Você está na página 1de 30

Seminário Contato de Línguas na România 1996

Mestrado em Letras
UFBA

OS ARABISMOS NAS RECEITAS DE MEDICAMENTOS E NOS REGIMENTOS


RELATIVOS À SAÚDE DO LIVRO DA CARTUXA
Samantha de Moura Maranhão

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo foi elaborado como parte das atividades exigidas para a conclusão
da disciplina LET 577 - Contato de Línguas e Mudanças Lingüísticas na România -
ministrada no primeiro semestre letivo de 1996 pela Profa Teresa Leal Gonçalves Pereira no
curso de Mestrado em Letras da UFBA.
O que se pretendeu aqui foi apresentar os arabismos encontrados nas receitas para
elaboração de medicamentos e nos regimentos relativos à manutenção da saúde compilados
por D. Duarte no seu Livro dos Conselhos (também - talvez até mais - conhecido por Livro da
Cartuxa),1 analisando até que ponto se enquadram em tudo quanto se tem dito a respeito dos
arabismos no português. Assim, consultaram-se inúmeros estudiosos da história da língua
portuguesa, colhendo-se informações acerca da história externa - mais precisamente, da
invasão árabe ocorrida em 711 e das suas conseqüências mais imediatas - para se chegar,
enfim, à história interna da língua portuguesa que - como todas as línguas, elemento plástico
adaptável às eternamente mutantes situações de comunicação - não se deixou imune aos fatos
extra-lingüísticos, inevitavelmente assimilando-os e refletindo-os a posteriori.
Assim, e respeitando-se a ementa do curso para o qual se elaborou o presente estudo,
buscou-se sempre apresentar a mudança lingüística como resultante de um contato de culturas
e de línguas (contato esse mais ou menos estreito, a depender do caso - e, no caso específico
dos árabes na Península Ibérica, como teremos a oportunidade de ver mais adiante, bastante
estreito, dada a presença dos árabes e do seu relacionamento direto, intenso e constante com
falantes do romance hispânico, os quais, aos poucos, tornaram-se bilíngües).
Fez-se um pequeno aceno à Sociolingüística Americana, ao se tentar enquadrar a
situação dos habitantes da Península Ibérica na tipologia proposta por Weinreich das possíveis
relações entre uma comunidade lingüística e a sociedade em que esta se insere, analisando
sempre a relação prestígio social-assimilação lingüístico-cultural por parte dos que se
consideram menos privilegiados sob os aspectos político e social.
Enfim, deve-se lembrar que, apesar do nosso objeto de estudo ser, antes de mais nada,
a língua portuguesa, não se pode fazer um recorte, arrancando-a de todo um passado comum

1
Instituímos o nosso corpus de trabalho com base em J. J. ALVES DIAS, Livro dos Conselhos de El-Rei D.
Duarte: Livro da Cartuxa. Ed. Diplomática. Lisboa: Estampa, 1982.
1
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

às irmãs peninsulares, cuja história lhe é familiar. Portanto, não deve surpreender o número de
obras consultadas, na elaboração de um estudo sobre o português, referentes à história da
língua espanhola e à presença dos árabes em terras de Espanha, como se pode ver nas
referências bibliográficas. O fato é que há um fundo hispânico comum, no que diz respeito
aos falares peninsulares, à época da invasão e ocupação pelo contingente árabe, que, de resto,
deu-se de forma semelhante nos territórios hoje pertencentes a dois estados distintos -
Portugal e Espanha.
Apesar das diferenças quanto à duração da presença árabe nestes territórios - que em
Espanha (711-1492) excedeu em 239 anos a estadia árabe em Portugal (711-1253), o que
poderia se refletir na intensidade da influência exercida nos modos, nos costumes e na língua,
seguindo a lógica contato mais prolongado, influência mais profunda - de modo geral, os
fatos verificados em Espanha são os mesmos verificados em Portugal, de forma que o
deslocamento das informações colhidas acerca dos árabes naquela trazem a luz processos
semelhantes aos ocorridos neste, sem comprometimento dos fatos aqui passados.
Difícil é ater-se a um só destes aspectos, lingüístico ou histórico-cultural, tratando-se
de tema tão complexo (em que se vêem entrelaçados aspectos históricos, políticos, religiosos,
sociais, culturais e, enfim, lingüísticos) quanto apaixonante (já que a presença de elementos
árabes nas línguas românicas do extremo ocidente europeu as dota de certo exotismo que as
contrapõe não somente a outras línguas românicas deles desprovidas - ou melhor, deles
providas em muito menor quantidade - como também, e em um panorama mais amplo, que
extrapola a própria România, às demais línguas européias).
Assim é que esperamos ter atingido o nosso objetivo, o qual, no íntimo, é mesmo o de
divulgar esta faceta da România tão pouco explorada por nós, estudantes aqui da UFBA: a da
România Arabizada.

2. OS MUÇULMANOS NA PENÍNSULA IBÉRICA


2.1. A Conquista e os Conquistadores
Ocorrida em 711, a conquista árabe à Península Ibérica é o resultado de vicissitudes
intrinsecamente complexas que dizem respeito aos muçulmanos, mas também à própria
monarquia visigótica e aos seus súditos hispano-godos.
De fato, aproveitando-se da fragilidade em que se encontrava o reino visigótico,
conturbado por lutas internas pela sucessão ao trono, os árabes ali chegaram sob o pretexto de
atender necessidades políticas dos hispano-godos, contando inclusive com o apoio destes,

2
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

uma vez que pisaram em solo ibérico a convite da aristocracia visigótica, aliada de Áquila e
que via em Rodrigo, seu último rei, um usurpador. Inicialmente, foram chamados norte
africanos, mas a posterior intervenção da califa de Damasco não foi contestada.2
Da parte dos muçulmanos, a conquista da Península Ibérica teria se dado em um
contexto mais amplo de expansão do Islã, sendo - em princípio, portanto - a religião que os
teria levado a promover tal empresa.3
Ainda que a invasão árabe tivesse se dado sem o pretexto de auxiliar os hispano-
godos, a desunião da classe dominante visigótica e a indiferença de grande parte da população
hispano-goda, hostil a seus governantes, não lhes permitiria oferecer a devida resistência.
Assim, não é de surpreender que, com um exército ágil mas taticamente desorganizado de
apenas 25 mil homens4 e em poucas batalhas, os árabes conseguissem submeter quase que
integralmente a Península Ibérica (com exceção das regiões montanhosas ao norte).5
Entre os invasores estavam muçulmanos (isto é, ‘fiéis’, ‘crentes’, convertidos à
religião de Alá: muçulmano < ar. moslem) provenientes da própria Arábia, mas também da
Síria, do Egito e, principalmente, do Magrebe (< ar. Maghrib; ‘ocidente’, ‘poente’), região do
norte da África que compreende o Marrocos, a Argélia e a Tunísia - de onde virem designados
genericamente por mouros (< lat. Mauri).
Os bérberes são um povo autóctone do Magrebe, de origem e etnia desconhecidas. São
brancos, falam uma língua semita e habitam as regiões dos montes Atlas no Marrocos e na
Argélia.6 Representando o principal elemento dentre os norte-africanos que integraram os
exércitos muçulmanos, ao chegarem à Península Ibérica não estranharam nem a terra nem o
povo, tão similares eram aos da sua própria pátria magrebina. De fato, a semelhança entre os

2
Cf. G. JACKSON, Introducción..., p. 11-12 e OLIVEIRA MARTINS, História da civilização ibérica, p. 119.
3
Cf. H. LÜDTKE, Historia del léxico..., p. 82. Sabe-se, entretanto, que a idéia de conquista como meio de
propagação da fé muçulmana não se encontrava no pensamento de Maomé, nem no sistema da sua nova religião,
nem na política dos califas. Muito pelo contrário, a guerra santa, segundo Maomé, só deveria ocorrer como
defesa contra agressão cometida primeiro por inimigos do Islã. De fato, a conversão ao Islamismo por parte dos
povos subjugados sequer era bem vista, uma vez que, isentando-os do pagamento de impostos, diminuía a renda
dos califas... Cf. OLIVEIRA MARTINS, História da civilização ibérica, p. 115.
4
Número pequeno, se comparado ao exército pessoal do emir Abd al-Rahmam III, de Córdova, cujo número de
soldados era 04 vezes maior. Cf. G. JACKSON, Introducción..., p. 33.
5
Idem, ibidem, p. 13. Cf ainda OLIVEIRA MARTINS, História da civilização ibérica, p. 118.
6
É importante notar que, na história dos bérberes, lê-se terem eles sido islamizados apenas no século XV, o
mesmo em que se dá o fim definitivo do domínio árabe na Península Ibérica, ao passo que a islamização do
Magrebe teria ocorrido no século VII... Se for realmente assim - e não seria de estranhar, já que vivem no
interior do Magrebe, em área montanhosa, que poderia protegê-los de influências externas, bem como atribuir-
lhes um caráter conservador - restaria saber o porquê de terem integrado as forças muçulmanas, chegando a
constituir-lhes a maior parte. O fato leva-nos a pensar que teria ocorrido a islamização de apenas uma parte da
população bérbere, mantendo-se outra impermeável à influência muçulmana, mas não sendo este o principal
objeto do nosso estudo, limitamo-nos aqui apenas ao seu registro, sem adentrarmos as causas e elementos que
propiciaram a sua ocorrência.
3
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

modos de vida do Algarve e do Magrebe é tal que se torna impossível detectar com segurança
o que se deve à invasão muçulmana ou a um fundo anterior comum.7
A geração que invadiu a Península e nela inicialmente se estabeleceu não era, ao
contrário do que se costuma crer, tão superior culturalmente aos hispano-godos que nela
viviam - o que não agride a lógica, se pensarmos que o homem, antes de produzir cultura e
ciência, se preocupará em suprir necessidades básicas, tal como a obtenção de terra, moradia e
espaço para o plantio dos alimentos que o sustentarão. Reflexos da superior cultura árabe,
frente à ocidental medieval, só chegarão alguns anos mais tarde, com Abd al-Rahmam II, por
exemplo, que acolheu em seu emirado (o de Córdova) Ziryab, poeta e músico desterrado de
Bagdá, e onde, atuando como conselheiro principal do emir em questões culturais, introduziu
produtos de luxo (perfumes, cosméticos, tecidos de seda) e formas protocolares orientais
(apenas determinados súditos podiam ver o seu soberano). Nos grandes banquetes oficiais,
substituiu os vasos de ouro e de prata pela cristaleria, inventada na Espanha, e estabeleceu a
ordem sopa-carne-doces para a apresentação dos pratos.8
Favoreceu a política árabe o fato de os recém-chegados não alterarem sobremodo a
vida nas cidades peninsulares. Para começar os árabes preferiam a vida campestre, vivendo
fora destas. Nas cidades a comunidade cristã ( assim como a judia) manteve a sua organização
própria: seus chefes (governadores, condes, funcionários administrativos) não foram
destituídos, a Lex Gothorum (lei visigótica conhecida por Fuero Juzgo) continuou a vigorar, a
hierarquia eclesiástica foi respeitada. Ainda que posteriormente viessem a adotar nomes
árabes - ou arabizados - para a designação dos cargos e ofícios, eram cristãos os seus
ocupantes, no seio da comunidade cristã.9
A vinda em tão pequeno número de árabes, em cujo meio não se encontravam
mulheres, fez com que estes procurassem esposas entre as hispano-godas cristãs, além de
tomarem mulheres galegas e vascas como escravas. Os casamentos mistos (a exemplo do que
já havia acontecido anteriormente entre soldados e demais colonos romanos e nativas das
diversas localidades absorvidas pelo grande império da Antigüidade) propiciaram a

7
Cf. G. JACKSON, Introducción..., p. 13; ENCICLOPÉDIA ABRIL, v. I, p. 73 e 238; v. VIII, p. 44; O.
RIBEIRO, A formação..., p. 39.
8
Cf. G. JACKSON, Introducción..., p. 19 e 25; S. ELIA, Preparação..., p. 109.
9
R. DOZY, Histoire des musulmans, II, p. 232-233: Recherches, I, 3. ed., p. 295 apud R. MENÉNDEZ PIDAL,
Orígenes..., p. 420; G. JACKSON, Introducción..., p. 13 e 23; S. da SILVA NETO, História..., p. 333-334; J. P.
MOLÉNAT, Os moçárabes..., p. 86; OLIVEIRA MARTINS, História da civilização ibérica, p. 115. À página
228 do vol. I da ENCICLOPÉDIA ABRIL lemos que “A dominação islâmica revelou-se bem mais
condescendente que a cristã. Os árabes eram muito tolerantes para com os Povos dos Livros, isto é, judeus e
cristãos, cujas religiões se baseavam em livros sagrados com as palavras de Deus. Os muçulmanos permitiam-
lhes que professassem seu credo, desde que pagassem tributos e que aceitassem a dominação política do Islã.”
4
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

ocorrência do bilingüismo, já que as crianças frutos destes relacionamentos costumavam


aprender com a mãe o romance hispânico, tornado língua familiar, e, com o pai, o árabe,
língua de cultura.10
Assim, observa-se da parte dos invasores árabes uma tolerância racial e religiosa - ao
aceitar casamentos mistos e ao permitir a profissão livre de fés outras que não a muçulmana
(também aos judeus permitiu-se manter sua religião) - que, destoando do objetivo primeiro
que os teria impelido em direção ao ocidente - a divulgação do islã mundo afora - por si só já
resultaria indício da não veracidade dos propósitos declarados.11
De resto, a tolerância parece extrapolar a raça e o credo para abarcar as diferenças
sociais. Assim como em todas as cidades ricas da época pré-industrial, era muito grande o
número de escravos no Emirado de Córdova, mas JACKSON lembra que “houve escravos
inteligentes que chegaram a exercer as mais altas funções administrativas, artísticas e
científicas, e os emires tinham muito menos preconceitos em questões religiosas e étnicas que
a maior parte dos governantes de nossos dias.”12
Provas do relacionamento amistoso entre cristãos e árabes são as alianças militares
feitas entre estes, de que é exemplo o próprio Cid, herói nacional espanhol, que, ao salvar a
vida ao emir de Sevilha, deste torna-se amigo e aliado na luta contra inimigos comuns. Sem o
auxílio do amigo muçulmano, El Cid (sintagma misto, com Det românico e N árabe: cid < ar.
sidi, ‘senhor’)13 não teria conseguido levantar o cerco sobre Valencia, tomá-la e dela fazer-se
rei.

10
S. da SILVA NETO, História..., p. 333; R. LAPESA, Historia..., p. 95.
11
MOLÉNAT afirma que é uma atitude comum das sociedades islâmicas apelar para elementos a elas estranhos,
quando o intuito é manter o poder, e o faz a propósito da deportação de cristãos para o Magreb, aparentemente
paradoxal: se estes foram deportados justamente por serem coniventes com os inimigos cristãos do norte da
Península, como poderiam ser instrumentos da manutenção da ordem islâmica no Magrebe? Cf. J. P.
MOLÉNAT, Os moçárabes..., p.85.
12
V. G. JACKSON, Introducción..., p. 23 e 28. Há ainda referências ao modo de tratar o campesinato. Sob o
domínio visigótico, viviam em condição de semi-escravidão, entregando aos senhores de 50 a 80% daquilo que
produzissem, ao passo que eram tratados como livres pelos muçulmanos, que lhes exigiam de 20 a 50%, no
máximo, dos seus produtos. Cf. Idem, ibidem, p. 18-19. Cf. também OLIVEIRA MARTINS, História da
civilização ibérica, p. 138-139 e 144-145, onde lemos que a intolerância da igreja visigoda fez com que o novo
regime fosse visto como uma espécie de libertação; que a libertação de um escravo era considerada obra pia
pelo Islamismo, através do que, portanto, se obtinha a absolvição de pecados e que aos escravos e aos servos dos
cristãos bastava acolher-se no foro de asilo existente em toda propriedade muçulmana e confessar que só Alá é
deus e Maomé seu profeta para passar à condição de liberto e colono, respectivamente.
13
Talvez o Det também seja árabe, uma vez que o artigo al pode ter sido modificado para el, devido ao fenômeno
conhecido por imala, freqüente no árabe ibérico, e que leva à anteriorização da vogal média baixa (a>e, e,
eventualmente, e>i), quando esta aparece em posição tônica. Poderíamos continuar a tomá-lo por românico,
apenas considerando o seu surgimento na língua árabe, que teria se dado através do latim. Assim, para muitos
estudiosos do árabe, a forma al também viria do latim ille. Cf. J. F. GONSALEZ, Artigo ‘al’ e ‘imala’, p. 312 e
315.
5
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Nos códices das Cantigas de Alfonso, o Sábio (também para estas se levantou a
hipótese de que derivem do canto árabe andaluz) há miniaturas que representam músicos
árabes e cristãos tocando juntos, cuja existência “es una irrefutable prueba gráfica de la
colaboración del canto árabe y el canto latino”.14
Em 1322 os bispos castelhanos tiveram de proibir, sob pena de excomunhão, a
participação de jograis muçulmanos nas cerimônias das igrejas, prova da freqüência com que
se dava o fato na época.15
MENÉNDEZ PIDAL diz ainda que, quando o Islã constituía ainda um perigo para a
Europa cristã, os muçulmanos só podiam ser vistos como inimigos que deveriam ser
combatidos, mas que, ao contrário da sua caracterização nas chansons de geste francesas,
nunca aparecem, na literatura espanhola (citando o próprio Poema del Cid como exemplo),
como inimigos odiosos e irreconciliáveis. Nos romances mouriscos a maurofilia revela-se
desde cedo através do sentimento de alta estima e simpatia pela nobreza do inimigo.16

2.2 Os Cristãos Frente ao Islã


Embora no que diz respeito à religião os árabes tenham sido inicialmente bastante
condescendentes, claro está que muitos foram os cristãos que, frente à presença do Islã (< ar.
‘submissão’, ‘sujeição’, ‘resignação’ ao destino, à vontade de Alá), preferiram subtrair-se à
sua convivência. Assim, deu-se a emigração de inúmeros deles para as montanhas do norte,
onde puderam se refugiar junto aos demais cristãos.
Dentre os que permaneceram em território ocupado, duas foram as alternativas
encontradas: converter-se ao Islã ou, ainda que assimilando-se culturalmente, manter a fé
cristã. Aqueles que optaram pela conversão foram chamados muladis (< ar. ‘renegados’),17 ou
seja, eram muçulmanos-novos. Já os moçárabes eram cristãos arabizados.18

2.2.1 Os Moçárabes: Comunidade e Língua


Os moçárabes constituem um hibridismo extremamente curioso e interessante, do
ponto de vista lingüístico e cultural: são cristãos, mas culturalmente arabizados.

14
Cf. R. MENÉNDEZ PIDAL, Mis paginas..., p. 190.
15
Cf. R. MENÉNDEZ PIDAL, Mis paginas..., p. 190-191.
16
Idem, ibidem, p. 201-202 e 204.
17
É curioso notar que o termo renegado - pejorativo justamente do ponto de vista dos cristãos, uma vez que se
refere àqueles que tenham aberto mão da fé cristã - tenha sido adotado sob forma arabizada! Já que se trata de
uma crítica à islamização, o grupo que se permitiu sofrer tal processo poderia ter sido designado por uma voz de
origem romance! Ao criticá-los, os cristãos estranhamente adotaram a língua dos criticados!
18
Cf. J. P. MOLÉNAT, Os moçárabes..., p. 86; R. FRANCA, Arabismos, p. 135 e R. MENÉNDEZ PIDAL,
Orígenes..., p. 415.
6
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Etimologicamente, moçárabes significa ‘arabizados’ou ‘arabizantes’, termo por que vinham


designados também todos os falantes de árabe do mundo árabe (mustariba, plural mustarib),
com exceção dos originários da Península Ibérica. A etimologia vulgar registrada pelo
arcebispo Toledano, segundo a qual moçárabes viria do latim mixti arabes (isto é, ‘árabes
mistos’),19 os traz como ponto de convergência de duas culturas distintas, ou seja, são
arabizados em alguns aspectos (no que diz respeito a determinados hábitos, como vestuário,
alimentação etc), mas cristãos em outro (no que se refere à religião). Até a sua língua, a
língua moçárabe, ou aljamia ( < ar. ‘a bárbara’, ‘a estrangeira’; qualquer idioma que não fosse
o árabe - também algaravia, ‘a linguagem confusa’, ‘a ininteligível’) é uma língua mista: à
estrutura típica do romance hispânico, acrescem-se elementos árabes, lexicais sobretudo.
Inclusive a sua escrita se dá por meio de caracteres árabes20.
Eis um pequeno trecho ilustrativo; extraído da belíssima lírica moçárabe, que
apresenta tantos aspectos comuns à galego-portuguesa a ponto de crer-se ser mesmo sua
ancestral.
Vai-se meu corachon de mib
Ai, Rab, si se me tornarád?
Tan mal meu doler li-l-habib!
Enfermo yed, quando sanarád?21
Onde:
a) há dois arabismos puros: rab e habib, este último precedido inclusive do artido al,
embora a vogal por que se inicia tenha sido assimilada.
b) dá-se a ditongação do e breve latino, e > ye: yed (<lat. est).
c) verificam-se ainda características conservadoras, típicas da língua moçárabe, como
a manutenção de consoantes intervocálicas ( -l- e -n-), que em português se perderam: doler.
d) terminação dos vocábulos por consoantes oclusivas - que nos verbos representam a
sonorização do -t, morfema número-pessoal de 3a pessoa do singular no latim: mib, tornarád,
yed, sanarád, além dos arabismos já citados anteriormente rab e habib.

19
Cf. ARCEBISPO TOLEDANO, De rebus Hispa., III, 22 apud R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 415.
20
V. SILVEIRA BUENO, Estudos..., v. I, p. 64 e J. P. MOLÉNAT, Os moçárabes..., p. 86-87.
21
Cuja tradução, feita por S. da SILVA NETO, é:
Vai-se meu coração de mim
Ó Deus, acaso tornará?
Tão mal é meu doer pelo amado!
Enfermo está, quando há de sarar?
Cf. S. da SILVA NETO, História..., p. 339.
7
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

e) interessante é notar a forma corachon, onde se verifica uma palatalização bastante


comum no moçárabe.22
O caráter arcaizante do romance moçarábico é creditado ao fato deste achar-se coibido
pelo árabe, imposto como língua de cultura. O seu uso restrito à intimidade do lar propiciou-
lhe conservar-se quase no mesmo estágio em que se encontrava o romance hispânico no
momento da chegada dos árabes à Península.23
Os moçárabes constituíam uma população tipicamente enclavada: em meio aos árabes,
em território política e administrativamente a eles pertencente, além de professarem uma
religião diversa daquela dos seus senhores, continuavam a falar uma língua românica.
De fato, o conservadorismo que os caracteriza enquanto comunidade (e que se reflete
tanto na conservação da sua religião e das antigas leis como também na sua língua, dotada de
traços arcaizantes, se comparada a outras línguas peninsulares da época), nada mais é do que
um modo de sobreviver, de manter a sua identidade frente aos invasores, pois, ainda que estes
ali existissem em menor número, eram os detentores do poder. 24
Tal atitude conservadora é típica de populações racial e socialmente enclavadas e,
como bem lembra SILVA NETO, pode ser fomentada pela comunidade estrangeira
dominante, para, mantendo as diferenças existentes entre as comunidades dominadora e
dominada, impedir que a sua posição de domínio seja colocada em risco.
Ainda segundo SILVA NETO, essa atitude conservadora é mantida até pela
incapacidade de se perceberem vantagens em participar de uma unidade cultural maior -
sempre temendo a diluição, a assimilação, a conseqüente transformação e, enfim, perda da
própria identidade.25
Diz-se da população moçárabe toledana que esta não pode considerar-se uma minoria
oprimida e assimilada, no interior do reino de Castela, até o fim do século XIII. E, se estas
opressão e assimilação efetivamente tivessem se verificado, teria sido unicamente do ponto de
vista lingüístico, uma vez que, no plano político e social, os chefes destes moçárabes dariam
origem a linhagens que conquistariam, no final da Idade Média, lugares privilegiados (como
condes ou duques) na sociedade espanhola. Um contínuo abandono da língua se verificaria

22
Cf. S. da SILVA NETO, História..., p. 339 e A. ZAMORA VICENTE, Dialectologia..., p. 26, 35 e 51.
23
Cf. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 434.
24
Referindo-se ao Emirado de Córdova, G. JACKSON afirma que “A proporção de não-muçulmanos da
população era provavelmente maior do que em qualquer outro lugar do mundo islâmico (...).” V. G. JACKSON,
Introducción..., p. 23.
25
V. S. da SILVA NETO, História..., p.335 e U. WEINREICH, Languages in contact..., p. 3-5.
8
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

apenas em meados do século XIV, quando um surto de peste e uma guerra civil fizeram com
que Castela se voltasse para os seus elementos mais ocidentalizantes.26
Já BALDINGER lembra que, “dadas as diferenças entre as línguas árabe e romance, a
situação histórica dos moçárabes e a evolução histórica concreta (Reconquista), o influxo
árabe não conseguiu modificar o romance de forma tão decisiva como havia acontecido no
norte da França com a ocupação franca.”27
Com WEINREICH aprendemos que o contato de línguas só pode ser compreendido
em uma ampla base psicológica e sócio-cultural, onde sejam levados em conta justamente os
fatores supra-citados e que dizem respeito à forma como são percebidos os invasores e a
comunidade invadida em si e as relações sociais e políticas estabelecidas entre estas.28
Assim, levando-se em conta a postura da comunidade invadida com relação à sua
própria cultura e à cultura da comunidade invasora, justifica-se a existência de inúmeros
arabismos referentes à Medicina, à Astronomia, à Matemática, à Filosofia, à Construção Civil
e à Arquitetura, ao Comércio etc - áreas em que os árabes atuaram com destaque.29
A introdução de novos referentes leva à adoção dos signos árabes por que vêm
designados30 - como é o caso dos tecidos trazidos do oriente, que, na maioria dos casos, são
designados pela cidade de onde se originam (assim, cetim < ar. zaitune < chinês Tseu-Thoung;
musseline < ar. mausili, de Mossul, cidade do atual Iraque - já tafetá < persa taftá significa
apenas ‘tecido’).
Sabe-se que, quanto maior for a diferença entre dois sistemas lingüísticos postos em
contato, maior é a área potencial de interferência, já que as diferenças nas formas e nos
padrões exclusivos de um sistema tendem a não serem sequer percebidas pelos usuários de
outro, que as substituem inconscientemente por formas e padrões do seu próprio sistema.31
Ora, o árabe e o moçárabe (romance hispânico) pertencem a famílias lingüísticas
distintas, portanto, ao menos em termos hipotéticos, poderíamos esperar que a influência

26
Cf. J. P. MOLÉNAT, Os moçárabes..., p. 88-89.
27
Cf. K. BALDINGER, La formación..., p. 75.
28
Cf. U. WEINREICH, Languages in contact..., p. 3-5.
29
V. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 417-418 onde se lê que, “Álvaro Cordobés, cuyo Indiculus
luminosos, escrito en 854, lamenta la gran desnacionalización que cundía entre los mozárabes; los jóvenes
cristianos adoptaban hasta tal punto las costumbres de los dominadores, que se circuncidaban por evitar
denuestos, y enamorados de la erudición musulmana, sólo se deleitaban en los versos y las fábulas árabes, sólo
leían los libros de los infieles, así que, desconociendo los textos latinos, olvidaban el proprio idioma: (...) en la
gente de Cristo apenas hallarás uno entre mil que pueda escribir razonablemente una carta a su hermano, y, en
cambio, los hay innumerables que os sabrán declarar la pompa de las voces arábigas y que conocen los
primores de la métrica árabe mejor que los infieles. (...)”
30
V. S. da SILVA NETO, História..., p. 342.
31
Cf. U. WEINREICH, Languages in contact..., p. 1.
9
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

árabe sobre o moçárabe tivesse sido bem maior (como veremos mais adiante, esta influência
se fez sentir mais no léxico). Novamente aqui lembramos o caráter extremamente conservador
do moçárabe, que, assim, dificultava maiores influências.
Parece que, além da forte consciência da sua identidade, a falta de uma escola árabe
(os cristãos freqüentavam escolas cristãs, por eles mesmos organizadas e administradas) e de
privilégios concretos para os que se arabizassem integralmente (como se verificou no Império
Romano, onde foram fundadas escolas propagadoras da língua e da cultura latinas, além de
haver vantagens de ordem prática para aqueles que adotassem o latim com língua e/ou se
permitissem romanizar, dentre as quais, o direito à própria cidadania) devem ter concorrido
para que a arabização não fosse ainda mais profunda ou colocasse em risco a sobrevivência do
romance hispânico. Tanto é assim que este jamais deixou de ser falado,32 sobrevivendo até na
fase mais difícil da história dos moçárabes - quando assumiram o poder, na Andaluzia, as
dinastias almorávida (< ar. al morabitum, ‘o eremita’; tida por politeísta pelos almôadas) e
almôada (< ar. al muwahidun, ‘unitário’; partidária da unidade absoluta de Deus),33 momento
em que houve a deportação em massa de moçárabes para o Magrebe, onde os homens eram
aproveitados em milícias cristãs, ao passo que outros emigraram espontaneamente para o
norte, buscando refúgio nos reinos cristãos.34
Nem com a Reconquista e com a expansão dos falares do norte em direção ao sul, o
moçárabe foi imediatamente absorvido, deixando de ser utilizado. Pelo contrário, contribuiu
ativamente para a transformação destes e para a formação dos diversos dialetos e mesmo
línguas literárias da Espanha e de Portugal. É interessante notar ainda que, como os
moçárabes e os reconquistadores falavam a língua da antiga Província Ulterior, não devem ter
tido dificuldades para se entenderem.35
RIBEIRO afirma que a existência dos moçárabes está documentada já no século VIII e
estende-se até o século XIII, indo, em Portugal, do Minho ao Algarve (< ar. al Gharb, ‘o
ocidente’). Simonet diz que a forma muztarabes aparece registrada já em documento de 1101.

32
Cf. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes...,p. 416 e 430.
33
Dinastias fanáticas que perseguiram cristãos, judeus e até mesmo nobres muçulmanos. Os almôadas, que
seguiram os almorávidas no poder, se orgulhavam de não terem deixado nenhuma igreja e nenhuma sinagoga em
pé em seu território. Os almorávidas são muçulmanos ortodoxos (sunitas), ao contrário dos heterodoxos
almôadas, que não reconhecem o estatuto de proteção (o dhimma) conferido aos chamados povos dos livros
(cristãos e judeus). Cf. Idem, ibidem, p. 426 e J. P. MOLÉNAT, Os moçárabes..., p.84.
34
V. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 425-426.
35
Cf. H. MEIER, Ensaios..., p. 32-33.
10
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

O. RIBEIRO afirma ainda que o rastro dos muçulmanos só se perde definitivamente no


começo do século XVII.36
Dúvidas não há de que os moçárabes representam um exemplo ímpar de contato de
culturas e do quanto este contato e o de línguas podem interferir na língua de uma
comunidade, mais precisamente, de levá-la a mudanças decorrentes de interferências de um
sistema sobre o outro - pois, apesar da resistência (consciente?), não houve como escapar das
influências.

2.3. Ibéria Muçulmana: Bilingüismo Generalizado?


Ao colocarem-se em estreito contato duas comunidades lingüísticas distintas, pode
ocorrer que a comunidade sócio-politicamente menos privilegiada aprenda o sistema
lingüistico da outra, tornando-se (ou pelo menos boa parte dos seus membros) bilíngüe, mas
pode ainda ser que se verifique o bilingüismo em ambas as comunidades. É o que parece ter-
se dado no sul da Península Ibérica, região conquistada pelos árabes.
Como já vimos anteriormente, o romance hispânico jamais deixou de ser falado e a
freqüente celebração de casamentos mistos propiciou a ocorrência do bilingüismo.
Notícias de tal bilingüismo chegara ao oriente e um viajante da segunda metade do
século X, que nunca estivera no ocidente, diz saber que ali “a língua falada era árabe, mas
obscura e de difícil compreensão, e há ainda outra língua semelhante ou relacionada com a
latina.”37
Os botânicos andaluzes, ao descreverem as plantas, dão-lhes seus nomes árabes, mas
acrescem a este o nome correspondente em aljamia.38
Outros exemplos há, e MENÉNDEZ PIDAL elenca alguns deles, de que os dois
sistemas não apenas coexistiram (como adstratos), mas também eram utilizados pelas duas
comunidades lingüísticas distintas.
Não há dúvidas de que os moçárabes mais cultos fossem bilíngües, o que era de se
esperar, uma vez que o árabe havia se tornado língua de cultura. 39
Havia entre os muçulmanos, embora constituísse caso raro, indivíduos que, mesmo
sendo de alguma importância social ou política, não soubessem se expressar em outra língua

36
V. O. RIBEIRO, A formação...,p. 42; SIMONET, Historia de los mozárabes, p. XI-XIII apud R. MENÉNDEZ
PIDAL, Orígenes..., p. 415.
37
V. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 423.
38
Idem, ibidem, p. 427-428.
39
Basta recordar o reproche feito por Álvaro Cordovês e reproduzido, aqui, na nota 28. Cf. ainda S. ELIA,
Preparação..., p. 108.
11
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

que não a aljamiada, e um alto funcionário, mesmo bilíngüe, poderia ter a aljamia como
língua materna.
Entretanto, o bilingüismo era muito mais comum, mesmo na comunidade muçulmana:
os muçulmanos cultos, assim como os moçárabes, eram bilíngües.
O romance moçárabe se fazia sentir na lírica hispano-árabe: nas muaxahas, por
exemplo, ainda que compostas por poetas muçulmanos populares.40
Portanto, ao verificar-se a ocorrência generalizada do bilingüismo, as influências
deixam de dar-se em sentido único - dos muçulmanos para os hispano-godos - para fazerem-
se presentes também no sentido contrário. Embora muito menos investigada, era de se esperar
que os moçárabes deixassem, por sua vez, alguma marca na comunidade muçulmana, com a
qual conviveram tantos séculos.

3. O INFLUXO LINGÜÍSTICO DO ÁRABE


3.1 Arabismos na România
A invasão árabe à Península Ibérica foi de extrema importância para a fragmentação
dos espaços lingüísticos da România. Além de roubar à parte ocidental do Mediterrâneo o seu
caráter de latinidade, a pirataria, promovida pelos inimigos do mundo cristão, acelerou o
distanciamento das nações românicas, ao diminuir neste a navegação.41
É ainda WARTBURG quem afirma serem os árabes os pais dos domínios nacionais e
lingüísticos português, espanhol e catalão, embora o sejam per negationem, já que o são
indiretamente: por sua causa deu-se a Reconquista e, com esta, a expansão dos falares
nortenhos.42 GARCÍA de DIEGO diz que “a Espanha (e o mesmo vale para Portugal) seria
como a França, um tabuleiro de várias dezenas de dialetos vulgares, formados segundo as
características de cada região.”43
Verificam-se arabismos em todas as línguas neolatinas, em primeiro lugar, e por
razões óbvias, no espanhol e no português, mas também no italiano e no francês, sendo que
podem ter posteriormente entrado em outras línguas (românicas ou não) através de uma língua
em que estes abundassem.44

40
Cf. R. MENÉNDEZ PIDAL, Orígenes..., p. 418-419, 422-423.
41
Cf. W. von WARTBURG, La fragmentación..., p. 184-185.
42
W. von WARTBURG, Entstehung..., p. 170 apud K. BALDINGER, La formación..., p. 53.
43
GARCÍA de DIEGO, El catalán..., p. 56 apud K. BALDINGER, La formación..., p. 53.
44
Como é o caso do galego, em que alguns arabismos parecem proceder da época da invasão, mas a maioria
penetrou na língua a partir do século XIII, por meio do espanhol. Cf. GARCÍA de DIEGO apud K.
BALDINGER, La formación..., p. 54-55.
12
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Quatro foram as vias de entrada de arabismos nas línguas européias, apresentadas aqui
conforme a sua importância:
a) a presença muçulmana na Península Ibérica e em pequena parte do sul da França;
b) o comércio através do Mediterrâneo, sendo os portos de Gênova, Pisa e Veneza
importantes vias de acesso para empréstimos árabes;45
c) o domínio árabe na Sicília e na Calábria;46
d) o domínio islâmico na Turquia; através do turco, vários arabismos penetraram na
România, principalmente no romeno.
A maioria dos arabismos transmitiu-se, no caso do português e do espanhol,
oralmente, no contato direto entre hispano-godos habitantes das regiões conquistadas e
muçulmanos, moçárabes e muçulmanos e, enfim, moçárabes e demais cristãos. Esta
transmissão oral, como veremos mais adiante, justificaria a aglutinação do artigo árabe ao
substantivo que o segue (Cf. item 3.3).
Entretanto, boa parte dos arabismos (termos científicos sobretudo) transmitiu-se
através do próprio latim medieval, a que havia chegado por meio das traduções latinas (feitas
a partir do século XII) de textos árabes. Nestas traduções, de que geralmente tomavam parte 3
homens, jamais se seguia o caminho direto árabe-latim medieval, fazendo-se antes o percurso
árabe-romance hispânico-latim medieval (leitura de texto escrito-versão oral-fixação por
escrito). Este processo, que traz a oralidade como ponte nas traduções do árabe para o latim
medieval, fez com que também nestas se encontre um grande número de palavras árabes com
o artigo aglutinado. Vale lembrar que muitas palavras árabes introduzidas através destas
traduções tornaram-se parte da nossa terminologia internacional.47
Observe-se que os arabismos encontrados no francês e no italiano, além de
configurarem pequena soma, são estrangeirismos encontrados nos livros de erudição, não
tendo influído na língua comum - ao contrário daqueles verificados no português e no
espanhol, que, em sua maioria, designam objetos de uso diário e afazeres da vida cotidiana.48
Outra característica que contrapõe os arabismos italianos e franceses àqueles
portugueses e espanhóis é a presença, nestes últimos, do artigo árabe al aglutinado ao

45
Cf. H. LÜDTKE, Historia del léxico..., p. 83. Aqui LÜDTKE parece entrar em confronto com WARTBURG,
segundo o qual o domínio árabe do Mediterrâneo levou à paralização da navegação neste, contribuindo, assim,
para o isolamento entre as nações românicas e, conseqüentemente, para a continuação da sua fragmentação
lingüística. Cf. nota 39.
46
Os portos mediterrâneos de Gênova, Pisa e Veneza e o domínio árabe na Sicília e na Calábria foram vias de
entrada de arabismos no italiano e no francês e, através do turco, vários arabismos penetraram na România,
principalmente no romeno. Cf. H. LÜDTKE, Historia del léxico..., p. 84.
47
V. H. LÜDTKE, Historia del léxico..., p. 85 e R. HALL JR, External History..., p. 98.
48
Cf. C. M. de VASCONCELOS, Lições..., p. 300 e K. BALDINGER, La formación..., p. 57-59.
13
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

substantivo (conforme veremos, mais detalhadamente, no item 2.3). Vocábulos italianos de


origem árabe que apresentam o artigo aglutinado (como alfiere, por exemplo) entraram ma
língua seguramente por intermédio do espanhol.49

3.2 A Influência Árabe na Língua Portuguesa


Na língua portuguesa, é indubitavelmente no léxico que a influência árabe
notadamente se fez sentir, de modo que dedicaremos um item ao assunto, para que este possa
ser mais adequadamente tratado (Cf. item 2.4).
Em termos comparativos, nos outros domínios da gramática essa influência foi
reduzida, eventualmente sequer se verificando. Senão vejamos:
Nenhum fonema árabe passou a integrar o sistema fonológico português. O que se deu
aqui - como em geral ocorre, quando se trata de empréstimos lingüísticos - foi a adaptação
dos sons ouvidos em árabe aos fonemas já existentes no sistema fonológico português (ou do
romance hispânico, quando da sua entrada em fase anterior).
Entretanto, os moçárabes, importante canal de transmissão de arabismos, teriam
assimilado o ritmo acentual da língua árabe e influenciado, por sua vez, a portuguesa -
imprimindo-lhe novos padrões prosódicos - o que teve como conseqüência o aumento no
número de oxítonos terminados principalmente em vogal (algodão, açafrão, marfim, javali
etc), o surgimento de paroxítonos terminados em consoante (aljôfar, açúcar, arrátel etc) e a
vulgarização dos proparoxítonos (álcool, álgebra, xácara etc).50
Na morfologia, dadas as divergências verificadas entre as línguas indo-germânicas e
afro-asiáticas, não ocorreram influências relevantes. MALKIEL acredita ter descoberto, nos
diversos componentes que levaram à formação do sufixo hispano-português -(i)ego, um
elemento árabe.51 Também em árabe ocorria o ditongo nasal em final de palavra. Confundido
com o -ão (< -anu) latino (açafrão), não constituiu novidade, incorporando-se apenas à forma
já existente.52
Já para a sintaxe e o estilo há a necessidade de se efetuarem estudos mais detalhados,
através da comparação de textos árabes, moçárabes e portugueses, a fim de se chegar a uma
conclusão sobre o assunto. Há quem credite à influência árabe a possibilidade de se iniciar,

49
V. S. ELIA, Preparação..., p. 110 e W. von WARTBURG apud K. BALDINGER, La formación..., p. 59.
50
Cf. MALKIEL apud K. BALDINGER, La formación..., p. 71; S. ELIA, Preparação..., p. 108 e R. HALL JR,
External history..., p. 96-97, onde inclusive afirma que o ibero romance apresenta, por isso, uma maior variedade
de padrões prosódicos do que outras línguas românicas.
51
Cf. MALKIEL apud K. BALDINGER, La formación...,. 68.
52
V. J. I. LOURO apud K. BALDINGER, La formación..., p. 68.
14
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

em português, uma oração com o verbo, já que é esta a posição normalmente ocupada pelo
verbo na sintaxe árabe. De fato, BALDINGER julga precipitada qualquer opinião formulada
a respeito da influência árabe na sintaxe do português e do espanhol (como a de
ENTWISTLE) antes de ser realizado um estudo detalhado a respeito do assunto.53
Em termos semânticos, chegaram a legar-nos alguma contribuição, como é o caso do
uso pessoal dos verbos amanhecer (Dormi bem, mas amanheci doente.) e anoitecer (Depois
de fatigante viagem, anoiteci em Sevilha.), que em árabe conheciam-se os dois usos -
impessoal e pessoal - e expressões que, embora românicas, adquiriram novas acepções
(processo conhecido por decalque semântico), como o fidalgo, filho de algo (bens), construída
segundo o uso árabe de chamar filho de quem de alguma coisa se beneficia (o ladrão é, assim,
o filho da noite, já que esta lhe propicia o roubo).54
Há ainda os arabismos fraseológicos, ou seja, expressões, geralmente fórmulas para
bençãos, cuja origem árabe poucos conhecem - e muitos sequer supõem! Alguns exemplos
são Que Deus o guarde [das dificuldades]! e Que Deus o mantenha [vivo]!, proferidas
inicialmente à menção do rei ou senhor, posteriormente estendida à menção de toda e
qualquer pessoa; Se Deu quiser!, que denota a resignação à vontade divina, comum à
religiosidade exacerbada, e Que Deus o ampare!, dita àqueles que se encontram em
dificuldades.55

3.3 A Questão do Artigo


Uma das características que imediatamente identifica os arabismos portugueses é a
presença da sílaba inicial al- (ou variantes ar-, a-), que nada mais é do que a aglutinação do
artigo definido árabe ao substantivo que o segue (como vimos anteriormente, no item 2.1).
Esta aglutinação - que, de resto, já ocorria no próprio árabe56 - se dá por justaposição
(alcorão, alfaiate, alfândega, alfinete, alfarrábio...) ou por assimilação do l à consoante por
que se inicia o substantivo (açougue, açucena, arroba, ataúde, azêmola), de onde as variações
supracitadas para a sílaba inicial al-.57
Para explicar o porquê da generalização do fenômeno da aglutinação do artigo,
levantaram-se, até aqui, duas hipóteses:

53
Cf. ENTWISTLE apud K. BALDINGER, La formación..., p. 71 e idem, ibidem, p. 70-71.
54
Cf. R. LAPESA, Historia..., p.108 e 110.
55
Idem, ibidem, p. 110.
56
Cf. H. LÜDTKE, Historia del léxico..., p. 83.
57
V. S. ELIA, Preparação..., p. 109.
15
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

a) a existência de uma única forma para o artigo definido em árabe - invariável,


portanto, em gênero e número - que, assim, se via constantemente repetida e a inexistência de
artigo no bérbere, que, não o percebendo como tal, tomava-o por parte da palavra seguinte.
Não devemos esquecer que os bérberes foram os muçulmanos que em maior número
integraram as hordas invasoras. Assim, os moçárabes adquiririam os empréstimos com o
artigo já aglutinado e os passariam sob esta nova forma para o português. As palavras sem o
artigo teriam sido influência direta das classes dominantes.58
b) uma tendência da própria população autóctone, já que esta se observa ainda hoje em
falantes do português, ao tomarem empréstimos estrangeiros em geral. Assim, no português
atual da Nova Inglaterra, formas inglesas como overalls e overcoat foram remodelados para
/alvi’rozis/ e /alba’koti/. A aglutinação do artigo teria se dado, então, por obra da própria
população moçárabe.59
Por muitos anos, a primeira hipótese nos pareceu ser a mais viável. Para começar, os
exemplos arrolados para justificar a segunda hipótese não são dos mais felizes, porque não
trazem um fenômeno fonético sintaticamente condicionado, como é o caso do problema em
questão. Também porque, aqui, pode-se tratar de uma evolução (por analogia, por exemplo, já
que no português ocorre com determinada freqüência a sílaba al- em posição inicial) da vogal
o, inclusive em contexto específico, já que os dois casos levantados referem-se na verdade a
um único contexto. Seria necessária uma investigação mais exaustiva do fenômeno, a fim de
se chegar a uma conclusão precisa, para só então usá-la como justificativa e aplicá-la
diacronicamente. Por outro lado, resulte da incompreensão bérbere ou moçárabe (que não lhes
permitiria perceber a fronteira vocabular entre o artigo e o substantivo, de resto já
comprometida pela aglutinação ocorrida no próprio árabe), corrobora a primeira hipótese o
fato de, no moçárabe como no português, verificar-se o emprego pleonástico do artigo: o
alfinete, a almofada.
Entretanto, Volker Noll propõe a aglutinação do artigo como tendência do árabe
dialetal andalusino, por manter o valor silábico do artigo, uma vez que regularmente preserva
a vogal inicial a-.60

58
Cf. ELCOCK apud S. ELIA, Preparação..., p. 109; ELCOCK apud R. HALL JR, External history..., p. 96 e K.
BALDINGER, La formación..., p. 59-60.
59
Cf. PAP apud R. HALL JR, External history..., p. 96.
60
Cf. NOLL, Volker. La aglutinación del artigo árabe al em el léxico español, disponível em <
https://www.uni-muenster.de/imperia/md/content/romanistik/noll/noll-art.pdf>. Acesso em 01 mar. 2007.
16
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

3.4 A Influência Árabe na Estruturação do Léxico Português


Não restam dúvidas de que, depois do latino, o elemento árabe é o mais importante na
constituição do léxico português, não só quanto ao número mas também quanto a sua
importância cultural e histórica. ELIA chega a afirmar ter sido a contribuição árabe para o
léxico hispânico comparável quase com a do frâncico para o galo-românico. Já RIBEIRO diz
terem passado, do gótico para o português, cerca de 40 vocábulos, sendo ¼ destes por
intermédio do latim. Tal contribuição seria insignificante frente aos de origem árabe, que
constituiriam 1/10 da língua corrente. Também PIEL afirma ser o superstrato árabe, refletido
em várias centenas de vocábulos e abrangendo todos os setores da vida material, muito maior
que o visigodo. 61
Interessante notar é a discrepância no número de arabismos existentes na língua
portuguesa (e na espanhola), que varia de 300 a 4000, segundo vários estudiosos.62
COELHO diz que estes não passam de 300; LOPES acredita que este número fique
entre 400 e 1000; RIBEIRO afirma serem 600 os vocábulos de origem árabe, sendo 2/3 de uso
comum; ao passo que, para C. M. de VASCONCELOS, eles passariam de 1000, chegando a
mil e tantos, se considerados os termos mais antiquados. FRANCA também concorda que
passem de 1000, dos quais cerca de 200 ainda seriam bastante usados. ELCOCK afirma (para
o ibero-romano) serem cerca de 4000, embora faça a ressalva de que muitos caíram em
desuso, cifra com que concorda LAPESA (mais de 4000 no espanhol), mas que é rechaçada
por MALKIEL, que afirma resultar de uma má interpretação (e o diz a propósito de
LAPESA), por incluir variantes formais mínimas de um mesmo vocábulo. PIEL crê que o
número de arabismos espanhóis chegue a 8% do seu léxico.63
De nossa parte, cremos contribuirem para tal diferença nos resultados a falta de
uniformidade nos critérios levados em conta para proceder à contagem. Assim, alguns teriam
considerado termos antiquados (isto é, referentes a objetos e instituições que não mais
existam), literários (ou de emprego raro) e ainda formas derivadas (verbos formados a partir
de substantivos), ao passo que outros não.

61
Cf. S. ELIA, Preparação..., p. 108; C. M. de VASCONCELOS, Lições..., p. 299; O. RIBEIRO, A formação...,
p. 38 e J. M. PIEL, Estudos de lingüística histórica..., p. 13.
62
Aqui não pudemos fugir à referência ao espanhol (e a um estágio anterior, com o ibero-romance), já que houve
um fundo hispânico comum para as línguas portuguesa e espanhola e, pelo menos quanto ao léxico, o problema
coloca-se de modo igual, sendo as conclusões extraídas para justificar o fato numa das línguas elucidativas para
compreendê-lo na outra.
63
Cf. F. A COELHO apud C. M. de VASCONCELOS, Lições..., p.299; idem ibidem, p. 299; R. FRANCA,
Arabismos, p. 21; D. LOPES apud K. BALDINGER, La formación..., p. 54; O. RIBEIRO, A formação..., p. 39-
40; ELCOCK apud S. ELIA, Preparação... p. 109; R. LAPESA, Historia..., p. 97; MALKIEL apud K.
BALDINGER, La formación..., p. 53-54; idem ibidem, p. 53-54 e J. M. PIEL, Estudos de lingúística histórica...,
p. 10.
17
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Acrescente-se ao problema o fato de a cada dia descobrirem-se novos arabismos,


geralmente tomados por termos de origem latina.64
A maioria quase absoluta dos arabismos é de substantivos, nas demais classes os
exemplos são tão poucos que podem ser elencados na sua totalidade.
Os substantivos, que raramente referem-se a noções abstratas (qualidades morais, por
exemplo),65 abrangem quase todos os setores da vida cotidiana. PIEL os distribui em 13
campos semânticos: designações de cargos e dignidades; termos castrenses; administrativos;
referentes à flora; à fauna; à profissões e indústrias; unidades de medida; particularidades
topográficas; artigos de luxo e instrumentos musicais; produtos agrícolas e industriais; vida
pastoril; arquitetura e ciências exatas.66
Quanto ao seu aspecto formal, caracterizam os arabismos, em posição inicial, x- (xá,
xeque, xeique, xarope, xadrez) ou enx- (enxaqueca, enxoval) e, em posição final, -i tônico
(alfaqui, maravedi, javali), às vezes transformado em -im, -il ou mesmo -inho (alecrim,
marfim, ceitil, Afonsinho - <afonsi), e sílabas inusitadas em vocábulos de origem latina, como
-afe, -afre, -efe,, -aque (espinafre, tabefe).67
Enfim, resta-nos dizer que alguns arabismos têm origem em outras línguas que não a
árabe, a qual, de fato, atuou apenas como intermediária na sua introdução no sistema lexical
português. Há vocábulos de origem latina (alcácer < castrum), grega (alquimia < chemeia;
elixir < xeron; arroz < oryza); africana (zebra e, talvez, girafa); persa (azul) e até mesmo
sânscrita (laranja).68

4 OS ARABISMOS NAS RECEITAS DE MEDICAMENTOS E NOS REGIMENTOS


RELATIVOS À SAÚDE DO LIVRO DA CARTUXA
A seguir apresentaremos os arabismos encontrados nas receitas de medicamentos e nos
regimentos para a manutenção da saúde do Livro da Cartuxa, analisando-os a partir do
confronto do léxico levantado com os dados apresentados na segunda parte do presente
estudo.

64
Cf. K. BALDINGER, La formación..., p. 55.
65
Fato creditado por J. P. MACHADO, que analisou arabismos dos séculos IX ao XII, ao caráter utilitário e
popular da influência árabe no português. Cf. J. P. MACHADO apud S. ELIA, Preparação..., p. 108. Cf. ainda
idem ibidem, p. 108; J. M. PIEL, Estudos de lingüística histórica..., p. 13 e R. LAPESA, Historia..., p. 102.
66
Cf. J.M. PIEL, Estudos de lingüística histórica..., p. 13.
67
Cf. C. M. de VASCONCELOS, Lições..., p. 305 e R. FRANCA, Arabismos..., p. 21.
68
Cf. Idem ibidem, p. 306-307. Cf. ainda S. ELIA, Preparação..., p. 109 e R. FRANCA, Arabismos, p. 21.
18
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

4.1 O Corpus
O Livro dos Conselhos de El Rei Dom Duarte (mais conhecido por Livro da Cartuxa,
desde finais do século XVI ou início do século XVII, quando o Convento da Cartuxa de Scala
Coeli, em Évora, recebeu de presente, do arcebispo D. Teotônio de Bragança, uma cópia sua)
é, como o seu próprio nome sugere, uma compilação, feita entre 1423 e 1438, de conselhos
dados por ou para este rei, que vinham registrados a seu mando ou, cogita-se, até por ele
mesmo.
Muitos e diferentes - eventualmente até inusitados! - são os assuntos abordados nos
conselhos, indo da forma como se deve rezar o Pai Nosso ao estado, à época, do clero; do
valor de diversas moedas nacionais e estrangeiras ao ordenado dos infantes (o que ganhavam
por fora do ordenado inclusive!); de considerações sobre custo de mão-de-obra a
gratificações que se deviam pagar àqueles que superavam as expectativas no trabalho(!); de
táticas de guerras à como se verem as horas. O Livro da Cartuxa reúne, em suma, áreas tão
diversas quanto a religião; o exército e a guerra; a administração, a contabilidade e a
economia; a ciência; a agricultura e a conservação de alimentos; a arquitetura etc,
constituindo, assim, verdadeiro tratado histórico-social e político-econômico da época em que
os conselhos foram compilados.69
Aqui trabalharemos apenas com os capítulos do Livro da Cartuxa que dizem respeito à
medicina e à farmacopéia, os quais perfazem um total de 25 textos: 22 receitas (03 das quais
constituindo excerto de cartas mais amplas e 01 delas extraída de trovas compostas para o Dr.
Diogo Afonso, médico da corte de D. Duarte, e que trazem, além do tratamento para a
pestenença, a descrição dos sintomas e da evolução desta no organismo humano) e 03
regimentos (regulamentos). Os textos têm extensão variada (o menor com 04 linhas apenas, o
maior estendendo-se por 12 fólios no original) e referem-se seja ao preparo dos ingredientes
que virão a compor o medicamento, seja ao preparo ou à administração (posologia, duração
do tratamento) dos medicamentos prontos. Dentre as doenças a que se aplicam os pós, pílulas,
ervas e emplastros apresentados estão: a peste (maleyta), dores nos olhos, dores de dentes,
diarréia (corrença) , febres (febre terçã), inchaço dos joelhos causado por gota ou ciática,
reumatismo (frieldade no oso ou juntura), maçamento, apostemas e incômodos nos mamilos e
seios das mulheres recém-paridas.
Ora, o corpus em que nos baseamos apresenta características que o tornam
especialmente propício para o objetivo proposto de averigüar a siuação dos arabismos nele

69
Cf. A. H. de OLIVEIRA MARQUES e J. J. ALVES DIAS, Livro dos Conselhos..., p. VII-XVI.
19
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

presentes, tanto em termos formais quanto com relação ao seu emprego, uma vez que se trata
de textos de medicina e farmacopéia que nos permitiriam, pelo menos em princípio, encontrar
termos não só da língua comum, mas também da linguagem especializada (terminologia).
Poderemos constatar se nesta terminologia verificam-se quaisquer arabismos.
Por outro lado, como os medicamentos são de preparo caseiro e os regimentos podem
ser seguidos por qualquer pessoa, os termos por que vêm designados ingredientes, utensílios
etc que neles aparecem pertenceriam frequentemente à língua comum, no que combinariam
com o caráter comum/popular dos respectivos referentes.
Também convém considerar o fato de o corpus datar da primeira metade do século
XV, momento em que está consolidada a língua portuguesa - enquanto sistema lingüístico
distinto seja do romance hispânico, outrora condividido pelos falantes de toda a Península
Ibérica, seja das demais línguas peninsulares faladas na época - que ainda vive a sua fase
arcaica.70

4.2 Os Arabismos nas Receitas de Medicamentos e nos Regimentos Relativos à Saúde do


Livro da Cartuxa
A seguir apresentaremos os arabismos encontrados nas receitas de medicamentos e nos
regimentos relativos à saúde que constam no Livro da Cartuxa.71
Substantivos
Nome Próprio
aujcena, avicena
Grande médico e pensador islamita (nascido em 980, morto em 1037). Do ár. ibn-sina
‘filho do Sinai’.
“(...) posta e(m) çima ro(m)pe de aujcena.”
e
“(...)posto sobr(e) apostema segundo diz avicena a gra(m) presa rompe.”
Texto 24
Não conseguimos identificar se existia uma expressão romper de avicena, com o
significado talvez de ‘intervir cirurgicamente’.

70
V. F. TARALLO, Tempos lingüísticos..., p.83.
71
Estes vêm distribuídos por classes gramaticais e, para os substantivos, procedeu-se ainda a uma classificação
por campo semântico. Ao lado dos vocábulos - transcritos aqui tal como encontrados na edição diplomática, com
desdobramento das abreviaturas, portanto, indicado pela inserção dos fonemas desdobrados entre perênteses e
podendo ocorrer ainda mais de uma forma gráfica para um mesmo termo, graças à inexistência, à época, de uma
normatização ortográfica - seguem uma definição sucinta, apenas para que se identifique o conteúdo das formas
menos usuais; o étimo de que se originaram; o século em que o vocábulo começa a ser registrado em
manuscritos - lembramos aqui o fato de o registro costumar ser muito posterior ao uso efetivo dos vocábulos na
fala, dado o seu caráter conservador com relação às inovações lingüísticas - e, enfim, a título de ilustração,
reproduziram-se ainda trechos em que os vocábulos aparecem no corpus pesquisado juntamente com a
numeração dos textos em que se dá o registro.
20
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Instrumento/Utensílio
almofariz
Recipiente em que se trituram substâncias sólidas. Do ár. al-miharas (haras ‘pisar’).
Séc. XIV.
“(...) bem moido e(m) almofariz (...).”
Texto 20

Alimento
arrobe
Xarope ou compota de várias frutas. Do ár. ar-rubb. Séc. XV. “Toma
mostarda pysada e mestura a com arrobe d amoras (...).”
Texto 09

Ingredientes
acafrão, açafrã, açafra(m), acafra(m) - REW 9588a
Do ár. az-zafran. Séc. XIV.
“(...) e(m) logo de ge(n)gibre poria açafra(m) (...).”
Texto 01
“(...) se deue mudar (...) o ge(n)gybre em açafra(m).”
Texto 02
“(...) mea onça d açafrã (...).”
Texto 14
“As pyrolas comu(n)s se fazem d hu: peso d açafra(m) (...).”
Texto 16
e
“Outro sy toma miolo de çeruo e acafra(m) (...).”
Texto 24

açefar, açeuar
Chumbo.
“As pyrolas comu(n)s se fazem d hu: peso d açafra(m) e dous de mirra, e qatro d
açefar (...).”
Texto 16
e
“(...) açeuar quarto d oitaua.”
Texto 20

acuquar, açuqar, acucar - REW 8058


Do ár. as-sukkar. A forma árabe é bastante semelhante à grega, do que se depreende
procederem de um original comum, provavelmente índico. Séc. XIII.
“E tomar hu: quarto d onça d acuquar candyl (...).”
Texto 04
“(...) tome hu:a onça d açuqar rosado (...).”
Texto 14
e

21
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

“SeJa tudo bem moido e seJa pasado por hu:a peneira sotil, e qual he e(n)nhada(m)
ta(n)to d acucar como dos pos suso ditos.”72
Texto 15
algodo(m) - REW 4796a
Do ár. hisp. al-qutun. Séc. XIII.
“Tome(m) sement(e) d algodo(m)(...).”
e ainda
“Dem lhe a beuer po de sement(e) d algodo(m) com agoa (...).”
Texto 07

alJofar - REW 3945


Do ár. al-g’auhar. Séc. XIII (1258).
“Mea onça d ouro bem lymado, e mea d alJofar moydo (...).”
Texto 02
e
“AlJofar e coraes vermelhos e canfora de Cada hu: mea onça (...).”
Texto 20
almeçega, almeçeqa
Do ár. al-mástaká, derivado de uma forma grega. Resina de aroeira ou de lentisco.
Séc. XIV.
”Prestão os ouos asados com almeçega (...).”
Texto 11
e
“Recipe almeçeqa duas partes (...).”
Texto 16

azebre
Do ár. aç-çibar. Aloés, suco de planta amargo.
“Hu:a oitaua de azebre çacotry(m) bem moydo, (...).”
Texto 05

azeyte, azeit(e) - REW 9611


Do ár. az-zeit. Séc. XIII.
“(...) e deite lhe hu: pouco d azeyte ou mel (...).”
Texto 14
e
“Outro sy coze a casca da raiz do lentisco co(m) agoa e pisa a com mel e co(m)
azeit(e) de lirio (...)”.
Texto 24

azougue - REW 9607


Designação vulgar do mercúrio. Do ár. az-zâ’ua. Séc. XIV.
“azougue çhumbo, e ambos be(m) mesturados/prata ou ouro co(m) azougue be(m)
amasados (...)”.
Texto 22

72
Note-se que Corominas crê em uma origem comum para as duas formas, a grega e a árabe, e não que esta
última derive da primeira - opinião mais generalizada e de fácil aceitação, uma vez que, de fato, inúmeros
vocábulos gregos se inseriram no sistema lexical árabe em decorrência das traduções feitas dos textos gregos
pelos estudiosos árabes.
22
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

canfora, ca(m)phora - REW 4656


Do ár. kafur. Embora se verifique, já no séc. XIV, uma forma com o artigo aglutinado
derivada diretamente do árabe, a forma sem o artigo, procedente do lat. med., teria aparecido,
segundo A. G. da Cunha, apenas no séc. XVI (1524) - afirmativa com que não podemos
concordar, uma vez que o Livro da Cartuxa, em que aparece a forma sem o artigo aglutinado,
se trata de compilação feita entre 1423 e 1438. Aí haveria um erro de datação de um século.
“(...) e lança em v(inh)o pasado p(er) mea onça de canfora (...).”
Texto 02
AlJofar e coraes vermelhos e canfora de Cada hu: mea onça(...).”
e ainda
“(...) despois toma ca(m)phora e pisa a bem (...).”
Texto 20
e, enfim,
“Mas a canfora sobre todo esfria/e uençe toda quentura sem mais p(er)fia (...).”
Texto 22

çumagre - REW 8450


Do ár. summak. Planta da família das anacardiáceas. Séc. XIII.
“Prestão os ouos asados com almeçega e outros com o çumagre com que curtem.”
Texto 11

lymo(m) - REW 5057


O limoeiro foi introduzido na Península Ibérica no séc. X, mas o vocábulo, do lat.
med. limon, -onis < ár. limum (forma divergente de lima), só aparece sistematicamente
registrado no séc. XIV.
“escabriola Jnuidia lymo(m) q(ue) bem abre (...).”
Texto 22

Outros
fatya, fatia
Do ár. fitatâ (‘migalha’). Também para fatia A. G. da Cunha traz como século de
entrada do vocábulo no léxico português o séc. XVI. A sua ocorrência no Livro da Cartuxa é
prova cabal de que a sua entrada se dá, no mínimo, um século antes.
“(...) ao Ja(n)tar coma hu:a fatya de pão torrada sem beber (...).”
e
“(...) tome hu:a fatia de pão torrada molhada e(m) v(inh)o branco (...).”
Texto 14
Adjetivos

çuquarada, çucarada
Adjetivo derivado de açucar. Registrado no séc. XVI, segundo A. G. da Cunha,
datação errônea, como já vimos.
“(...) e quando se lançar a noit(e) na cama beba da dita agoa çuquarada se for uerão
(...).”
e
“(...) laue loguo a boca com agoa çucarada (...).”
Texto 14

candyl - REW 4672a

23
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

Adjetivo (< ár. kandi) formado a partir do substantivo ár. kand ‘suco da cana de
aúcar’. Dalgado, apud Nascentes, dá ao termo persa-árabe origem sânscrita ( sânsc. khanda).
“E tomar hu: quarto d onça d acuquar candyl e faze lo moer (...).”
Texto 04

Preposição

ata, ate, atee - REW 201


A forma que aparece registrada com maior freqüência é ate (17 vezes, nos textos 01,
02 (2x), 03 (3x), 04, 05, 06 (4x), 10, 11 (2x), 16 e 18, constituindo 85% dos registros).
Aparecem ainda ata (02 vezes, textos 03 e 04, 10% dos registros) e atee (01 único registro,
texto 11, 5% dos registros).
Aqui as opiniões divergem quanto a origem árabe destas formas. Para Meyer-Lübke e
C. M. de Vasconcelos, por exemplo, a forma ata seria a única de origem verdadeiramente
árabe, ao passo que ate e atee procederiam do latim ad tenus. Para Piel e Elia, as três formas
procederiam do árabe, sendo que Elia dá como étimo o cruzamento do ár. hatta com o lat.
tenus. Esta hipótese é, de fato, bastante viável foneticamente, dada a ocorrência do imala na
Península Ibérica.73
Traremos apenas um exemplo de cada forma registrada.
“ E deue ser gardado que non beba e(m) n(en)hu:a guysa ata que seJa são (...).”
Texto 03
“E esto feito traga cad ano ate noue dias ou mais se for tempo frio (...).”
Texto 10
e
“(...) lauem lhe as p(er)nas atee os giolhos.”
Texto 11

Há ainda dois vocábulos cuja origem é incerta:

arredoma - REW 7398


Origem controversa, alguns vêem aí uma ligação com o lat. rotundo, o que é
inaceitável, porque não explica a evolução de -nd- para -mb-. Outra possibilidade seria a
derivação do ár. redhuma ‘garrafa’, que parece ser a mais provável. Séc. XIII.
“(...) e ento(m) lança la e(m) hu:a arredoma de vidro.”
Texto 04

myrrha, mirra
Este vocábulo percorreria longo trajeto antes de estabelecer-se na língua portuguesa:
embora seja de origem semítica, foi através do grego que chegou ao latim e, através deste, ao
português. Séc. XIII.
“(...) m(e) oitaua de myrrha (...).”
Texto 02
“As pyrolas comu(n)s se fazem d hu: peso d açafra(m) e dous de mirra (...).”
Texto 16
e

73
Cf. W. MEYER-LÜBKE, REW 201; C. M. de VASCONCELOS, Lições..., p.305; J. M. PIEL, Estudos de
lingüística histórica..., p. 13 e S. ELIA, Preparação..., p.110.
24
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

“Mirrha hu:a oitaua (...).”


Texto 20

Analisando estatisticamente os 19 arabismos confirmados encontrados no nosso


corpus de trabalho, constatamos que:
a) a maioria dos arabismos é de substantivos: 84,21% (16 casos) de substantivos
contra apenas 10,52% de adjetivos (02 casos) e 5,26% de preposições (01 caso). Não se
verifica nenhum caso em que o arabismo seja um verbo (0%, 0 casos).
b) os dois adjetivos encontrados derivam de substantivos.
c) a maioria dos substantivos apresenta o artigo aglutinado: 68,75% dos substantivos
(11 casos).
d) muitos arabismos começaram a ser registrados no séc. XIII, seguido pelos séc. XIV
e XV.

e) dentre os arabismos aqui encontrados há termos técnico-científicos: nomes de


plantas, resinas e de elementos químicos, por exemplo, sem mencionar a citação de um grande
médico muçulmano da época.
f) a maioria dos arabismos encontrados no nosso corpus de trabalho continua a ser
empregada no português moderno. Dos 19 arabismos confirmados, pelo menos 10 (52,63%)
fazem parte da língua comum,74 não oferecendo, portanto, qualquer dificuldade de
compreensão do seu significado ou mesmo de emprego. Outros podem ainda fazer parte do
sistema lexical do homem do campo, cuja linguagem costuma ser dotada de traços
arcaizantes. Ambos os vocábulos de origem incerta, se tivessem a sua origem árabe
confirmada, poderiam incluir-se dentre os que são conhecidos e empregados ainda hoje, o que
elevaria o percentual de vocábulos de origem árabe ainda em uso para 57,14%.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas receitas de medicamentos e nos regimentos relativos à saúde do Livro da Cartuxa
se encontra considerável número de vocábulos de origem árabe, embora ainda não possamos
precisar estatísticamente que lugar ocuparia quando comparada a sua freqüência (em termos
percentuais) com aquela de vocábulos gregos e latinos. Distribuindo os 19 arabismos

74
É de se esperar que o homem citadino de média cultura, mesmo que eventualmente nunca entrado em contato
com o referente em si, conheça os vocábulos açafrão, açucar, algodão, aljôfar, azeite, cânfora, limão, fatia,
açucarada e até.
25
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

confirmados pelos 25 textos que constituem o corpus teríamos uma média de ocorrência de
0,76 arabismos por texto.
A sua presença em textos de natureza médico-farmacopéica não é de estranhar, haja
vista terem ocupado os árabes grande destaque nas Ciências, na Medicina e na Farmacopéia.
De fato, trouxeram muitos conhecimentos para o mundo ocidental cristão, através da
traduções por eles feitas dos textos gregos e da própria experiência prática. Lembremo-nos de
que na Idade Média era considerado herege todo aquele que dissecasse cadáveres para o
estudo da anatomia e o que se sabia do corpo humano se devia unicamente ao estudo
anatômico de porcos. Em tal estado de coisas, compreende-se que os árabes se destacassem
com tanta nitidez em relação ao ocidente.
Assim, o nosso corpus bem ilustra a influência que pode sofrer um sistema lingüístico,
em decorrência do contato de culturas que o expõe a um sistema diverso, quando a
comunidade estrangeira é imbuída de destaque politico-econômico e/ou sócio-cultural - o que
nos faz ressaltar a importância de se considerar a mudança lingüística não exclusivamente do
ponto de vista do sistema (em si e por si - como pretendia Saussure, por exemplo), mas dentro
de um panorama mais amplo, de que fazem parte aspectos sócio-antropológicos, históricos e
até mesmo psicológicos.

REFERÊNCIAS

01 BALDINGER, Kurt. La formación de los domínios lingüísticos en la Península Ibérica.


Versión castellana de Emilio Lledo y Monserrat Macau. Madrid: Gredos, 1963. p. 53-75.
(Biblioteca Románica Hispánica, dir. por Dámaso Alonso, I. Tratados y Monografias,
10).

02 CALDAS AULETE, F. J. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. 3. ed.


bras. Rio de Janeiro: Delta, 1974. 5v.

03 COROMINAS, Joan. Diccionario crítico e etimologico de la lengua castellana. Madrid:


Gredos, 1954. 4v.

04 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua


Portuguesa. 1. ed. 2. impres. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

05 DIAS, João José Alves. Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte: Livro da Cartuxa.
Ed. Diplom. Transcr. de João José Alves Dias. Introd. de A. H. de Oliveira Marques e J. J.
Alves Dias. Revis. de A. H. de Oliveira Marques e Teresa F. Rodrigues. Lisboa:
Estampa, 1982.

26
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

06 ELIA, Sílvio. Preparação à lingüística românica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1974. p.


107-111.

07 FRANCA, Rubem. Arabismos: uma mini-enciclopédia do mundo árabe. Recife:


Prefeitura da Cidade do Recife/UFPE, 1994.

08 GONSALEZ, João Francisco. “Artigo ‘al’ e imala”. VIII Seminário do Centro de


Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná. Humuarama: Universidade Paranaense,
1995.

09 HALL JR, Robert. External history of the romance languages. New York: Eslevier,
1971. p. 94-98.

10 JACKSON, Gabriel. Introducción a la España Medieval. Madrid: Alianza, 1974. p.


11-45. (Sección Humanidades).

11 LAPESA, Rafael. Historia de la lengua española. 5. ed. Madrid: Escelicer, 1942. p.


77-87.

12 LÜDTKE, Helmut. Historia del léxico románico. Versión castellana de Marcos


Martínez Hernández. Madrid: Gredos, 1974. p. 82-86. (Biblioteca Románica Hispánica,
dir. por Dámaso Alonso, III. Manuales, 33).

13 MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa: com a mais


antiga documentação escrita e conhecida de muitos vocábulos estudados. Lisboa:
Confuência, 1956. 2v.

14 MEIER, Harri. Ensaios de filologia românica. 3. ed. Rio de Janeiro: Grifo, 1974. p. 32-
33.

15 MENÉNDEZ-PIDAL, Ramón. Orígenes del español: estado lingüístico de la


Península Ibérica hasta el siglo XI. 3. ed. muy corregida y adicionada. Madrid: Espasa Calpe,
1950. p. 415-440. (Obras Completas, v. VIII).

16 MENÉNDEZ-PIDAL, Ramón. Mis paginas preferidas: estudios lingüísticos e


historicos. Madrid: Gredos, 1957. p. 183-206. (Biblioteca Románica Hispánica, dir. por
Dámaso Alonso, VI. Antologia Hispánica).

17 MEYER-LÜBKE, Wilhelm. Romanisches etymologisches Wörterbuch. 5. ed.


Heidelberg: Carl Winter, 1972.

18 MOLÉNAT, Jean-Pierre. Os moçárabes: um exemplo de integração. In:


CARDILLAC, Louis (org.). Toledo, séculos XII e XIII: muçulmanos, cristãos e
judeus: o saber e a tolerância. Trad. por Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR,
1992. p. 83-98. (Memória das Cidades).

19 MORAES SILVA, Antônio de. Diccionario de língua portuguesa. Ed. Fac-Sim. da


2. ed. (1813). Dir. de Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Revista de Língua Portuguesa,
1922.

27
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

20 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro,


1932.

21 NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico resumido. Rio de Janeiro: Instituto


Nacional do Livro/Ministério da Educação e Cultura, 1966. (Col. Dicionários
Especializados).

22 PIEL, Joseph-Maria. Estudos de lingüística histórica galego- portuguesa. Lisboa:


Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. p. 9- 16.

23 RIBEIRO, Orlando. A formação de Portugal. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua


Portuguesa, 1987. p. 12-62.

24 SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de
Portugal, 1952.

25 SILVEIRA BUENO. Estudos de filologia portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1946. v. I.


p. 64-67.

26 TARALLO, Fernando. Tempos lingüísticos: itinerário histórico da língua portuguesa.


2. ed. São Paulo: Ática, 1994.

27 VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Revista


de Portugal, 1956. p. 299-310. (Série A, Língua Portuguesa).

28 VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das palavras, termos e frases que
em Portugal antigamente se usaram... Ed. Crítica por Mário Fiúza. Lisboa: A. J.
Fernandes Lopes, 1865.

29 WARTBURG, Walther von. La fragmentación lingüística de la Románia. Trad. por


Manuel Muñoz Cortés. Madrid: Gredos, 1952. p. 184-186. (Biblioteca Románica
Hispánica, dir. por Dámaso Alonso, I. Tratados y Monografias, 1).

30 NOLL, Volker. La aglutinación del artigo árabe al em el léxico español, disponível em <
https://www.uni-muenster.de/imperia/md/content/romanistik/noll/noll-art.pdf>. Acesso em 01
mar. 2007.

31 WEINREICH, Uriel. Languages in contact. New York: LCNY, 1953. p. 1-13.

32 ZAMORA VICENTE, Alonso. Dialectología española. 2. ed. Madrid: Gredos,


1979. p. 15-54. (Biblioteca Románica Hispánica, dir. por Dámaso Alonso, III. Manuales, 8).

28
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

APÊNDICE
Apresentamos aqui a relação dos textos que constituem o nosso corpus de trabalho
seguidos da(s) página(s) em que aparecem na edição diplomática feita por ALVES DIAS. Os
títulos vêm reproduzidos exatamente como nesta aparecem. Aqueles que vêm entre colchetes
foram atribuídos pelo editor. A numeração que precede cada título é nossa. Também aqui
respeitou-se a grafia da edição diplomática, em que se desdobram as abreviaturas - embora
aqui os grafemas suprimidos apareçam sempre entre parênteses.

01 [Carta do Doutor Diogo Afonso] (excerto 1) - p. 93-94.


02 [Carta do Doutor Diogo Afonso] (excerto 2) - p. 95-96.
03 Este Regym(en)to deue ter o que filhar os pos do teixugo. - p. 247-248.
04 Esta he reçepta d agoa p(er)a dor d olhos. - p. 249-250.
05 Reçepta de mezinha v(er)de p(er)a os olhos. - p. 251-252.
06 Regimento que fez o muy claro s(e)n(ho)r rey dom eduart(e). - p. 253-256.
07 P(er)A as tetas das molheres quando paryrem. - p.257.
08 P(er)a restringuyr o fluxo do ue(n)tre. - p. 258.
09 Contra as febres q(ue) no(n) uenha(m) e contra outras muytas dores de dentes. - p. 259.
10 Esta mezinha he boa p(er)a a frieldade que esta no oso ou Ju(n)tura. - p. 260.
11 Esta he a reçeita das mezinhas q(ue) prestão p(er)a a corrença segundo os remedios que a
fernão da sylua foro(m) feitos, Prymeiram(en)te no Começo da dita corrença. - p. 261-263.
12 Mezinha p(er)a quando cae(m) os mamilos. - p. 264.
13 Mezinha p(er)a a corre(n)ça. - p. 265.
14 Regime(n)to que o home(m) deue d(e) ter p(er)a auer em pouco tempo boa lena, e he este o
qual deu a el rey noso s(enh)or mosse(m) Joa(m) marsala e lhe dise que o ouuera do seniscal
de frança. - p.268-269.
15 Poos do duque. - p. 271.
16 Como se faze(m) as pirolas comu(n)s. - p.272.
17 P(er) esta guisa se ha de tomar a herua p(er)a as maleytas. - p. 273.
18 Esta he a mezinha que se ha de dar p(er)a a pestenença. - p. 274.
19 Mezinha p(er)a giolho Jnçhado de gota ou ciatica. - p. 275.
20 A maneira de que se faze(m) os pos do teixugo. - p. 276-277.
21 Reçepta contra pest(e) - p. 278.
22 [Trouas] feita p(er) o doctor dioguo afonso - 279-280.

29
Seminário Contato de Línguas na România 1996
Mestrado em Letras
UFBA

23 [Mezinha para febres terçãs] - p. 281.


24 Mezinhas q(ue) rompe(m) apostemas depois de maduras. - p. 282-283.
25 [Mezinha p(er)a gota e maçam(en)to] - p. 286.

30

Você também pode gostar