobre
determinantes sociais da saúde em 2011 (Rio de Janeiro)
• OMS – Conferência de alma ata de 1978 – saúde para todos no ano 2000 – meta da equidade na saúde.
• Conferência de Otawa 1986 – capacitação e participação dos indivíduos – política multisetorial
interventiva para gerar mudanças setoriais – tabaco, álcool, obesidade (peso que representam no
investimento em saúde)
Determinantes sociais da saúde (ii)
• Medicina deve ser entendida também como ciência social e a doença como um
fenómeno político, ou seja, a medicina não implica só uma abordagem clínica para
tratar doentes, mas politicas públicas que articulam várias áreas/dimensões da vida
social;
• John Snow (médico), considerado o pai da epidemiologia moderna, estudou a cólera
e percebeu a sua transmissão pela água, o que tornou possível estabelecer padrões
de disseminação em função dos grupos de exposição;
• Interesse pela dimensão social implicada na doença/saúde cresce com a passagem da
medicina privada para a medicina social, no contexto do capitalismo moderno;
• Importância do conceito de “risco” e a dimensão preditiva de potenciais doenças , ou
seja, prevalência de uma lógica antecipatória de cuidados apostada na vigilância e
correção de hábitos e estilos de vida.
Determinantes sociais da saúde (iii)
• 1º momento – há um enfoque na saúde pública a partir da responsabilidade individual pela saúde
e pela doença
• 2º momento necessidade de analisar, avaliar, compreender que os determinantes da saúde são
vários: tem sido frequente agrupá-los nas seguintes categorias:
• fixos ou biológicos (idade, fatores genéticos);
• sociais e económicos (pobreza, emprego, posição socioeconómica, exclusão social);
• ambientais (habitat, qualidade do ar, qualidade da água, ambiente social);
• estilos de vida (alimentação, atividade física, tabagismo, álcool, comportamento sexual);
• acesso aos serviços (educação, saúde, serviços sociais, transportes, lazer).

• A retórica em torno desta questão e a dificuldade em atingir políticas públicas articuladas (Graça
Carapinheiro e Tiago Correia, 2015)
O papel das ciências sociais neste contexto
• Margareth Whitehead (2006), interessada nestas questões da esperança média de
vida concluiu que há uma diferença que pode variar em 10 anos entre bairros de
Glasgow; 13 anos em função dos níveis de instrução na Estónia; e 9 em função das
ocupações desempenhadas em França.
• As diferenças no comportamento de muitos dos indicadores de saúde e doença não
são arbitrárias, nem a sua essência é individual. Decorrem de dinâmicas estruturais de
desigualdades, que são complexas, e assentes no modo de organização social, política
e económica em que as sociedades se baseiam. Todos estes elementos devem estar
refletidos nas políticas públicas.
• A sociologia “não se opõe” aos fatores individuais (opções, estilos de vida, genética),
mas não pode ignorar os motivos de ordem social e sua complexa teia de relações
neste contexto.
As Desigualdades da Saúde em Portugal
• Decreto-lei 413/71, Portugal reconhece o direito à saúde a todos os cidadãos,
assumindo o Estado um papel ativo na formulação de políticas de saúde.
• A Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, cria o Serviço Nacional de Saúde, no âmbito
do Ministério dos Assuntos Sociais, enquanto instrumento do Estado para
assegurar o direito à proteção da saúde, nos termos da Constituição
• SNS é orientado pelo princípio da cobertura universal, geral e tendencialmente
gratuita:
i) direção unificada do SNS e gestão descentralizada e participada
ii) Gratuitidade
iii) Caráter supletivo do setor privado
• A tendência ao longo dos anos tem sido, no entanto, tem sido a redução dos
gastos públicos com saúde (despesa hospitalar e na área do medicamento) e
convenções com o setor privado
• Desde 1975 que existe um compromisso político com a saúde, o qual,
aliado ao crescimentro económico e às melhores condições de vida
traduziram-se na melhoria da saúde da população portuguesa
• Existem problemas de saúde específicos, reveladores de desigualdades
• PNS 2012-2016 – estabelece nove programas nacionais de saúde
1) diabetes, 2) VIH/SIDA, 3) prevenção e controlo do trabagismo, 4)
promoção da alimentação saudável, 5) saúde mental, 6) doenças
oncológicas, 7) doenças respiratórias, 8) doenças cérebro-cardiovasculares,
9) controlo de infeções e resistência aos antimicrobianos
Mortalidade infantil
• OMS considera Portugal um dos países mais bem-sucedidos na redução da
mortalidade infantil
• Desenvolvimento da rede de cuidados de saúde primários e hospitalares
especializados
• Crescimento do PIB per capita
• Melhores condições de vida da população
• Medidas dirigidas a determinates de saúde: maternidade tardia,
tratamento da infertilidade e prevenção do tabagismo
• Aumento da taxa de mortalidade em 2012 (aumento da idade materna)
• Desigualdades regionais relevantes
Diabetes
• 12,4% da população entre 20 e 79 anos tem diabetes
• Doença associada às condições de vida (alimentação, falta de
exercício físico)
• Desigualdade relacionada com a qualidade e organização dos
cuidados prestados (acompanhamento e vigilância deficitária)
• Falta de adesão dos doentes à terapêutica (sem rendimento
disponível para a compra da medicação)
• Importância da autogestão de cuidados nesta doença – degradação
das condições de vida dos cidadãos
VIH/SIDA
• O programa de recebe mais financiamneto
• Diminuição de novos casos e da taxa de mortalidade (em 197 casos
de recém-nascidos, dois casos de transmissão mãe-filho em 2016)
• Taxas de incidência elevadas na Europa
• 75% de casos concentados em Lisboa, Setúbal, Porto e Faro
• Aumento do VIH/SIDA entre população migrante e com mais 50 anos
(acesso condicionado aos serviços de saúde)
Prevenção e Controlo do tabagismo
• Primeira causa prematura de doença e morte evitável
• Aumento do tabagismo entre jovens escolarizados
• População inquirida não manifesta vontade de alterar este hábito
• Diminuição das consultas antitabágicas
• Grandes assimetrias no acesso a cuidados de saúde a nível nacional
Alimentação saudável
• Má qualidade alimentar: ingestão execessiva de gordura animal, sal,
baixo consumo de fruta e hortaliça, ausência de atividade física
• Perda prematura de anos de vida saudáveis (12 anos para as mulheres
e 15,3 anos para os homens)
• Aumento da obesidadee sua associação com características
socioeconómicas (grupos populacionais socialmente mais vulneráveis)
• Incapacidade (sobretudo financeira) para aceder a certos alimentos
• Aumento de ingestão de alimentos calóricos, mais baratos e sua
relação com aumento da obesidade
Saúde Mental
• Doença sem grande expressão na mortalidade, mas com grande
impacto na capacidade produtiva
• Elevado consumo de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos
• Saúde mental relacionada com desigualdades sociais e que exige uma
articulação com outros setores de atuação do Estado, como
educação, trabalho e segurança social
Doenças oncológicas
• Aumento de 12,6% de novos casos em Portugal
• Mais doença, menos cirurgias
• Desigualdades regionais

Doenças Cérebro-Cardiovasculares
• Principal causa de mortalidade em PT
• Diminuição da mortalidade relacionada com estratégias organizativas de prestação de
cuidados “via verde do acidente vascular cerebral” (2006), apesar das assimetrias
regionais
• Influência da educação e literacia em saúde (identificar sinais de alarme)
Notas conclusivas
• Desde a criação do SNS que se registam ganhos significativos em saúde
• Desafios: envelhecimento da população, redução da natalidade, aumento
de doenças crónicas, sustentabilidade do SNS
• Sobrecarga dos serviços públicos de saúde e redução dos recursos
humanos, materiais e financeiros
• Maior relevância do setor privado
• Necessidade de uma intervenção transversal e intersetorial em saúde
• Grupos socialmente mais desfavorecidos mais vulneráveis a certas
patologias
• Reforço no investimento analítico dos determinantes sociais e seu impacto
na saúde
Referências consultadas (além do texto
obrigatório):
• Carapinheiro, Graça; Correia, Tiago (coord) (2015),Novos temas da saúde,
novas questões sociais. Lisboa: Mundos Sociais.
• Correia, Tiago, Carapinheiro, Graça; Raposo, Hélder (2018), Desigualdades
sociais na saúde. Um olhar comparative compreensivo. Lisboa: Mundos
Sociais.
• Machado, Maria do Céu et al (2007), Iguais ou diferentes?” Cuidados de
saúde materno-infantil a uma população de imigrantes. Porto: Laboratórios
Bial. https://repositorio.hff.min-
saude.pt/bitstream/10400.10/2282/1/PremioBial.pdf
• Marmot, Michael et al. (2008), “Close the gap in a generation: Health
Equity through action on the social determinant of health”, Lancet, 371,
1611-1669.
Sugestão de recursos que podem/devem
consultar:
• Relatório ILGA Portugal: “SAÚDE EM IGUALDADE. Pelo acesso a cuidados
de saúde adequados e competentes para pessoas lésbicas, gays, bissexuais
e trans”, disponível em https://ilga-
portugal.pt/ficheiros/pdfs/igualdadenasaude.pdf

• Não deixem de ver o documentário, na íntegra, “Tudo é nada sem saúde”:


• Parte 1: https://www.rtp.pt/play/p9351/e573339/tudo-e-nada-sem-saude
• Parte 2: https://www.rtp.pt/play/p9351/e574008/tudo-e-nada-sem-saude

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