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c Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
PEDAGOGIA
DA FABRICA
Kuenzer, Acácia Zeneida.
Pedagogia da fábrica I Acácia ~eida Kuenzer ; I coordenaçãp editorial
{'~ Danilo A Q. Morales 1.- 4.ed. rev.- São Paulo: Cortez, 1995.
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( •..""'·, Bibliografia.
ISBN 8.5-249-0016-4
As relações de produção e
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I. Educação 2. Trabalho e classes trabalhadoras I. Título.
a educação do traballiador
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G 95-0861 CDD-370.193
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4ª Edição
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c Índices para catálogo sistemático:


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c I. Educação e trabalho 370.193
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377.331 KUE /ped /4
c: 2. Trabalho e educação 370.193
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PEDAGOGIA DA FÁBRICA
Acácia Zeneida Kuenzer
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Capa: Carlos Clémen "··
Revisão: Vilson Fontana Ramos e Osvaldo Lopes Filho
Composição: Dany Editora Ltda.
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Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales o
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Nel)huma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa da autora ~J
e do editor. ,-
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© 1:989 by Autora ~J
Direitos para esta edição Aos trabalhadores :)
que, embora expropriados
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COR TEZ EDITORA
Rua Bartira, 387- Tel.: (01 I) 864-0111 do produto e do saber do seu r·)
trabalho, ·...,~"
05009-000- São Paulo- SP
recomeçam a cada dia ~)
Impresso no Brasil- marçp de 1995 a construção de um mundo novo.
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Sumário
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c: Prefácio à 4a edição 5
Prefácio . 9
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Introdução ' 11
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c Educação e trabalho no modo de produção capitalista: as formas


c ·;/ de abordar a questão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
c 1. A economia política burguesa e a justificativa da heterogestão
como justificativa pedagógica do trabalho capitalista . . . . . . 25
C'./ 2. A crítica feita por Marx . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
c 3. A inserção da relação educação/trabalho no quadro da hegemonia 48
("',.,
\ " As relações de produção e a educação do trabalhador em uma
r"-
\,-/ empresa capitalista: da distribuição desigual do saber à
veiçulação da concepção'd.o mundo . . . . . . - 59
c .j
1. A política de recursos humanos na empresa X . . . . . 64
c: 2. O processo de seleção . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
c 3. As formas de organização do trabalho e a educação do trabalhador
3.1. Adaptação e disciplinamento: o acompanhamento cotidiano
76
100
C' .,/ 4. A política salarial e a questão da qualificação . . . . . . . . 107
C' j
4 .I. Os benefícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
4.2. A estrutura salarial e suas relações com a qualificação do
c; trabalhador . . . . .--;- . . . . : . . . . . . . . . . . . 113
c ··/
5. O papel da escolaridade: a valoriza ão do saber escolar em
etrimênto do saber prático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
C"' ./
6. 0-conti(;leda distribuição do saber sobre o trabalho . . . . . . . . 155
, -"'.
7. As estratégias educativas e sua eficácia: a satisfação e as formas de
1... /
resistência dos operários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
C" .I

c; O trabalhador e o saber: repensando a relação educação e


c ··-JI
tr1ilnilllõ--- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
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Bibliografia . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
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Prefácio à 4a edição f''\

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Ao escolher o tema de investigação que posteriormente deu origem à ()
Pedagogia da Fábrica, havia, para o pesquisador, uma questão crucHtl: d~ que l'"'t
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modo, e a partir de que determinações, o trabalhador desenvolve sua consciên-
cia política. Para tanto, seria necessário compreender os processos pedagógi-'
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~~.

cos, amplos e específicos, que educam o trabalhador; a opção feita para ~)


analisar esses processos na produção, a partir da concepÇão gramsciana de
~.)
hegemonia, além da estratégia para conseguir elucidar aquela questão, justifi-
cou-se pelo ent~ndimento de que aquele é o espaço privilegiado ·para a ()"
elaboração tanto âa concepção de mundo quanto da qualificação profissional "'·
dos trabalhadores, sempre tendo como referência a articulação desse processo
()
pedagógico aos processos que ocorrem tanto ná escola quanto nas relações · Q
sociais mais amplas.
O resultado final da pesquisa, que após dez anos continua referência para
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cursos de formação profissional, discussões nos sindicatos e realização de "":
novos estudos, mostrou que a opção teórico-motodológica feita na ocasião foi C)
· adequada, bem como reafirmou o poder explicativo desta vertente para a ,,.,.
·apreensão cada vez mais aprofundada das relações entre educação e trabalho.
""
A questão original, no entanto, por limitações metodológicas só ficou C)
indicada, em que pese ter-se podido avançar significativamente na compreen- (;)
são dos processos de educação do trabalhador no interior do sistema produtivo.
Após dez anos, tenho claro que é absolutamente urgente e necessário ()
retomar com mais força esta questão, buscando elucidá-la teoricamente como (_)
condição de avanço da prática política dos trabalhadores, para que eles possam,
pelo menos~ fazer frente, enquanto interlocutores à altura, aos avanços do
()
capital em suas estratégias de reprodução· ampliada através de paradigmas (J
constantemente renovados de gestão e de formas de organização do trabalho, ()
que trazem em seu bojo mecanismos cada vez mais sofisticados de disciplina-
mento e exploração do trabalhador. ()
Este aprofundamento é, não só uma necessidade de avanço teórico-me- ~)
todológico, mas principalmente a expressão de um compromisso. político com ,'·)
·....._._,,
a construção do projeto contra-hegemônico dos trabalhadores. ·
Esta constataçãp derivou-se, principalmente, da revisita à fábrica objeto CJ
deste estudo, após dez anos de realização da pesquisa. Observou-se que, neste ()
período a fábriCa está avançando significativamente ria implantação de novos
paradigmas de gestão (o próximo passo é a implantação dos procedimentos de r')·
...,.
qualidade total), a ponto de ter superado o modelo paternalista das políticas de ~)
assistência, dominantes à época da realização da pesquisa, atr~vés da busca da
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c ampliação dos espaços de ,parceria entre capital e trabalho, através da criação
da Comissão de Fábrica. ·
reivindicações passam a refletir, não mais soluções individuais para problemas
específicos, mas demandas de toda a categoria.
c Em que pese as relações estruturais permaneçam as mesmas, os objetivbs O paradoxo que se estabelece, e que motiva a intensificação das discus-
c da ampliação dos espaços de participação continuem a ser a adesão discipli-
. nada ao projeto da empresa e o aperfeiçoamento das formas de extração da
sões e estudos sobre os processos pedagógicos de formação da consciência do
trabalhador, é o fato de que a empresa tem desempenhado o seu papel; embora
{::;_ mais valia' a partir da utilização_ ~o saber do trabalhador, inegavelmente a nos limites determinados pela relação entre capital e trabalho e sempre em
c a,
constituição daComissão de Fábricas~ constitui em avanço em relação às
estratégias anteriormente usadas, de atendimento pura e simples, dos proble-
busca da manutenção de sua hegemonia, a empresa vem implantando meca-
nismos de gerência e de organização do trabalho que buscam o estabeleci-
( ,.;~
mas individuais dos trabalhadores, CO!Jl vistas a Impedir formas de organização mento c;le relações mais profissionalizadas, na linha das empresas de países do
c qúe criem focos de confronto e, portanto, de estrangulamento à produção. Se
bem utilizado, este espaço pode permitir alguns avanços para os trabalhadores
Primeiro Mundo, onde a constituição da cidadania é um processo já superado.
Como no Brasil a constituição da cidadania, para a maioria da população
( '"'._,, na obtenção de seus direitos, embora a relação entre capital e trabalho não é ainda uma meta distante, uma vez que sequer seus direitos fundamentais são
c possa sei- superada por esta via . atendidos, o que se tem observado é que a manutenção do emprego, particu-
( '"'-, Um ganho é a substituição dos esquemas paternalistas de atendimento larmente na empresa em questão, com salários superiores à média, uma boa
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individual pela criação de um interlocutor, que é a expressão do cole ti vo o que política de benefícios, boas condições de trabalho, é o fator preponderante de
c supõe algum nível de organização, antes inexistente, dos trabalhadores, para
discutir suas reivindicações. Outro ganho é a abertura de um canal direto de
disciplinamento da força-de-trabalho.
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(~-'~ No caso analisado, dadas as características da força-de-trabalho sem
negociação salarial, de benefícios, de condições e formas de organização do tradição metalúrgica, com um sindicato que tem por meta principal a negocia-
c trabalho, inclusive com acesso aos balanços. ção salarial (o que para os trabalhadores da empresa X não é o problema, por
c É interessante observar, todavia, que a implantação da Comissão de
Fábrica seguiu a tradição da empresa na área de recursos humanos, de se
resolverem esta questão através da negociação direta) esta constatação se
acentua. Permanece o medo da filiação ao sindicato e o receio de "brigar com
c antecipar ao surgimento dos problemas. A idéia surge, por iniciativa patronal, o patrão"; esta conduta nada mais é do que a ausência de compreensão da sua
c após a eclosão de uma greve em 1986, deflagrada a partir da insatisfaçãq dos condição de trabalhador, dos seus direitos de cidadão, e das relações de
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trabalhadores com a imposição, por algumas chefias, da realização sistemática
de horas extras para atender a um contrato de exportação. Com es.se movimen-
produção e sociais geradas pelo capitalismo.
É esta ausência de compreensão que dificulta a ocupação eficiente dos
c to, a empresa percebe o esgotamento da estratégia paternalista de enfrenta-
menta individual, que vinha sendo desenvolvida pelo serviço de assistência
espaços existentes, ficando, no caso da empresa analisada, a Comissão de
c ,.._ social, ao mesmo tempo que os trabalhadores começam a ter consciência do
Fábrica na situação de defender os interesses dos trabalhadores com precário
apoio de base. Ao primeiro sinal de articulação dos trabalhadores, a empresa
( _.,/ caráter mariipulativo daquele serviço e de seu atrelamento aos interesses reage com o discurso da "situação privilegiada do trabalhador da empresa X",
c patronais. Surgem algumas lideninças e este contexto passa a ameaçar a
tranqüilidade da produção, em que pese a política salarial e de benefícios
e a desmobilização é geral. Desta forma, a Comissão fica na incômoda posição
de buscar a mediação de interesses antagônicos que acabam por convergir pela
c: manter padrões de retribuição similares aos do ABC, notadamente. superiores concessão dos trabalhadores em resposta à ameaça de perda de sua situação
aos padrões de Curitiba. privilegiada em relação ao conjunto dos seus pares. Sem apoio da base nos
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-Forma-se, então, uma comissão de estudos, paritária, composta por 3 momentos de impasse, a Comissão fica pendurada no ar, entre o patronato, os
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representantes da empresa e 3 representantes dos trabalhadores, que propõe trabalhadores e o sindicato, que a vê com reserva, uma vez que ela não expressa
os interesses de toda a categoria, mas apenas faz a mediação das negociações
c para discussão e votação o estatuto, após o que procede-se à eleição da primeira
diretoria. Constituída a Comissão, o que se constata é antes o seu caráter de
em uma situação bastante específica.
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espaço de negociação do que o de efetiva parceria. Mesmo com uma política Entre os ~rabalhadores da empresa, também não há clara compreensão
c - de recursos humanos mais avançada, as estratégias não mudaram substancial-
mente: a empresa decide e apresenta as propostas; as discussões processam-se
do seu papel em relação à Comissão, em face do reduzido grau de consciência
de sua situação de trabalhador e de cidadão.
C· a partir daí, às vezes com bons resultados, às vezes não. De qualquer modo, a Esta ausência de consciência política é, também, um problema de edu-
c; instituição da Comissão constitui-se em significativo avanço, uma vez que as cação, em um país onde a exclusão do sistema educacional é a norma,
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praticamente inexistem alternativas pedagógicas para a classe trabalhadora (o -)
supletivo não tem exercido esta função) e a ação pedagógica dos sindicatos é
Prefácio C)
de tradição recente.
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O paradoxo que resulta da r;ondição de meia-cidadania do trabalhador,
da qual a precária formação de consciência política é resultado, é que os
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trabalhadores não conseguem ocupar, de modo eficiente, quer os espaços
conquistados, quer os espaços concedidos pela empresa. Ou seja, aprofunda-se
OI
o descompasso entre os avanços do capital na manutenção de sua hegemonia,
As relações entre educação e trabalho constituem, sem dúvida, problema of
e a capacidade dos trabalhadores de se articularem na constituição de seu
eróprio projeto. E isto é também (não só) um problema de consciência política. fundamental a seu elucidado, se se quer chegar a uma compreensão correta do :)_I
E mais do que hora de articularem-se todos os esforcas na dicussão de lugar e papel da Educação e da Escola na sociedade. :')
alternativas teórico-metodológicas que orientem propostas de ação voltadas No Brasil, poucos educadores -·e apenas recentemente - vêm se
dedicando sistematicamente ao estudo dessa questão. Entre eles se situa
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para a formação da consciência política do trabalhador.
Indiscutivelmente, a escola tem um papel preponderante a desempenhar incontestavelmente Acácia Zeneida Kuenzer. ()I
na viabilização do difícil salto do senso comum para a consciência filosófica.
Mas este trabalho não se encerra aí: é preciso discutir como exercer processos
Especialista em Administração Escolar, após incursionar com êxito pelas
Teorias da Adminístração, a autora deste livro descobriu que as questões
o!
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pedagógicos intencionalmente dirigidos à formação desta consciência nas cruciais ligadas ao tema das relações entre educação e trabalho não poderiam ""oi
demais instâncias superestruturais que desempenham esta função. Para tanto,
é preciso aprofundar o conhecimento acerca de como hoje estas intâncias,
ser respondidas satisfatoriamente sem que se examinasse qual o lugar que
ocupa e como é encarada a educação no interior da moderna fábrica capitalista.
o
particularmente os sindicatos e as empresas, estão trabalhando esta formação,
no sentido oposto de seus próprios projetos; aprofundar a compreensão dos
Decidiu, pois, enfrentar diretamente esse desafio investigando a questão no o
âmbito da própria fábrica. · r•·,.,
projetos pedagógicos embutidos nos novos paradigmas de gerência e nas novas "".J
formas de organização do trabalho; identificar espaços e metodologias ade- Durante três meses, Acácia conviveu diariamente com operários, super- ~)
quados à educação do trabalhador no sentido do seu projeto hegemônico. visores, gerentes administrativos, engenheiros e assistentes sociais dentro de
Enfim, é urgente avançar, para não mais se ouvir, em futuro próximo, a queixa uma fábrica organizada nos moldes da mais avan~ateori~ da administração :.J
angustiada dos poucos trabalhadores que, conscientes de sua situação de capitalista. Seu objetivo: esclarecer como p trab llfador é educado para o "')
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classe, lutam pelos direitos de uma categoria desmobilizada e desinformada, trabalho no interior da própria fábrica. AÍia11do m s~o embasamento
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encontra.lJ4lha~mente
que continua achando que ter emprego, salário, benefícios, condições de teórico a uma incomum capacidade de investigação mp ica:; a autora levou
trabalho é dádiva, e não conquista, é benesse, e não direito. a cabo seu projeto cuja sistematização se exposta no ()f.
É bom lembrar, contudo, para não se cair no idealismo, retomando Marx presente livro. __...-' J""', \
(III Tese sobre Feuerbach) que não é pela transformação das consciências que Após uma Introéfução e que se explicitam~ proble a, as questões
se transformam as circunstâncias. Pelo contrário, a transformação só ocorrerá
quando houver coincidência entre a transformação das circunstâncias e a
metodológicas e o procedimento atado, a lógica a expo ·ção desdobrou o
conteÓdo do texto em três capítulos: o p · eira dá onta d estado teórico da
2sl
transformação das consciências. O capitalismo, empurrado pela força das suas questão; o segundo apresenta a descrição os rpsulta eis da investigação ()
próprias contradições, vem transformando as circunstâncias a favor de seu empírica empreendida; e o terceiro nos convid /rep sar as r61ações entre "'')
'>o: r.
projeto hegemônico, e com isso, fazendo a seu modo a concepção do mundo educaç~o e trabalho.
dos trabalhadores. ~)
Trata-se de importante contribuição ao entebclÍihento da questão peda-
Para nós, a questão que se coloca, como expressão de nosso compromisso gógica, configurando-se em leitura imprescindíver a todos. que se interessam ()
político, é como quebrar este elo, ampliando as possibilidades de educa- pela educação, em especial para os estudantes de pedagogia e para os especia-
ção política dos trabalhadores, no sentido de construção de seu projeto de Q
listas em Administração Escolar. A leitura deste livro é ainda vivamente
hegemonia. recomendada aos professores em geral, uma vez que, atuando nas escolas,
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Acácia Zeneida Kuenzer ""
sofrem eles as pressões de uma administração educacional distorcida pela ~)
Março de 1994 transposição mecânica do modelo empresarial, ao mesmo tempo que se vêem / '1
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às voltas com a realidade do trabalho vivida pelos seus alunos e com a
c necessidade de propiciar-lhes uma educação que os torne capàzes de se Introdução
c posiCionar lucidamente em face da questão do trabalho.
Em boa hora," pois, a presente obra é posta em circulação, tornando-se,
c ein conseqüência, acessível a todos que, pelas mais variadas razões, pretendem
c: se aprofundar na compreensão das relações entre educação e trabalho.
c: São Paulo, junho de 1985
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.-., Dermeval Saviani
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(-:.:./' 1. O PROBLEMA
()
A questão central que se propõe neste estudo é investigar como
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a fábrica capitalista educa o trabalhador. O pressuposto que o fun-
c damenta encontra-se na afirmação que Marx e Engels-já indicam em
(.'"". A ideologia alemã, e que depois retomam em O capital: o homem
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(""'\
se educa, se faz homem, na produção e nas relações de produção,
\::~:-..; através de um processo contraditório ef!l que estão sempre presentes
c e em confronto, momentos de educação e de deseducação, de quali-
c;"'\ ficação e de desqualificação, e portanto, de humanização e de desu-
manização.
C >
( A partir desse pressuposto, compreende-se que a pedagogia
C""·_j capitalista, ao mesmo tempo que objetiva a educação do trabalhador
c---; .. que, ao vender sua força de trabalho como mercadoria, se submete
à dominação exercida pelo capital, educa-o também para enfrentar
c: essa dominação. À medida que esse trabalhador aprende a fazer frente
c às formas de disciplinamento impostas pelo capital, este vê-se forçado
a rever seus modos de ação, criandO novas formas de dominação. É
c no bojo desse ·processo pedagógico, o qual permeia as relações de
(:·/"\ produção, que vão sendo gestadas novas formas de organização do
( "' trabalho, novos padrões de relação, novas exigências de qualificação,
j

(
..,. novas ideologias._ Estas formas, se representam movimentos de refun-
•/
I;_ cionalização do modo de produção capitalista, também contêm os
( '"/"· germes de sua superação, na medida em que, por meio delas, os
trabalhadores vão aprendendo a se organizar, a reivindicar seus direitos,
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_·,9'
a desmistificar as ideologias, a dominar o conteúdo do trabalho, a
c compreender as relações sociais e a função que nelas eles desempe~ham)
( ""' j Compreender como es~e movimento ocorre é a pretensão deste
F" io! trabalho. Há consciência de que este é um objetivo muito ambicioso,
~ "
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'•' 10 11
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tendo em vista que esta área de investigação é ainda muito pouco como não-política, ela traz em seu bojo um projeto definido de
explorada. Por isso, assume-se conscientemente o risco e a insegurança hegemonia que se exerce pela veiculação de certa concepção de ~)
da investida, na esperança de que os limites sejam compensados pelos mundo. o
resultados da discussão que se pretende iniciar.
Vista desta forma, a heterogestão, na medida em que hierarquiza o
A intenção de desenvolver uma investigação nesta área justifica-se
por considerar-se a relevância da discussão, uma vez que, cotidiana-
o trabalhador coletivo e educa o operário para o· trabalho dividido,
surge como uma das formas de garantir a dominação do capital sobre
o
mente, em cada unidade produtiva e nas relações de produção, .,i
o trabalho . o
desenvolve-se, silenciosamente e de forma pouco explícita, um projeto
pedagógico que tem passado desapercebido, cujo objetivo é formar Um dos componentes desta dominação, determinada pelas relações o
capitalistas de produção, é a desqualificação do trabalhador, .operada f)•
não um, mas milhares de trabalhadores. "'
pelo trabalho heterogerido, que acresce à alienação do produto do f')·.
Que trabalhador é esse? Como ele está sendo educado? Por trabalho a alienação do conteúdo e das decisões sobre o trabalho pelo "'
quem? Para quê? trabalhador. r')
"'
A arena onde se irá buscar estas respostas é o trabalho concreto, A di visão do trabalho, ao determinar a hierarquização do tra- o
no seu acontecendo; portanto, é o trabalho dividido. É no e para balhador coletivo; determina, também, relações específicas de trabalho o
esse trabalho, com suas formas peculiares de fragmentação, organização
e heterogestão, que o trabalhador vem sendo educado; é ele que
que têm profundas implicações sobre a educação do trabalhador e ()
que reproduzem, as relações de poder do capital sobre o trabalho.
determina, a partir da necessidade de exploração cada vez mais eficaz Essas relações só podem ser compreencfidas a partir da análise do o
da força de trabalho comprada, o saber necessário e as formas de modo de produção e das formas de organização do processo produtivo. ~')'
'-·-·
comportamento convenientes que devem caracterizar o trabalhador no
No modo capitalista de produção, estas formas de organização ()'
modo de produção capitalista. Este não é um trabalhador qualquer; '·
é um homem que, ao vender sua força de trabalho, se transforma
em fator de produção, perdendo, junto com o controle do processo
do trabalho dividido aparecem como função do capital e são deter-
minadas pelas relações de produção; por sua vez, elas determinam
o
/'"'\
e do produto do trabalho, o controle sobre si mesmo. Ele já não é requerimentos de qualificação e de conduta a partir dos quais se ·'=,)

mais o artesão que domina o processo produtivo em sua totalidade, define o processo de educação da força de trabalho. C.)
mas o assalariado que se submete real e formalmente ao capital e à ()
ciência a seu serviço, devendo desempenhar suas funções num processo As funções mais diretamente ligadas à execução de normas e
de tra~alho fragmentado e heterogerido, para o que ele precisa ser procedimentos exigem níveis mais baixos de escolaridade, treinamento ~-,.
.....
e experiência anterior, bem tomo um número reduzido de habilidades
educado.
específicas; ao mesmo tempo que não implicam domínio do conteúdo
(J
Se são as relações sociais e técnicas de produção que educam do trabalho, excluem a possibilidade de participação nas decisões ')
o trabalhador e se, no modo de produção capitalista, estas relações acerca de seu planejamento, organização e execução, correspondendo "'"")
·
'-.,,,,
se caracterizam pela divisão e heterogestão, encontra-se aí, no processo aos índices inferiores de remuneração na estrutura salarial.
~')
de trabalho assim constituído, o fundamento da pedagogia do trabalho _\

capitalista. À medida que se ascende na ·pirâmide hierárquica, aumentam "'"


os requisitos mínimos exigidos, a necessidade· de domínio do conteúdo '~~;
Ou seja, a partir das necessidades determinadas pelo processo do trabalho, o poder de decisão e os níveis de remuneração. ('')
'-<·
produtivo heterogerido, instala-se na fábrica um verdadeiro processo ,c)·
pedagógico que tem por objetivo a educação técnica e política do Para todos, são exigidos determinados padrões de comportamento, '-·

trabalhador, determinada pelos interesses do capital; mesmo que esta compatíveis com a racionalização crescente do processo produtivo e ,-).
educação política não seja explícita, e, ao contrário, seja apresentada l da vida social.
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c .··-,/

) de trabalho a partir das transformações concretas que ocorrem ao


(' Quanto mais a produção capitalista simplifica o trabalho pela
·""" mecanização, mais as diferenças de qualificação deixam de ser reais; nível do processo produtivo.
c o conhecimento específico do trabalho que caracterizava o trabalhador É neste sentido que Gramsci (1978, p. 375-408) mostra como
c individual no artesanato e na manUfatura se dissolve em um conjunto o capitalismo, no início do século, introduziu, pelo taylorismo, cujo
c de habilitações genéricas que permitem a mobilidade da força de
trabalho. Ao transferir-se para o trabalhador coletivo o conhecimento
fundamento é a heterogestão, uma forma de organização, relações
técnicas e uma concepção de trabalho coerentes com os interesses
() do trabalho e, em decorrência; simplificando-se as funções, desaparece '{ hegemôniCos da classe dominante, e como essa forma estrutural e
c, a necessidade de qualificação, entendida como o domínio completo superestrutura! trabalhou no sentido da formação do tipo adequado
c c•o/
do conteúdo do trabalho. Ao mesmo tempo, reforça-se a necessidade
do desenvolvimento de um conjunto de hábitos, habilidades e com-
de homem. A hegemonia vem da fábrica e toda relação hegemônica
é uma relação pedagógica, devendo ser entendida não só como direção
c portamentos que tornem possível a recomposição, ao nível do trabalho política, mas como direção moral e cultural.
c coletivo, da unidade rompida, de modo a constituir-se um corpo
coletivo organizado, integrado, harmônico.
Assim sendo, a qualificação do trabalhador compreendida como
C' -,/
...
aquisição do conteúdo do trabalho desenvolvido pelo capitalismo é
("' Compreender como este movimento de educação por intermédio fundamental, mas não esgota a questão; é imprescindível o desenvol-
'~...:'.~ ......
vimento da consciência da classe trabalhadora, de tal modo a permitir
c ~~~'
do processo de trabalho se dá, e de que forma ele pode contribuir
para a superação das relações capitalistas de produção ensinando o a superação do modo capitalista de trabalho.
c. trabalhador"- a se organizar, a resistir, e, deste modo, favorecendo o Compreendida como domínio da teoria revolucionária, a cons-
c surgimento de novas formas de organização do trabalho e de disci- ciência de classe não se dá espontaneamente; ela nasce na concretude
c~\
plinamento, é uma tarefa absolutamente necessária a todos os que,
de alguma forma, estejam comprometidos com os interesses da classe
das relações produtivas, mas é elaborada ao nível superestrutura!. É
nesse momento que a pedagogia do trabalho desempenha papel fun-
!, ...,. trabalhadora. damental no quadro da luta pela hegemonia da classe trabalhadora.
c É preciso considerar, no entanto, que a superação da divisão do 9
A hegemonia é impossível sem unidade teoria/ação, ela só se dá com
c trabalho característica do modo de produção capitalista, se exige uma
a plena consciência teórica e cultural da própria ação; essa consciência
torna a ação coerente, superando a imediaticidade empírica (Gramsci,
(õ' • ""/
"nova forma de organização do trabalho", exige ao mesmo tempo 1981, p. 20~1).
"uma nova concepção de trabalho". ~sta mudança tem que se dar
c dialeticamente ao nível <:Ja estrutura - relações de produção e formas Se uma nova concepção de trabalho desvinculada da mudança
c de organização do trabalho - e da superestrutura - concepção nova do trabalho ao nível estrutural é inócua, por outro lado, para se chegar
c; de trabalho que tenha em vista a superação do trabalho alienado. Esta
forma de ver a questão coloca a pedagogia do trabalho, manifestação
a uma nova forma, é preciso uma concepção já nova de trabalho.
Estas novas formas de organização e de concepção de trabalho
C' .·./ superestrutura! de determinada forma de organização · da produÇão, vão sendo gestadas pelo e no próprio interior do processo de trabalho
c ./ como uma categoria que pode ser importante tanto para a conservação
-~
capitalista, fragmentado e heterogerido, com a pedagogia que lhe é
C; das relações de produção capitalistas quanto para a .sua superação, peculiar; é· aí que, lenta e contraditoriamente, vão surgindo as formas
inscrevendo-:se desta forma no quadro da hegemonia. de superação.
(' ~ ../

Isto significa que a·· pe~agogia do trabalho em suas dimensões O ponto de partida é o trabalho concreto e sua forma pedagógica,
c contraditórias se constitui em mediação entre o velho e o novo modo organizado segundo os moldes capitalistas; é como ele está se dando:
c de produzir, enquanto, mediante seus intelectuais, faz a crítica ao heterogerido pelo capital. O ponto de chegada - a utopia - é o
r . velho e contribui para a elaboração e veiculação da nova concepção r 'I
trabalho autogerido e sua forma pedagógica, recuperada de seus vieses
(~

' ~
14 15
C''
(""'·
ü'
·::)
idealistas e espontaneístas. Em virtude do seu ponto de partida concreto ;) ~.)
2. O OBJETO DE ESTUDO E A FORMA DE .
afirma-se o conteúdo factual da utopia, que, por isso mesmo, traz TRATÁ-LO: AS QUÉSTÕES METODOLÓGICAS o
em si inscritas suas possibilidades de realização (Idem, p. 114-7).
o
Evidentemente, este é um problema para a História, e não para
uma tese de doutoramento. O que se pretende, dentro do que é
As questões metodológicas se constituem numa preocupação
central deste estudo, motivadas pela constatação de que a teoria sobre
o
possível, é apenas iniciar a discussão desta questão, através da análise educação e trabalho na especificidade da situação brasileira pouco ()
da pedagogia do trabalho concreto no modo de produção capitalista,
especificamente na fábrica, tentando descobrir os elementos que possam
·(
p
tem avançàdo. '

o
ser trabalhados rumo à sua superação. Esta afirmação pode ser verificada mediante a análise de algumas ()
produções recentes de autores brasileiros que têm se proposto a estudar ()
A relevância do estudo proposto se prende a vários aspectos. a relação entre escola e trabalho a partir dos textos de Marx (Rossi,
O estágio em que se encontram os estudos sobre educação e 1978; Paoli, 1981; Salm, 1980). Tomando como ponto de partida
o
trabalho no Brasil é ainda inicial, permanecendo as conclusões ainda para sua análise o mesmo referencial teórico, ou seja, a:s categorias ()
bastante genéricas, de modo a não apreender a questão em sua trabalho, força de trabalho, trabalho coletivo, divisão do trabalho,
hierarquia, mecanização, qualificação e desqualificação, chegam a
o
especificidade e complexidade, e, mais ainda, a não fornecer subsídios
a uma ação política eficaz. conclusões não raro distintas. · o
Estes subsídios, no momento político que a educação brasileira Uma das explicações possíveis para este fato é a insuficiente
o
enfrenta, são da maior importância, de vez que a política educacional relaçao · com o empírico que tem caracterizado esses trabalhos, que o
voltada para a educação para o trabalho carece não só de concretização, acabam por não conseguir apreender o fenômeno estudado enquanto ()
mas principalmente de definição dos seus próprios rumos. Exemplo se dando, na tentativa de reter a sua historicidade. Q
disto é a discussão acerca da profissionalização do ensino de 2° grau,
que se intensificou a partir dos anos 70 e que já sofreu várias reformas Sem negar o valor destas obras, que têm contribuído significa- ~
antes que qualquer das propostas feitas chegasse a se concretizar. Isto ,i) tivamente para colocar a discussão sobre educação e trabalho, a ()
sem levar em conta que o problema da qualificação da força de verdade é que, de modo geral, elas não têm acrescentado muita coisa
trabalho ao nível do 2° grau é mal posto, permanecendo sem discussão
o papel da escola na educação do trabalhador concreto, ou seja, dos
aos textos clássicos, no sentido de apreender como a divisão do
trabalho, no estágio em que se encontra o processo produtivo brasileiro,
-
(')
()··
'-<·
egressos e excluídos do ensino de I o grau. se relaciona com a problemática da educação do trabalhador com-
C)
preendido como fator de produção.
Por outro lado, tendo em vista o movimento progressista, de (')
"--ot

democratização de todos os setores da vida social que o país atravessa, A questão que se coloca neste estudo, portanto, é como apreender . ~")
encontrar elementos que permitam a superação do caráter de desu- o movimento das relações de produção naqullo que elas têm de \..,~- I

manização do trabalho heterogerido e da pedagogia que lhe é peculiar, r·'\


especificamente educativo, no caso brasileiro.
baseada na desqualificação do trabalhador, reveste-se da maior im-
i.:~ ('""""
··.)·.'
portância. É preciso começar a desenvolver uma nova. concepção de Embora este problema metodológico tenha sido perfeitamente "'·
trabalho a partir de novas formas de organizá-lo, que permita encaminhar resolvido por Marx, enquanto O capital é aplicação fiel de suas ')
a superação da alienação do trabalhador possibilitando-lhe participar proposições acerca do método dialético, os desvios, quer empiricistas, "''
do fruto do seu próprio trabalho, das decisões sobre ele e dos quer teoricistas, têm demonstrado ser difíceis de evitar pelos intelectuais
C)
benefícios da cultura contemporânea. Uma das condições para que brasileiros· interessados na análise da relação educação/trabalho. Alguns o
isso ocorra é a reapropriação do saber por todos os que dele foram autores, no afã da crítica ao empiricismo, têm caído no reducionaismo ~')
historicamente excluídos. ~~ mecanicista. Outros, na tentativa de Incorporar o real, não ultrapassam "·
~)
16 17
)I
C)
("' ~

I·~

\ ,J

i) A conclusão fundamental para o trabalho de tese proposto é,


( .·~· ~
o limite do formalismo, em .que a discussão teórica se separa da pois, que, ao se pretender avançar na compreensão das relações entre
(~' análise da conjuntura ou da discussão dos elementos empíricos. a divisão do trabalho e a educação do trabalhador na especificidade
'"'
C" _.,yl Thiollent (1981, p. 15-30) mostra que, apesar da diversidade da situação brasileira, se coloque cuidadosamente a relação com o
,··"",
das críticas relativas à postura epistemológica e à prática empiricista, empírico, para, a partir do fenômeno, fazer a leitura para além das
t,,; aparências. Essa necessidade é ainda mais premente ao considerar-se
têm sido formuladas poucas alterna(ivas concretas para a sua superação.
c: De fato, a mera adesão à crítica ao empiricismo, acompanhada de ·~
o compromisso político de tal discussão, uma vez que é na maior
c longa digressão acerca da postura epistemológica dialética, é insufi- aproximação possível com a realidade concreta que se encontram os
elementos para sua superação.
I'~ ciente, desde que não resulte em outros modos de relação com o
'\;·-if
real. O que o autor não vê é que a dificuldade reside na natureza
c ..v própria da relação sujeito/objeto na dialética, que se reveste de
Ou, segundo a fórmula marxista expressa em 1869 no Conselho
Geral da AIT:
() especificidade em cada caso, uma vez que o método emerge daquela
c., j
relação. Ou seja, as ·alternativas concretas em seu sentido genérico
não serão propostas pelo simples fato de que, em se tratando de
"Por um lado, é preciso uma mudança das condições para criar
um sistema de instrução novo; por outro lado, é preciso um
c .
método dialético; não há receitas. sistema de instrução já novo para poder mudar as condições
C'':
·.>" O problema fica ainda mais complexo quando se constata que,
sociais. Por conseguinte, é preciso panir da situação atual".
(MarX: e Engels, 1978 p. 224)
c apesar das violentas críticas aos instrumentos de pesquisa utilizados ·~
pelos empiricistas, continuam sendo as observações e entrevistas as
C· formas privilegiadas de apreensão do empírico.
() ·3. O PROCEDIMENTO METODOLÓGICO E AS
É Thiollent que alerta para a confusão entre o uso da observação LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELAS RELAÇÕES
C'_•;,oi
viciada pela ideologia empiricista, e observação em geral, sob pena CONCRETAS
() de cair-se em um discurso supergeneralizante. Ou seja, que, na ânsia
~
de superação do empirismo, se caia no teoricismo, do qual a fetichização
o da teoria marxista é um bom exemplo.
No item anterior colocou-se como pressuposto a necessidade de
uma profunda relação com o empírico, na tentativa de compreender
("":
... ~~:~
Na tentativa de superar esse impasse, têm sido realizadas algumas como as relações de produção educam para o trabalho, e que elementos
c discussi)es em torno da incorporação, pela dialética, do instrumental· poderão ser trabalhados no sentido de uma pedagogia voltada para a
() da metodologia empírica. Esta posiÇão, contudo, é perigosa, tendo em hegemonia do proletariado.

c vista que esse instrumental não é neutro.


Daí constituir-se a fábrica capitalista em campo fundamental
para a investigação, compreendida como a concretização mais completa
() Pelo contrário, ele supõe uma postura epistemológica que dico-
tomiza sujeito e objeto, vinculada a uma concepção racionalista de e acabada da divisão do trabalho na sociedade contemporânea, com
C' j
mundo, em que a objetividade e a neutralidade ocupam papel central. ~ todos os seus recursos de exploração e alienação do trabalho repre-
c~ sentados pela especialização de funções, hierarquização do trabalhador
O fato que se impõe é que é imprescindível questionar a realidade coletivo, automatização do processo produtivo e distribuição desigual
(' concreta na tentativa de apreender as relações sociais em seu movimento
"" de educação," representada pela qualificação dos níveis decisórios e
c de totalização; definir o modo deste questionamento de tal forma a técnicos e desqualificação dos níveis ligados à execução. A dificuldade
c apreender o fenômeno em sua complexidade e movimento é outro
problema, que só se resolve na relação sujeito/objeto, ou seja, na
de analisar-se a fábrica na sua totalidade trouxe a necessidade de
mais um corte; optou-se pelo local onde melhor se observam as
c
(~
ação, sob pena de negar-se a própria dialética. .-;
19
18
c
("'·
()
""' ')
-..,_.,..;

)
características acima enunciadas; a produção propriamente dita, em ~ seu acontecendo, as suas dimensões educativas. Ou seja, verificar
fábricas de, no mínimo, médio porte, onde existe já certa complexidade
na di visão do trabalho.
como o trabalhador é educado pelas formas de divisão e organização o
do trabalho, pela estrutura salarial, pela política de recursos humanos,
pelas formas de seleção, treinamento e acompanhamento cotidiano,
o
O fato de a pesquisa realizar-se no Paraná trouxe outra limitação:
a inexistência de fábricas de grande porte. Dentre as possíveis alter-
pelas relações com o supervisor, com o instrutor e com os engenheiros, o
nativas, foi selecionada a empresa X, que, além de preencher os
pelo controle do saber que a fábrica realiza, pelo trabalho do assistente
social, pela política de benefícios, pela rotatividade interna, pelo
o
requisitos mínimos estabelecidos pelo pesquisador em relação ao porte ·~
i controle do ritmo de trabalho, e assim por diante, procurando-se captar
()
e ao grau de complexidade da organização do trabalho, apresentou-se r'"'-
as dimensões contraditórias desse processo educativo. '.../
acessível e mesmo interessada na realização do estudo, para o que
!'").
\..,
ofereceu todas as facilidades. Por outro lado, não há nenhum estudo O procedimento metodológico, em síntese, foi o seguinte: o
realizado nesta empresa, que se constitui em um exemplo bastante trabalho iniciou-se pelo contato com o Departamento de Relações o
significativo, ao nível nacional, de utilização da teoria contemporânea
de administração e organização do trabalho tendo em vista a refun-
Industriais, onde várias entrevistas foram realizadas com o intuito de
conhecer a política de recursos humanos, a política salarial, a estrutura
o
cionalização do capitalismo pela superação das disfunções do trabalho organizacional, a análise do conteúdo das tarefas, os requisitos para ()
heterogerido. Para isso, ela se utiliza de métodos de organização tais
como rotatividade interna, ampliação da tarefa, controle centrado na
ocupá-las, a identificação dos mecanismos de recrutamento, seleção,
treinamento, dispensa e disciplinamento da força de trabalho. A partir
o
tarefa e não no trabalhador, que controla seu próprio ritmo de produção, '~ desse trabalho foi possível começar a visualizar quais eram os pro- o
bem como os princípios da Escola de Relações Humanas, utilizando-se fissionais que, de alguma forma, estavam mais diretamente vinculados (:)
de todos os recursos possíveis para o atingimento de altos níveis de ~ educação do trabalhador, que foram à .seguir entrevistados. Esse "''"~
\,?
satisfação do trabalhador. Neste sentido, a empresa X se constitui trabalho desenvolveu-se através de visitas diárias durante todo o mês
num caso privilegiado para os fins deste estudo, uma vez que ela de setembro de 1982, tendo sido realizadas entrevistas com 1O ()
apresenta um projeto pedagógico conscientemente construído e exe- engenheiros, 2 administradores de empresas e 1 assistente social, além ()
cutado, digno de análise detalhada. de observações e análise de documentos.
~ C)
Considerando que a educação para o trabalho compreendida tanto Em seguida, feitos os contatos com os engenheiros gerentes dos ()
\L;::· I
no seu sentido hegemônico como contra-hegemônico se dá no processo setores de produção - Linha de Montagem-. e Fábrica de Motores !"·~)
\..,,,.
produtivo, mas não exclusivamente no interior da fábrica, embora aí - começaram os contatos com os supervisores, instrutores ~ ope(ários
seja o Locus privilegiado de sua realização, há que investigar outras com a intenção de criar condições favoráveis à realização das entrevistas :,)
instituições que exercem maior ou menor influência neste processo. e iniciou-se o trabalho propriamente dito. Esta etapa durou aproxi-
Porém, em virtude do objetivo do estudo e de sua extensão, outra madamente dois meses (outubro e novembro de 1982), durante os
()
delimitação importante precisa ser feita, relativa ao tipo de análise quais o pesquisador esteve na produção diariamente durante toda ~: (:)
que se fará das instituições relacionadas à educação do trabalhador jornada de trabalho, fazendo inclusive as refeições com os operários. ·· ,, )
já citadas; não serão elas objeto de um estudo intensivo; mas veri- Nesse período foram realizadas observações nas áreas de produção e ""'"'
ficar-se-á apenas como elas estão presentes na fábrica e na vida dos -"'>- as entrevistas indicadas a seguir. (J
operários entrevistados. A análise será, pois, mais pelo resultado ~)
concreto do que pelo estudo exaustivo de cada uma das instituições. ')'
-...,.

O problema posto para investigação - a compreensão de como ~).''


~.

a empresa capitalista educa o trabalhador - determina o encaminha- ~"')


\ ..
mento metodológico mais geral: buscar, no processo de trabalho, no Ç; / '1
"'-o v/

20 21 /_)
Ç)
r--:
~·""
t.__ /

( ., QUADRO 1 - as formas de divisão e organização do trabalho; os conteúdos


(
.,, ,./

Agentes pedagógicos e operários entrevistados no Setor


dos cargos e os requisitos exigidos para sua ocupação;
·,,.,;
de Produção - Empresa X - as estratégias administrativas: rotatividade interna, controle
("""
'<cYf

SETOR CARGO No do ritmo de trabalho e tipo de supervisão;


f""
\..,/
Supervisor 7 - a política de recursos humanos e as formas cotidianas de
c Instrutor 9 disciplinamento;
,.,
(\
Linha de Montagem
Inspetor de Qualidade 2 *-' - a política salarial: salários diretos e benefícios;
.,..,., Operário 46
11

~,; I - as formas de recrutamento, seleção, treinamento, promoção


Supervisor 4
('~. e dispensa;
··~y' Fábrica de Motores Instrutor 3
(') Operário 14 - o processo decisório: espaço para decisões sobre o trabalho
TOTAL 85 ao nível da execução:
( ',,/"'.
(~ - relação entre espaço para decidir e qualificação do trabalhador;
\..,,,)

"""" I - relação entre participação nas decisões e mobilização;


(.,;
(j
l - as formas de enfrentamento da questão da qualificação para
"'"' Observa-se que na Linha de Montagem existiam na época sete o trabalho e os problemas que ela ger(\;
c supervisores, 11 instrutores e 151 operários; na Fábrica de Motores,
r' - os agentes pedagógicos: quem são e como atuam;
("'
···,/ cinco supervisores,· três instrutores e 53 operários. Nesse setor, não
1''\ se trabalhou com o almoxarifado improdutivo por não se enquadrar - as explicações dadas pelo operário sobre seu aprendizado do
\c,,.
nos interesses da pesquisa.
I
·j
trabalho;
c Na época em que se realizou· a pesquisa, ou seja, de outubro - o papel da escolarização no aprendizado do trabalho e na
(')
"""'-.. ' ~;/
a dezembro de 1982, a empresã empregava 802 funcionários, dos
quais 402 eram mensalistas e 400 horistas; dentre os horistas, 191
eram funcionários diretamente ligados à produção, e 209 indiretamente
t ocupação dos cargos;
as aspirações dos operários à educação;
í"
·./ as formas de distribuição e controle do saber utilizadas na
ligados a .ela. empresa.
c~
A empresa X tem sua matriz localizada em um país social-de-·
() mocraÚt europeu, tendo-se instalado no Brasil no final da década de f
('"'\

1
,,.) 70.
(·~.'
·c/
("'\ I
~v-'
3 .1. As perguntas à realidade
o

l
('"'· Neste estudo, o procedimento escolhido para apreender a dimensão
'~:Y
pedagógica do processo de trabalho foi a observação direta na área
c de produção, complementada por entrevistas abertas e análise de
c documentos. O roteiro a seguir orientou a coleta de informações:

22 23
c~
(''
l
(,)
/'')
~J'
'~.)
Educação e trabalho no modo o
de produção capitalista:· as ()
formas de abordar a questão ()
o
~ _:)
r~
''..,/

{ 1. A ECONOMIA POLÍTICA BURGUESA E A


JUSTIFICATIVA DA HETEROGESTÃO COMO
PEDAGOGIA DO TRABALHO CAPITALISTA
(')
~./

(')'
()
·-
\..J
A heterogestão, tal como ela ocorre no modo de produção
capitalista, é fruto tardio do racionalismo, que só começa a atingir a
C:)
organização do trabalho a partir do século XVIII para institucionalizar-se O.
definitivamente no fim do século XIX e início do século XX. Embora "'"·')
'....,;
a crescente racionalização dos campos do conhecimento nos séculos
XVIII e XIX tivessem fornecido o pano de fundo para o emprego :"'')
'«TS

dos métodos racionais na execução e · o~ganização do trabalho, isto ~··J


~:~""'
só foi possível com o surgimento de novas · relações de. produção,
~:)
que determinaram o abandono violento .do sistema art~sanal pela
introdução da máquina no processo produtivo. Ao mesmo tempo que C)
revolucionou os métodos de organização do trabalho, a heterogestão
~~~)
trazida pelo novo modo de produção que se iniciava,. o capitalista,
revolucionou as formas de educação para o trabalho; à medida que j
a maquinaria substituiu o artesão, o aprendizado longo de um trabalho '')
'\,,-

completo foi sendo substituído por um aprendizado cada vez mais


r')
fragmentado de uma tarefa parCial. ' .... ,•.

Para que esta mudança fosse possível, a nível superestrutura! ()


r\
contribuíram os economistas clássicos burgueses que teorizaram sobre \...,,)
a raCionalização do processo produtivo por meio da organização
(J
heterogerida do trabalho.
r·)
--~
A contribuição fundamental foi a de Adam Smith, que publicou,
em 1776, a Investigação sobre a natureza e as causas da .riqueza (,)
das nações, que originou uma nova ciência: a economia política, a ')
"-
primeira das ciências humanas a se separar da filosofia.
:)
Com essa obra, Smith abre caminho ao novo empresário capi- i")
\.._,-'

talista; que faria a Revolução Industrial: sua ciência se constitui na

25 ' )

Q
I
I
(1
1.:
teorização dos interesses econômicos da burguesia inglesa do século setores e empregos se realizou a partir desse mesmo processo, que
XVIII, na medida em que avança na discussão já iniciada pelos tanto mais se diferencia quanto mais o mercado se expande.
"'"'\
~.,.) fisiocratas, pondo fim às posições mercantilistas ao mostrar que a
São três as causas responsáveis pelo aumento da produtividade
"'"'
(.,) riqueza não se origina do comércio, mas do trabalho, que gera valor.
em conseqüência da divisão do trabalho:
("•,
'•/ Desenvolvendo a teoria do valor-trabalho, Smith (1978) mostra • o aumento da destreza do trabalhador, que se origina de sua
() que a riqueza de uma nação depende fundamentalmente do aumento
dedicação a um único fragmento do processo de trabalho por toda
da produtividade do trabalho, que decorre do grau crescente de a sua vida;
( '· ~··/
..

,.._,..-... especialização determinado pela complexificação da divisão do trabalho.


(
l;:./ • a economia de tempo, que era perdido na passagem de uma
t'~, Ao explicar a origem da divisão do trabalho, mostra que ela operação para outra;
~~._-/

não resulta da sabedoria humana, mas da tendência natural do homem


C,' de negociar e trocar uma coisa por outra. O contrato, a compra ou • a invenção de máquinas, que facilitam o trabalho e reduzem o
c: '
a troca que permitem a obtenção dos produtos ou serviços necessários
não decorrem de atos de solidariedade, mas da necessidade natural
tempo para sua realização, permitindo a um só homem fazer o
trabalho de muitos.
(x·;::--J '"'
de satisfazer os interesses individuais, o que provocou a divisão do A criação destas máquinas também é produto da divisão do
( ''·., .j
trabalho. É essa natureza que leva o homem a trocar o excedente do trabalho, uma vez que o trabalhador, ligado a uma única tarefa, acaba
r·,
\c
I
:o) produto do seu próprio trabalho que está acima de suas possibilidades por encontrar métodos melhores para realizá-la. Ele observa, contudo,
I
('''\ de consumo, pelo excedente de outros trabalhos; assim, todos são que esta criação nem sempre resulta da, ação dos trabalhadores, mas
..... \.Y
encorajados a dedicar-se a uma tarefa específica e a desenvolver . também de um grupo de pessoas cuja função específica passou a ser
("';
\"./ habilidades específicas. I . .. a fabricação de máquinas. Além destas, os filósofos e inventores
I. também são responsáveis pelo avanço tecnológico.
(.:::/.·,
_~..,

...l ' Mais do que a natureza, é a própria divisão do trabalho a maior


~-r:j responsável pelas diferenças entre as capacidades naturais dos homens; Além da fragmentação do trabalho, já aparece na obra de Smith
~
essa diversificação de talentos se desenvolve através da educação, do a separação entre teoria e prática, concepção e execução, quando ele
~- .;
r· define a função dos filósofos, cuja atividade consiste não em "fazer,
.."f.;/
"""' costume e dos hábitos adquiridos no desempenho das diferentes
mas em observar tudo o que os rodeia, e que, portanto, são muitas
ocupações. Se não existisse a divisão do trabalho determinado pela
t""".
'
vezes capazes de combinar as potencialidades dos objetos mais simples"
(
~- ,/ propensão natural à troca, todos deveriam produzir todas as coisas (Smith, 1978, p. 17).
("" necessárias à sobrevivência, tendo os mesmos deveres e fazendo o
'c,_,j
'
/''\ mesmo trabalho. Nestas condições, não existiriam ocupações diversas Na citação a seguir, fica claro que a especialização em teorizar,
"I;.' e tampouco diversas aptidões. Pelo contrário, com a divisão do trabalho divorciada da prática, bem como a divisão do trabalho teórico, melhora
( .,; não só existe diversificação de tarefas e aptidões como também elas a qualidade do produto:
dl].. são úteis, enquanto complementares.
"No progresso da sociedade, a Filosofia ou a especulação
( "'\ ·j Para Smith, o principal avanço ocorrido no processo produtivo, filosófica torna-se, como qualquer outra tarefa, a principal ou
,k, e a maior parte da destreza, perícia e critério que caracterizam esse única ocupação de um grupo de cidadãos. Como qualquer outro
-~k·y

ç desenvolvimento· é fruto, portanto, da divisão do trabalho. Ele usa o


exemplo dos fabricantes de alfinetes para demonstrar como ficam
trabalho, também está subdividida num grande número de tarefas
particulares, cada uma das quais é atribuída a um grupo ou

I
)-, classe particular de filósofos; e esta subdivisão do trabalho na
~ .. .,· ampliadas as faculdades produtivas através da divisão de uma tarefa filosofia, como acontece nas outras atividades, aumenta a destreza
A.
\ _,.: em suas operações distintas. Acrescenta que a separação de diferentes dos homens e permite economizar tempo. Cada indivíduo torna-se
t"'-
I

( 26 27
("'"""\,

'·r'
("• I
~''')
',

/ )
'-•·'

mais sabedor na sua tarefa particular, produzindo maior quan- lização, uma vez que esta reduz o tempo necessário para o aprendizado ~)
tidade de trabalho, e as ciências e as artes são assim conside- de determinado processo, além do que a habilidade assim adquirida
ravelmente aperfeiçoadas e aumentadas". (Idem, ibidem)
C.)
é aumentada. A divisão do trabalho, portanto, ao exigir diferentes ~"-)
graus de perícia ou força, possibilita ao fabricante comprar ambas \.,-,

Ao discutir quantas operações e trabalhadores são responsáveis exatamente na quantidade de que precisa, baixando o custo de produção r-,
'-<,-d
pela produção, transporte e distribuição das mercadorias indispensáveis (George, 1974). · ""')··
para o abastecimento de uma pessoa comum num país civilizado, '""''
Smith introduz a idéia da recomposição do trabalho dividido ao nível Esse princípio, apresentado como um esforço para preservar ~)
da sociedade. Mostra, ainda, que é em decorrência da divisão do perícias escassas, esconde o aspecto social da divisão do trabalho, o
.')
trabalho com sua multiplicação de produções e com o aumento da qual não é considerado por nenhum dos teóricos da economia política ""' ·~
burguesa, e que é profundamente analisado por Marx. ,
("."
I .
produtividade que, numa sociedade bem governada, a riqueza universal '-'
se estende a toda a população; cada operário tem aumentada sua Outras contribuições relevantes foram as de Ricardo, Malthus e f')
<J

capacidade produtiva, o que lhe permite trocar seu excedente por Newman, com seus trabalhos sobre economia política; das organizações
grande quantidade de produtos.
()
eclesiásticas e militares com seus modelos de estrutura hierárquica
Smith deixa claro, portanto, que o desempenho do trabalho também utilizados pelas organizações ferroviárias norte-americanas do ü
dividido qualifica o trabalhador, aumentando sua destreza e tornando-o século XIX, especificamente os princípios de organização linear e ()
unidade de comando; de Frederico, o Grande, com a criação da
mais produtivo, o que possibilita a generalização da riqueza.
estrutura linha-staff (estado-maior) para aumentar a eficiência, no o
Em 1826, James Mil! sugere os estudos de tempo e movimento século XVIII; de Clausewitz (1780-1831) com seus princípios de r:,)
para aumentar a produção; ele mostra que a repetição continuada de disciplina, necessidade de planejamento' e cientificidade do processo
uma operação aumenta a rapidez com que ela é realizada, não sendo
::)
decisório, que inspirou muitos teóricos da administração do trabalho
a celeridade compatível com um grande número de operações diferentes. heterogerido. ()

-·-
O trabalhador deve, por esta razão, limitar-se a uma ou poucas ,-''"'
operações, para executá-las com a maior rapidez, correção e precisão O trabalho dos economistas clássicos burgueses; que introduzem v
possíveis. A determinação do conjunto ideal de operações a serem a racionalização no campo do trabalho, acrescido às condições concretas \.ri/1
ql!e o desenvolvimento industrial do fim do· século XIX e início do
realizadas pelo trabalhador exige o estudo rigoroso do processo de
século- XX apresentou, possibilitou o surgimento da teoria geral de """ '
trabalho, que excede a sua capacidade (George, 1974). Começa aí o
administração com as obras de Taylor e Fayol, motivadas pela (_)
planejamento das ações do trabalhador pelos especialistas,· exigindo-se
necessidade de racionalização do processo produtivo, tendo em vista
deles determinadas destrezas, fruto de um treinamento rigoroso, definido r~J
a acumulação ampliada do capital.
pelas necessidades do processo produtivo; o trabalhador começa a /'''
\.,)
perder o controle do ritmo e tempo de execução do seu trabalho, Nestas obras a divisão do trabalho exerce papel central, seguida
~"'')
sendo os seus movimentos determinados externamente a ele, o que de suas decorrências, quais sejam, a hierarquia, a especialização, a \._,.,.

exige índices cada vez menores de qualificação. Alia-se, desta forma, autoridade, o controle, tendo em vista o aumento da produtividade (J
a ·fragmentação do trabalho à heterogestão, compreendidas ambas da mão-de-obra. Esse aumento de produtividade representa o objetivo
como processos de qualificação do trabalhador, que tem aumentada comum a unir patrões e operários; aqueles seriam recompensados com <J
sua destreza, precisão e rapidez no desempenho da tarefa. E, eviden- maiores lucros, e estes, com maiores salários. a
temente, sua capacidade de geração de trabalho excedente. ,.--)
No âmbito das prescrições acerca do controle do trabalho-com- '-'
pc-,
Babbage, em 1832, retoma o trabalho de Smith e relaciona a prado tendo em vista os interesses do capitalismo, Taylor (1970) -.,)
divisão do trabalho ao barateamento do custo de produção. Ele mostra acresce à fragmentação do trabalho a divisão de funções entre gerência
que pela divisão do trabalho pode-se obter maior lucro pela especia- e trabalhador. Considerando a impossibilidade de que os trabalhadores C)

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independentes absorvam e executem processos uniformes e racionais ~ devendo apenas submeter-se a uma adequada preparação, enquanto
de trabalho a fim de acompanhar o' progresso tecnológico, a admi- outras nascem para executar. A grande contribuição de Fayol foi o
~"'\
\. ,; nistração deverá responsabilizar-se pelo planejamento das tarefas a estabelecimento do processo administrativo, presente até hoje na teoria
"""\
("""
partir do conhecimento profundo do processo produtivo, cabendo. ao da administração, que expressa a separação entre administração e
operário apenas a execução segundo instruções superiores. execução: prever, organizar, coordenar, comandar e controlar.
(..''\,;
., Assim, Taylor institucionaliza definitivamente a heterogestão A necessidade da divisão do trabalho é demonstrada pela analogia
( _;])
como fundamento básico da organização capitalista do trabalho, tirando com o corpo social: a complexidade implica especialização de funções.
(""
'.,,! do trabalhador a possibilidade de pensá-lo, criá-lo, controlá-lo.
,.. ~,
Por serem ambos engenheiros e contemporâneos, Taylor e Fayol
\
A·'"'-,
""' A separação entre concepção e execução é perfeitamente con- apresentam inúmeras semelhanças em suas obras; contudo, a formação
·~h""
seqüente ao considerar-se o desenvolvimento do capitalismo industrial, americana de um, a par da formação francesa do outro, e também
(1 que substitui o trabalho individual pelo trabalho coletivo. Se o trabalho suas experiências profissionais - Taylor foi técnico e consultor
,...•."-.., continua a ser orientado pela concepção do trabalhador, é impossível administrativo, enquanto Fayol foi administrador de cúpula - dão
\. ,) · impor-lhe a eficiência metodológica ou o ritmo necessário à reprodução
origem a diferenças na forma de abordar o problema.
( ...\ ampliada do capital.
'·.~./

('"" Taylor preocupa-se principalmente com a racionalização do tra-


. .) A heterogestão define o conceito de controle do taylorismo, que
balho ao nível dos operários; quando fala em organização, trata da
assume uma conotação inteiramente nova: a necessidade absoluta da
() gerência impor ao trabalhador a maneira rigorosa pela qual o trabalho ~ ordenação do trabalho ao nível dos operários e mestres. Fayol preo-
( ".')
'"'
deve ser executado. Relacionada ao controle, surge a noção de tarefa: ~· cupa-se em racionalizar o trabalho do aclministrador e a estrutura da

~
r""'-, o trabalho de cada homem é totalmente planejado pela gerência que .empresa; este estabeleceu princípios a partir de uma análise lógico-
\.) dedutiva; enquanto aquele interessou-se por estudar os métodos de
fornece instruções por escrito acerca do que, como e em que tempo
C."":
f""..
~~ deve ser feito o trabalho. A gerência passa a ser científica: realiza
estudos e coleta conhecimentos e informações acerca do trabalho, o
~ trabalho pela via da experiência.
.,,,; O interesse de Taylor pela base e de Fayol pela cúpula permitiu
que não ocorre com o trabalhador, dada a sua suposta incapacidade.
"""
"j Este monopólio do saber sobre o trabalho confere ao gerente poder
que a obra de ambos se completasse. A partir dos seus trabalhos foi
r'"\ possível construir uma teoria sólida e bem estruturada, embora simplista
~.c) para controlar cada fase do processo de trabalho, que, quanto mais
e dotada de mecanismos hoje inaceitáveis, mas que revolucionou os
!"""\ complexo, mais se separa do trabalhador.
~ "; métodos de administração dos países industrializados, tanto capitalistas
() A posse do conhecimento sobre o trabalho passa a funcionar como socialistas (através do stakhanovismo, adaptação soviética do
!'""'\ como força a favor do capital, conferindo poder aos níveis técnico- taylorismo).
\. .,,/ administrativos; o operário, cada vez mais expropriado do saber sobre
r''"\
i, ... j o trabalho, desempenha funções cada vez menos qualificadas e sub- Uma teoria a serviço do capital, que, para se manter, precisa
remuneradas. O taylorismo, ·pela institucionalização da heterogestão, exatamente esconder este fato, o que justifica sua desconsideração
C) constitui-se em uma àinda mais refinada forma de· exploração do pelos fatores sociais e históricos que a geraram, mantendo sua postura
( '"j "' trabalho pelo capital. Daí ter-se afirmado anteriormente que a hete- científica e universal.
() rogestão é a lógica de desqualificação do trabalho, e portanto, da
alienação. A orga~ização do trabalho nas empresas contemporâneas tem-se
Q dado sobre estas bases, mantendo como central o conceito de hete-
Fayol (1975) complementa a obra de Taylor; mostra que o rogestão, supostamente derivado da natureza humana. O próprio de-
\J exercício de cada função depende de um conjunto de habilidades senvolvimento da teoria de administração, que nada mais é do que
,. ~
; próprias; ou seja, existem pessoas que nascem aptas para administrar, a "teoria de organização do trabalho dos outros" (Braverman, 1977),

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desde a Escola de Relações Humanas. até a Teoria de Análise de Já nos Manuscritos, Marx se preocupa com ·i;?_J!'~.!?~:lllº-. apon!_a_2o
Sistemas, passando pela Teoria Comportamentalista, 'manteve a filosofia
taylorista, apenas aperfeiçoando-a pela introdução de novas variáveis
como a essência do homem; contudo, ao ir à realidade social, ele o
encontra apenas o homem q~~~~-~~!1 sua ess~n~i~. 9l!!!la relaçªo pr;ít.i_ç_ª--· __ . C)
tendo em vista a habituação do trabalhador e a incorporação dos -.-::::-cr tra~a1J!g__ ~.l!L~aêfermj!l-ª.c:ll!§ _ r~lª-ç9_ç.§. __Q~_ a!_l!~g<>.ni~!!!.Q__ ~.!lm~ _o I").
progressos das ciências do comportamento aos imperativos do aumento operiin q :_e__9__ç_ªpjtalista. \."'·
da produtividade. ()
Esta. alienaç~o se dá em dois __pla_~-.~-s~l?jeti_xg__ ~ __Q__QQj_~~!Y,o. J,-0~

Pelo seu compromisso com o capital, essa teoria foi facilmente ._,,1
Considerada <lo ângulo suDjeffY-2.!._ª--ªli~!l!!ÇªÇ __~ignif~LQ. não:...r.eco- ,/·:,
incorporada pelas indústrias de todo o mundo; seu "caráter civilizador" nfi~mento de si nos seus produto~Jl~...}..!JA.-ªtjvid.r!..Q~.~PXQQ!ltiy_tJ.._e,..n..QS '-~)
voltado para a racionalização da produção é reconhecido incondicio- demais---fiomens;· ·g_ile Jli~~:~iiriem--fBID~-L~~tr-ª.12R~-~-·~2Ç!~J:!Pr~s....,_, c~
nalmente, apesar das críticas que lhe cabem. No Brasil, segundo
sT.-_JP_-A~P_.~~ª~I!~~~.~m~-~g.u_e __gos~ª--)>.~mk~º·-oRçr.fetf;~!~o­ t::)
alguns teóricos da administração, o taylorismo é a ideologia principal ~~i~i:~m conteúdo objetivo, evi~nciado pela sua~uperi:z;a - - ia!
da empresa privada (Tragtenberg, 1947). e espíi'itüal em contraste com a riqueza que prõaiiz;··o trabalho. t')
'-=
ãiieríãdõ~ --l:ifem cfe-produzir' mercãêiôria;· 'proêluz·- a'-f'ôrÇâ" de- iiâbaiho
('\
comõmeicãdoií~--0 .prc;a7J·tõ-~:õ:~rrab;lhô-se'trãêfú'~-em -p~~ -meiõ' 'êi'e J
~.,I

2. A CRÍTICA FEITA POR MARX sl) bsistêQ:cia e. nã~- ~m _ l!ll~ a ti vi4ª~;Yft~l; Q~p~rári~ é"sepàr~Q~rlo . o
sêti produto e dos meios· ·crê-pro~u.çª-º·' _ql1e ,~ã.9~---~âpr()fiit_it49§_p~§~~: (")
As críticas que são feitas à economia política burguesa e suas c~i!_~l_i§_gt_.
derivações, que apresentam o trabalho fragmentado e heterogerido
C)
como responsável pela qualificação do trabalhador, têm por base as
Ao verificar que o trabalho concreto é o trabalho alienado, Marx
co_~~!-~!-~~---~.~~ss~rif.i_~-~.Q:Jlom~m:J!s.t!!. ..9iv.qrç~a d~-~l.!ª-~i stêncj !!;
::)
obras de Marx, cujos aspectos principais acerca da relação entre
~inb_o.~_a_ te!'l~a . ~stl,l_çlado p_articular~e11te_ a .. ~~C::~_ga<f~ .~l,l_fgUes.ª-...~~-ªp
()
trabalho e educação são apresentados a seguir. /')
reférir-se ao t~alh~?.~~-ali~~E.<?.._!'efis_ª.:.~~--~º-9J~~E-~.i9.. !l.<:>~~j~!.l.~i!!.Q., v
Tomando-se como pressuposto que a produção capitalista é ~ .9..~JtJ.~~rica_!!!.~!-~_daç!l!_~_j~~de_Q_Q_homC1m diante p.::oi:lt.
\...,J
produção e reprodução das relações capitalistas de prpduçao, é im- ~z~.·--P~~":-~9J!Ye__~-~()__t@_!?.~lll<;>___~n,~.Q___f<?~-~~--a..li~Uª-çêQ.. ,.,.,
perativo buscar no sistema produtivo a compreensão de como o capital ~!:?.P§~,_~tã~.JL-~C~..S.e--..@,.DÇ.~ª co~o.._!~ '~.J

educa o trabalhador. criador,


------- ----
em. ·--que
....
o ~--homem
-·.
se reconh~a
------------------- em seus produtos, em s~
--.-~----------~~---
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\. ) ..
\\'1 - próp_riª'~~!~~-~~~~~~ .t:l~Crel-ªções g_~!ª~ce COIJ!~q_~~~~
~ hi~~rl~~d~fdr~ão hi~tória '.... )
/·'\

do trabalhador no capitalismo é a i_st_() ~~~~r:ª_possíye_J poLQç:~.iª-Q_?_!_ ...~-~~ação do ~odo de produção


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de sua dÚqualificação, fato este apontado por Marx e SliS. P~nna.9ece capitalista. '~ . )
-----· ------- ..
encõberto n_~~ _obra._s___!j_Q~~o~mistas burgueses, ~o -~~~u-~~() i..o... da
·-
_,...:.....,

qualifiéação como resultado do desenvolvimento do capita!i~l_!l_o._para . ,--~as, me_S!TI9.-E_~~~~~~~ ' j

htS!2Qa; ambas lhe pe_rmttem a nega_ç,ao_Q.Q_Jrª'~lh~Jlé!.dQ...~ ~)


~ª---'!~~tóri~~MavL.remonta a<L.S_l!!~-pr_od~
é~nq~_i_st.a do. tra6~~ho cdaQ.~.r~ ~~~s(it~!r?.~.~'"~~-~-~~-'..E.?~~e~rtida ~-)
capitalista
------- como um------ !]lOdo peculiar de produção, -C~ract~ri~-ª-d-º-Pof
-----:~ --" ....,. ~v~s r~ões sociais, de um mundo humanizado.
,_
determinadasrefã.-Ões de rodl!.~~º~!ªZ--~f!l.Como u~o~tados, '- )
~--~~1-~~~~~~~~~--~· - . ~se-~~~~:~:o ~:!~~~.n~e trabalho aliel}!_do, por .s~Í-~istóri~~ (1
tanto enquanto se âã efettvam~anto posstbt 1 ade hts-
~e...explicaJ _llistorica_I!I~~~---~Q!!!Q ... ~st~~: __ ~esgualificaçã~ t~i=&!Cii.~~otações metafísicas, em ora ainda não f'""
._)
de_u,.i._ impo~~ analis-ª_r_Q_Ç_Qf!C~i!_?__ d~ __ t,!~_!:~l~9-~~~~el se liberte totalmente do caráter especulativo pró rio · c nceitos ·da ,c:.,:::..

que -~le(fes_~f11P~~hª-_!}a cºnstt:!}Çã() ___çio__.b()r.tt_~IJLt: ..<!~...M?.~· época;rsTo-:seeviâêilCI'ãfiã-ãrfrõ1âÇã'o e ..9!!-e o homem real e concreto
\ ·-<~

.----- .......... --------------.- ·--------.--··-···-·----··········........... -·----------~- )


32
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(J
c-
c
c ~exj~~essenci-ª.lrr!~!!!~ ..c:~:m~_o ser humano, ~~i~Ê.f1_d~~~~
~de-.bi~tó!~ca ___('/ ásquez, _ _ 1~?-~2 :.._<2.~-~~j-~~-nã~--~~-~!_!l_~e . o
"esta atividade, este trabalho, esta criação material incessante dos
homens, esta produção é a base de todo o mundo sensível tal como
o caráter contraditó.r:Lq_do processo produtivo capitalista,_que é,_ªo mes~no hoje existe" (Ibidem, p. 18).
te~p~~~~ação e criação.
o -··' ·- ------- ·-----
· · · · ---· -- ·
-.· ·-··· ······ -·
----· --- -·
.. ··-
Há ainda um outro element-º--ª-._çonsüie.rru:.:._u..homem..pr.oduz__ a
o De qualquer forma, ~ um conceito que abre caminho para as ~hi..H.<?J!<I. !l() -~~.!!l_RQ, __Q._ÇJ!!.~ ..faz
dele...um se.c histódco. Daí V ásquez
formulações posteriores em A ideologia alemã e em 6 capita(-·oiP
c seJã;-adê-_9ue-o -ho~el11 faz sua. história com sua práxis, e ne~
concluir que há três elementos fundamentais no conceito de essência
humana: a práxis, as relações sociais e a historicidade (V ásquez, 1968,
c ~om·êl~.j~ria -ê-·se P!_?duz_ ~-·si ·mesmo, . aõ ·mesmo terriP..iil~ p. 424).
c HTstoría.
.__.._ -----------·- ·- -- - · ··
Ao assentar as bases para sua concepção materialista da história
c Do m_esmo_ modo, o conceito de~.D-ª.Ç~o_y_aj__~_e.__constitUir no em .!1 Td;;t~[iid-~[~;ã_. __Mãrx ~- Eni~Is_-~ffiQitni~_()~~-oij-~~if.o~ dé_ ali~~a§ão
c fundamento teórico das explicações da proprieº-ª.Q~. priyad~-
--
demai.s...catego.rias ecoilôin1êas~--- .... .
----------··
·--.__ _
condicionado a um fato real, histórico: a divisão do trabalhp. Des.de
___....- . -.------------- .. -·-- ··-- -··-·----·-----~ . .
ql.lena a Cisão entre o mteresse particular e o comum ~ .él~ CI.!I:Y_I(Íag<:!_S
o ..... -··
Ji.l!!.A..J.ti.eoll?_gia alemã, Marx e Enge_ls superam a concepção de_ nac)sâocíivla1ª~i_mã!§-j9Jii~iiijªffi~_nt~, _'.'.CI. .. á_Ç.~o :dCi~hcnnem .transfor-_
o __ hist~ C2!!J.O 1ifstó.ii.Cª-~-Ijlil:r_!~~Tij§~õ·~~~es~r11ãnizaÇa~·p-aitind§_~ ma-se para ele num poder es~g_~~~_Ih~_Qp§~--~ .9 Sl1bj1,1ga, em
c [atos _Ieais $- em__Qf!:iç.Qs_;_ª_.pr~ES.ªº---~ ~s_ r~lações ç!~ prod1,1ção. E~
':'ez de ser ele a dominá-la': (p. 40).
- -- ---- --- -------------
o ex:i~~~n_ç_i.a.~fe!ivJt__~?J1QJE.~.!!l-q~-~-s-~ fJ~~91>!~- () _g~e ele é verdasJ~:: .
-~amente.;_o ponto de partida_:~~~?__<!~_!I~~-~~~-'--~-~()-~S~ixo$.
Da mesma forma que a divisão aparece como natural, o poder
social obtido pela cooperação dos diver~os indivíduos não se lhes
o de uma gualquer_.fQ!:_~~i_~!~~Eia, __ ~a§ -~pree!ldidoiLJ)-.9 seu prgg_esso <;J.presenta como seu próprio poder conjugado, mas como um poder
o de desenvolvimentp_real ~_m_condições
~---
s.d.).
----- ---··· . -- detenninad~'
.
(Marx e Engels,
--~---· -
estranho, situado externamente, do qual não conhece a origem, o fim
o e ao qual não pode dominar.

o ~-_Qase concreta da essênc~c!_Q...h!?.!!!~Jn_é .a_·~s.o.ma .de .fmças,


de produção. d~ capit;;ti!~_fru:.mªs. __Q_~__ I~lªç.Q~L.s.uçi-ª!ª-_Q!.l-~ ç.a~~
Em O capital, Marx substitui o termo "essência", com conotações
metafísicas, por "natureza humana em geral", determinada pelo trabalho,
o irig~~§~Q_@aTeração en_çon!!:_~m como ..dJtdos já_ ~xistentes''. São compreendida como "um processo de que participam o homem e a
o e~~~s co~~_i2~~ .. ~~m-.a--s.ubYers_ão. das___ for.ç;;ts _.prp~_l!_tj_"~s
e~ (Ibidem, p. 49).
natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação,
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza"
c As~.ffi....!:!_ãO divorciad-ª-Jia_~.fh_Q_.D..Qmem
(1980, p. 202).
o s~~~Q.~lment~!~roducão,
há mais essência
e pelo trabalho; -~-'?..~.9~ _que Em. -~~W9-ª'.._eie_define_o_..que..diferencia_o_trahal.hQ_ b11mªoo .do
c co~eça a pro ziraefine-se como humano, "õistinto -aüs animais e, animal; a possibilidad.e_~Qê=lo....de.cr.i-á~lo~.a-par.tix..g_e çl~~~rmina.d.o.,
o a~- tr Ls _rmar a~~~ __pro zir-s~~~i~~~h~tõr§. g~e fim: "o gue distingue ..Q_p.Í.o.t:....arquite.to__da. melhor abelha. é_ ql,l_e. __ele
é a da produçª-.o da Vida material a partir da produçã()__ dos m~()Sje figura na men!.~-~u-~~.i!!lt~_LQ.~. traf!~fQX!l!.~:l~.,em___r.~ªl!Q.ac;Je.
c e~~-. ...._ -~.,·--·-~--"-- ____________..c--- ····----·· -
No fim do pr6c~sso de_yab~al~..Q._~!~..f.~.J!I"!!.f~~\l.l!~çl_q _qu~_já _ap_arecia.
c Na VI Tese sobre Feuerbach, Marx mostra que não é no indivíduo ~ilt~~-}~~!!Êente na imaginação do trabalhador" (Idem, ibidem).
c que se encontra a essência humana, mas nas relações sociais; ela se O processo de trabalho tem por finahdade a criação de valores
c constrói com base nas relações do homem com a natureza, pelo
trabalho, e com os outros homens. Essa essência humana que se
de uso pará. -sãtfsfãzer necessidades- }]umãriãs-a p.:ãffir- õoçefé~eiiiõs
da natureza; ".P2!_isso é condição natural ~t~!Il-ª- da...Yida...humana,...sem
c manifesta nas relações sociais é a produção, que determina a existência clepender, por.taat.(},_d~Qilãiquer._for.ma.dessa...~ __s_~ncl_Q.. antes__c.omum •
c da sociedade humana em seu'conjunto, de cada indivíduo e da história; ª--tQ.Qi!.!L a§ forças soci<ti~'.'.jlbidem, p. 208).
c 34 35
c
("" 1-
O trabalho, substância do valor, as_s_u_m~ _taJ11b~ __a__fot:IlllLd_!!_ Uma vez colocada ~~~S~PÇ-ªQ.<!~_!rabalho em Marx, é possível..
mercadoria, tendo duplg_ carát~r: verificar, com ele--:-cõmo se realiz.ª- ..O.JJ_~.blilliõ.eSüã-nesqnahficaçãô.
~~~~~!olltsmõ.---- ---·------------- ....
- como cUspêndio de força.humana de trabalho; !!~ gualidade ,
de trabalho hl}rnano igual ou abstn.tto, c::tiª-º--_yªJg_r das_!!lerc~; A produção capitalista se inicia a partir do momento que um
mesmo capitalista, que concentra grande quantidade de mei~s. de
- como .~isp§!l~!Q__~§p~~!_al de_forçl:! _lm_mana,_p.ar~
produção, ocupa, de uma só vez, considerável número de trab~lhadores,
fim; nesta qualidade de trabalh() útil e concretº pmduz.. 'l.alo~s.::d.e~Q:. ·
passando a fornecer produtos em maior· quantidade, o que é possível
Ao capitª_! _in.ter(!ssa o trabalho ~b ~ Jo_~!:ll-~ de ~~E~~~~" pela utilização em comum dos meios de produção. '
surge quando o trabalho- concreto "Se .transforma nÜ-m~_pl!rte. d~_..J!_m
Para iss»o capitalista comEra força de trabalho, fazendo com
~nibalho geral, abstrato: ·x-meicad.Õi{a~-·portãirtõ, -obJetiva.___ !,l_I_ll~
que o trabalhacior"'cons'iima os-meios~deproa_ij_Çj()'"cõ.m:_=§~4::iri6i(flq:-·
sod~f; 'di é produzida' peJo. trabalfio social, formado pelo..... c~
O aitesão, até entã<?_J~re, passa ~L§.er -~ssalariado. no momento que
dq~ trl1i;>alhos parti~ulares. Os trab.aJ.hos particulares, conctetos,....atua.ID:..,
vende sua capacidade. de trabalh_Q .P.~Ll!. p_r_Q_ç!~zir__\'-ªLQr.. .Q_trª.l?-ª!hª.Qqr
como partes corn.pQ.nentes .do trabalho social apenas através-das....r:ela.ç:~e-s....
passa·~~p_rôàüzir···sCíb. ·õ ·-cõilt~QTe ... dç> ,ç_aP.ital~ta.....a..quem._p_~~u.
que a troca estabelece entre os produtos, e por meio destes,.--entre...gs seü- 'irahalho, ~~- taLf.o.rma__ Q.lliUi~--ªRli!ll!~J!Lª-deq.u.adame.R.te-Gs-meios
produtores. cfé ·p_roduç.ão .. e_.não .haja-- d€sperdício de··matéria-=prima;
Para os produtores, por isto, as relações sociais entre seus
O procluto___tLpr:qpri~d.a<ie _c;io . cªpJtalis.t~. não.. .do.. produJ:or.,. que
trabalhos privados aparecem como "relações materiais entre pessoas só recebe o vaJ_Qr diário , gªJm;:ÇL.de..~.u,e. cottes{mode .aQS:
e relações sociais entre coisas, e não como relações sociais diretas
meios necessários__ ii:_. SIJ,.i-1-..s.Ubsistên,.c.i.~, .. QP _,sej_ª•· q~e .. g~rante... ·.ª'---SJJR.
entre indivíduos em seus trabalhos" (Ibidem, p. 82.). · repródução. c'?.~~ a,s..~-~Jadado,...ÂQ.,Jlª-'l?alh,gtr. além ç!~e.ssário llªra..
O processo de trabalho aparece, por isso, como· algo misterioso, se-reprodiizir; o trabalhª~_or g~r.ª .IJ!ll.~,X.f~Q..~!l_te quantitativo de trabalho
tornando-se o produto do trabalho um fetiche, na medida em que
- a· maiS-:-Valia;__a eX~raǪO, de maiS~:Il~lià:~~--=-à.:_.fotrÍiã-cãpitalis.t.!L1l~
apresenta as características sociais do próprio trabalho como se fossem prqdli_Ç~g __çl~_m~~ªdç_r,i,ª~:..O)} . S.eia, no.capit~U~.!Jl..Q,~<?...t.tabalho assalaria..do.
é a fonte Reradox.a 9e..J1lCÜS.=.Y.aliar.e__ne.sse_seritido, ..de....cepmdnçãa das
características materiais e propriedades sociais inerentes aos próprios
·stias prÓprias c.on.dições..de.~x-ploração,.na.medid&.em-f!Ue;-t:ef>l'0~
produtos. Assim, uma relação social definida, estabelecida entre os
homens, assume a forma de uma relação entre coisas. A alienação,
o capi_taL~m.. e.sc.ala ....ampliadar-repmdm:-Himbém--e--epet=ár.i.o.
em O capital, evolui para a concepção do fetichismo da mercadoria. A princípio, permanecem os mesmos métodos de trabalho; o
q~ !Tiuêri_~--~--J.!~__I!!I,Jilança fÜriciãmeõtàr,"'e 6 fato ae-qu-e-·c:r-ãrleSão
Como mostra. Vásqy~z ...(.Vásquez, 1968, p, __ 44.8),,_l!á !)ma
passage-m da. afieiiãÇã~do operário CbDçreUL.para a fetichiz.ªç_ão- de d_e~~-~. e~~~~~~~---~~~?. €"~~~~:~J~~~~!li~Leõ_iiliecíf"r:rr~ag -
e se revestia de um particular mteresse por ser um trabalho cnattvo
umare~~-iª.l;_º produto pa._ssa 9Jl. objetiv~!Q.._c!~_ um~__a~ivi_clad~... e até certo poiitq, artf~ticü. Os. assalariãôõs~"rêunÍdos sob o mesmo
concreta- para a objetÍvâÇãü' _·de uma relação entre õ~s~ homen~; o
teto e sob o controle ci()' cápitãlista~ pàssam-:""ãtrã6ãfh~
càfâter·-·estranho do.-prÕduto do trabalho_ é o caráter _fetichis.ta_c;ia '
mefc~rdortã;··e~f~~-~:J:9~~~~rli.i~.r}iufit~no. ex.teriorizadQ-num...nbjeto
acordo com · ~~ ''PianOde produção, em regime de cÕoperacão · O
resu1tadõ""(íü' ·:iráháJfi()"'éoopêrãtivü"'"supera a somatória das forcas
para· 9_caráter so~J.aLde . .um.pxoduto que s.e apr~s~.o_m_çQID.o coisa. . produti'vas·..individuárs: '"fjêlã-'criiÇão cle:~!i..!Q.~_fmi:-ª....Jlrodutiva nova, a
........ -~---·-·-·•--"'" ~-
Em ambas as_ç~:mcepções,- está ·presente-a. estrutur.a..fundamental da ...
força coletiva: "ao_co()perar com outros de acordo com_ U,!!l_pla!ill.t
alien-aÇão; contradiçãQ. entre .os homens__e___a__realidade que se.....QQQ_e desfaz-se o trabalhad9r <i9iHí.n}lês..
de-suâ-1nw~Uf.üãii<iãdeé dk:~enyal)le.
a eles, como se fosse.estr.anha.-~ a capacidade de su_a ~l>.Q~cie" M 80, . 37
36 37
("""

r-·-...,
{__ ,""' -Essa força .Q!:Q~~tiva coletiva só aparece quando os op~á.I:ies­ ~crava, a tecnologia era estac}9.Dli.r!A__~-º~_fin_s___do_1Ll!!'.~!be? .. ~-~il.!Jl_Q_s_

( ,''\)
entram em cooperação~ -quando" deixam "di'j:?ertencer·--~-~i mesmos--pam- mâ!Svanãôõs;-ltesâe--óstranscendentais
'-------. aos utilitários
----------- ____________, _________________________ ---·- ' " e---- até
'"" mesmo
............ -
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'J?ertencêr'ao··-c·ap1tal;'ela é. i:i<issív~L.i~s.ã.º- do_:_~~ à satlsfaÇãõ---ãa--vaidade dos_ senh_<?~~~- No capitalismo, a .f<;>IÇ'ª~.Qç­
() a -forÇa _procf~~fv~. sodafé-có'iigl:lir~g_a _ _Ç.OJDO forç_a, .m:ody.tiY_a.~- tfábãlho é-- ãssiíJailadá.: 'ã tecn-ôlü.úª" ·é_gi.I}Amifª-.. ~jt_J,ln<}ÍÚ:l<l_de-.é.-a. ..
é "iilúi.nen~e ·ao capitãl:--e.~-portamo. a sua produtividade.._pertew;;e-ag... reprüdl]Ǫ9__.}!i!}JiJTª:ª~=-çi_9_s.ruút~Q.u._..§.~j_;,t,d!.Q ,CJl,piJalismo...a__çp_o_pecação
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·cKpiiãL~~-- . .. --------- - aparece .COITlO. f()fÇfl.__ pm.cl.tJ!!Ya..
mais-valLa.
º'º
fªPiffi!t_f9}~_o_.f<?.!.'!!~~9-~_e2'_t~ação .de
Na cooperação simples os op~rários se completam mutuamente
c fazendo as mesmas tarefas ou tarefas complementares; mesmo nos A cooperação,_ forma fundamentaLdo modo de produção capi-
,c estágios mais desenvolvidos do capitalismo, esta organização do trabalho talista, adquiriu --sua fumm-:,'elássica na- manufatura, entre meados do.
século -XVI~-e ·fi-Ha~.V.,UJ..____,______
o desempenha papel importante na medida em que ela torna possível
a execução de trabalhos complexos pela sua divisão em diferentes A manufatura tem duas origens: quando são reunidos na mesma
'"'
(,o/ operações desempenhadas por diversos operadores. oficina trabalhadores com funções diversas independentes, cada um
() À medida que o processo de trabalho vai sendo parcelado e contribuindo com uma parte específica para o produto final; os
que aumenta o número de assalariados, o comando do capitalista diferentes ofícios que eram independentes perdem sua independência
( "'\
,) e vão se tornando tão especializados que passam a constituir operações
torna-se uma condição necessária à produção; o trabalho coletivo
c;
,..,.,
passa a exigir uma direção que harmonize as atividades individuais parciais do processo de produção de uma mesma mercadoria. Ou
então, quando o capitalista reúne ao mesmo tempo na mesma oficina
Í.,,,)
e controle a produção para garantir a melhor utilização possível dos
meios de produção. Essa função de direção, de gerência, é assumida trabalhadores que fazem a me'sma espécie de trabalho, produzindo
c pelo capital assim que surge o trabalho cooperativo; ela não constitui com alguns auxiliares a mercadoria por inteiro.
c apenas uma necessidade técnica derivada da natureza do trabalho
social, mas se destina especificamente à exploração do trabalho social;
Assim, a manufatura ou introduz a divisão do trabalho no
c:\ .;/
sua origem está no antagonismo entre capital e trabalho, entte "o
processo produtivo ou a aperfeiçoa; o resultado final é sempre o
mesmo: "um mecanismo de produção cujos órgãos são seres humanos"
o explorador e a matéria-prima de sua exploração". Este antagonismo
faz crescer a necessidade de controle despótico dos meios de produção
(Ibidem, p. 389).
() e da força de trabalho, uma vez que a direção capitalista tem dois
A necessidade de aumentar a produção continuamente traz uma
(""", modificação essencial no processo de trabalho: ao invés do artífice
'"'"' conteúdos em virtude da dupla natureza do processo produtivo: trabalho
executar as diferentes operações e controlar seu próprio trabalho, este
c social para produzir um produto e processo de produzir mais-valia
(Ibidem, p. 381 ).
é dividido em partes isoladas distribuídas a diferentes operários, que
c À medida que a cooperação amplia sua escala de despotismo
passam a ser controlados externamente, por um superior a serviço do
capital:
c do capital sobre o trabalho, vai adquirindo formas peculiares; o
c capitalismo vai aos poucos se desfazendo das funções de direção para "Essa repartição acidental de tarefas repete-se, revela suas
vantagens peculiares e classifica-se progressivamente em divisão
c conferi-las a um grupo especial de assalariados, os gerentes, super-
visores; encarregados, feitores, contramestres. Esses funcionários fazem sistemática do trabalho. A mercadoria deixa de ser produto
c a mediação entre capitalista e trabalhador, constituindo-se sua ação individual de um artífice independente que faz muitas coisas,
para se transformar no produto social de um conjunto de artífices,
o em função exclusiva do capital.
cada um dos quais realiza ininterruptamente a mesma e única
c ~-a-wg.peração_capitalista da
simples existeq!_~_desde _Q_~umana? Marx aQOE!_a .,
Géef>era-çfto tarefa parciaf'. (Ibidem, p. 388)

c ~Em decorrência da divisão do trabalho, opera-se uma modifi~.


c,r"-...
l ·'
·---
alguns aspectos: no mundo antigo, na lQ_~Média e nas colônias '
modernas, a cooperação simples se baseia na utilização de mão-de-obra

38
~--------------------~-------·----~--------
fundament anto à ualifica ão do trabalhad~esão preci~A.-'ia--'

39
r-·,
~., ..
~
o
. :"")
"...

~J
muitos anos de trabalho para conhecê-lo profundamente_~-~.9.!!llWL. As diferentes funções do trabalho coletivo exigem diferentes
cômplefàmente ?_ -S"eU"COiftêu(i0,'-<Jassalari~~çi_2~l?t~~Q:~i:Y.IDa_ati yj dade graus de formação, o que lhes faz criar valores diversos; assim, a o
parciàl. ~1!111 r~stringi~-ª~-· ás -~~üâ~-- n~êês~ic;laçl~~ç __qgalific.acão, nece&=.
sitânéío apenas dominar u~~ -~arefa parcial de um proç~~~uilim_,
manufatura hierarquiza as forças de trabalho e estipula uma estrutura o
éompfétõ~ ·c_üiD~ur·ã~tórii~-!l--ét~!9!liN~~J®.Q..o.4_q.u~
salarial diferenciada, segundo'à função e a respectiva qualificação. O
trabalhador individual é anexado a urna função única por toda a vida, o
tem na manufatqra, com sua forma característic_~de diyisão:0:.., .....do trabalho,
.• .• •• ·~---,-·-------~--··--·~ •.• __ ,. _________ J • ........._,,_ __ ~ ..., ••. ,..,. · - - -..... ~-
sendo suas tarefas adaptadas às suas habilidades naturais e adquiridas . o
a c~~sa. prinçipal, liPoia_dli, e'!id~Q!~_!!!ente,_nê.e.~!!:,~~Q.j~~_!!l~-- o
Q_Q-ªrcelamento do trabalho que ata o trab~ o
q~~~~-~~~a Inteirãtra~sfor_~':_.5? ..~~~~1?9 em órgã~ o
e~_p~~i'!liz.a.4C?_~~~a o eração; levando menos -~~Ul realizá-lo
~~-{L~~ªg,__:_~. tra_g~ad~~--colet~~~-9~~?-~~~~ç_çaois.mo ..ll.jyo
o
d~__!l!~I)_u_fat~JI~tf.'?E.~ist~-~pénas desses _!!~-~~!~~-cl_<?.!~-~.. P~~iai.~JJ!Pitados':.. o
c'-!J~_.f.9IÇ_a pr()d):l_t~va é superi_Qr, .9.!!~':1~~ co~e~rªg~. ao..s~~xç.ício dos
ofíc;ios ind~p~ndentes....(;lJ?ic!~_._p,:___~ª-9.2·
o
Contudo, surgem novas necessidades de formação de alguns
"':'---...-........------~. . _... ~- ........ ·r-- - ----· ......... ·- --· ··- ·--· ·-·· ,. -- ---.~-.... .•,.,.....,. ...·-· ........ ~.,.. ..... .

~ m.t!~i~a __ g_~e__?__E:ab~~-li~~L. r~~~t~ .~~~~-~~~~_v_e~~L~t~ profissionais com altif"quahficação, inexistentes no artesanato; é o
o
~~_21-y_ai__a~ijéiçoando-a de_ ~!---~~~o- qu~-~J~.-~_!_c:~~~r pessoal intermediário, que faz a mediação entre capital e trabalho,
o efeitC? !!~s~~o -~om U.!!L.!!_l_!~~ de C?~L<?!Ç_õ. A~-~-~~.-~-!n~O.YfiWI:a desempenhando as funções de supervi~ão e administraÇão. Mesmo o
produz realm~nte a "virJ:U<)Si_c;l~<;_l~__ do trabalhador mutilado", ~0-~IQ:- com o custo mais elevado desses profissionais, ao final sempre há o
d~~ir e levar. ~istematicalll~ºt~ .. ~Q~:~~~erij9::..:Q~~-ti:2 .--º-~-o.ficin~ uma redução dos custos de aprendizagem, qüe resulta para o capital
o
especiâifiâção natural dos ofícios que_ encontr_a !l!i sociedade~---
...... ..
em redução dos custos de produção.
. -- . -·- . ' ·-·
., .,_ .._ ~···· ·-·~

Alé111_~_9_e di v_e~~!:f!~!lr~-~Ç,.-liÜ!l.Jlli~Lf>S Jir,gãos qualitativamente~


o
No período manufatureiro, o mecanismo específico é o trabalhador
coletivo, constituído de muitos trabalhadores parciais, com suas dife- diversos do tii:ibàlhador coletivo a manufatura fixa a dimensão ideal o
rentes habilidades, destreza, força física; são essas características que desse - óiião~--d~!~rmi'nã·na9 ...P-PJdJ:ner.o.. rt;Lativo de @bâihadorês em o
servirão de critério para a execução das diferentes parcelas do trabalho ~QarticufiiE'-Ãssirn, jun~ç~....a subdiYi~~ qualitativa do_ o
a ser executado. processo de ~_rab_aJho, _'i~~e_rmin!l...~-~Jf!ÇÃ9__g~~nt~~
cesso.
()
- ____....
......

A manufatura, uma vez introduzida, cria forças de trabalho ()


segundo suas próprias necessidades, ou seja, aptas apenas para funções Mas qual é a relação entre a divisão manufatureira do trabalho
parciais. Essas forças de trabalho reagrupadas revestem o trabalhador ' e a divisão social do trabalho? No ,volume I de O capital, Mar~ o
coletivo de todas as qualidades produtivas em grau elevado de mostra que essa relação é o f~!!,qamenfó' geral ·de toda a prod~çã? "'')
.....
virtuosidade: de mercadoria; a distinção entre ambas é feita a partir da análise do;
~.;)
caráter da troca.
"a estreiteza e as deficiências do trabalhador parcial tornam-se
.:;
peifeições quando ele é parte do trabalhador coletivo. O hábito
de exercer uma função única, Limitada, transforma-o naturalmente
Criticando a postura dos clássicos burgueses, mostra que a troca
não cria a di,erença entre os ramos de produção, mas .estabelece
o
em órgão infalível dessa função, compelindo-o à conexão com relações entre os ramos diferentes, que passam a ser interdependentes. o
o mecanismo global a operar com a regularidade de uma peça É a troca entre os ramos de produção diversos e independentes que .~"''"~
\,_)
de máquina". (Ibidem, p. 401) faz surgir a divisão do trabalho; já a divisão manufatureira tem como
40 41 ~)

o
""-"!'!],.

~~~-.

c'r
('""'•..-": ponto de partida a divisão fisiológica do trabalho, dissociando os Para o contexto deste trabalho, o fundamental é entender a
relação da divisão social e manufatureira do trabalho com a educação
o órgãos particulares de um todo unificado.
do trabalhador, o que Marx discute ao analisar o caráter capitalista
c Essa dissociação, sob a influência da troca de mercadorias, faz
com que o que era dependente se torne independente, de modo que
da manufatura e da maquinaria na indústria moderna. Mostra o autor
que o organismo coletivo que trabalha, composto por numerosos
(.,)
~,

a conexão entre os diferentes trabalhos se processa por intermédio indivíduos, na cooperação simples ou na manufatura, é uma forma
c dos produtos como mercadorias. Assim, na divisão social, o que era de existência do capital, e pertence portanto ao capitalista; a produ-
independente se torna dependente; na divisão manufatureira, o que tividade decorrente do trabalho coletivo aparece, pois, como produti-
c era dependente torna-se independente. vidade do capital. Se a cooperação simples mantém o modo de
c trabalho do próprio trabalhador, o mesmo não se dá na manufatura
c Em virtude das condições fundamentais da produção capitalista
serem a produção e a circulação de mercadorias, é preciso que a
que, ao apropriar-se do trabalho,

c divisão social do trabalho tenha atingido certo grau de desenvolvimento "deforma-o monstruosamente, Levando-o (o trabalhador) artifi-
o · para que a divisão manufatureira se desenvolva; esta, por sua vez,
desenvolve e multiplica a divisão social do trabalho, criando novos
cialmente a desenvolver uma habilidade parcial, à custa da
repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas.
c ofícios que se tornam independentes. Não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações distribuídas
o Marx mostra que, embora haja analogias entre esses conceitos,
entre os próprios indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado
e transformado no aparelho automático de um trabalho parciaf'.
o há entre eles uma profunda diferença não só de grau, mas de substância. (Ibidem, p. 412)
o A ànalogia é determinada pela conexão íntima que entrelaça os O trabalhador, originariament.e_iorçado.......a..._v..ender.....sua_fo.rça-de
c diversos ramos de atividade, de tal modo que cada produto é uma trabalh<?.~i"o._ caiJüªL ppr .lhe faltarem .. meios materiais .-para _.pw.duzir
o etapa do produto final, que representa todos os trabalhos combinados.
Mas, enquanto o que estabelece a conexão entre os trabalhos inde-
mercadori~"'"~ªgQJJLJ.I.tr.ela:se..definitixame.n.te..a.Q...c.ªp.lti;t) ,_em__ xirtiJ.Qt'LQ~.
sua incapacidade de fazer .Q..,..trab.alho~ÍllQ!;Jl~.rule.DJe..m.eol~.;._!lªSSa..a ... s.e_r,
o pendentes é o fato de que seus produtos são mercadorias, o que desta forma,_ um __ a.cessóri_o .. 9a .<?f!<;:iJJ~;.-...s..uas.~for.ç.as.int~!Yc;:.tu.ªüLfic.am
o caracteriza a divisão manufatureira do trabalho é o fato de que o inibidas em fti_!:!Ção da_E,~<_:i_~~id~-~~-º'º- seu_.Jr.l!billh..Q;_ -~~~.fpr_ç.~~
c trabalho parcial não produz mercadoria. intel~c.tuais.concentram-~~--.!19~.S:-ªPJ!ªJ, __e__ pªss.am.....a....confrontl!r:~~LW..ID
ele,_~offi.O:J?ràp!:le(f~c!-q-ue Jhe .é. estrl:lnha e corno poder que_g~g.Q~
o A divisão social se processa, portanto, pela compra e venda de
produtos dos diferentes ramos; a divisão mamifatureira, ao contrário, Na manufatura, o enriql}~çjme.nto.do Jrªl;>aJh.<:t4or cQ_lçt!Y..Q.,_..e_por
o se caracteriza pelo fato de que a conexão dos trabalhos parciais se isso do capitã], em" forças"-produtivas. sqcia,_is, r~aJjza-~ç _}!._~Ç,J.!S.t~!. •.Q.Q.
e~_P.o~men!_9_ do traoáJliãdor, .. em. forças prÔdl}_tLY-ªLjn9._iyj.du.ais;
c dá pela compra e venda de diferentes forças de trabalho ao mesmo
comq c;:l.e leva _!II!lilo:-longe:·~ã....QIYTsão ..Ê2-_tr~121i1!JP__p~l_o _g;J,JÇ,~!.aJJl~­
o capitalista, que as emprega como força de trabalho coletivo. Assim,
ela pressupõe "a autoridade incondicional do capitalista sobre seres
do qfício, acaba por
' - ....
atac1tr.o.individuo ..em_suas.raízes.vitais, fornecendo
'--~...,......-

c humanos transformados em simples membros de um mecanismo que L


material para a patologi~ndustrial.

o a ele pertence", enquanto a d,ivisão social põe em confronto produtores Ao decompor o ofício manual e ao criar ferramentas especiali-
zadas, a divisão manufatureira cria determinada organização do trabalho
c independentes de mercadoria (Ibidem, p. 408).
social, que nada mais é do que a forma própria de o capitalismo se
c Marx demonstra, ainda, através da análise histórica, que, se a
divisão social é inerente às mais diversas formas econômicas da
expandir à custa do trabalhador. "Revela-se, de um lado, progresso
histórico e fator necessário de desenvolvimento econômico da socieda-
c sociedade, a divisão manufatureira do trabalho é "uma criação específica de, e de outro, meio civilizado e refinado de exploração" (Ibidem,
c do modo de produção capitalista". I> p. 418).
c 42 43
cf'"',
~··.

o
""')
"-··
')
~

Esse processo de mutilação desenvolve-se na manufatura e buição dos trabalhadores pelas diferentes máquinas especializadas; as
completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força massas de trabalhadores não formam grupos e são distribuídas pelas o
produtiva independente do trabalho, a serviço do capital. diferentes seções da fábrica, trabalhando em regime de cooperação o
A maquinaria se origina a partir do desenvolvimento da manu- simples. A única distinção é a f~ita entre os trabalhadores_que se..,
ocupam realmente da máguina e os auxiliares. Além destes, há úm
o
fatura; nesta, o ponto de partida que revolucionou o modo de produção
foi a força de trabalho; naquela, é o instrumental de trabalho. Na pes~~~~-j?_~~~(}_ ·_l1_U.t?.ii~i.~:_g;~~yJªª-Qº_Çgl,1_tf9l<? e _dª" D1-ª11Y.~~QÇ_ªg~Çt~·· o
manufatura, os operários executam manualmente cada operação parcial IT1aq~!.l)él,rg_: _
o
com suas ferramentas, permanecendo o princípio subjetivo da divisão
do trabalho, havendo subsunção formal do trabalho ao capital, pela "É uma classe de trabalhadores de nível superior, uns possuindo o
não alteração real do processo de trabalho. formação científica, outros dominando um ofício; distinguem-se o
Na produção mecanizada, o processo de trabalho é examinado
dos trabalhadores da fábrica, estando apenas agregados a eles.
Sua divisão de trabalho é puramente técnica". (Marx, 1980, o
objetivamente em si mesmo e em suas fases componentes, que são p. 440) o
compatibilizadas pela utilização de princípios científicos; é a subsunção
real do trabalho ao capital, que revoluCiona as relações entre os A produção mecanizada traz inúmeras modificações no preparo o
diversos agentes de produção e a modalidade do processo de trabalho. da mão-de-obra, oriundas da simplificação do trabalho, pois que o o
"No sistema de máquinas tem a indústria moderna o organismo de
produção inteiramente objetivo, que o trabalhador encontra pronto e
movim~nto global da fábrica não parte mais do trabalhador e sim da
máquina. Assim, ..c::>__ tr_a_!?al_~.<?.-~~-Qesgualifica como condição mesm~
o
acabado como condição material de produção" (Marx, 1978). O de sua eficiência, pois __ q):IJ:___ .Q"_~!li:!Jalh9•. ..9.9mp_!exo .Eas~a_ a_ s_er _ U".l,. o
instrumental de trabalho convertido em maquinaria substitui a força entfãVe pario.deseÕvolv~p.~J:tt.~ _ci_9.J~~,9.Ç.~~SO_JÚ:Q~~!iY?.-~I)l ..YJ~~ª dQS . ~~
.~ I
humana por forças materiais e a rotina empírica pela aplicação
científica.
requériinentos de·.. qualificação de. mão-de-obra; o trabalhador, na
manufatura, atado a Unút t'eri-amê_~i~~f.Çi~I~Ç'ãnTzaÇãõ~~rêla-s.~,:· . o
A ~!llç_c:._anização, frut_o da própria divisão do trabalho,_,Jjbe.!_~a a uma 'máéfüífiã pârdal. É- importante s~l,i,ç_IJ.tl!L9\J~_çj~-P-t~_çk_niQ o
necesSidade _Ere'sefik'ná ·manufàiura,--da fixaçao do· trabalhador a uma a uma. mãqüiiút' em ·e~ed'ãCfu~s_. ª~:q.Y.~lgy.~u:n.á._q.Wn_?.,_~Jll-Y~A. ~

oper~Çãõ'-Pârclal; _c~i--;s-s!m~--~qu~fi!-])~freiri ..qlJ~ _·:.ll_:ji~feS~fd!de.de-> desqíi'ãfífi<?aÇãê?,,..9~Çy,,,§fmRlifiÇ-i!,Ção__c;i_o..Jrl!!.!!!.lhQ~tm!Jxe__,.çgm,~...rn~.c..fl:


qiúllificãÇãõ;·"jã reduzida, ainda imp1Jnpª ªº _domJp.i~U:l..Q~ç~p~aL ni~1l,ÇãQ .. _. ~- o
A máquina passa a ser sujeito da produção, da qual o trabalhador pe qualquer maneira. permanece a divisão do traha!bp com suas o I

passa a sei mêró" apêndiêe;rrmrstere-se, pv_I!@!~::g-~_:~:::mªQ"lll~à:a conseqüências alienadoras, só gue agora remodelada e consolidada O.
''virtuoslôãâê..-·qüei?erten§iª-ª-()-.:_trili~~Qr-- - cõmo mex~--ªmª-ª-mais eficaz ~Jru:a.ç,ão da mão-de-obra. Q_;
trabaTi1õ.7iéa despoj}tdo de todo. inter.e~Q..Jrabalha.Q.Q.~.er
--·-o
"••o' ·-··•
~-· o.L'·-· o• o
• ''

A base técoica que caracterizava a divisão manufatureira do


trabalho desaparece; a divisão do trabalho passa a ser a mera distribuição dominado--pelo instx:.~.m-~_\!to~_,!i~~tr'ªQ.alDo1_~.nfml:ú.a.....c.o.m_~~~
dos trabalhadores pelas diferentes máquinas especializadas e em di- so~ a for01<1 .. ~-~. :·:.~p!t~}, ~..Q!lQ__qy.uJ.Qmioa..a••f.mya .de. .tr.abal ho Yixa.
ferentes seções. a suga e exaure'' (Ibidem, p. 484). A separação entre o trab!!hg__
A hierarquia dos trabalhadores especializados característica da
J e
manual intelectual e a transformação deste em forma. deaõmfnàção
manufatUra é substituída, na fábrica, pela tendência a igualar os do -~-~.fuL~Q"Jiíi.::~.'.~(f'~~"@!~...!<E:!l.ª::§S.~P.mª' .iªJjgad~ . Ã..hA.JilliCi~'i
iº-ªi_yj.Q.IJ_al do. tntbi!tlb..~.d~çr__~~t:ce di(l!,!~<:!,~_.fiÇnci~--J~,..Q..J!a~~~~-<?_.
trabalhos . que foram simplificados; as diferenças artificiais entre os
trabalhadores parciais são substituídas por diferenças de sexo e idade. i~~!~~-~L 5!~S.~~C?.C:~--~~!e _o traba!h() 2_Q~~!iY-º•-ª-~Qlpr1Lª'---s~__ry}9()_ .~o
c~E_Ital; "a escravização em _9_11..~. ~=Q!J_!g}lesia mantém sujeito o prole..
Na fábrica, a divisão do trabalho não é mais feita -a partir da tariado ---revéllf~~- _ÇQ!J1 maior clareza no sistema fabril. Neste, ;.Cessª
habilidade do trabalhador individual, mas meramente se faz a distri- 'j, de c,iirêiio_~~~.Q~..._.futoJ.O_;:[â_~iiJi_p~i~ªº~:~(rbidem, p. 485).
44 45
c
c
c Ao "rasgar o véu" que ocultava ao homem seu próprio processo
social de produção, transformado anteriormente em enigma, e ao criar
-~ possível aquilo que se verifica efetivamente: que a atividade intelectual
e material, o gozo e o trabalho, a produção e o consumo, caibam a
o a moderna ciência da tecnologia, a indústria moderna nunca trata indivíduos distintos" (Marx, Engels, s.d., p. 38).
o como definitiva a forma existente de um processo de produção. Com essa divisão o operário fica restrito às tarefas de execução,
o Enquanto os modos anteriores eram estacionários e conservadores, o
modo fabril tem base técnica revolucionária, transformando constan-
sendo expropriado do saber sobre o trabalho e perdendo a característica
que o fazia humano: a possibilidade de pensá-lo, planejá-lo, criá-lo.
c temente a divisão do trabalho na sociedade. A ciência; por sua vez, que já existe na consciência dos trabalhadores,
o Por outro lado, ao lançar os trabalhadores de um ramo de passa a ser privilégio das categorias a quem cabe planejar o trabalho,
c: produção para outro, elimina toda a segurança e estabilidade do
trabalhador, mantendo-o sob constante ameaça de desemprego; ao
concretizando-se na maquinaria, que atua sobre o operário como uma
força que lhe é estranha e o domina.
c mesmo tempo que abre as possibilidades de ocupação pela simplificação Na maquinaria, a produção e a organização do trabalho passam
c do trabalho, a fábrica as fecha, pela dinamicidade do processo produtivo
que se modifica constantemente. Nesta contradição, inscreve-se a
a se derivar diretamente da ciência; a força produtiva que daí resulta
c possibilidade de superação:
manifesta-se como propriedade inerente ao capital.

o "A indústria moderna, com suas próprias catástrofes, torna


A classe que detém o poder material em certa sociedade detém
também o poder intelectual, uma vez que possui os instrumentos
c questão de vida ou morte reconhecer como lei geral e social materiais e conceituais para a elaboração do conhecimento; àqueles
.L
c da produção a variação dos trabalhos e em conseqüência a
maior versatilidade possível do trabalhador... Torna questão de
que são recusados os meios de produção intelectual só resta a
submissão. Esse saber, elaborado pela classe dominante e que reflete
c vida ou morte substituir a monstruosidade de uma população . seus interesses particulares, é apresentado como universal, como o
c operária miserável, disponível, mantida em reserva para as
necessidades flutuantes da exploração capitalista, pela disponi-
único razoável e verdadeiramente válido.
c bilidade absoluta do ser humano para· as necessidades variáveis · O operário, que nada mais é do que força de trabalho, emprega
todo o "se\J" tempÕ--cfisponlver·a s·erviço da: rep-roôüÇãó ampliadâ do~
c do trabalho; substituir o indivíduo parcial, mero fragmento
humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo + cliprtã1, não . disp-ondo ·_dé ".9:_"tiãlqúer~-':f§ii_i:P_º_~filii:ã.~__ t?_d~fas!!_q, ~P"i~~-0-
c integralmente desenvolvido para o qual as diferentes funções desenyglyill}~nt() !~~~~t?-~~l!~l_,_ para._ pre_e_!!che_~_ fllnç?~~ sociais, para o

c sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua


atividade". (Ibidem, p. 559)
C.<:D_vívi<L._soci~J1_par~_q_jj_y_~ __Ç](S<t:çfçjc;> _.das_ forças .físicas. .e.espirituais"
_(Marx, J?Bg! J': 30Q}, .
c Assim, a ciência desenvolvida pelo capital e a seu serviço é a
c Na relação entre o sistema produtivo e a educação do trabalhador, expropriação do conhecimento do trabalhador. Paralelamente a um
c há ainda um outro aspecto importante a ser considerado: o papel que
ocupa a dência na divisão do trabalho.
pequeno número de funcionários altamente qualificados, que dominam
todo o saber sobre o t1-abalho, se desenvolve uma imensa massa de
c Já foi dito anteriormente que o progresso social que o saber· operários desqualificados, que não dominam mais que o conhecimento
c gera pertence ao capital, que o coloca a serviço da riqueza e o
J
relativo à sua tarefa p-arcial e esvaziada de significado pela simplificação
do processo produtivo, cuja função é a eterna geração de mais-valia.
explora a fundo. Assim, a ciência aumenta unicamente a força produtiva
C· do capital, ou seja, a força que domina o trabalho; como o capital,
c está em oposição objetiva ao operário, contribuindo ainda mais para
Ao mesmo tempo que o capitalismo opera a cisão entre teoria-
e prática, surgem dois tipos de ensino, destinados a reproduzir as
c aumentar a dominação. Mas, como isto se dá? A partir do momento
em que, na cooperação, e depois na manufatura e de modo ainda
condições de expansão do capital.
o mais acentuado, na indústria moderna, opera-se a divisão entre o Assim, há uma pedagogia para ensinar a teoria e uma pedagogia
c trabalho manuale o intelectual: "através da divisão do trabalho torna-se :~
para ensinar o conteúdo do trabalho ao trabalhador, como uma forma
c 46 47
ç
("'
ü
·:)I
,-·· \

J Rejeitando a dicotomia entre campo de reprodução de classe e


separada da educação como um todo. Mesmo assim, elas não se dão
campo de constituição de classe, Gramsci (Grainsci, 1978, P· 3-102) r--"1
y
de um único modo, revestindo-se de características diferentes em
função do fim a que se destinam. Para a maioria da força de trabalho, mostra que a função hegemônica ultrapassa o campo exclusivamente
ligada às tarefas de execução, a pedagogia do trabalho assume as superestrutura! à medida que as práticas ideológicas aparecem desde
características de um ensino "prático" e parcial de uma tarefa frag- o aparelho de produção econômica, desde a fábrica. Assim sendo, a
mentada, ministrado no próprio trabalho ou em instituições especia- articulação do aparelho de hegemonia em seus movimentos constituintes, o
lizadas de formação profissional. Este aprendizado, pelo seu próprio econômicos, políticos e culturais, projeta-se para além da instância "'"11
\.,_)1
caráter fragmentário, não possibilita ao trabalhador a elaboração cien- superestrutura!, permitindo a ampliação do conceito de Estado a partir
tífica de sua prática, reproduzindo as condições de sua dominação de sua dupla relação, com as classes e coin a sociedade. C)
pela ciência a serviço do capital. ()
Ao criticar o conceito liberal que identifica Estado e governo,
Para os destinados às funções de planejamento e controle, o ou sociedade política, que oculta o poder do Estado como poder de
ensino do trabalho se faz por meio da apreensão sistematizada do classe, Gramsci amplia o conceito de Estado através da incorporação
conteúdo científico do trabalho, em níveis médios e superiores de da hegemonia; isto significa que o Estado, além da sociedade política
escolaridade, porém desvinculado da prática cotidiana do exercício
responsável pelo exercício da coerção, comporta elementos que são
profissional. Contudo, é a aquisição deste saber sistematizado e
vinculados à sociedade civil, compreendida como aparelho privado de o
elaborado cientificamente que permite ao profissional de níveis mais
altos o domínio do trabalhador em favor do capital, pela compreensão J
hegemonia composto pelo sistema privado de produção (o seu fun- o
de sua prática e do planejamento e controle externo à sua própria damento) e pelos aparelhos ideológicos e culturais de hegemonia que
configuram o caráter educador do Estado. Assim, o Estado é concebido
o
ação.
como sociedade política mais sociedade civil, o que significa coerção oi I
A existência destas duas pedagogias só será superada no momento
em que o desenvolvimento das forças produtivas permitirem a superação
mais consenso. A dominação de classe se exerce por meio dele, cuja o
função coercitiva não se separa de sua furição adaptativa e educativa, I'
da divisão do trabalho, da teoria e da prática, em outro modo de que procura adequar ao aparelho produtivo a moralidade das massas
produzir. Quando isto acontecer, ou seja, quando toda forma de ~
trabalho não se constituir em mais do que ação do homem sobre_&~
populares. o
natüi'éza para produzir-se a si mesmo e à história, toda ·pedagogia _ A partir da luta de classe, portanto, é que se dá a incorporação o
será pedagogia do trabalho e, conseqüentemente, fator de desenvol~,­ do conceito de hegemonia ao de Estado, que aparece como o modo o
vimento e de humanização. de constituição e organização de classe mediante a relação orgânica
entre modo de produção e superestrutura; ou seja, a unificação das
o
diferentes camadas sociais em um bloco histórico em torno de uma o
3. A INSERÇÃO DA RELAÇÃO EDUCAÇÃO/
TRABALHO NO QUADRO DA HEGEMONIA
classe dirigente passa necessariamente pelo Estado. ot
(:)
Esta vinculação orgânica entre super e infra-estrutura, que é uma
Pelos itens anteriores pode-se verificar que o capital se utiliza ,J relação hegemônica, é mediatizadà pelos intelectuais, que não compõem Di
da heterogestão como forma de dominação sobre o trabalho, a qual,
na medida em que incorpora o saber sobre o trabalho ao capital e
uma classe, mas são criados pelas classes soCiais fundamentais; as
quais se definem a partir da função que exercem no mundo ·da
o
expropria dele o operário, promove a educação do trabalhador. produção econômica, com elas mantendo vinculação orgânica. Assim, o
Esta pedagogia do trabalho capitalista representada pela hetero-
a própria criação dos intelectuais, comprometidos com a classe que
OI" gerou, encontra explicação para além da instância superestrutura}:
o
gestão se dá tanto ao nível da coerção quanto do consenso, inscre- \,,
no seio do processo produtivo.
vendo-se no quadro mais amplo das relações hegemônicas. ,-\J

49.
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(-,·~' ·Estas rápidas colocações têm por objetivo evidenciar que o lÍ repousa nos profissionais da política e da ideologia, mas nasce no
seio das relações de produção e não necessita de tantos intermediários.
c aparelho de hegemonia não pertence exclusivamente ao campo da
reprodução fdeológica, mas está ligado ao processo produtivo recolo- Em função do novo tipo de produção racionalizada surgiu a
c cando-se em Gramsci a relação dialética entre política e produção, necessidade de elaborar um novo tipo de homem, capaz de ajustar-se
c~ entre Estado e unidades produtivas. Assim, o Estado, longe de reduzir-se aos novos métodos da produção, para o que eram insuficientes os
a um instrumento externo às relações sociais, articula-se com elas a
c partir de um ponto preciso: a dominação de classe determinada pela I
mecanismos de coerção social. Por isto, ela deve ser combinada com
a persuasão e· com o consentimento, o que se dá, entre outras coisas,
o função exercida no processo produtivo a partir da contradição entre
capital e trabalho.
'
pela remuneração mais alta da força de trabalho que -lhe permiJ:a
c alcançar o nível de vida adequado aos novos modos de produção,
que exigem uma forma particular de dispêndio de energias musculares
c Gramsei demonstra a relação entre organização do sistema pro-
dutivo e organização da sociedade pela análise do americanismo e e nervosas.
c fordismo (Gramsci, 1978, p. 375-414 ), deslocando a análise super- Mas só isso é insuficiente; trata-se de veicular outro modo de
c0 estrutural da hegemonia para sua origem infra-estrutural - a fábri-
ca - , e esclarecendo a constituição do aparelho privado de hegemonia
viver, de pensar e de sentir a vida, adequados aos novos métodos
de trabalho caracterizados pela automação, ou seja, pela ausência de
,.,~ em seu duplo funcionamento: na ideologia e na economia. mobilização de energias intelectuais e criativas no desempenho do
c Ao analisar o americanismo e o fordismo, Gramsci demonstra trabalho.
c sua eficiência enquanto forma de extração de mais-valia à medida
.
,
É neste sentido, aponta Gramsci, que o fenômeno americano, a
c que, a partjr das relações de produção e das novas formas de
organização do processo produtivo, são concebidos e veiculados novos
partir das mudanças estruturais geradas pelo desenvolvimento do
capitalismo, foi "o maior esforço coletivo realizado até agora para
c modos de vida, de comportamentos, de valores ideológicos. Assim, criar com rapidez incrível e com uma consciência do fim jamais vista
o acresce-se à coerção a busca de consenso através da veiculação de
uma nova concepção -de mundo correspondente aos interesses do
na História, um tipo de trabalhador e de homem" (Gramsci, 1978,
() p. 396).
capital. (
t""' Ao nível da teoria, Taylor foi o legítimo institucionalizador do
"',,; O fenômeno do fordismo só foi possível a partir das condições
objetivo da sociedade americana quanto à organização do trabalho:
C próprias do desenvolvimento do capitalismo americano que permitiu ./
() a racionalização da ~~odu~ão através ~a c~mbinaç~o. da _força repre- "desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais
- sentada pela desmobthzaçao das orgamzaçoes operanas hvres com a e automáticas, romper o velho nexo-psicofísico do trabalho
O persuasão através de "altos salários, benefícios sociais, propaganda profissional qualificado, que exigia uma determinada participação
Ç' ideológiCa e política habilíssima, para finalmente basear toda a vida ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador,
''"" do país na produção. A hegemonia vem da fábrica, e para ser exercida e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico
() só necessita de uma quantidade mínima de intermediários profissionais maquinar'. (Gramsci, 1978, p. 397)
(:) da polítiCa e da ideologia" (Gramsci, 1978, p. 382).
,l>
C;: Ao contrário do desenvolvimento capitalista europeu, que en- A "humanidade e espiritualidade" do trabalhador presentes no
trabalho do artesão, cuja personalidade se refletia no produto do seu
(_.._, gendrou um desenvolvimento complexo das superestruturas, no de-
,) $envolvimento capítalista americano a infra-estrutura domina mais trabalho, são incompatíveis com a industrialização crescente. A preo-
O diretamente a superestrutura; a racionalização e a simplificação desta cupação que persiste é apenas com a manutenção de determinado
(:: foi ~o.ssív~l pela ausênc~a de. camadas tais como.~ c~e.ro, os intelectuais equilíbrio psicofísico de modo a não estrangular-se o progresso do
· tradiCIOnais e os func10nános do Estado, ongmanos do modo de processo produtivo a partir do colapso do trabalhador. Para o industrial,
C produção anterior. Assim, no capitalismo americano, a hegemonia não ,,, a continuidade da eficiência física, muscular e nervosa do trabalhador

51
,.., 50
(;::.:/
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()
é fundamental, de vez que a rotatividade da força de trabalho representa i ao operário, incapaz e ignorante, cabem apenas as tarefas de execução, ()
um custo adicional que reduz os ganhos do capital. Dadas as carac-
terísticas do novo tipo de trabalho, determinou-se a necessidade de
determinando-se a definitiva ruptura entre decisão e execução; 'o
operário é um objeto rentável, e portanto deve ser sadio; a administraÇão
o
uma nova concepção de mundo que fornecesse ao trabalhador uma científica da indústria deve assegurar o máximo de produtividade, de o
justificativa para sua própria e crescente alienação, e ao mesmo tempo, trabalho e de lucro. · C;)
suprisse as necessidades do capital com um homem cujos comporta-
mentos e atitudes fossem compatíveis com os imperativos do novo
Para que o operário seja "fordizado;' há que aliar-se a planificação o
sistema produtivo. ~ científica do processo produtivo aos novos mecanismos de adaptação
ideológica "na" e "da" vida privada (Buci-Gluksmann, 1980, p. 117).
o
E neste sentido que a hegemonia, além de expressar uma reforma Nesse sentido, Gramsci mostra que não se dá por acaso o
o
econômica, assume as feições de uma reforma intelectual e moral, desenvolvimento das ideologias ·puritanas que regulam a vida sexual, o
que se dá ao mesmo tempo pela força e pelo consenso. Justifica-se,
desta forma, o controle da fábrica à vida pessoal do trabalhador,
o papel da mulher e o lazer, com o objetivo de conservar certo o
regulando seu lazer, seus costumes, sua prática sexual, suas condições
equilíbrio fora do trabalho tendo em vista a conservação das energias
para que sejam gastas no processo produtivo; assiin, as ideologias
o
físicas e psíquicas, que deverão ser compatíveis com as exigências puritanas tornam-se sustentáculos da exploração capitalista. A esse o
de racionalização do processo produtivo. moralismo não estão ligadas as classes produtoras,. estabelecendo-se
um distanciamento crescente entre a sua moralidade libertária e o
o
A veiculação da nova concepção de mundo segundo os' interesses
hegemônicos do capital se faz no seio do próprio processo produtivo, 1- moralismo imposto às classes trabalhadoras, tendo ern vista a criação o
compreendido em suas relações sociais mais amplas, nacionais e de um novo conformismo que adapte esses indivíduos .às exigên-
e
cias coercitivas da fábrica, da sociedade do Estado (Grarrisci, 1978a,
o
mundiais, pela mediação dos intelectuais do capitalismo, representados
pelos empresários e técnicos. Verdadeiros agentes de hegemonia ao
p. 3-102). o
nível da fábrica, os técnicos, supervisores, contramestres, feitores, Compreendida a hegemonia como formação da vontade coletiva,
o
educam o trabalhador para o trabalho heterogerido ao mesmo tempo e portanto reforma econômica, intelectual e. moral, a questão que se o
que transmitem os novos valores e comportamentos que configuram
o tipo de homem de que o capital necessita. É nesse sentido que
i coloca é a forma de encaminhame.!2!o da superação da dominação do
trabalho pelo capital, tendo em vista a elaboração de uma contra-he-
o
toda relação hegemônica é necessariamente uma relação pedagógica, gemonia, que permita ao operário libertar-se do. Cl\ráter desumano do o
que começa na fábrica e atinge todos os. setores da vida social trabalho capitalista. ()
(Gramsci, 1981, p. 37). C)
Gramsci mostra o caráter contraditório da hegemonia, afirmando
Ao mesmo tempo que a racionalização capitalista tem por objetivo que, quanto mais uma classe é autenticamente hegemônica, mais ela r··')
-....~.,.

a integração da classe operária pela ação dos aparelhos de hegemonia, deixa às classes adversárias a possibilidade de se organizarem e se r'"\
constituírem em força política autônoma. Assim, o taylorismo também \...,J
criando o novo tipo de trabalhador, essa ação hegemônica não separa
a fábrica da sociedade. Não há hegemonia na fábrica se não houver
hegemonia fora dela; isto significa que a hegemonia na fábrica vem
reveste-se de caráter progressista na medida em que possibilita a
organização do proletariado ·e, a partir dela, a conquista de novas
o
4 ·"'''\
\....,d
acompanhada de um conjunto crescente de limitações novas e ideo- formas de democracia a partir da fábrica; nesse sentido, o taylorismo
lógicas ao nível da sociedade, com o objetivo de regular o modo de prepara o tempo em que o proletariado assumirá o controle ·da produção C)
vida do trabalhador, disciplinando seus instintos. social. · r"'·\
.._,~

É neste sentido que a obra de Taylor se constitUI em uma


verdadeira filosofia prática do capitalismo; o taylorismo exige uma
Não há teoria da hegemonia sem teoria da crise da hegemonia;
ao mesmo tempo que as classes subalternas se inte~ram à classe
o
"'J"
concepção mecanicista de homem a partir dos pressupostos de que <"I"'
dominante, elas desenvolvem modos de resistência e de autonornização "·
'......_ ..,/1
52 53
:J
o
c
c
c que lhes permitem constituir-se enquanto classe e tornarem-se hege-
mônicas; não há extensão do Estado sem guerra de posição, que •
que a hegemonia, além de reforma econômica, é reforma intelectual
e moral (Buci-Gluksmann, 1980, p. 86-8).
o permitirá à classe operária lutar por um novo Estado (Idem, ibidem). Em resumo, para que as classes subalternas superem a dominação
c Partindo do pressuposto que a hegemonia só é possível pela ,:~ da classe dominante, elas precisam acionar seus próprios aparelhos
o ·unidade teoria/ação, ou seja, que ela só se dá com a plena consciência i de hegemonia, lutando por assumir
a desagregação das bases históricas
seu papel de dirigente mediante
do Estado.
o teórica e cultural da própria ação, ela supõe mudanças ao nível I,
c, "estrutural e superestrutura!. Essas mudanças ao nível estrutural implicam
novo modo de produzir que não se caracterize mais pela extração de
lf"..
~
Como já se apontou antes, no modo de produção capitalista
esse movimento de superação das condições estruturais e superestru-
c mais-valia; ao nível superestrutura!, novas formas de organização I turais se dá a partir e para além do processo produtivo, tendo a
c política, dentre as quais novas formas de organizar o trabalho de
modo a superar a divisão teoria/prática, que se reflete na separação
fábrica como local privilegiado. No seu interior ocorrem relações
pedagógicas que se constituem em relações hegemônicas, que ultra-
c entre concepção do trabalho e sua execução, bem como das diferenças passam o nível de unidade produtiva para estarem presentes no
c de qualificação da força produtiva. Ou seja, recuperar, a um nível (Íi
conjunto das relações sociais nacionais e internacionais.
c superior de produção, a humanização do trabalho pela superação da
sua divisão.
É nesse quadro que a pedagogia do trabalho desempenha papel
c Essa superação. só será. possível pela destruição da hegemonia
fundamental, na medida em que novas formas de organização do
trabalho implicam nova concepção do trabalho, que, a partir das
c do capital a partir da construção da hegemonia do trabalho, para· o condições concretas do desenvolvimento, tem que ser elaborada e
c que são exigidas três condições: veiculada; ou seja, o fenômeno educatiVo faz a mediação entre a
mudança estrutural e sua manifestação no campo político ideológico.
c - condições econômicas, que ·colocam para a classe operária Vista desta forma, a pedagogia do trabalho inscreve-se no quadro da
o a necessidade de refletir sobre o modo de transição, de passagem de
um modo de produção a outro;
hegemonia a partir do momento em que, tendo em vista os interesses
c hegemônicos de determinada classe social, contribui para o estabele-
cimento de novos modos de pensar, sentir e conhecer.
c __.:.. condições políticas: a classe hegemônica é uma classe nacional I"
que tem função progressista em dado momento histórico, e por isso til'~
!,li!;., Assim como· a heterogestão se constitui por excelência na pe-
o mesmo capaz de fazer avançar a sociedade inteira, para o que estende _,i
dagogia do trabalho capitalista, na medida em que opera pela via da
-''' 1
o seus próprios interesses de classe às camadas aliadas, cujas reivindi-
cações deverá retomar e procurar atender através de compromis-
desqualificação da maioria da força de trabalho, representando os
interesses hegemônicos do capital, o proletariado, partindo das condições
o sos/alianças e política de massas; uma vez que direção e dominação 'I de trabalho concretas, há que construir sua própria pedagogia do
c não formam dois mundos distintos, a direção política prévia (envol-
,,-1
..
··:
trabalho, cuja base serão os seus próprios interesses hegemônicos,
c vimento das classes aliaclas) é ·condição fundamental para que a
dominação seja exercida (em relação às classes antagônicas); a do- I
dentre os quais a qualificação compreendida como domínio do conteúdo
do trabalho é fundamental.
o minação não se limita à força material que o poder do Estado confere,
O caráter imprescindível do domínio do conteúdo do trabalho
c implicando capacidade de direção;
I';

tendo em vista a superação da divisão do trabalho é apontado por
o - condições culturais: a hegemonia, para se expandir, o faz I Marx e Engel!), que mostram que a nova sociedade romperá com a
c através das relações entre intelectuais e massa, o que ocorre para
além da dominação política, no campo dos aparelhos ideológicos e
i?i
fixação do trabalhador a uma única atividade, que lhe surge como
poder objetivo que o domina e escapa ao seu controle, permitindo-lhe
c culturais, que se. utilizam de duas estratégias: elaboração de um.a ·~-'-'!
, ..
.·-·l aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, sem fixá-lo, a uma esfera
c concepção' geral de mundo e de um programa escolar; é nesse sentido r ~t
exclusiva de atividade (Marx e Engels, s. d., p. 40).

c 54
r
55
c
r<
Ao falar da substituição do indivíduo fragmentado pela divisão divorciada das mudanças concretas não ultrapassá o nível do mais
capitalista do trabalho pelo indivíduo integralmente desenv<?lvido capaz ' ingênuo idealismo.
de desempenhar diferentes formas de atividade, Marx ressalta a
importância da aquisição do conteúdo do trabalho pelos operários: Muitas das condições concretas que possibilitam essa elaboração
já estão dadas, de vez que a contradição capital/trabalho expressa na
"as escolas politécnicas e agronômicas são fatores desse processo heterogestão já coloca limites ao próprio desenvolvimento capitalista.
de transformação, que se desenvolveram espontaneamente na Este, num esforço de refuncionalização, abre ,espaço para conquistas
base da indústria moderna: constituem também fatores dessa reais e irreversíveis dos operários através da organização, da necessidade
metamorfose as escolas de ensino profissional onde os filhos de uma qualificação mais global, dos esquemas participativos, da
dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados utilização do saber do operário; mesmo nas estratégias administrativas
no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção".
que objetivam o aumento da extração de taxas de mais-valia relativa,
(Marx, 1980, p. 559)
tais como a rotatividade do trabalho,. o enriquecimento do trabalho,
o ciclo de controle de qualidade, esta contradição está presente,
Nesse processo, nas condições concretas do capitalismo, o ensino
do trabalho não é indiferente aos interesses hegemônicos do proletariado, educando o trabalhador ao mesmo tempo para o capitalismo e para
incapaz de superar sua condição de dominação sem a reapropriação a sua superação.
do saber sobre o trabalho, até agora incorporado ao capital e convertido
Contudo, para que isto seja possível, a mera qualificação do
em força de dominação. Ao contrário, a aquisição do saber sobre o
trabalhador compreendida como aquisição do conteúdo do trabalho é
trabalho capitalista é um passo importante rumo à sua superação.
insuficiente; torna-se imprescindível o desenvolvimento da consciência
Como mostra Marx, a conquista do poder político pela classe traba-
da. classe trabalhadora que lhe permita orgànizar-se para a conquista
lhadora trará a adoção do ensino tecnológico,' teórico e prático para
efetiva desses avanços.
os trabalhadores, e este ensino se constitui no fermento de transformação
da "velha divisão do trabalho" (Idem, ibidem). Essa consciência de classe, compreendida como domínio da
Como é o capital que historicamente deteve os instrumentos teoria revolucionária, não se dá espontaneamente; embora sua origem
para a elaboração do saber sobre o trabalho, não há, quanto ao seja a. concretude das relações produtivas a partir da fábrica, das
conteúdo da ciência do trabalho, duas pedagogias distintas e antagônicas. experiências concretas, ela precisa ser elaborada ao nível superestrutura!.
Contudo, se o conteúdo do trabalho capitalista é o ponto de partida A hegemonia é um movimento de superação da espontaneidade, que
da nova pedagogia, ele não é o seu ponto de chegada; orientada por se dá na experiência direta representada pelo trabalho acrescida da
outros interesses e outros fins, a hegemonia da classe trabalhadora, capacidade intelectual de elaborá-lo teoricamente. Essa capacidade de
cabe-lhe superar os limites impostos pela pedagogia do trabalho elaboração intelectual da própria experiência foi retirada do trabalhador
capitalista rumo à construção de uma nova sociedade em ,que. a pe.la desqualificação imposta pela heterogestão. Na sua superação pela .
heterogestão como fonte de extração de mais-valia não esteja presente. via do desenvolvimento da consciência da classe trabalhadora da qual
A utopia, portanto, está na autogestão, compreendida como o a aquisição do conteúdo do trabalho faz parte, é fundamental o papel
controle da produção por todos os homens, com o estabelecimento das instituições e intelectuais organicamente comprometidos com a
da hegemonia do trabalho sobre o capital. A este estágio de desen- construção da nova hegemonia. É no seio· do processo produtivo,
volvimento das forças produtivas corresponde uma nova concepção mediante estas instituições e pela mediação destes intelectuais, enquanto
de trabalho em que a unidade teoria/prática e o domínio do trabalho articuladores e · transmissores do saber e da concepção de mundo
pelo trabalhador estejam presentes. A elaboração dessa concepção ao existentes ao nível do senso comum dos operários, que se fará a
nível superestrutura! só é possível a partir de modificações estruturais nova pedagogia do trabalho. Sua finalidade. é a proposição, a partir..
ao nível do trabalho e de sua organização; a elaboração teórica das condições concretas, das novas formas de conceber, organizar e ~I
C) ,.
56 57
j
i· I
O'
c
c desempenhar o trabalho tendo em vista os interesses hegemônicos
C' dos trabalhadores rumo à superação da divisão do trabalho.
As relações de produção
c
c
c
c
o
Considerando as condições concretas como o ponto de partida
para a construção da nova hegemonia, cabe à classe operária lutar
pela apropriação das instituições da sociedade civil, tais como a escola,
os partidos, os sindicatos, a pastoral operária, separando-as de sua
aderência ao Estado, a fim de que se tornem "agências privadas de
hegemonia sob sua direção, para forjar as superestruturas do seu poder
- e a educação do trabalhador
em uma empresa capitalista:
da distribuição desigual
do saber à veiculação
o futuro" (Gruppi, 1978, p. XIII e XIV). da concepção de mundo
c
c A educação para o trabalho não se esgota no desenvolvimento
o de habilidades técnicas que tornem o operário capaz de desempenhar
sua tarefa no trabalho dividido. Muito mais ampla, ela objetiva a
c constituição do trabalhador enquanto operário, o que significa a sua
c habituação ao modo capitalista de produção.
c Esse processo, como mostra Braverman, de "transformação da
o humanidade trabalhadora em uma força' de trabalho, em fator de
produção, como instrumento do capital, é incessante e interminável"
c (1977, p. 124). Ele implica um movimento ininterrupto de superação
c da "animalidade", de sujeição dos instintos às necessidades do tipo
c de vida coletiva imposta pelo desenvolvimento do modo capitalista
de produção (Gramsci, 1978a, p. 393). Para isso, são acionados
c mecanismos de pressão externa ao trabalhador que objetivam o seu
c disciplinamento através da força e da persuasão, tendo em vista a
incorporação de uma concepção de mundo que conduza a uma ética
c do trabalho que privilegie os hábitos de ordem, exatidão, submissão,
o ,.
!
assiduidade, pontualidade, cuidados com o corpo, com a segurança
no trabalho, com os instrumentos, com o ritmo, com a qualidade, e
c assim por diante.
c Ao mesmo tempo, a racionalização do processo produtivo exige
c uma nova moral social e sexual, aliada a um reforçamento da família
o monogâmica, a padrões de vida ascética, que torne possível o disci-
plinamento da vida social, dos vícios e dos instintos sexuais, para
o garantir que as energias não sejam disperdiçadas em outras atividades
c que não sejam as relativas ao processo produtivo (Ibidem, p. 394).
c i' Para que essa concepção de mundo, em conformidade com as
o necessidades do desenvolvimento capitalista, seja incorporada pelo

c 58 59
o-
1
operário como uma "segunda nat'ureza", na expressão de Gramsci, o A importância de que se reveste a educação do trabalhador na
capital desenvolveu um processo pedagógico peculiar, que combina empresa X só pode ser compreendida a partir de sua relação com a
força e persuasão, e se articula com o projeto hegemônico da classe especificidade do desenvolvimento industrial no Paraná.
burguesa.
A industrialização no Paraná é recente; a proximidade com o
Esta articulação, analisada no capítulo anterior, entre o aparelho maior centro industrial do país, as carências de infra-estrutura, as .
de produção compreendido como campo de constituição de classe, e limitações do mercado interno e principalmente a natureza de sua
a instância superestrutura!, compreendida como campo de reprodução estrutura econômica, predominantemente agrícola, foram obstáculos
de classe, permite entender a relação entre classe, Estado e sociedade intransponíveis durante muito tempo. Só em 1973, quando essa situação
civil (composta pelos sistemas privados de produção e aparelhos já havia se modificado com a implantação de sólido sistema de
culturais e ideológicos) como relações de poder de classe, ou seja, infra-estrutura elétrica, rodoviária e de telecomunicações, com a di-
de busca de hegemonia. versificação das culturas agrícolas, com a ocupação de regiões des-
povoadas e com a crescente urbanização, além da. política nacional
Este projeto hegemônico que se concretiza, pois, no conjunto de desconcentração do pólo industrial, é que foi possível a criação
das relações sociais, a partir de movimentos econômicos, políticos e da Cidade Industrial de Curitiba - CIC. É importante salientar· que
culturais, implica o desencadeamento de um processo pedagógico o pólo industrial mais significativo do Estado nasce de um esforço
amplo, pelo qual a classe procura tornar-se dirigente, acionando do governo estadual, cuja instalação e desenvolvimento foram cuida-
mecanismos de persuasão e de exercício da força. dosamente planejados e controlados. Desta forma, a CIC foi concebida
como uma cidade própria, autônoma, com seus próprios equipamentos
A partir dessas afirmações, Gramsci permite compreender o de infra-estrutura, de serviços, de habitação, de recreação e de áreas
processo pedagógico que ocorre no interior do aparelho produtivo, verdes, que ocupa uma área de 4.300 hectares a uma distância média
como uma das formas de concretização das relações hegemônicas que de 1O km do centro urbano.
ocorrem ao nível das relações sociais mais amplas, constituindo-se
Após dez anos de existência, a CIC abriga 166 indústrias, 61
em uma das mediações no processo da luta de classe.
empresas de serviços de apoio e cinco empresas ligadas à habitação.
Analisar esta pedagogia, que se fundamenta na articulação entre Esta rápida descrição é suficiente para demonstrar que o processo
política e produção e cujo objetivo é educar o homem capaz de de constituição da força de trabalho industrial no Paraná ainda não
ajustar-se à produção racionalizada, constituindo-se em uma das formas se completou. A maioria dos trabalhadores ainda tem uma ligação
pelas quais a classe burguesa busca concretizar o seu projeto bege- próxima com o trabalho agrícola, o que, se facilita por um lado o
mônico, é o que se pretende a seguir. trabalho pedagógico do capital na medida em que se lhe oferece um
contingente desorganizado e despolitizado, passível de ser moldado
Para isto, tentar-se-á identificar as estratégias pedagógicas e os
segundo seus interesses, por outro lado coloca a importante questão
agentes que a fábrica em estudo aciona para transformar o trabalhador
da educação do trabalhador para a indústria. Além do conhecimento
em fator de produção. Buscar-se-á o caráter educativo das formas de do trabalho, todo o comportamento compatível com o proclsso pro-
divisão e organização do trabalho, das estratégias administrativas, das dutivo industrial precisa ser ensinado: organização, disciplina, cuidados
formas de distribuição e controle do saber, em suas manifestações com a saúde física e mental, utilização correta dos instrumentos de
contraditórias: como estratégias de veiculação de determinada concepção trabalho e equipamentos de segurança, trabalho com qualidade:
de mundo e de qualificações técnicas requeridas pelo capital e como
formas de ensinar o trabalhador a resistir a esse disciplinamento, ~ "Não estou satisfeito com a qualidade; há muitas falhas de
buscando ações alternativas das quais possam eventualmente emergir formação, falta esp{rito voltado para a indústria porque a
novas formas de organização do trabalho e de controle. formação deles não é na indústria; falta esp{rito de iniciativa

60

l 61
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e auto-controle, pois na fábrica eles têm mais autonomia e Devidamente situada a relevância que assume a educação do
"'·'"' devem fazer relatórios. Os estagiários do SENAJ· já têm esse trabalhador na empresa X, compreendida na sua articulação com o
o espírito.; usar uniforme, bater ponto, conservar ferramentas, usar processo pedagógico hegemônico mais amplo, há que analisar como
o equipamentos de segurança... ". (Engenheiro) ela ocorre concretamente, para além, portanto, da mera qualificação
técnica. Para isso, foram localizados na empresa os agentes que atuam
() De acordo com os engenheiros e técnicos entrevistados, a empresa junto aos operários diretamente ligados à produção, objetos deste
c X conta com uma dificuldade adicional nesse processo de educação
da força-de-trabalho, na medida em que· ainda não existe mão-de-obra
estudo, e os mecanismos dos quais eles fazem uso na sua prática
o,, com o tipo de especialização requerida no Estado.
pedagógica.

'( .
Como mostra Gramsci, esses agentes são os intelectuais orgânicos
!~':"'

. No entanto, essa dificuldade é minimizada por duas razões, da classe dominante, ou seja, aqueles que, mantendo com ela uma
o características do desenvolvimento do Paraná: o fato de ser a força- relação orgânica, lhe conferem homogeneidade e consciência de sua
c de-trabalho composta principalmente por descendentes de imigrantes
europeus, que já possuem uma ética do trabalho compatível com os
função, no campo econômico, social e político. Nesse sentido, os
empresários e técnicos são os intelectuais do capitalismo, cuja função
o interesses capitalistas, acrescido da reduzida eficácia das instâncias é organizar a sociedade em geral, inclusive o Estado, no sentido da
c superestruturais (sindicatos e partidos) responsáveis pelo desenvolvi- criação de condições favoráveis à expansão de sua própria classe. A
c . mento da consciência da classe trabalhadora. base de sua formação é a educação técnica, vinculada estreitamente
9.0 trabalho industrial. Eles são os "comissários" do grupo dominante
c Desta forma, a empresa X, assim como as demais indústrias do
Paraná, tem à sua disposição uma força de trabalho dócil e submissa,
para o exercício das funções de hegemonia, atuando ao nível do
o que ainda não se beneficiou do poder civilizador do capital no que
consenso e da coerção, que assegura a disciplina dos que não foram
·persuadidos (Gramsci, 1978, p. 3-15).
o diz respeito à sua própria organização como classe. Este foi um dos
c fatores determinantes da instalação da empresa no Paraná, segundo
os engenheiros entrevistados. ·
Embora a hegemonia se dê ao nível do conjunto das relações
sociais, Gramsci mostra que na sociedade capitalista o processo
c A política de recursos humanos da empresa X, reinterpretada a
pedagógico que ocorre na fábrica é uma de suas modalidades privi-
legiadas de concretização, pelo desenvolvimento de um trabalho in-
C· partir do estágio de desenvolvimento em que se encontra o processo tencional e sistematizado de obtenção de consenso pela veiculação de
c de constituição do trabalhador no Paraná, se evidencia, até certo ponto, uma concepção de mundo que se apresenta como uma verdadeira
o como avançada em relação às condições concretas. Isto porque ela
se propõe conter antagonismos gerados pela contradição capital/trabalho
revolução econômica e moral, complementada por mecanismos de
coerção, com o objetivo de formar um tipo de homem em conformidade
o cuja eclosão exige a existência de certo nível de consciência e com as necessidades capitalistas.
c organização da classe trabalhadora, que está presente no país europeu
Na empresa X, percebe-se com clareza a existência de intelectuais
c de origem mas não no Paraná.
comprometidos exclusivamente com os aspectos técnicos da educação
c Ou seja, esta política tem por objetivo resolver um conjunto de
questões que ainda não estão postas pela força de trabalho na empresa
dos trabalhadores, como os engenheiros de processo, os engenheiros
de qualidade e os instrutores. Estes desempenham predominantemente
o X, onde permanecem latentes as contradições, em virtude do redu~ido um. conjunto de ações especificamente pedagógicas, com o objetivo
c grau de politização e organização dos trabalhadores. De • qualquer de treinar os. operários, o .que se dá por um processo de distribuição
c modo, ela se justifica tanto pela necessidade de educar a força de
trabalho e retê-la, como também pelo seu poder de desmobilizacã<?
desigual . do saber. A seu lado, existem outros intelectuais, que re-
presentam sua função como "administrativa", cujo trabalho é o dis-
c dos trabalhadores, objetivo plenamente alcançado, como se terá opor- ciplinamento da força de trabalho por intermédio de um projeto
pedagógico mais amplo, que, extrapolando os aspectos exclusivamente
f"'\ tunidade de analisar posteriormente.
"' •?

c 62 63
c
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o
o
técnicos, objetiva a obtenção de conformidade, pela persuasão ou pela ()
teria trazido os problemas que afligem a administração das empresas
força. No caso específico em estudo, estes seriam: o gerente e o
pessoal do Departamento de Relações Industriais, que elaboram, vei-
contemporâneas. o
culam e controlam a política de recursos humanos; a assistente social, Na verdade, o que ocorre é que as formas de coerção do capital o
os gerentes de Linha de Montagem e da Fábrica de Motores, o
engenheiro de segurança e os supervisores de área. Estes desempenham
sobre o trabalho acabaram por criar focos de resistência operária que o
uma ação pedagógica de sentido amplo, ao nível da transmissão dos
funcionam como limitadores do próprio desenvolvimento capitalista.
Dentre estas formas de coerção está a organização taylorista do
o
valores, das atitudes e dos padrões de comportamento socialmente trabalho, que tem gerado inúmeras formas de resistência, dentre as o
elaborados segundo os interesses do capital. quais o aumento considerável dos índices de absenteísmo, apesar de o
A seguir serão analisados os mecanismos pelos quais esses serem as faltas descontadas do salário; o turnover alto, ou seja, a
excessiva mobilidade voluntária dos trabalhadores que buscam melhores
o
profissionais desempenham sua função de agentes pedagógicos, e que,
portanto, caracterizam o projeto educativo da empresa. condições de trabalho; as baixas de produtividade por quebra do ritmo o
de trabalho, sabotagem, baixa qualidade do produto e acidentes de o
1. A POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS
trabalho, entre outros.
o
NA EMPRESA X Estas formas de resistência à exploração refletem-se nas taxas o
de lucro que começam a baixar, e na competitividade dos produtos. o
A política de recursos humanos da empresa X, definida a partir
da política da matriz, reflete as posições da moderna teoria de
As medidas puramente organizacion~s e ,repressivas têm-se mos- o
administração, tendo em vista o controle das questões que a força
trado insuficientes para resolver esses problemas e aumentar a pro-
dutividade; além de ser impossível a um supervisor fazer com que
o
de trabalho tem posto às empresas que participam do estágio avançado um operário produza com qualidade, os custos da repressão são muito o
.

do capitalismo. Concretamente, isto significa uma administração de


recursos humanos capaz de manter sob controle as contradições postas
altos. Havia, pois, que buscar outra forma de obter a colaboração do o
pela relação capital/trabalho que determinou historicamente uma forma
operário no processo, que determina sua própria exploração, o que
foi possível pela criação de uma nova pedagogia do trabalho, obtida
o
de organização cujo princípio fundamental é a fragmentação, e,
portanto, o esvaziamento do conteúdo do trabalho aliado à desquali-
pela integração das ciências do comportamento à teoria da organização o
ficação do trabalhador. industrial. Desta integração resultaram várias políticas, dentre as quais ()
a da valorização dos recursos humanos e da participação com o ()
Como já se discutiu anteriormente, esta forma de organização objetivo de minimizar os efeitos da contradição entre capital e trabalho
capitalista do trabalho tem um objetivo bem definido: a acumulação por um processo de integração econômica ·e ideológica. Não basta Q
do capital, a partir da extração de taxas crescentes de mais-valia. !"'\
reconhecer que, nas condições sociais contemporâneas, a heterogestão \...,.;t
Assim, a divisão capitalista do trabalho não se desenvolveu por causa é um freio ao desenvolvimento do capitalismo; é preciso que o capital :)
da eficácia produtiva em si, mas da eficácia relativa à maximização comece a discutir a questão da possibilidade do surgimento de outras
da produtividade de determinado tipo de trabalho: o trabalho alienado. formas de ·organização do trabalho, que permitam a retomada ·do ()
Contudo, essa mesma divisão tem colocado limites à extração da desenvolvimento capitalista sobre outras bases. ()
mais-valia, que são explicados pelos teóricos do capitalismo como
sendo uma questão meramente técnica, derivada não do conflito entre O capital começa a fazer um novo discurso: extinção da linha o
capital e trabalho, mas decorrente do esvaziamento do conteúdo do
trabalho e da desqualificação que o acompanhou; Para estes teóricos,
de montagem, enriquecimento das tarefas, participação na direção; o
o trabalho simplificado, tornado repetitivo e desinteressante, é que
administração por objetivos, formação permanente; círculos de controle
de qualidade, desenvolvimento organizacional e assim por diante. !"'
\'C.,rf/

•/)
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64 65 ~)
o
c-
c
c O patronato começa a perceber que o esquema tradicional de
divisão do trabalho impede o aproveitamento de uma força adicional
Nesse sentido, as estratégias administrativas contêm um projeto

o de extração de mais-valia: o saber do operário sobre o trabalho, que


pedagógico explícito, na medida em que objetivam educar o trabalhador
para o processo produtivo racionalmente organizado, com mecanismos
o se elabora a partir da sua experiência e criatividade no enfrentamento de controle e de difusão da ideologia conveniente aos interesses do
o dos problemas que o planejamento anterior e exterior à ação coloca.
Já faz parte do senso comum a afirmação de que basta que os
capital. Assim sendo, elas se constituem em força produtiva, uma vez
que, buscando a habituação do trabalhador ao trabalho capitalista,
o operários se restrinjam rigorosamente ao cumprimento das normas que propõe-se a maximizar a utilização da força de trabalho comprada
c lhes foram prescritas para que a fábrica pare. Reconhece-se que os extraindo a maior taxa possível de mais-valia pela cooperação e

c operários conhecem a produção melhor que ninguém, embora não


disponham dos instrumentos conceituais que lhes permitam elaborar
identificação com os objetivos da empresa.

o o conhecimento segundo as normas da ciência; é portanto necessário


A contradição entre capital e trabalho é reconhecida, mas em
função de seu poder revolucionário tem que ser controlada; este é o
c dar-lhes voz para que se expressem sobre o trabalho e as formas de
melhorá-lo. Fazer isto sem perder a possibilidade de controlar a
papel educativo do novo gerente de recursos humanos, que buscará
o iniciativa operária liberada exige um processo educativo competente,
a integração dos interesses de ambas as partes como força produtiva.

c e este é o problema crucial com que se defrontam os administradores As causas reais da insatisfação e das resistências, que se situam
c contemporâneos. Não há, portanto, uma ruptura efetiva com o taylo-
rismo, mas apenas uma nova forma de exercê-lo, mais condizente
ao nível estrutural, não são questionadas; antes, atacam-se os seus
efeitos, o que não coloca em risco a continuidade do modo de
c com os padrões culturais contemporâneos. produção capitalista.
o Já que o taylorisrrio refere-se às formas de organização do A hierarquia não é suprimida, mas se dá de outra forma;
c trabalho de modo a favorecer a extração de mais-valia, há que buscar admite-se certo grau de liberdade e iniciativa ao operário, mas
c formas de educação do operário que permitam sua adaptação_ ao controla-se o seu grau de integração à ideologia da empresa. Em
última instância, o poder continua com o capital.
c trabalho dividido. Para isto acresceram-se ao taylorismo as formas de
administrar possibilitadas pelas teorias de Relações Humanas e Com- Verifica-se, pois, que de modo geral as tentativas de democra-
o portamentalista que exploram, além dos incentivos monetários, as tização industrial desenvolvidas pela psicossociologia nada mais são
o motivações psicossociais, principalmente as necessidades de segurança,
de afeto, de aprovação social, de prestígio, de auto-realização. A
do que uma nova forma de educação com o intuito de encobrir a
contradição entre capital e trabalho. Por trás do discurso novo, as
c organização passa a ser vista como um sistema equilibrado que recebe relações de produção continuam as mesmas.
o contribuições e dá satisfação em troca (Simon e Barnard); o indivíduo
É a partir deste movimento de refuncionalização das empresas
c coopera para o atingimento dos fins da organização porque tem em
vista o atingimento de seus próprios objetivos pessoais: salário, status,
capitalistas que se pode entender a política de recursos humanos da
o realização no trabalho etc.
empresa X.

o Novas variáveis são trabalhadas pela administração: liderança,


A matriz constitui-se numa das empresas européias que têm sido
o motivação, clima organizacional, satisfação no trabalho; a produtividade
tomadas como exemplo da aplicação dos princípios da moderna
gerência de recursos humanos tendo em vista a valorização do homem
o é considerada como função direta do grau de adaptação e satisfação e a sua satisfação no trabalho como forma de enfrentar a dificuldade
o do indivíduo no trabalho, que depende também do padrão social
não convencional do grupo;· surge a gerência de recursos humanos
de alocação e retenção da força de trabalho. Instalada num país
social-democrata, com poderosa organização sindical, e com sérias
o com o objetivo de adaptar o indivíduo ao modo de produçãq dificuldades de retenção da força de trabalho, em virtude da baixa
() capitalista. competitividade dos salários, proporcionalmente taxados pelo Estado,
c 66 67
o
~
em relação ao salário-desemprego, a alternativa que a empresa adotou com uma força de trabalho que não está habituada a ser respeitada;
foi o desenvolvimento de uma política de recursos humanos centrada pelo contrário, que tem estado submetida ao processo explícito de
no respeito aos direitos do trabalhador. No pacto social assim esta- exploração ao velho estilo taylorista, em que seus direitos não são
belecido, cabe à empresa oferecer as melhores condições possíveis sequer reconhecidos, muito menos respeitados. A empresa tem um
de trabalho e de salário, direto e indireto, paralelamente ao estabele- aparato que lhe permite fazer frente a um sindicato forte e atuante,
cimento de canais de negociação para resolver, individual ou coleti- cujos associados têm educação escolar, profissional e política, e que,
vamente, os conflitos que surgirem. Ao trabalhador, respeitado como portanto, conhecem seus direitos e são capazes de lutar por eles;
pessoa e profissional, cabe acatar e cumprir as normas da empresa, aqui, a empresa encontra uma organização sindical débil, articulada
com um desempenho técnico e com um comportamento político aos interesses do patronato e composta por um conjunto de associados
compatíveis com o tratamento que recebe. Na medida do possível, com baixo nível de escolarização, formação profissional reduzida,
todos os seus problemas são "resolvidos" pela empresa; em contra- raras experiências de prática política e reduzido poder de mobilização.
partida, ele deverá buscar sempre a negociação direta com os setores
competentes para resolvê-los. Procura-se, desta forma, pelo atendimento Resumindo, a filial brasileira tem que educar sua força de
possível das necessidades de ambos os lados, conter, ou pelo menos trabalho para compreender a sua própria proposta, para a partir daí
manter ao nível da normalidade, os efeitos da contradição entre capital poder viabilizá-la; é preciso ensinar o operário a desempenhar a parte
e trabalho. que lhe cabe num pacto que é nitidamente social-democrata, num
país autoritário. Isto significa que o operário vive na fábrica uma
A eficácia desta estratégia depende da existência de certo nível
experiência que ele não tem a nível da sociedade política e civil: ser
de consciência e de participação política do trabalhador na sociedade,
respeitado e exercer seus direitos de cidadão. Assim sendo, a empresa
condições estas que estão presentes no país de origem. De qualquer
precisará ensiná-lo, além de ser trabalhador, a ser cidadão, articulando
modo, é importante destacar o caráter experimental da proposta da
no seu interior duas dimensões que têm sido historicamente desarti-
matriz, observada cuidadosamente na Europa, por representar uma das
culadas ao nível da sociedade brasileira. Daí a importância do estudo
alternativas possíveis para o enfrentamento dos problemas postos pelo
da empresa X e do processo educativo que ela desenvolve.
capitalismo ;1vançado.
Esta mesma proposta, que abrange as formas de organização do Resguardada a especificidade da questão salarial, que será fruto
trabalho, a política salarial e a política administrativa, é transposta de análise posterior, a política de recursos humanos da empresa X,
para a filial do Brasil, especificamente para o Paraná, cuja força de resumida pela expressão "formar, reter e recuperar" concretiza-se com
trabalho apresenta características completamente distintas. Como já se concessão ampla de benefícios aliada à remuneração da força de
evidenciou antes, essa força de trabalho ainda tem uma estreita ligação trabalho em níveis superiores aos comumente encontrados no Paraná
com o trabalho rural, tendo começado muito recentemente a ser em áreas similares e da oferta de boas condições de trabalho, articulada
submetida ao processo educativo peculiar ao capitalismo industrial; a formas não convencionais de organização do processo produtivo ..
ao mesmo tempo, é uma força de trabalho que tem-se caracterizado
A conjugação destes fatores, aliados à estabilidade que a empresa
historicamente pela não-participação política e pelo não-exercício da
tem oferecido nesta época de recessão e desemprego, tem feito da
cidadania, pelas próprias condições estruturais e conjunturais que o
empresa X uma das melhores alternativas de emprego da região e
País apresenta. Isto significa, de modo geral, que a proposta da matriz,
gerado alto nível de satisfação entre os operários, o qi.Je ·será objeto
transposta para o Paraná, objetiva o enfrentamento de questões típicas
de análise posterior .
.de um capitalismo avançado numa situação de capitalismo industrial
que começa a se desenvolver; ou seja, propõe-se a resolver questões A política de recursos humanos é composta por um conjunto
que ainda não estão postas considerando-se a especificidade da situação de estratégias tais como política salarial, benefícios, treinamentos,
paranaense. Ela pretende estabelecer um pacto social de respeito mútuo associações, jornais, assistência social, e o seu órgão central de
68 69
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('''\
'"-,, ...·

(,J
(' elaboração e difusão é o Departamento de Relações Industriais, que abrem-se leques e perspectivas, que funcionam como elemento
.... ....··
~

o inclui o Serviço Social. de integração e, assim, criam-se níveis de confiança. Agora, por
exemplo, há um professor de educação física à disposição dos
o Os problemas que esse Departamento enfrenta não são os relativos
à organização do trabalho, tarefa dos engenheiros de processo, mas
funcionários, para condicionamento físico.
(J às questões de gerência de pessoal, relativas à seleção e disciplinamento Nós temos que nos dar conta de que precisamos enfrentar melhor
o da força de trabalho, tais . como resistências, conflitos, satisfação e
insatisfação, absenteísmo, rotatividade, a partir dos estudos desenvol-
os conflitos com o operariado; é preciso introduzir uma nova
mentalidade, discutindo com os operários. É possível que ini-
C· vidos pela Fisiologia, Psicologia e Sociologia industriais. cialmente os conflitos se acirrem, mas depois buscar-se-ão al-
c O principal responsável. pela elaboração e difusão da política de
ternàtivas e a coisa se encaminha... temos que plantar carvalhos.
·Esta é a única forma de evitar que o Brasil se torne uma dessas
o recursos humanos é o gerente de Relações Industriais, com formação republiquetas socialistas".
{', em Administração de Empresas e larga experiência no ramo; sua
"'"" presença na empresa X, desde sua criação, e o fato de ter iniciado Esta "filosofia", que se repete nos discursos dos engenheiros e
() como subgerente do Departamento então gerenciado por um profissional supervisores como resultado de um projeto sistemático de difusão
o vindo da matriz, permite compreender não só a fidelidade à empre-
. sa-mãe, como também a consolidação e a continuidade desta política.
mediante reuniões periódicas, expressa os aspectos considerados an-
() teriormente. Verifica-se a preocupação da empresa com todos os

c Em seu discurso transparecem os principais pontos que constituem


o que ele chama de "filosofia da empresa X":
aspectos da vida do funcionário, o que incluiu uma dimensão de
controle e para o que contribui um verdadeiro projeto pedagógico
c
,.......,
acionado pelo Departamento de Relações Industriais e difundido por
toda a empresa, através de promoção de reuniões, discussões, semi-
..., "A filosofia da empresa X é diferente; as outras empresas têm
visão imediatista; quando o funcioiuírio começa a complicar é nários, cursos, tendo em vista a veiculação de certa concepção de
c logo dispensado; cessa o compromisso da empresa com o mínimo mundo. Propõe-se, desta forma, a obtenção do consenso, da harmonia,
c de atendimento aos requisitos salariais. da integração de esforços, e portanto a contenção das contradições e
a redução dos seus efeitos desestabilizadores, em prol do atingimento
c Na empresa X, procura-se a recuperação dos· casos difíceis,
como já aconteceu, de alcoolismo, de tóxico, de casos de saúde.
de objetivos que são apresentados como comuns à empresa e aos
·C··
'. Procura-se não transferir o problema para a comunidade e para
trabalhadores, e que procuram ocultar o processo de exploração do
o o Estado. A empresa compra o problema do funcionário e o
trabalho.

o troco nem sempre é agradável; au'mentam as exigências, cria-se


dependência. Às vezes a ajuda cria problemas; o funcionário
c não valoriza a ajuda e acaba sendo mandado embora... Essa
filosofia vem da matriz.
2. O PROCESSO DE SELEÇÃO
c A seleção é um mecanismo importante, na medida em que o
o Nós pensamos nas pessoas em seu todo; temos feito campanhas seu objetivo é garantir um corpo coletivo de trabalho capaz de "vestir
c de informação sobre saúde, alimentação, planejamento familiar,
custo do ·dinheiro (havia um sistema de agiotagem organizado
a camisa da empresa" e produzir segundo os padrões da mesma. A
o na fábrica); pelo ·lado psicológico as pessoas estão perdidas;· eficiência do projeto pedagógico desenvolvido é determinada, em
grande parte,. pela eficiência do processo de seleção. É por meio dele
o fundamentalmente o problema é de educação.
que se escolherão os que, independentemente de suas qualificações
r-:
.,.,,.. Por isso, a política de educação na empresa X centra-se no anteriores, sejam potencialmente educáveis. Este tem sido o critério
homem todo; na medida das possibilidades, colocam-se todos os fundamental que norteia a seleção na empresa X, conforme se verificará
o·."" recursos à disposição do funcionário, mas a opção é dele; a seguir.
(..,.,.·
70 71
c
r,
o
o
Quando a empresa se constituiu, a seleção foi feita para o que possam facilitar ou dificultar sua integração aos objetivos da o
preenchimento de todos os cargos. Nesta ocasião, em virtude da
escassez de mão-de-obra especializada no Estado, houve muita de-
empresa. o
pendência dos mercados de trabalho de outros Estados, principalmente Ela levanta os aspectos sócio-econômicos que possam ter relação o
com o futuro emprego: composição familiar, local de residência,
de São Paulo, onde se encontra com facilidade o tipo de mão-de-obra
condições de transporte, número de filhos na escola, acidentes de
Oi
requerida. Para os cargos menos especializados, é da política da
empresa dar prioridade à força-de-trabalho de Curitiba. trabalho, ocorrência e causas de afastamento do trabalho e de rotati- o
Atualmente, já estando constituído o corpo coletivo, a seleção
vidade, noÇões de segurança e assim por diante. Ou seja, ela procura
identificar os aspectos que irão facilitar· ou dificultar a adaptação do
:>
é feita apenas para os níveis mais baixos de cada setor; no caso candidato à empresa. O!
específico em estudo, para os auxiliares de montagem, criando-se um
O discurso da assistente social expressa a relevância atribuída
o
mercado interno de trabalho com grandes vantagens para a empresa,
na medida em que assegura que a ocupação dos cargos mais altos à existência de pré-condições que diminuam o risco de ocorrência de o
seja feita pelo pessoal já "formado na casa" e que, portanto, já tem problemas que comprometam a "harmonia e a estabilidade" do corpo 0:
coletivo de trabalho: "quando se verifica que o candidato tem potencial
experiência no trabalho e se coaduna com a ideologia da empresa.
mas tem alguns problemas, tenta-se resolvê-los; quando há muitos o
À medida que vão sendo abertas as vagas, os profissionais dos
níveis mais baixos vão sendo promovidos, a partir dos critérios de
problemas, nós não o selecionamos. Afinal, apesar de reconhecermos o
produtividade e integração.
os problemas humanos, isto é uma empresa e não uma casa de
correção".
o I

Desta forma, o mercado interno de trabalho desempenha impor-


Nesse nível, as causas mais freqüentes dos pareceres negativos
o
tante papel emulativo, estimulando o pessoal ao esforço individual e ~
à constante qualificação, ao mesmo tempo que justifica, pela merito- são o desconhecimento do trabalho, pouco interesse em permanecer
cracia, as diferenças de cargo e salário. efetivamente na empresa expresso pelo desejo· de fazer apenas uma
experiência sem maiores compromissos, · pela não valorização do
o
O processo de seleção utilizado é complexo e envolve dois chamado da empresa, passividade, apatia. =>
setores do Departamento de Relações Industriais - Recrutamento e
Os pareceres negativos são encaminhados ao setor de Recruta-
·:J
Serviço Social - além dos supervisores das áreas; o princípio que
o rege é fayoliano: "colocar a pessoa certa no lugar certo". mento, responsável pela decisão final. Se, apesar do parecer negativo o
do Serviço Social o supervisor de área fizer questão da contratação, (;)
Inicialmente, ocorre uma pré-seleção no setor de Recrutamento, ele deverá assinar um documento responsabilizando-se por ela. A
para o que se utilizam os currículos dos candidatos; em seguida se (.)
assistente social confia plenamente na eficiência de seu trabalho,
faz uma entrevista rápida com o objetivo de verificar a veracidade
das informações prestadas; nesta fase, os critérios de escolha são a
afirmando que "sempre que seu parecer negativo foi desconsiderado,
o funcionário acabou não dando certo".
o
experiência anterior e a escolaridade. "')'
'·....,· '
De posse dos pareceres do supervisor e do Serviço Social, o C:J
Os candidatos assim pré-selecionados são submetidos a uma
responsável pelo Setor de Recrutamento toma a· decisão final. Para
segunda entrevista com o supervisor da área para a qual está sendo
que isto ocorra se faz uma nova entrevista, agora bastante miiniciosa, ()
recrutado o pessoal; o objetivo desta entrevista é avaliar a competência
técnica do candidato.
com o objetivo de conhecer o comportamento do candidato em seus
empregos anteriores: tipo de experiência, .. trajetória profissional na
o
A seguir, os candidatos são encaminhados ao Serviço Social, empresa, cargos ocupados e a respectiva posição na hierarquia, conduta o
onde se submetem a exame médico e a uma nova entrevista, agora
com à assistente social, que desempenha papel fundamental na veri-
em relação aos superiores e aos subordinados quando for o caso,
causas da demissão do emprego anterior, existência .de problemas
o
("\
ficação das condições concretas de vida e de conduta do candidato, disciplinares, demandas, instabilidade nos empregos anteriores; e assim ...4
,...,,
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72 73
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por diante. O critério básico para a escolha final não é a competência "Prefiro os da roça; é mais facil de ensinar; os das firmas têm
\.:./
malícia na cabeça; os da roça capricham mais". (Instrutor)
o técnica, mas os aspectos de conduta nos empregos anteriores, partindo-se
do pressuposto que, desde que existam "atitudes favoráveis, o trabalho "Ter vontade de progredir é o mais importante para mim, na
r1
'\.-.;ti>" ele aprende na empresa". hora da seleção". (Supervisor)
,-·~.

v O fato de não se solicitar dos candidatos referências dos empregos "Prefiro os da lavoura; nem todos, como eu, tiveram chance de
C) anteriores evidencia o grau de confiança que a empresa demonstra progredir; quero ajudar as pessoas; o que já é montador, já
pode se virar; além disso, tem vantagens; eles não reclamam,
c ,.cz,. . .
em relação ao seu sistema de seleção.
trabalham melhor; não é o caso de tirar o sangue deles; eles
Os critérios de seleção utilizados pelos supervisores na avaliação trabalham tranqüilos, sem serem incomodados; o pessoal da
\""/
da competência técnica variam em função das características de cada lavoura é confiável; a inexperiência atrapalha um pouco, mas
{"'':
•,Y
área, relativas ao grau de simplificação do trabalho. as vantagens são maiores; prefiro as pessoas espontâneas, que
("', mostram interesse, do que os mais macetosos, maliciosos". (Su-
~JY"
Nas áreas cujas tarefas exigem menos qualificação e- experiência pervisor)
(J anterior, como na pré-montagem, linha A, linha B, furação e rebitagem
o e pintura, os supervisores preferem o "pessoal que vem cru". As
tarefas são simples e aprendidas facilmente, não exigindo conhecimentos
Nestes casos, o fato do pessoal ainda não ter se constituído
plenamente enquanto força de trabalho capitalista, é considerado como
o anteriores; 6 requisito colocado como_ fundamental é o domínio da vantagem, na medida em que, ao mesmo tempo que promove a
c leitura; o resto, os supervisores, instrutores e demais operários ensinam educação do trabalhador para o trabalho dividido, o processo de
o no trabalho. Nestas áreas, a preferência dada aos operários inexperientes
· se justifica pelo fato de que eles são educáveis, ou seja, submissos,
produção industrial educa também o traqalhador para resistir, para
não se deixar dominar, para enfrentar, para defender-se e para orga-
c não criam problemas, são confiáveis, não têm malícia nem "macetes", nizar-se. Daí a seleção privilegiar, nos casos em que o domínio
o o que eles aprendem quando trabalham em indústria: anterior do conteúdo do trabalho é dispensável, podendo ser adquirido
na empresa, os candidatos que ainda não passaram pelo processo de
o "Quando é possível, em muitos casos é melhor pegar gente sem educação em outras empresas, em virtude de serem mais facilmente
(_~ experiência; eles são mais maleáveis em termos de assimilação submetidos ao seu próprio processo educativo.
....., do.s padrões da empresa; os medalhões trazem riscos: altas Para as tarefas que exigem mais qualificação, são preferidos os
\~i
expectativas de chefia e alto poder de mobilização". (Departamento candídatos que têm experiência anterior, em alguns casos combinada
c de· Relações Industriais)
com formação profissional em cursos específicos. A preferência nesses
() "Gosto de pegar pessoal dos bairros perto da empresa para casos é dada aos candidatos que já trabalharam no ramo ou em
,---.., evitar faltas,· pego pessoal que merece trabalhar e treino como . atividades similares; destes, os melhores são os que já trabalharam
"'"J eu quero: quando vêm de outra empresa já vêm com manias; em indústria, pois os que vêm das oficinas não se adaptam à política
c gosto dos baixinhos, das pessoas que têm problemas; .invisto
neles, valorizo-os, e eles se matam de trabalhar'. (Supervisor)
de qualidade que caracteriza o modo de produção industrial. Os
egressos das oficinas estão habituados a uma criativa prática de "dar
( "' .j
~ -. jeito", enquanto na indústria a manutenção de altos padrões de
"A inexperiência não prejudica; se ele tem interesse, tem con-
( ")
- ....

..,_.,)

C;
dição". (Instrutor)
"Faço questão de pegar gente da roça e impor o sistema de
trabalho; é mais difícil ensinar, perde mais tempo, mas a hora
qualidade exige um comportamento estereotipado, de mera repetição
de movimentos pré-determinados, com a recusa sumária de materiais
defeituosos, mesmo que estes possam ser consertados.

tlf'"'\ que ele pega, executa direito; esse pessoal que vem de outras Nestes casos se dá o inverso do que se analisou antaiormente;
"tpi
indústrias já vem tarimbado, escovado, difícil de dobrar; uma para os trabalhos mais complexos, cujo custo de qualificação é alto,
c batata podre estraga todo o saco". (Supervisor) f. a seleção privilegia os candidatos que já estão habituados ao processo
r'''"'-

'---' 74 75
Ç)

o
~··)

,. ')

de produção industrial, ou seja, os que já foram submetidos à educação externamente a ele, ao mesmo tempo que ele se aliena ~o produto, '-"J

capitalista através do trabalho em industrias. Esta preferência é de- na medida em que este, fruto do trabalho coletivo, se separa dele, o
terminada pelas necessidades do processo produtivo, não obstante haja
consciência dos riscos relativos à dificuldade maior de disciplinamento
escondendo seu caráter de resultante de relações sociais entre pessoas
que trabalham para aparecer como resultante de relações sociais entre
o
coisas. Desta forma, o trabalhador . assalariado já não se percebe no ,:)
desta força de trabalho. Daí o processo de seleção voltar-se cuida-
dosamente para o conhecimento da conduta do candidato nos empregos produto qe seu trabalho, que se constitui em mero fragmento de um o
anteriores, bem como para a identificação de atitudes favoráveis em
relação à empresa.
processo total, que ele não domina, não controla e que não lhe
pertence. o
í'~

Compreendido desta forma, o trabalho capitalista se apresenta


v
Segundo o encarregado do setor de Recrutamento, ainda não há
preocupação, no momento da seleção, com a atuação política dos de forma diferente do trabalho do artesão; enquanto este exigia o C)
candidatos, porque este problema ainda não se colocou concretamente.
A empresa não participou de nenhuma greve, não há grupos de
domínio completo do processo de trabalho, adquirido durante anos
de experiência, caracterizado pela unidade entre concepção e ação,
o
resistência organizados na fábrica e a atuação do sindicato é mínima. controlado pelo próprio trabalhador, mobilizador de capacidade inte- o
lectual e criativa, o trabalho capitalista se desenvolve sobretudo a o
3. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO
partir de sua desqualificação. Quanto mais se desenvolve a mecanização,
mais ele se fragmenta e automatiza, menos domínio do saber sobre
o
TRABALHO E A EDUCAÇÃO DO o trabalho total ele exige, menos energias intelectuais e criativas ele o
TRABALHADOR
mobiliza; gerido externamente pelo capitalista, cuja eficácia repousa
na divisão do trabalho, na ruptura entre decisão e ação, entre trabalho
o
~"")
Intelectual e manual, ele passa a ser desinteressante e monótono. ..... l~
A forma de organizar o trabalho na fábrica contém um projeto ()
pedagógico, muitas vezes pouco explícito, mas sempre presente. Seu É para executar esse tipo de trabalho que o trabalhador precisa
objetivo é a constituição de certo tipo de trabalhador, conveniente ser educado; esta educação ocorre no seio do· processo produtivo e o
aos interesses capitalistas; em outros termos, propõe-se a habituação
do trabalhador ao processo de trabalho concreto existente na fábrica,
no conjunto das relações sociais mais amplas; a vida, individual e
coletiva, tem que organizar-se para o rendimento máximo do aparato
o
que, embora apresente certa especificidade, nada mais é do que uma produtivo, o que significa que a base do desenvolvimento intelectual o
manifestação particular do trabalho capitalista em geral. Neste sentido, e moral são os interesses do capitalismo. ':.)
o projeto pedagógico que ocorre no interior da fábrica articula-se com ~~)
o processo educativo em geral, que se desenvolve no conjunto das A força de trabalho, comprada como mercadoria, não se separa
/->\
relações sociais determinadas pelo capitalismo. do trabalhador, o que colocá certo limite ao capitalismo, na medida -,..,.)
em que ela, em muitos aspectos, foge ao seu controle, submetendo-o
Esse trabalhador é o trabalhador assalariado, que, despossuído (:)
à dependência do próprio trabalhador, que deverá assegurar muitas
dos meios de produção, vende sua força de trabalho para garantir os das condições de sua utilização racional. Assim, o processo educativo '"'),
\.....
meios necessários à sua subsistência. Ao capitalista, que compra essa resume-se numa combinação de formas de disciplinamento externo, "')'.
.v \..,
força de trabalho, cabe fazê-la produzir valor; assim, o processo de ou seja, de formas coercitivas de submissão do operário ao trabalho
consumo da força de trabalho é ao mesmo tempo processo de produção dividido, aliadas a forma de disciplinamento interno, obtidas pela via o
de mercadoria e de valor excedente. Ao comprar essa força de trabalho do consenso, ·do consentimento. '/)
e ao incorporá-la aos meios de produção, o capitalista passa a ser "''r "'o
seu proprietário, cabendo-lhe utilizá-la de tal maneira a produzir o A educação do trabalhador para o processo capitalista, para o
maior valor possível. Assim, o trabalhador se caracteriza por não trabalho alienado, se dá, portanto, através de formas de organização """"
I")·
\,,,.,

possuir mais sua força de trabalho, que passa a ser controlada e controle do trabalho dividido, de estratégias administrativas.• tais
/ '
76 77 :-~I
'r').-~
r:
( ,,
.._._/

I." como rotatividade interna, alargamento da tarefa e nível de participação Setor de Planejamento de Produto; o resultado desse trabalho é enviado
'
nas decisões, treinamento para a execução do trabalho, política salarial, à Engenharia de Produto, que faz as especificações, define o material
~""'

,,
"")
...
4..-;··-;i
política de. benefícios, formas de supervisão, instruções de segurança
·e de saúde, e assim por diante. O seu objetivo central é a constituição
necessário, as dimensões etc. Estes desenhos são enviados à Engenharia
de Produção, que define as formas de divisão do trabalho, ou seja,
C··.,
de .um trabalhador que combine a pos~e de um conjunto de habilidades os processos de trabalho que serão seguidos pelos operadores na
.c</
técnicas necessárias - e não mais do que isto - a um conjunto de execução dos veículos projetados.
() condutas convenientes, de modo a assumir, o mais espontaneamente
possível, sua função de· trabalhador alienado ao mesmo tempo que Como se pode verificar, mesmo ao nível da concepção do

-
C>
~ .)

c\
assegure as condições necessárias à sua própria reprodução.
Contudo, essa educação, por se dar no seio das relações de
exploração do trabalho pelo capital, assume o mesmo caráter contra-
produto há significativa burocratização, que, segundo os supervisores
de Engenharia de Produção, tem trazido problemas. Percebeu-se a
existência de antagonismos, compreensíveis, entre a Engenharia de
Produção e a Engenharia de Produto, visto que os problemas referentes
r' ~.;V ditório inerente a esta relação; assim, ao mesmo tempo que o capital à concepção das inovações só vão aparecer no momento da montagem
c) educa o trabalhador para ser artífice de sua própria exploração, ele de processo, ou seja, em outro setor, o que tornam morosas e
o educa pará reagir às formas de disciplinamento. Neste mesmo
c processo, contraditoriamente, o trabalhador, pelas formas de enfrenta-
complicadas as soluções.
Ç) menta que desenvolve, ensina ao capital novas estratégias de dominação. Feitos estes esclarecimentos de ordem mais geral, o que interessa
() ao objetivo deste estudo é a compreensão das formas de organização
Como essas relações educativas ocorrem no caso concreto da do trabalho a ser executado pelos operadores na produção.
( '..I\ empresa X, é o que se analisará a seguir .
É importante salientar que, desde o layout até a determinação
f) Inicialmente, verificar-se-ão as formas de divisão e organização do processo de trabalho, o que ocorre com a fábrica brasileira é
o de trabalho na empresa, os responsáveis por esse processo e seu diferente do que ocorre com a matriz. No Brasil, o layout já previu
c caráter educativo. uma fábrica com instalações mais modernas, tendo em vista oferecer
melhores condições de trabalho; os postos de trabalho já são definidos
c....... O setor responsável pela organização do trabalho na fábrica é
a Engenharia de Produção, que também se responsabiliza pelo trei-
no início do projeto da empresa.
~./}
namento dos supervisores e operadores em conformidade com as Para a elaboração do primeiro processo de trabalho, usou-se um
o exigências do plano de divisão de tarefas. Este setor é composto por procedimento bastante simples: importou-se um veículo da matriz.
o 14 engenheiros e dois técnicos de nível médio, que se dividem em
três sub-setores: supervisão de ônibus, supervisão de caminhões e
Este veículo foi desmontado e remontado, de modo a permitir a
o supervisão de qualidade, cada um responsável pela proposta de orga-
especificação do processo e montagem, em que cada ação é descrita
com detalhes; especificou-se o modo de ação, o material e os
o nização do ·trabalho que lhe corresponde. Estes engenheiros fazem instrumentos a serem utilizados. Posteriormente elaboraram-se fichas
o rotação anual entre os sub-setores, de modo que todos são qualificados
para atuar nas três áreas. Este set~r é ligado ao Departamento de .A'
com a descrição de cada ação: são os cartões de operação; cada passo
o Industrialização e se restringe a planejar os processos de trabalho,
da ação é discriminado e determina-se o seu tempo de operação.
Com esses dados, define-se o tempo padrão, que permite a determinação
C.;J fazendo a ligação entre a engenharia de produto e a sua execução do custo em ·número de horas necessárias para produzir o veículo.
pelo Setor de Produção. O planejamento do produto é feito em outros
~ setores, ligados ao Departamento de Produtos e Qualidade; a percepção A partir da informação acerca do número de unidades a serem
o das necessidades do mercado, as pesquisas para inovação do produto, produzidas, calcula-se a quantidade de mão-de-obra por área; o tempo
C~· a definição dos projetos, enfim, a concepção do produto, é feita no l
padrão e o número de unidades a serem produzidas determinam o
/"'"''-.
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78 79
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número de horas de trabalho necessárias, definindo o número de Esse processo educativo, contudo, não é isento de contradições.
operadores que a empresa deve ter. A mão-de-obra é alocada e Em primeiro lugar, os processos não são definitivos, em função da o
demitida, portanto, em função do volume de produção; quando diminui oscilação do número de veículos a serem produzidos, determinado C)
este volume, há corte de pessoal. Conforme se observou não tem pelas necessidades do mercado. Embora as ações, materiais e instru-
mentos só variem em função de inovações tecnológicas, eles podem
c)
sido esta a prática da empresa, que, em virtude da escassez do tipo
de pessoal de que ela precisa e do custo de preparação, tem preferido ser combinados de formas diferentes, de modo a caber a cada operador o
o
-
manter um quadro estável, apesar da redução da produção motivada um número maior ou menor de ações a se realizar durante a jornada
pela recessão. de trabalho. Assim, a amplitude da tarefa, definida pelo processo,
depende das decisões do engenheiro que o planeja, não . havendo "('')
''"
Definido o número de operadores necessários por área em função determinação rigorosa a partir do processo técnico. Embora a tendência '"'~'
do número de veículos a serem produzidos e do número de horas geral seja a redução do número de ações que compõe o processo à tJ
necessárias pwa produzi-lo, são montados os processos de trabalho medida que aumenta o número de veículos a serem produzidos, a
que cabem a cada operador. Esse processo é um documento impresso empresa, a partir dos resultados da experiência da matriz tem procurado \::J.
que especifica as operações que deverão ser realizadas, o material e diminuir os efeitos negativos da taylorização, especificamente da
rotinização, através da proposição de processos relativamente longos.
o
os instrumentos necessários, bem como o tempo para sua realização; ,"'·)
ele se constitui, portanto, na determinação da parte do trabalho da No caso brasileiro, esta estratégia é facilitada em virtude do pequeno
volume de produção. Na época em que se realizou a pesquisa, em
"''
:"'"
,~J
montagem do veículo que cabe a cada operador.

~/ Os processos são encaminhados aos supervisores e instrutores,


que a produção diária era de onze veículos por dia, o processo que
cabia a cada operador era relativamente extenso. Ou seja, os montadores
o
,.C")
que os distribuem entre os operários, que são instruídos para a sua da linha A repetiam nove vezes o processo por dia, ou seja, levavam '-·
execução; é o conteúdo de cada processo que define o tipo de saber quase uma hora para executar o processo uma vez. Os montadores ()
que deverá ter cada trabalhador, que tem limitada a sua ação a um da linha B repetiam o processo duas vezes e meia por dia, desem- ()
fragmento do processo produtivo. O nível de especificação da tarefa penhando um conjunto bem mais extenso de operações, que consumia
que ele encerra, que vai dos materiais e instrumentos aos movimentos, aproximadamente três horas e meia de trabalho. or·~
não permite nenhuma interferência inteligente ou criativa do operário, l,,J
que vai sendo educado pelo trabalho dividido. Essa educação significa, Com isto, há ganhos tanto para a empresa quanto para o operário;
para a empresa, porque a ampliação ou modificação do processo reduz (:)
fundamentalmente, a submissão do trabalhador a uma tecnologia de
produção, desenvolvida pela ciência a serviço do capital, que ele já os efeitos negativos da fragmentação do trabalho no que diz respeito
à especialização do operário, que, aprendendo um maior número de
o
1''.""1
não domina, e que, por isso mesmo, é elaborada e dividida externamente ~,.,.;

a ele, pelos setores que detêm o saber científico e tecnológico: os tarefas, adquire uma qualificação mais ampla e· torna-se mais versátil.
setores de engenharia. Treinando-o apenas para a execução da parte
Para o operário, porque esta ampliação representa ganhos efetivos ·ao o,......
nível do saber sobre o trabalho, de tal forma que ele vai, aos poucos, \
que lhe cabe no processo de trabalho, a empresa controla o seu "-.-./
se aproximando do conhecimento do processo produtivo no seu todo; r')·.
acesso ao saber; na medida em que impede o domínio do trabalho ~-j
contrariando a própria lógica do capital, de controle do saber. Assim, \..._,_.
total, ela controla também o trabalhador, atado a um processo parcial
pelas próprias dificuldades inerentes ao controle da divisão do trabalho, (,)
que lhe dificulta o acesso a outras ocupações.
aliadas às nec.essidades de qualificação mais flexível, o capital acaba r"'\
por, contraditoriamente, iniciar a educação do operário para o domínio '-'
Assim, a fábrica tem, na divisão e organização do trabalho e 1"""1
no decorrente controle da qualificação necessária ao exercício da do conteúdo do trabalho em sua totalidade. Evidentemente, essa ...._,)
tarefa, uma forma de educação do trabalhador, que, em última instância, "educação" é limitada na medida em que, ao nível das relações sociais (.)
significa submetê-lo aos seus interesses particulares. mais amplas, opera-se o controle do acesso ao saber escolarizado, o ,-'" ..,
80 rBc1 81
... ,)1'
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c
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·o/

~
que impede o operário de dominar o conhecimento produzido social- Estes aspectos mostram que a possibilidade de controle do ritmo
\..,; de trabalho pelo operário contém aspectos educativos importantes, na
·mente. Desta forma, a educação mais ampla operada pelas estratégias
o de divisão e organização do trabalho levadas a efeito na fábrica não
medida em que a utilização do tempo excedente, embora aparentemente
livre, é dirigida pelos supervisores. Isto significa que só se permite
c oferecem risco real, continuando assegurada a hegemonia do capital.
consumir o tempo excedente em atividades consideradas produtivas,
c No caso em estudo, a questão do tempo para a execução do embora não previstas pelo processo; a criação de instrumentos e
o trabalho é outro dos aspectos da organização que apresenta resultados
que merecem ser analisados.
dispositivos para aumentar a eficiência e melhorar as condições de
trabalho é a atividade mais estimulada pelos supervisores, que motivam
c os operários por meio de divulgação dos resultados conseguidos, dos
c Teoricamente, o cálculo de tempo necessário para a execução
de cada processo deveria prever no máximo uma tolerância de 5%;
elogios, do relato à administração e da promessa de prêmios. Já os
o como a empresa ainda se encontra em fase de consolidação e não
operários que utilizavam o tempo excedente para aumentar o número
de inscritos no sindicato eram considerados "voadores", ou seja,
c esteja operando com sua capacidade total, os processos prevêm um
tempo para a realização das operações superior em 13% ao tempo
profissionais relapsos, que não cumprem com suas obrigações porque
C'.,)
exigido ila matriz.· Ou seja, os operadores dispõem de uma margem
"não param no serviço".
() de tempo superior à necessária para a realização das operações. Quanto à questão da antecipação do horário de saída, é uma
o Verificou-se que a ampliação da tarefa aliada à ampliação do
estratégia perfeitamente incorporada aos interesses da empresa, que
se utiliza dela para diminuir a taxa de absenteísmo. Desta forma, o
o tempo tem sido responsável por vários aspectos que caracterizam a
operário executa a sua programação diária, não causando estrangula-
produção da empresa. Em primeiro lugar, esta é uma das explicações
o para o alto índice de qualidade do produto brasileiro, superior ao da mento na produção nem criando problemas de realocação de pessoal,
o matriz.
ao mesmo tempo que resolve suas questões pessoais, sem faltar. É
importante salientar que as saídas antecipadas só são permitidas quando
c · Entre os operadores, verificou-se que o ritmo de trabalho é um julgadas necessárias pelo supervisor e não são comuns, em virtude
o dos fatores que explicam a presença de alto nível de satisfação. A de ser prestado grande número de serviços na própria empresa, como
o ausência de um ritmo obsessivo permite uma relação satisfatória do
operador com seus instrumentos de trabalho, possibilitando certo espaço
a existência de Banco, de ambulatório e do Serviço Social, que resolve
grande parte dos problemas dos operários, relativos a questões traba-
o para a realização de certas atividades que de outro modo não sefiam lhistas, jurídicas, de habitação, financeiras etc.
c possíveis.
Como se pode verificar, o operário é educado para utilizar
o Um fato que tem ocorrido com freqüência, por exemplo, é a "racionalmente" o seu "tempo livre" aprendendo a organizar sua vida
o conclusão da programação diária de produção em tempo menor que
o previsto, tendo em vista a antecipação do horário de saída para a
e a se utilizar de sua capacidade criativa e intelectual segundo as
o solução de problemas particulares. Desde que autorizado pelo supervisor
necessidades do processo produtivo. É por estas estratégias que ele
vai aprendendo a ser o trabalhador assalariado de que o capital
o e com a tarefa do dia concluída, o operador pode sair com duas .; necessita, desenvolvendo uma ética de trabalho e de comportamento
o horas de antecedência. social compatível com sua condição de classe trabalhadora. Neste
o Outro fato que se observou foi que alguns operadores adiantados
na sua programação diária dedicavam-se a outras tarefas, como, por
jogo de relações, ele vai aprendendo que o exercício dos seus
direitos se. subordina à execução eficiente da parte do trabalho que
o exemplo, criação de dispositivos que facilitassem a execução da tarefa, lhe cabe no pacto social; desde que ele trabalhe e se comporte
o criação de instrumentos mais eficientes de trabalho ou até mesmo convenientemente, ele tem como prêmio o tempo para resolver suas
questões particulares.
o campanhas para o aumento do número de associados do sindicato. 1

C~· 82 83

o
r-.
o
C)
ponsabilizando-se pela instauração de um clima afável, amistoso, em :")
Por outro lado, o operário encontra, nesta modalidade de utilização .......,.·

que todos se sintam bem.


do tempo, uma forma de romper com a rigidez da divisão do trabalho,
encontrando um espaço para a mobilização de suas energias intelectuais
o
e criativas, para o contato com seus companheiros, para a discussão
Aliada a estas estratégias, a empresa utiliza-se da rotatividade o
do trabalho com os técnicos, de modo a ampliar suas possibilidades
interna como um recurso que ao mesmo tempo amplia a qualificação
dos operadores e. reduz a incidência de problemas oriundos da roti- o
técnicas e políticas. E estes aspectos podem ser negativos para o
capital, que, por isso mesmo, precisa descobrir formas de controle
nização. Embora não ocorra em todos os setores, esta é uma prática o
de modo a não permitir que as energias liberadas extrapolem o limite
bastante generalizada na Produção. De modo geral, observou-se ·que
ela é comum naquelas áreas cujas tarefas não são muito especializadas.
o
desejável. Na pré-montagem, por exemplo, um único operador não faz rodízio: o
Daí ser perfeitamente compreensível o controle da utilização do o eletricista, cujo trabalho de montar painéis elétricos é muito espe-
cializado. Na tubulação, da mesma forma, só não roda o soldador.
o
tempo excedente pela fábrica, na medida em que se percebe o risco .
desta liberação, tanto ao nível das possibilidades de organização e Na pintura, o rodízio é diário, tendo em vista as condições de trabalho; o
mobilização dos trabalhadores, como, no outro extremo, de estímulo o pessoal é dividido em dois grupos, que se revezam na pintura e o
à indolência e à perda de tempo, o que significa uma má utilização
da força de trabalho comprada. Há que se ter clareza que estas
no lixamento; o grupo que trabalha de manhã na pintura trabalha à
tarde no lixamento. Na montagem de cabines, como os serviços são
o
estratégias representam, do ponto de vista do capital, formas sutis de muito delicados, o supervisor usa o rodízio como estratégia . de o
superexploração da força de trabalho, com a utilização do saber do
operário e da educação do trabalhador para o processo capitalista de
treinamento de pessoal apenas quando diminui a produção. Nas linhas
A e B, na montagem de motores e na furação e rebitagem, o rodízio
o
produção, o que significa que as contradições precisam ser controladas, ocorre eventualmente, mas não é usual. O problema que os supervisores
C)
utilizando-se a coerção, quando a persuasão for insuficiente. ·dessas áreas colocam é que baixa a qualidade do produto, atrasa a o
A nível dos resultados, parece que a fábrica tem tido sucesso
produção, e, embora eles sejam instados pela gerência a fizer o
rodízio, só o fazem em condições especiàis.
o
nesse controle, pois observou-se que a inexistência de ritmo rígido
de trabalho tem exercido influência positiva na satisfação do trabalhador,
o
funcionando como elemento desmobilizador da força de trabalho; no
Nas áreas que trabalham com pessoal muito especializado,
como a ferramentaria, manutenção de máquinas e usinagem do
o
caso em estudo verificou-se que o operário não apresenta as reclamações blocos, não se faz rodízio. Também entre estes operadores, que já o
costumeiras contra o ritmo estafante e o trabalho repetitivo que
geralmente caracterizam as indústrias deste tipo.
têm maior domínio sobre o próprio trabalho, em muitos casos o
Inclusive, ao entrar nos pavilhões da produção, nem de longe
inclusive tomando decisões, a questão nem se coloca. É o caso
também da ajustagem, que não trabalha por processo, não havendo o
se tem a imagem característica de uma linha de montagem; os parcelamento da tarefa. OI
operadores trabalham tranqüilos, movimentando-se à vontade, even-
Do ponto de vista do capital, a rotatividade interna é um o
tualmente conversando com seus companheiros, sem a presença fis- (;)
instrumento que permite romper com a especialização, ou seja, com
calizadora da supervisão. Esta funciona mais como gerência de pessoal
do que como fiscalização. Não há um controle rígido dos operadores, ~ o monopólio de um saber específico pelo operário, que pode utilizá-lo
contra os interesses do capital. Ela amplia a qualificação do trabalhador,
o
que, segundo sua própria expressão, "trabalham sem chefe". Os
supervisores atuam no sentido de assegurar todas as condições ne-
de modo que a empresa passe a dispor de um conjunto de operadores o
cessárias ao desenvolvimento do trabalho, que vão desde providências
aptos a trabal.har em vários postos de uma área, e que pode ser o
distribuído segundo as necessidades que surgem, evitando problemas
de material até a solução de casos pessoais dos operadores. Como
de estrangulamento na produção causados pela movimentação de
o
será discutido minuciosamente no próximo capítulo, o supervisor atua J"\
como um representante típico da escola de Relações Humanas, res- pessoal. Desaparecem, em conseqüência, os volantes, pequeno. número '-.,.)
~
~J
84 85
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o
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\... .,~

c
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de operadores qualificados para o desempenho de várias tarefas, cuja ·~.
I Esta estratégia, vinculada às políticas de benefícios, de salários
\. ..o'
função era o preenchimento de lacunas onde elas ocorressem. De e de estabilidade, dotam a empresa de uma força de trabalho ajustada
c certo modo, com a ampliação da qualificação decorrente da rotatividade
interna, todos tornam-se volantes. Para o operário, a rotatividade
e eficiente, capaz de produzir com qualidade, segundo os padrões de
exigência da empresa.
()
. interna significa ampliação de sua qualificação técnica; desta forma,
("""': ele vai se apropriando de um saber cada vez mais extenso sobre o Este modo de exercer o taylorismo disfarÇadamente tem apre-
() trabalho, que o libera da submissão à fábrica, facilitando-lhe o acesso sentado, como resultado, a desmobilização política do pessoal; obser-
a outras ocupações. Por outro lado, na medida em que ele se qualifica, ·;· vou-se que não tem havido organização dos operários em torno de
c aumenta seu poder de negociação com a empresa, em termos de reivindicações. Há um reconhecimento generalizado das vantagens que
c salários, promoções e condições de 'trabalho. a empresa oferece, que se constitui numa excelente alternativa, prin-
() cipalmente nesta época de recessão. Muitos dos entrevistados que
Paralelamente, verificou-se que a rotatividade interna é um dos eram sindicalizados em outras empresas deixaram de sê-lo; se o patrão
C" ::-:>/ fatores de satisfação no trabalho, por evitar a monotonia do trabalho é bom, não há por que se sindicalizar, afirmam muitos deles.
o rotineiro. Seus inconvenientes são temporários - a queda da qualidade
e baixa na produção -· e sem sombra de dúvidas pouco significativos Conforme se verificou, as formas de organização do trabalho
C> em relação ao aumento de eficiência que ela produz, enquanto um têm retardado o surgimento da consciência de classe dos trabalhadores,
o ·poderoso instrumento ·de treinamento de pessoal. que, em sua grande maioria, ainda não se deu conta de sua situação
o
o
. Os fatores até aqui .analisados --:-- a ampliação da tarefa, o ritmo
de trabalho que passa a ser controlado pelo operador, o tipo de
supervisão e a rotatividade interna-se constituem em estràtégiàs que
' de exploração .

Este fato demonstra a eficiência do processo educativo que se


ç o capital usa para atenuar os efeitos negativos da divisão taylorista desenvolve na fábrica e no seio das relações sociais mais amplas, no
que diz respeito à constituição do trabalhador enquanto assalariado.
o do trabalho, embora· ela persista, com todo o seu aparato heteroges-
tionário. Neste sentido, há uma diminuição dos efeitos negativos da
o desqualificação do trabalho, que podem se constituir num entrave ao
:~,.

I,
As formas de dividir e organizar o trabalho, com todas as
estratégias utilizadas, ensinam ao trabalhador que ele é uma parte
o desenvolvimento do capital. Como já se analisou no capítulo anterior,
à medida que o desenvolvimento do processo tecnológico simplifica
importante do trabalhador coletivo, na qual ele não é apenas um
o as tarefas, o capital passa a necessitar de uma força de trabalho 'com
fragmento sem significado que pode ser substituído a cada ·momento, 'I

mas um elo vital na cadeia de esforços que recompõe a unidade. Ele


c qualificações mais amplas e generalizadas, que possa atuar em diferentes
aprende a aceitar sua condição parcial e subalterna na divisão do
o funções. Nesse processo · de simplificação crescente, uma força de
trabalho atada a especializações rígidas não tem a flexibilidade ne- trabalho, como resultado natural de necessidades técnicas que ao final j
c cessária para se ajustar às modificações geradas pela dinamicidade beneficiam igualmente a todos; e mais, aprende a justificar sua posição
o do processo produtivo. na hierarquização do trabalhador coletivo como resultante de sua
própria incapacidade para o exercício de outros trabalhos, notadamente
i['·,
I,

c Daí a .preocupação da empresa em se utilizar de uma forma de


6rganização do processo produtivo que amplie a qualificação do
-~ ~s socialmente definidos como intelectuais. Por sua própria "incapa-
o operador, não o reduzindo à especialização em um limitado fragmento
c'idàde" ele é levado a compreender que é impossível a sua
participação na.s decisões sobre o trabalho que,. em virtude de sua
o do trabalho total. complexidade, deve ser planejado e controlado pelos especialistas.
c Outro objetivo desta forma de organização do trabalho é evitar Em suma, ele vai sendo educado para executar, obedecer sem
o a eclosão das contradições, que colocariam em risco a reprodução r discutir e cumprir eficientemente a parte que lhe cabe no processo
c ampliada do capital.
t
coletivo de produção.

c 86 I 87
c
,..;-_,
··~.
o
()
Contudo, ao educar o operário para o trabalho parcelado e O pessoal da ajustagem final depende menos de curso do que
heterogerido, necessariamente se reforça a dimensão do "coletivo", de muita experiência em mecânica e de conhecimento do produto da C)
categoria fundamental para a superação do modo de produção capitalista. empresa X, que lhe permita detectar e resolver os problemas de o
Percebendo-se como parte de uma totalidade mais ampla, inserido na
teia de relações sociais e técnicas determinadas pelo processo produtivo,
montagem do veículo pronto. Neste caso, a empresa resolve a questão
selecionando para a ajustagem aqueles operadores que têm experiência o
anterior em mecânica e já trabalharam na empresa X como montadores. o
~
ele aprende a se organizar e a trabalhar coletivamente, ao mesmo
tempo que vai se apropriando do conteúdo do trabalho; ou seja, ele
se educa para o trabalho socializado.
Já na Fábrica de Motores a situação é diversa, havendo maior o
' dependência de qualificação anterior; mesmo a atividade mais simples o
Ao mesmo tempo, vão sendo gestadas formas para enfrentar o
disciplinamento imposto pela fábrica e pelo conjunto de relações
deste setor, a montagem do motor, é bem mais complexa que a
montagem do veículo.
o
sociais exteriores a ela, pela mobilização e pela reivindicação de seus
()
Por isso, o requisito mínimo são cursos do SENAI.
direitos de participação política e econômica; em resumo, ele se educa o
contraditoriamente no trabalho, em suas dimensões de político e de
trabalhador. É no interior e a partir desse movimento que articula
Para a ferramentaria, muitos profissionais têm que ser importados
dos grandes centros produtores de veículos automotores, exigindo-se
o
trabalho, educação e relações sociais, que o processo de produção instrução e experiência. A manutenção de máquinas é outra área que o
capitalista começa a ser superado, iniciando-se a construção do novo
modo de produção.
exige qualificação, sendo indispensáveis os cursos, no mínimo, do o
1
SENAI, e preferentemente os de nível de 2° grau. Neste caso, o
supervisor encaminha os operários com ·qualificação considerada in-
o
Retomando a relação entre educação e simplificação do trabalho, r'")
·suficiente para a realização de ·cursos específicos.
"'
é importante salientar que esta não ocorre da mesma forma em todas
as áreas da produção, o que determina a d~pendência do capital de I Além destes pré-requisitos, a empresa se encarrega de completar o
um conjunto significativo de operários qualificados. Isto faz com que,
ao contrário de algumas análises correntes, o capital não consiga j a qualificação no próprio processo produtivo, através da ação do o
instrutor e dos operários mais experientes.
o
I
resolver internamente todas as questões relativas à qualificação da
mão-de-obra, dependendo de outras empresas e instituições, o que Como se vê, enquanto não se generaliza a simplificação do o
exige a discussão da relação entre divisão do trabalho e educação do
trabalhador.
trabalho, a empresa continua a depender de profissionais com destrezas
e conhecimentos que demandam a· realização de cursos e/ou m~itos
o
anos de experiência para serem adquiridos, o que permite concluir (')
O setor que menos oferece problemas desta ordem é a Linha.
de Montagem, muito embora existam diferenças entre as áreas e
I que a independência do capital de outras agências formadoras é
'-<'

(),
relativa, recolocando-se assim a questão da qualificação profissiomil. I

cargos que a compõem. De modo geral, o trabalho deste setor é OI


bastante simplificado, sendo que os supervisores preferem contratar Na medida em que a empresa não consegue resolver internamente (;)
todos os seus problemas relativos à qualificação do trabalhador, diminui
operários sem experiência anterior e treiná-los no próprio trabalho.
Esses operários iniciam como auxiliares, sendo treinados nos trabalhos a sua possibilidade de controle sobre a distribuição do __ saber aos o
mais simples; à medida que vencem as dificuldades, com o rodízio, operários. Como a descrição anterior evidenciou, esse controle é
possível nos .casos em que a simplificação do trabalho reduziu as·
o
vão sendo introduzidos em outras tarefas mais complicadas. Alguns
casos exigem treinamento específico: eletricistas, soldadores e ajusta- necessidades de qualificação. Tomando-se o caso dos montadores, que
o
dores; nestes casos, a qualificação anterior, pelos cursos do SENAI desempenham as tarefas mais simplificadas, verifica-se que é o processo Ol r

e Centro Federal de Educação Tecnológica, e/ou experiência compro- de trabalho que determina a . qualificação técnica do trabalhador;. ele . (''\
'")
vada, é exigida como pré-requisito. passa a aprender apenas a parte do trabalho que lhe cabe, e, embora >"'·)
'·,'--'·

88 89
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\c-;!
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c os efeitos desta desqualificação sejam diminuídos pelas alterações no trabalho, mantém o esquema heterog~stionário; toma-se necessário,
í"
\ .. ,, processo, pela ampliação da tarefa e pela rotatividade interna, o pois, analisar como e por quem as decisões são tomadas e suas
o,...., montador não tem acesso a todas as tarefas e a todas as áreas,
permanecendo sua qualificação restrita a um conjunto limitado de
relações com a qualificação do pessoal.
,,,,., operações de montagem; além de não ser capaz de montar o veículo Como já se evidenciou, as decisões sobre o trabalho são monopólio
( "\,/
.. todo, ele também não aprende sobre o seu funcionamento. Neste caso, dos engenheiros, que concebem o produto (Planejamento de Produto
e Engenharia de Produto) e definem as formas de executá-lo (Engenharia
o verifica-se que a fábrica tem condições de controlar o acesso ao saber
sobre o trabalho, o que lhe confere maior poder sobre o operário. de Produção) mediante processos de trabalho, que especificam as
o ações, os materiais, os instrumentos e o tempo de execução. Conforme
c Já nos casos em que a empresa depende de agências externas
de qualificação, diminui a possibilidade de controle do saber. Para o
já se mostrou anteriormente, em virtude das características próprias
da empresa X há certo controle do tempo por parte do operador.
c operário, aliar o seu aprendizado no trabalho à realização de cursos Quanto às decisões sobre o trabalho, teoricamente não há espaço para
o externos à fábrica representa a possibilidade de ter acesso, de forma
sistematizada, a uma parcela do saber socialmente elaborado, que lhe
interferência dos supervisores e montadores; st:a "incompetência" para
decidir é justificada pela ausência de saber teórico, não havendo
{',
\o,/
permite ter um conhecimento menos parcial sobre o seu próprio valorização de seu saber prático.
o trabalho, o que não ocorre na fábrica.
No entanto, nem sempre o processo funciona; quando isto ocorre,
o Os operários que fazem cursos técnicos a nível de 2° grau, os supervisores, todos profundamente conhecedores dos trabalhos de
("-,
,,,.,' principalmente os ferramenteiros e mecânicos de manutenção, são o suas respectivas áreas, com ou sem interferência dos montadores,
o melhor exemplo desta afirm~ção. Esses cursos, aliados aos anos de
experiência que são necessários para a formação de um bom profissional
apresentam sugestões aos engenheiros, para a modificação dos pro-
cessos. Estas sugestões nem sempre são aceitas, em virtude de questões
o ~
deste tipo, permitem ao operário o domínio do conteúdo do trabalho técnicas ou aumento de custo do produto; quando são aceitas, isto
\,; em sua totalidade. Em função disso, eles são privilegiados, na medida ocorre após longo espaço de tempo, em virtude da idéia ter que
o em que têm um controle maior sobre seu próprio trabalho,· decidindo,
refletindo, criando, projetando, e tendo maior poder de negociação no
percorrer todos os canais burocráticos que por vezes se estendem até
a matriz. Em virtude deste fato, os· levantamentos dos supervisores
o estabelecimento dos salários e promoções. de qualidade da Linha de Montagem mostram que aproximadamente
o Evidentemente, a maioria dos cursos feitos fora da fábrica, seja
50% dos problemas são causados por falhas de engenharia: ou de
desenho ou de sistema errado; esses problemas se repetem durante
o no SENAI, Escolas Técnicas e outras fábricas, não têm esse mesmo meses, porque demoram a ser resolvidos.
o caráter. De qualquer modo, mesmo ·considerando o caráter reprodutor
As áreas ligadas à montagem de peças, veículos e cabines, ou
c de ideologia empresarial desses cursos de duração mais reduzida, eles
representam uma forma de aquisição do conteúdo do trabalho de seja, os trabalhos menos qualificados, é que estão sujeitos à maior
o modo menos assistemático e fragmentário do que ocorre ao nível do interferência dos engenheiros de produção; estes trabalhos, mais sim-
plificados e parcelados, se prestam melhor ao controle exercido
o trabalho cotidiano, o que significa romper o esquema de controle de
-~ exteriormente à execução. Já com as áreas de trabalho mais qualificado
c sáber existente na empresa. '
e menos passíveis de fragmentação, verifica-se maior autonomia do
o Aliada a esta questão, está a participação nas decisões sobre o i supervisor, e em certos casos, dos operários.
trabalho, sua forma de organização e suas condições de execução.
c Na área de furação, rebitagem e montagem de pneus, existem
o Afirmou-se anteriormente que a empresa em estudo, embora se
utilize das estratégias de refuncionalização da divisão capitalista do
fatores que não podem ser controlados pelos engenheiros, de modo
que o trabalho concreto coloca cotidianamente questões imprevisíveis
c !' .........
~,,, . 90 91
c I
I;
,.--.
o
C:)
que rompem os esquemas pré-determinados. Esta área é definida pelo "Acato todas as sugestões que estão corretas; mas os engenheiros :)
seu supervisor como uma "área de improvisações, onde a maioria
das coisas não dão certo; nas outras áreas já vem tudo pronto e é
não pensem que, porque têm diploma, vão me passar para trás".
(Supervisor)
o
só montar; temos que ter iniciativa para fazer as alterações". "O pessoal do processo calcula tudo e não dá nada certo;
o
desconhecem a prática e na teoria os problemas não aparecem, ()
Na pintura não há processo, havendo apenas a especificação da
programação diária; nesta área é o supervisor que decide sobre os
tudo é uma maravilha". (Supervisor) o
métodos de trabalho, não havendo interferência do gerente ou dos "O engenheiro dificilmente aceita uma idéia' nossa... ele não tem o
engenheiros de produção. experiência de motor; ele só cede quando a briga é grande".
(Supervisor) o
Na ajustagem final tem-se um exemplo de área em que não há o
processo em virtude da total impossibilidade de prever os problemas Mas também há quem defenda a falta de poder decisório do O
que vão ocorrer com cada veículo; nesse caso, são os ajustadores nível de exec!lção, em nome da centralização: "não tenho autonomia ,
que planejam e controlam seu próprio trabalho. Como afirma o nenhuma para pôr a mão... a Engenharia de Produção segura as O
supervisor desta área, "aqui não tem processo; o processo somos nós decisões para ter força... se cada ·um puser a mão no seu setor não ~"")
que definimos e por isso o pessoal tem que ser especializado; o funciona" (Supervisor). ~
processo justifica toda e qualquer coisa que não dá para ser feita; A análise da situação concreta demonstrou que, quanto maior o f'' .
aqui não dá para usar a desculpa do processo; temos que decidir o grau de mecanização e previsibilidade da tarefa a ser executada, maior O
que fazer; nosso processo não é ensinado pelo engenheiro, ele é feito o controle da Engenharia de Produç~o, sobre as decisões; estas são O
no trabalho". as tarefas de montagem, consideradas menos qualificadas, e desem- 0
penhadas por pessoal com menor nível de conhecimento do trabalho """
O mesmo ocorre com a manutenção de máquinas em que o e de experiência. As tarefas mais complexas, menos. previsíveis e que O
mecânico também controla o seu próprio trabalho; também nesse caso, dependem de fatores externos que não podem ser controlados, que O
os profissionais são bastante especializados e, segundo o supervisor, exigem decisões imediatas à ação, avaliação e correção de problemas O
profundamente conhecedores de seu trabalho. com veículos e instrumentos de trabalho ou criação de peças e
procedimentos, estão menos sujeitas ao controle dos setores de enge- O
Na ferramentaria, as peças a serem executadas são desenhadas nharia. Nestes casos, as decisões são geralmente tomadas a nível da 0
por projetistas; estes muitas vezes não conhecem os recursos das execução, exigindo níveis mais altos de qualificação do profissional, o··
máquinas, produzindo desenhos que não têm condições técnicas de que deve ter amplo conhecimento do seu trabalho para decidir e criar.
ser realizados, cabendo ao ferramenteiro, além de interpretar o desenho,
descobrir as formas de executá-lo ou apresentar outras sugestões. ~ Como se pode verificar, quanto maior o domínio do conteúdo O
do trabalho pelo profissional ma~or a sua participação nas decisões O
I

Se os engenheiros justificam o seu monopólio das decisões pela sobre ele, diminuindo o controle dos engenheiros de processo. Inver- 0
ausência de saber teórico dos supervisores e montadores, estes, por samente, a desqualificação justifica a maior interferência dos .enge- ,,.
sua vez, atribuem as falhas do processo à ausência de saber prático nheiros de processo, de modo a não haver. qualquer participação a
dos engenheiros: possível por parte dos operários. Em resumo, pode-se afirmar que, ()
quanto mais complexa a tarefa, exige-se maior saber do operário O
"Os engenheiros que fazem o processo não têm conhecimento sobre o trabalho, que terá maior autonomia em relação ao processo; ·
do trabalho; se eles deixassem o orgulho do canudo de lado e contrariamente, quanto mais mecanizada e previsível a tarefa, menor O
juntassem sua teoria com a nossa prática, faríamos excelentes o saber exigido do operário, que dependerá fundameQtalmente do "'"'~
trabalhos". (Supervisor) processo. '--.,}
J .,.. "
~. )
92 'j . 93 :J
j o
\.-c#

c;
c Para os montadores, na medida em que o saber sobre o trabalho exposta por Guillerm e Bourdet nos seguintes termos: "o operário só
C' que eles possuem é restrito, as dimensões de decidir e criar, que pode obedecer às diretivas dos chefes desobedecendo a eles, executando
o caracterizam o trabalho humano, não estão presentes. Pelo contrário, seu trabalho de maneira diferente da que lhe é ordenada" (Guillerm
e Bourdet, 1976, p. 169). Instei porque no momento da execução
o eles são estimulados a um comportamento o menos inteligente possível,
ou seja, repetitivo· e automatizado, sendo mesmo impedidos de usar surgem questões imprevisíveis, determinadas por fatores que não
r\ podem ser controlados anteriormente pelos engenheiros planejadores.
"''"' sua capacidade reflexiva para solucionar problemas pelas exigências
c de qualidade do processo industrial. Isto significa que, havendo um
problema com uma peça, por exemplo, o montador não deverá
Assim, segundo os autores, "se os operários se contentassem em
aplicar ao pé da letra as ordens que lhes são impostas, a fábrica não
c resolvê-lo, pois a utilização de uma peça retrabalhada implica queda poderia funcionar" (Ibidem, p. 169).
("'\
\,,/ de qualidade do produto; ele deverá simplesmente rejeitar a peça, Para que o processo produtivo siga o seu curso normal, os
c mesmo que isso implique a parada da produção. operários, embora instados a agir como autômatos, devem desempenhar
c Sobre este aspecto concentram-se muitas das queixas dos super-
duas tarefas "inteligentes": inventar uma maneira de fazer a tarefa,
utilizando sua capacidade e experiência para contornar as questões
c visores com relação a montadores que foram mecânicos de oficina;
eles, que detêm saber sobre o veículo em sua totalidade, estão
que a situação concreta coloca, e ao mesmo tempo usar sua astúcia
c . acostumados a usar a sua criatividade para resolver os problemas que
para fazer crer aos seus chefes que cumpriram as ordens ao pé da
letra.
o aparecem, enquanto o processo industrial exige que eles. não o façam,
restringindo-se a apenas "executar as receitas" elaboradas pela Enge- A partir deste procedimento, que os autores chamam de autogestão
o nharia de Produção; os mecânicos experientes dificilmente se adaptam invisível, concluem que "a minoria dominante só pode sobreviver pela
o a este procedimento, levando os supervisores de trabalhos de montagem criatividade de todos os homens, a quai, no entanto, ela tem por
função negar e até mesmo impedir" (Idem, ibidem).
c a preferir treinar montadores, selecionados entre pessoas sem ou com
pouco conhecimento e experiência anterior, que, por desconhecerem
o o trabalho, não estão aptos a decidir sobre ele e controlá-lo .
Na empresa esta contradição é percebida tanto ·pela direção e
gerência do Departamento de Industrialização quanto pelo Setor de
c Como se afirmou anteriormente, de modo geral o controle das Relações Industriais. Há consciência de que o esquema tradicional de
c decisões sobre o trabalho é feito pelos engenheiros; embora isto traga divisão do trabalho impede o aproveitamento de uma força adicional
de extração de mais-valia: o saber do operário sobre o trabalho, que
o problemas ao nível da execução, esse controle desempenha papel
se elabora a partir de sua experiência e criatividade no enfrentamento
o fundamental no modo de produção capitalista, na medida em que o
controle das decisões sobre o trabalho significa o controle tanto técnico
dos problemas cotidianos. Reconhece-se que os operários e supervisores
c quanto político, do próprio trabalho. E este controle é indispensável
conhecem a produção melhor que ninguém, embora não disponham
de instrumentos conceituais que lhes permitam elaborar o conhecimento
o no processo de extração da mais-valia. A forma de o capital assegurar
o monopólio das decisões é pelo controle do acesso ao saber sobre
segundo as normas da ciência. Isto é verdadeiro principalmente no
o o trabalho, valorizando o saber teórico, científico, adquirido de forma
caso dos supervisores que iniciaram o desempenho de suas funções
na empresa na época de sua implantação; participaram, com exceção
o sistematizada através de cursos, sobre o saber prático, adquirido com
de um deles, desde a instalação da fábrica e da montagem das
c a experiência, de forma assistemática e muitas vezes fragmentada;
ou, como se afirmou no capítulo anterior, pela utilização da ciência
bancadas de trabalho; montaram e ajustaram os primeiros veículos,
o a serviço do capital.
tendo aprendido o trabalho com os profissionais que vieram da matriz,
montando e desmontando veículos e motores; nesta época, segundo
c No entanto, este controle rígido das decisões imposto pela os depoimentos coletados, surgiam problemas de todas as espécies,
o heterogestão acaba por ser disfuncional ao próprio desenvolvimento de cuja solução eles participavam, junto com os engenheiros. Esta
c capitalista. Manifesta-se neste aspecto uma contradição muito bem experiência lhes conferiu tal conhecimento do trabalho da empresa,

c 94 95
c
o
:)
que, não obstante seu nível de escolaridade seja, na maioria, de 1° muitas vezes invertem a hierarquia formal de competências para ,")
-...
grau incompleto, dificilmente será superado pelos engenheiros que
entraram posteriormente a esta época, e muitos dos quais diretamente
decidir.
o
saídos da universidade. Estas relações dependem não de relações formais, mas de relações o
Dentre os montadores, ocorre o mesmo .fenômeno; dos entrevis-
pessoais que se estabelecem entre operários, supervisores e engenheiros,
e que por isto são imprevisíveis, ocorrendo de modo diverso em
o
tados, 25% foram contratados no pe.ríodo de implantação, ou seja, função das pessoas. o
participaram, com os supervisores, do treinamento dado pelos enge-
nheiros que vieram da matriz, realizaram as primeiras montagens e De modo geral, observou-se que as decisões são tomadas por
o
solucionaram os primeiros problemas; 50% foram contratados em quem conhece o trabalho, ou seja, por quem é competente para o
1980, quando se iniciou a produção propriamente dita. Isto significa fazê-lo, independentemente do cargo. que ocupa. Contudo, existe todo ("'\
"'-i;/1
que eles têm um bom domínio do processo de trabalho na empresa,
o que lhes confere capacidade - reconhecida e estimulada pelos
um aparato formal para fazer crer que a hierarquia é rigorosamente
obedecida. Assim, os supervisores e montadores sempre recorrem aos o
supervisores - de participar das decisões sobre o trabalho. seus superiores para sugerir as decisões convenientes; estes muitas oi
Dadas estas características, a questão que se tem colocado para
vezes fazem o jogo da simulação da competência e referendam a
decisão do subalterno, quando não a apresentam como sua.
o
a empresa é como dar voz aos supervisores e operários para que se o
expressem sobre o trabalho e as formas de melhorá-lo, sem perder
o controle sobre a iniciativa operária liberada. Desta preocupação têm
No caso específico da furação e rebitagem, o atual engenheiro
fez estágio de conclusão. de curso nesta área, tendo aprendido o
o
decorrido propostas que, concretamente, não alteram a estrutura hie- trabalho com o supervisor; posteriormente, aliando o conhecimento o
rárquica com suas relações de poder características. "prático" que absorveu do supervisor, com o seu conhecimento "teó-
-:'
A primeira delas foi a "caixinha de sugestões", com a promessa !
riCo", que o supervisor não tem, superou-o e constituiu-se formal e
realmente em seu chefe. Mas percebe-se claramente um trabalho
o
o
!
de que caberia ao inventor da idéia um prêmio de 10% sobre o total
integrado entre eles, que tomam juntos as decisões sobre a área.
do lucro obtido no ano graças à sua utilização; não deu resultado.
Mas isto não ocorre em todas as áreas; há engenheiros que
o
Recentemente, havia a pretensão de implantar os Círculos de
Controle de Qualidade, para o que se constituiu um grupo de estudo
estão na fábrica desde sua implantação e dominam profundamente o o
no Setor de Controle de Qualidade.
trabalho; entre estes, alguns reclamam da excessiva dependência dos o
Como se sabe, nenhuma destas alternativas coloca em risco a
supervisores, que não tomam nenhuma decisão sem o aval do engenheiro
da área. Outros não conferem autonomia aos supervisores e inclusive, o
centralização do poder; na verdade, elas se constituem em fonte em nome da superioridade de seu conhecimento, deixam muitas vezes ~
adicional de extração de mais-valia, basicamente por duas razões: de acatar sugestões adequadas dos operadores e supervisores. ·:J'
melhoram a qualidade das decisões de cúpula, pela utilização do saber ()
do operário, e aliviam as tensões, com a participação que reforça o Alguns engenheiros atuam em áreas sobre cujo processo de
sentido da valorização pessoal. Como não conferem poder real ao trabalho não têm o menor conhecimento, e isto é ·bastante comum ()
em face do rodízio anual por que passam todos os engenheiros de
operário, essas alternativas não colocam absolutamente em dúvida o
poder do capital. produção. D~stes, alguns conferem autonomia ao supervisor; quando o
isto não ocorre, os supervisores criam uma estrutura informal paralela, o
Mas enquanto as soluções institucionais não se concretizam, a
realidade concreta coloca questões que precisam ser resolvidas. E a
recorrendo a outros engenheiros que conhecem o trabalho, para so-
lucionar seus problemas. Em resumo, na maioria dos casos há conflitos
o
forma de resolvê-las tem sido por meio de relações informais que de poder, na base dos quais está a posse do saber sobre o trabalho; 0
C)
96 97 ."")
.....
o
\,,I


c esses conflitos são enfrentados com , a criação de uma estrutura de talista, são até certo ponto disfuncionais na medida em que não
"''
( ,,;
poder paralela à hierarquia formalmente estabelecida, a partir, justa- contribuem com o seu saber para a maximização dos resultados do
o mente, do critério de competência técnica. processo produtivo. Os que de certo modo escapam a essa educação
e assumem uma posição de maior autonomia, colocando o seu saber
c É interessante notar que esse tipo de relação de poder só ocorre à disposição da empresa, são disfuncionais porque são controlados
( "\ entre os supervisores e os engenheiros de produção de cada área. Os com mais dificuldade. O dilema que se coloca, pois, é a escolha
""" dois engenheiros gerentes da Linha de Montagem e da Fábrica de
o Motores funcionam como gerentes de pessoal, não tendo nada a ver
entre um corpo coletivo menos competente e mais submisso, ou um
corpo coletivo mais competente e criativo, porém mais independente
c com as decisões sobre o processo de trabalho. Eles resolvem questões e dificilmente controlável. O capital parece resolver esse dilema através
c relativas à administração propriamente dita, controlando os resultados
finais da produção, fazendo a ligação com a diretoria, resolvendo
do dimensionamento desses dois grupos, buscando constituir um corpo
coletivo que equilibre submissão e autonomia, desqualificação e qua-
c questões de material e de pessoal. Daí a área de conflito de poder lificação, com uma melhor relação quantitativa possível entre os
f""\
ocorrer entre supervisores e engenheiros de produção, que são os operários adequados às tarefas mais simplificadas e previsíveis e às
c"'"' .legítimos representantes dos níveis de decisão e execução do trabalho. tarefas mais complexas, que exigem maior competência e mobilização
de energias intelectuais. Evidentemente, o disciplinamento dessa parte
o Conforme se verificou, as relações reais, que extrapolam a
pirâmide formal de decisões, determinam que o poder para decidir
mais atuante do corpo coletivo exige estratégias mais refinadas que
o depende, além da competência técnica, das relações de força que se
vão desde a negociação salarial aos processos de cooptação.
o estabelecem entre .o pólo que decide e o pólo que executa, em função Em relação ao processo decisório concreto, observa-se que ele
c do domínio do conteúdo do trabalho e da capacidade de negociação
de cada lado. Esta capacidade de negociação por parte dos operários
é. absolutamente irracional e imprevisível, sendo determinado não pela
o está diretamente ligada à consciência que eles têm acerca de sua
hierarquia formal, mas pelas relações reais de produção, não obstante
a sua tão decantada "racionalidade", anunciada pelos teóricos da
o competência, ou seja, ao sentido de valorização do seu saber. Veri-
ficou~se, por exemplo, a existência de montadores e supervisores
administração da empresa capitalista.
o qualificados mas que, imbuídos do ethos burocrático, assumiam o seu
I
I. Para os objetivos deste estudo, é importante observar que a
o papel subalterno e eram absolutamente incapazes de discutir, argumentar qualificação, entendida como domínio do conteúdo do trabalho, aliada
c e fazer valer o seu ponto de vista junto ao seu superior hierárquico.
Esta internalização da condição de subalterno, a quem, mesmo estando
à consciência do valor do seu saber, é um dos determinantes do
espaço para decidir, independentemente do cargo ocupado. De qualquer
o cheio de razão, cabe apenas submeter-se às ordens recebidas, é fruto modo, ela não é o determinante definitivo, na medida em que as
o do próprio processo educativo no interior da fábrica e· das relações
capitalistas mais amplas.
relações de poder formal mente estabelecid as também se constituem
c num dado concreto, que deve ser considerado. Daí ter-se afirmado
anteriormente que a conquista deste espaço depende da relação de
o Já outros supervisores e operários, principalmente os mais qua-
lificados (ajustadores, ferramenteiros e mecânicos de manutenção),
forças entre os dois pólos, o que decide e o que executa, que vai
c profundamente conhecedores do seu trabalho e conscientes disto,
determinar alianças e antagonismos, jogo no qual o conhecimento do
o simplesmente não admitem interferência na sua área. Estes reagem
trabalho e a consciência política desempenham papel fundamental.

o contraditoriamente à educação capitalista, na medida em que assumem


uma posição de maior autonomia. Como se pode verificar, os resultados
Ao se afirmar qtie nem sempre os especialistas ligados às funções
de decisão são os mais competentes para decidir, não se pretende
c dessa educação acionada pelo próprio capital geram uma contradição, cair na posição ingênua de afirmar que são efetivamente os profissionais
c colocando-o num dilema: os operários mais dependentes, e, portanto, ligados à execução os mais capazes para fazê-lo; isto significaria
estabelecer uma relação mecanicista entre posição hierárquica, geral-
r -,.,-/
mais facilmente controláveis, produzidos pela própria educação dlpi-

c 98 99
c,....,
o
··""\
<.,.}

mente influenciada pelo nível de escolarização, e competência, o que abonos, transporte, alimentação, assistência médica etc. Enfim são \., ....

valeria estabelecer a mesma relação mecanicista entre teoria/prática e


competência, independentemente do ponto de vista a partir do qual
apresentados aos ingressantes na "família" os seus direitos e deveres,
com a devida ênfase na disciplina de horário. O supervisor de segurança
o
se faça a análise: do executor, prático e sempre competente, ou do fornece instruções sobre o equipamento, seu uso, e os cuidados que o
decisor, teórico e sempre incompetente, ou vice-versa. É justamente
esse mecanicismo que a análise concreta nega, mostrando que o poder
eles devem ter no trabalho, após o que eles são considerados. devi- o
para decidir se define nas relações concretas de produção, nas quais
damente iniciados e começam seu período de experiência.
o
o domínio do saber sobre o trabalho e a consciência do espaço de Neste período, a assistente social faz freqüentes entrevistas com
o novo operário e com o seu supervisor, com o obj~tivo de verificar.
o
negociação que a posse desse saber determina, desempenha papel
fundamental. Ou seja, o desconhecimento do conteúdo do trabalho a adaptação ao trabalho e as dificuldades existentes, que procuram
constitui-se num dos elementos determinantes da dominação do capital ser solucionadas. Findo o período de adaptação e efetivada a contratação,
sobre o trabalho. a assiste,nte social só passa a atuar quando procurada, ou pelo operário,
ou pelo seu supervisor, para o enfrentamento das questões anteriormente
Nesse sentido, a posse desse saber confere poder ao operário, arroladas.
capaz de negociar, a nível não só dàs decisões, mas também de
salários, promoções e condições de trabalho. A partir daí, o operário fica sujeito ao acompanhamento cotidiano
realizado pelo supervisor e pelo instrutor, que são os responsáveis
Ao mesmo tempo que se desenvolve esse processo amplo e mais diretos pela execução do projeto peda!?§gico da empresa. Para
contraditório de educação do trabalhador através do processo de que este trabalho seja possível, os supervisores têm reuniões semanais
produção, com suas estratégias particulares de divisão e organização com os gerentes, especificamente' neste caso, da Linha de Montagem
do trabalho, ampliação da tarefa, controle do ritmo pelo operário, e da Fábrica de Motores, bem como reunlõ~s periódicas com o gerente
rotatividade interna e processo decisório, a empresa desenvolve um do Departamento de Relações Industriais, que coloca a questão da o I

processo intencional de educação do operário mediante acompanha- seguinte forma: "os supervisores são elementos-chave e atuam numa
área crítica; eles têm que atender os interesses da empresa e manter
o
mento de sua prática cotidiana. Articulado ao trabalho educativo
relativo ao aprendizado das técnicas e condutas adequadas ao exercício boas relações humanas com o pessoal. Há um carinho especial no o
da tarefa no trabalho dividido, esse acompanhamento objetiva, fun- seu acompanhamento, através de reuniões periódicas onde se discutem
as dificuldades". · OI
damentalmente, inculcar a ideologia da empres.a, pela veiculação de
um conjunto de valores que facilitem a integração do operário aos
oi
·.0 objetivo destas reuniões é discutir as questões técnicas relativas
seus objetivos. Esse processo será analisado a seguir. ao trabalho em cada área e também preparar os supervisores para o
sua tarefa educativa, que inclui a difusão da ideologia que apresenta
a fábrica como uma grande e harmoniosa família. Clichês como os
o
O'
3.1. Adaptação e disciplinamento: o acompanhamento seguintes são constantemente repetidos nas reuniões:
cotidiano
"a fábrica somos nós; somos todos responsáveis pelo sucesso O·
O primeiro trabalho de adaptação do funcionário à empresa é
feito pelo setor de Serviço Social, assim que se efetiva a sua
da empresa e por isso somos igualmente recompensados; aqui·
somos todos iguais, não existe chefe,· precisamos produzir com
qualidade para vencermos o inimigo, que é o concorrente; por
oio
contratação. Inicialmente, os novos contratados assistem a um filme isso não .podemos brigar entre nós; nós somos amigos e temos
sobre a história da empresa no mundo e sobre sua tecnologia. Em que ser fortes para vencer o concorrente". o
seguida, é feita uma "reunião de integração", em que se discorre
sobre o que é a empresa, por que ela se instalou no Brasil, quais
o
Ou, para usar o discurso ; de um dos gerentes entrevistados:
são os benefícios que ela oferece, política salarial, promoção, faltas, ")
'-..,,
"todos são engajados; eu transferi a idéia do controle de qualidade:
100
J
101
"')
'-o·

o
""""
c
,
( ..........
......
(~' todos têm que vestir a camisa, trabalhar com qualidade; a empresa Embora se saiba que, por trás dessa forma disfarçada de exercer
'-'~

faz parte da vida de cada um; este é o ponto de partida da nossa o taylorismo, está o objetivo de super-exploração do trabalhador, ou,
o filosofia e hoje eu tenho uma orquestra afinada". na expressão de um dos supervisores, "conseguir os números", é
inegável a dimensão de respeito ao trabalhador como pessoa. Mesmo
c Todos são estimulados a estabelecer relações personalizadas considerando que esse "respeito" é relativo, na medida em que é
("'
...,,,) amistosas com os subordinados; há uma idéia muito forte de grupo, superficial, por não atacar a questão central do caráter de mercadoria
( ""\, revelada inclusive pelo critério principal de seleção do instrutor, que
~,.'
a ser bem explorada, criam-se condições concretas de trabalho que
é a liderança, considerada mais importante que a competência técnica.
'""\
(51<"' representam um avanço em relação ao exercício puro e simples do
Há uma política consciente de valorização pessoal e de controle
taylorismo. Apesar de seu caráter de mascaramento das contradições
c centrado na tarefa, e não na pessoa.
e de manipulação dos operários, estes aprendem que é possível, mesmo
c O processo de difusão dessa ideologia é bem burocrático; os
gerentes a difundem aos supervisores, e estes aos instrutores..
na sua situação de explorados, trabalhar em boas condições; esta é
uma conquista irreversível, não podendo a empresa diminuir seu
o Como já se indicou anteriormente, há uma nítida divisão de
padrão sem que disto resultem reivindicações. Por outro lado, esse
c tarefas entre o supervisor e o instrutor. Este desempenha uma função operário tenderá a exigir a generalização dessas condições em outras
o pedagógica bem específica, voltada para o ensino do trabalho pro-
priamente dito. Evidentement~. ao mesmo tempo que ele ensina a
empresas, onde tal não ocorre. Desta forma, ele vai aprendendo a
exigir o cumprimento de seus direitos de trabalhador, o que é um
c tarefa, ela passa a ideologia, mas este é um objetivo secundário de avanço ao nível da sociedade brasileira, onde isto raramente ocorre.
o sua prática. O supervisor é o "comissário subalterno de hegemonia" por
c Já o supervisor desempenha a função de gerente de pessoal, _excelência, na medida em que seu projeto' administrativo traz embutido
c atuando como um legítimo administrador da escola de Relações
Humanas, com o que se afasta dos problemas técnicos da produção,
um projeto pedagógico amplo de educação do trabalhador que se
exerce ao nível das relações interpessoais, como se pode verificar em
o que são enfrentados pelo instrutor e pelos engenheiros de processo. seus discursos:
o Além das tarefas burocráticas que realiza, que se constituem na
c dimensão coercitiva de sua prática hegemônica (cobrança da produção
diária, contatos para saída, atestados, controle do cartão de ponto,
"Quem toca o trabalho são os instrutores: eu sou o homem
político da equipe; eu dou prioridade a eles como homens e
c encaminhamento para o Serviço Social), ele desempenha um papel
eles me dão os números de volta fazendo por mim o trabalho;
os meus operários têm que sentir que fazem parte de uma turma
c muito importante na obtenção do consenso, por meio da criação de diferente; se você é amigo, eles retribuem, trabalham com
c condições favoráveis de trabalho ao nível do que se chama em
administração de obtenção do "clima organizacional" favorável à
vontade; tenho o menor índice de absenteísmo da fábrica".
(Supervisor)
c exploração do trabalho. Durante os três meses em que se permaneceu
o na produção, verificou-se que os resultados desse processo de educação
são os esperados pela empresa. Ao chegar às áreas de produção-,
"Eu dou cobertura, apoio para o pessoal; eles têm que ser
protegidos para trabalhar tranqüilos; quanto menos problemas
c percebe-se o clima de tranqüilidade, de respeito, de ausência de melhor vão trabalhar; não faço muita coisa". (Supervisor)

c controle rígido na pessoa; as relações entre os operários, e entre eles,


instrutor e supervisor, são relações amistosas e afetivas. Eles discutem
"Oriento, crio condições de trabalho para o pessoal; faço preparo
c seus problemas, trocam confidências e conselhos, resolvem suas ne-
psicológico, tem muita gente nervosa; ouço os desabafos, dou
apoio, dou mais condições de trabalho para o pessoal trabalhar
c cessidades em termos de horários, saídas antecipadas, ou relativas ao
trabalho propriamente dito, bem ao estilo da teoria de Relações
tranqüilo". (Supervisor)
c Humanas. Em resumo, dificilmente se percebem conflitos e antago- "Oriento o pessoal mantendo a disciplina, dou bons e maus
c nismos. conselhos". (Supervisor)

c 102 103
c
"'"'
()
~J
/ J
. ""'·)
"Gostaria de fazer um curso de relações humanas para lidar QUADRO 2
com o pessoal; às vezes não sei se sou muito bom; tenho
Experiência anterior e nível de escolaridade dos supervisores
o
tendência a não agravar; como saber quando o camarada está
de malandragem? Sempre trabalhei de empregado". (Supervisor) da Linha de Montagem- e Fábrica de Motores o
SETOR EXPERI~NCIA ESCOLARIDADE ()
"Logo de manhã vou para a linha, cumprimento; tenho certa
psicologia, já sei os problemas deles, converso e eles se abrem,
Pré-montagem
ANTERIOR

Mecânica (11 anos) Último semestre do curso


o
sou um pai, um padre, um conselheiro sentimental; trato os
operários com carinho; os méritos são do pessoal; não fiscalizo; Supervisão (1 ano) superior de Administração o
não reprimo; não vou para a linha para conversar e resolver
problemas; eles não trabalham forçado, têm liberdade sobre
de Empresas em curso o
Furação e rebitagem Oficina mecânica (J
qualquer assunto, me ponho igual a eles". (Supervisor) (27 anos) Primário completo
Motorista o
É interessante observar que por trás do monolitismo desses
discursos estão níveis de escolaridade e de experiência completamente Pintura
Churraqueiro de
restaurante Terceira série ginasial
o
distintos, havendo entre os supervisores desde um acadêmico em final /')_, Supervisor de pintura o
de curso de Administração de Empresa e um engenheiro com 1O
anos de prática de supervisão até mecânicos que exercem a função
(6 anos) o
pela primeira vez, conforme se pode verificar no quadro a seguir. ·, Linha de ônibus Torneiro mecânico
Contramestre (4 anos)
Segundo grau - técnico
em mecânica
o
O fato de não se poder identificar diferenças nos discursos dos
'
Linha de montagem de Estofador (29 anos~ Ginásio completo
,o
supervisores, apesar da diversidade de sua qualificação, demonstra
que a empresa capitalista possui um eficiente esquema de educação
. cabines o
de seus agentes de hegemonia.
Ajustagem Supervisor de produção Ginásio completo o
No caso específico da empresa X, os supervisores e instrutores
Linha de caminhões Solda
Supervisor de solda
2 anos de curso superior
na Alemanha; o
são encaminhados para o curso de chefia e liderança do SENAI. (13 anos) escola técnica
Segundo os próprios supervisores, a eficiência desse curso é limitada, Linha de montagem de Mecânico Primário completo
o que leva a crer que a educação do supervisor enquanto agente de motores - SENAI
hegemonia se faz fundamentalmente no trabalho, com a. "carinhosa"
assistência dos gerentes que, além das reuniões, fazem um acompa- Mecânico e operador
de máquinas
nhamento cotidiano da prática de seus agentes: Linha de usinagem
Supervisor em automobi- Primário completo
de blocos
lísticas em São Paulo
"Tudo que a gente aprende de supervisão nos cursos nunca é (13 anos)
igual à prática; é muito bonito se ouvir falar; a filosofia é
espetacular, mas aqui embaixo é completamente diferente, não Mecânico
dá para aplicar os métodos. Sem uma capacidade nenhum Ferramenteiro Segunda série· do ginásio
Férramentaria
supervisor sobrevive: CPSV - capacidade para se virar'. (Su- Encarregado de - SENAI
pervisor) ferramentaria (12 anos)
Supervisor de mecânica Engenheiro mecânico,
Mecânica de
Formados exclusivamente no e para o trabalho produtivo, com de manutenção em curso de supervisão
manutenção de
um nível de escolaridade geralmente baixo, a descaracterização de automotivas de São
máquinas (TWI)
Paui~_Q2 anos) _
sua função anterior reveste o trabalho dos supervisores de certa ------ ---- f")
ambigüidade. Isto porque se cobram deles funções distintas, a partir "' I
'c).•
104 105 :)I
.. I
o
1,,.;

C'
( '"
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-- da divisão entre funções técnicas e políticas na fábrica. Os técnicos 4. A POLÍTICA SALARIAL E A QUESTÃO
\.r·'1'
são os responsáveis pela organização do trabalho, especificamente os DA QUALIFICAÇÃO
o engenheiros de processo e os instrutores; os políticos são os responsáveis

--c
._, pela habituação do trabalhador ao trabalho organizado, evidenciando
a perfeita complementação entre taylorismo e relações humanas. Os
gerentes desempenham a função política, e no caso em estudo são
O mecanismo de remuneração direta e indireta utilizado pela
empresa X desempenha importante papel educativo com o objetivo
de manter a exploração do trabalho pelo capital, em virtude de seu
o os engenheiros gerentes de Linha de Montagem e de Fábrica de
Motores, o gerente do Departamento de Relações Industriais e os
elevado poder de desmobilização da classe operária. Na medida em
o supervisores.
que os operários percebem que, além de possuírem melhores condições
de trabalho, são remunerados em níveis superiores aos das outras
o Subordinados diretamente aos gerentes de seu setor de produção,
empresas, passam a dirigir seu comportamento rumo a um único
o os supervisores funcionam como elo de ligação entre os operários e
objetivo: manter-se no emprego, para o que devem pautar rigorosamente
sua conduta pelos "padrões da empresa".
C· a administração superior, sendo cobrados a nível de sua função de
o coerção e consenso. Ao mesmo tempo, eles estão em relação com
os engenhefros de processo, e são responsáveis pelos instrutores, sendo
Embora a melhor remuneração da força de trabalho seja uma
estratégia antiga utilizada pelo capital, tendo em vista obter altos
o que ambos lhe cobram competência técnica. padrões de produtividade e disciplina, o desenvolvimento recente da
o Essa ambigüidade se acentua ainda mais em decorrência da
teoria da administração, notadamente das escolas das Relações Humanas
e Comportamentalista, revestiu-a de características mais sutis e sofis-
c posição que os supervisores assumem em relação à sua própria função.
ticadas, tendo em vista promover a satisfação do operário e utilizá-la
o Alguns rião conseguem se divorciar de sua prática anterior, continuando
a trabalhar diretamente na produção: "Sempre trabalhei de empregado
como força produtiva, na medida em que instituiu a remuneração
c e não consigo me divorciar da linha; passo a maior parte de tempo
indireta mediante benefícios.

o lá, gosto de estar acompanhando junto" (Supervisor). Esses benefícios são vistos pelos operários como uma "benesse"
da empresa, como um prêmio ao seu bom e produtivo comportamento,
c Estes são apresentados pelos engenheiros de processo como e não como uma forma de remuneração a que eles têm direito, por
c competentes, enquanto aqueles que assumiram a função gerencial são
criticados por sua acomodaÇão, por sua dependência, enfim, por não
sua efetiva participação na produção de valor.
c "colocarem a mão na massa". Já quanto aos gerentes, são considerados Assim, essa política, cujo custo está por volta de apenas 2%
o competentes os que assumiram real~ente sua função de gerentes de do orçamento global da empresa, funciona como um mecanismo sutil
de superexploração de mais-valia, na medida em que, buscando a
c pessoal e apresentam bons relatórios, mantêm a disciplina e têm
baixos índices de absenteísmo e rotatividade em suas respectivas áreas. contenção das contradições, facilita a maximização da utilização da
c Esta divisão entre "técnicos e políticos" cria um sistema de
força de trabalho comprada com o aumento da produtividade como
resultado da satisfação e da estabilidade no trabalho.
o relações não previsto pela organização formal, determinando que os
Aliada a outras políticas; a dos benefícios faz com que os
o operários e instrutores se dirijam diretamente aos engenheiros de
processo para resolver as questões relativas ao trabalho, e aos super- operários se sintam valorizados como pessoas pela empresa, que,
o visores e gerentes para resolver questões pessoais ou de disciplinamento. como uma mãe protetora, se preocupa com o bem-estar de seus filhos.
C· O que eles não percebem é que o preço desta "proteção" é o controle,
A partir dessas relações criou-se uma verdadeira área de conflito pela empresa, de todas as esferas de. sua vida profissional e particular,
o entre supervisore·s e engenheiros de processo, o que demonstra mais tendo em vista a sua eterna e espontânea submissão aos mecanismos
o uma vez que a divisão do trabalho, com sua especialização, traz de exploração. Assim, junto com as "soluções" para os problemas,

c limites ao próprio desenvolvimento capitalista. ~


vêm as orientações sobre a importância da manutenção do conveniente

c. 106 107
o
~---'0
""''\
'-.)

:J
esquema familiar, controle da natalidade, cuidados com a saúde,
padrõ·es convenientes de consumo que não extrapolem o poder aquisitivo
vanas saladas, duas variedades de legumes cozidos, feijão, arroz. o
limitado pelo baixo salário, e assim por diante.
massa, batata, sopa, sobremesa, leite, refresco e cafezinho; existe uma
coordenadora que atende às reivindicações dos operários apresentadas
o
Toda a vida do operário passa a se dar a partir da empresa, pela comissão de alimentação, composta por representantes de cada o
que, para melhor explorar e controlar sua atividade produtiva, precisa área; além disso, são feitas pesquisas periódicas para levantar as
preferências dos funcionários, que são atendidas na medida do possível;
o
inculcar determinados valores e justificativas, organizar o lazer, dirigir
o processo educativo, cuidar da saúde, da habitação, da alimentação,
o
do vestuário, do transporte.
- lariches diários gratuitos, duas vezes por dia, com pão com
margarina ou doce, café com leite, café preto ou chá;
o
Por isto, mostra Gramsci que a "hegemonia vem da fábrica, e - uniforme e lavanderia gratuitos; os uniformes são lavados
o
para ser exercida necessita de uma quantidade mínima de intermediários duas vezes por semana; q
profissionais da política e da ideologia", que criam para os trabalhadores •']1.1
uma moralidade que a cada vez mais se afasta da moralidade das - transporte da empresa para os diferentes pontos da cidade,
outras camadas sociais. pago simbolicamente pelos funcionários;
Nesse sentido, mostra o autor, as iniciativas "puritanas" dos - assistência médica gratuita com quatro alternativas: o médico
industriais, característicos do americanismo, não se preocupam com da empresa, que atende diariamente no local de trabalho, o INAMPS,
a "humanidade" e com a "espiritualidade" do trabalhador; essas cujas consultas são marcadas previamente pela assistente social, Paraná.
iniciativas só têm por objetivo: Clínicas e, caso o funcionário não se satisfaça com estas alternativas,
poderá escolher o médico particular de , sua preferência, que será
"conservar, fora do trabalho, determinado equilíbrio psicofísico remunerado pela empresa;
que impeça o colapso fisiológico do trabalhador, premido pelo
novo método de produção... O industrial americano preocupa-se - seguro de vida gratuito;
em manter a continuidade da eficiência física do trabalhador,
da sua eficiência muscular nervosa; é de seu interesse ter um - associação, que possui áreas de lazer, canchas de esporte,
quadro de trabalhadores estável, um conjunto permanentemente salão de festas, bar, e promove as mais variadas atividades culturais
afinado, porque também o trabalhador coletivo de uma empresa e esportivas para o lazer e para a educação dos funcionários e de
é uma máquina que não· deve ser desmontada com freqüência seus familiares;
e ter suas peças renovadas constantemente sem perdas ingentes".
(Gramsci, 1978a, p. 397) - convênios com supermercados e farmácias;
- boutique, que vende roupas com a marca da empresa (blusões,
camisetas, jaquetas, agasalhos) a preço de custo;
4.1. Os benefícios
- agência bancária na empresa, para uso dos funcionários;
Com a finalidade de manter seu corpo coletivo em boas condições - banco de horas para os mensalistas, que têm horário flexível,
psicofísicas e politicamente adaptado, a empresa oferece os seguintes :1 podendo compensar atrasos e saídas antecipadas em horários de sua
benefícios: conveniência; da mesma forma, as horas trabalhadas a mais ficam de
- alimentação: a empresa oferece refeições através da alocação reserva no "banco" para suprir eventuais necessidades;
dos serviços de uma cozinha industrial, que são pagos simbolicamente - assistência social.
pelos funcionários; não há distinção entre o cardápio dos mensalistas
e horistas, que se servem livremente do tipo e quantidade de alimentação A assistência social é desempenhada pela profissional do setor
preferida entre várias alternativas que incluem dois tipos de carne, ~~ de Serviço Social do Departamento de Relações Industriais, cuja
108 109
._,
f".

c::
c função vai da solução dos problemas mais simples à veiculação da
concepção de mundo. Conforme se observou, ela é um dos agentes
Além desta contribuição, a assistente social promove uma cam-
panha entre os sócios da Associação, que contribuem mensalmente
c fundamentais- para a produção do consenso, na medida em que se com uma taxa fixa por eles estipulada, para a manutenção de creches
c propõe a resolver todo e qualqúer problema que possa causar a eclosão em convênio com a Prefeitura e LBA. Como se pode verificar, ela
não só "resolve" os problemas dos funcionários como também cria
(_,..,
"'\ de antagonismos, e assim perturbar a "harmonia do corpo social".
Evidentemente, os funcionários não a percebem desta forma, mas oportunidades para a canalização de seus sentimentos humanitários,
o como uma verdadeira mãe, amiga, conselheira e analista. educando-os segundo os moldes da sociedade liberal.
c Além de sua responsabilidade na seleção, ela resolve questões Os problemas mais comuns para cujo enfrentamento ela é
c nas seguintes áreas: procurada variam em função da classe a que pertencem os funcionários.
Os operários a procuram fundamentalmente para resolver problemas
c - relações de trabalho: promove a integração, acompanhando financeiros vinculados à questão da sobrevivência: falta de dinheiro
c o funcionário durante e após o período de experiência, resolve· os para o aluguel, para a conta de luz e de água, para o material escolar
c, casos de inadaptação funcional, faz transferência de função a pedido
do funcionário ou de seu chefe, encaminha as reivindicações de
das crianças, para o pagamento das prestações; auxílio para a aquisição
de casas populares; mudança no itinerário do ônibus, e assim por
c promoção, resolve os casos de relacionamento entre colegas e com diante.
c a chefia, encaminha pedidos de qualificação profissional, faz entrevistas
por ocasião das demissões, pesquisa as causas de absenteísmo e
Já os funcionários administrativos têm problemas econômicos de
c rotatividade interna e externa, buscando enfrentá-las;
outro tipo, vinculados a níveis mais-altos de aspiração: mudar para
uma moradia mais ampla, redecorá-la, comprar casa na praia, trocar
c - habitação: auxilia os funcionários a fazer contratos de aluguel, -de carro, para o que procuram empréstimos junto à assistente social.
c· orienta-os na aquisição de casa própria e consegue financiamentos; Entre esses funcionários, os problemas mais comuns são os relativos
o - questões econômicas: providencia adiantamentos de salário,
ao relacionamento conjugal, havendo muitos casos de desquite, que
ela orienta.
o de férias, de décimo terceiro salário e consegue empréstimos pela
Apesar de se caracterizar como um poderoso intelectual a serviço
c associação ou outros agentes financeiros;
do capital, é inegável a efetiva contribuição que a assistente social
·c - questões familiares: orienta os funcionários nas questões presta aos funcionários, principalmente aos operários que, não por
relativas à adaptação familiar, que vão desde as brigas com a sogra
o aos desquites, do planejamento familiar à adoção de bebês;
coincidência, geralmente são os menos capazes para enfrentar a
burocracia na luta pelos seus direitos. Nesse sentido, ela desempenha
c um eficiente trabalho de. educação, ensinando aos operários como
c - questões previdenciárias: orienta os funcionários e promove
diligências para a consecução de auxílio-doença, acidentes de trabalho,
defenderem seus próprios direitos e as formas de proceder no enca-
minhamento de questões que envolvam os órgãos da Previdência, da
o aposentadoria e pecúlio; Justiça e as instituições financeiras: "procuro ensinar para que as
'0 - questões jurídicas diversas: inventários, desquites; pessoas saibam se movimentar sozinhas; quando não há condições,
_),
eu mesma faço tudo".
c - questões educacionais: incentivo à matrícula das crianÇas,
o consecução de vagas nas escolas próximas à residência, concessão de
Não obstante essa contribuição, há que considerar o caráter
ideológico das soluções para os problemas existentes, na medida em
c bolsas de estudo para todos os filhos de funcionários que cursam da
primeira à quarta série do primeiro grau, com utilização direta do
que a causa real não é enfrentada: a contradição capital/trabalho.
o Salário-Educação, cuja sobra de recursos é doada a colégios com Evidentemente, essa forma de enfrentamento fere a lógica da
c problemas financeiros. -~ própria proposta deste tipo de serviço, que existe para criar condições
c 110 111
C'
,-..
. JBCJ o
o
,. ~ (~)
nível, encontrando um operário sentado no chão, alimentando-se de
favoráveis à reprodução ampliada do capital procurando conter essa
contradição, e não superá-la.
sua própria marmita (fria), perguntou-lhe a razão daquilo; respondeu-lhe o
A eficiência desse serviço pode ser percebida no discurso dos
o operário que não gostava do tipo de comida servida no refeitório: o
operários entrevistados, em que a empresa, de modo geral, e, parti-
Em função deste caso único todo o refeitório foi reformado, as
refeições deixaram de ser servidas em bandejas e instalou-se o sistema o
cularmente, a assistente social são descaracterizadas de sua função de de auto-serviço; a cozinha industrial que fornecia as refeições foi o
exploração, aparecendo como os verdadeiros protetores e benfeitores
da classe trabalhadora:
substituída e instalou-se o sistema de coordenação de cardápios,
pesquisa e comissões de alimentação, atualmente vigente.
o
Esse exemplo demonstra o grau de consciência da empresa em
o
"Procuro sempre a assistente social para resolver meus problemas
pessoais; ela é uma mãe para as coisas certas; s6 não faz o relação ao seu papel no pacto, a par da reduzida consciência de seus
impossívef'. (Montador) direitos pelos operários. Na matriz, provavelmente o descontentamento
com a alimentação teria gerado mobilização coletiva; o operário
"A assistente social é uma mãe, ela é fora de série". (Supervisor)
paranaense, que ainda ontem fora bóia-fria, continua a sê-lo.
"Eu era viciado em maconha; a assistente social ajudou e eu
fiz tratamento médico de graça; se não fosse a empresa, eu Depois de passar pela empresa X, dificilmente o operário se
estava na rua: a assistente social resolveu tudo e agora estou ajustará às condições de trabalho e de remuneração que caracterizam
com a vida tranqüila". (Montador) a maioria das empresas instaladas no Brasil. Nesse sentido, a apren-
dizagem do exercício de seus próprios direitos é irreversível, e pode
Além deste caso de tóxico, a empresa tem-se responsabilizado extrapolar o nível da fábrica em busca de participação política mais
pelo custeio de tratamentos de casos de alcoolismo, e de outros casos ampla. Pelo caráter recente dessa experiência, ainda é cedo para
de saúde, concretizando um dos pontos principais de sua política de obter-se comprovação empírica para essa hipótese, que poderá ser
recursos humanos. objeto de estudos posteriores.

~·a
Dentre os entrevistados, apenas um manifestou consciência acerca
do real papel da assistente social; é um montador que tem segundo
grau completo e militância política num dos partidos de oposição: 4.2. A estrutura salarial e suas relações com a
"A assistente social defende o interesse da empresa; ela desrespeita qualificação do trabalhador
os operários, que atende de qualquer jeito, em cinco minutos; o
pessoal engravatado ela atende a tarde toda". A política salarial é explicitada no Manual de Cargos e Salários;
Analisada em sua totalidade, a política de benefícios expressa seus princípios básicos são a diferenciação salarial através dos níveis
bem o pacto ao estilo social-democrata, que a empresa se propõe a de qualificação e responsabilidade, a competitividade dos salários em
estabelecer com a força de trabalho, bem como seu caráter peculiar relação a outras empresas de âmbito local e nacional, o estímulo às
em face da situação não só paranaense, como também brasileira. diferenças de desempenho individual e a adoção de soluções de menor
Deixando à parte seu caráter ocultador da contradição fundamental, custo para a empresa e maior satisfação para as pessoas.
bem como seus objetivos desmobilizadores, há que considerar que, f A estrutura salarial é. diferenciada para os horistas, mensalistas
contraditoriamente, o serviço social desempenha um papel educativo i e gerentes, existindo critérios e níveis salariais específicos para cada
inestimável ao operário paranaense: mostra que ele tem direitos I
caso.
enquanto trabalhador, que podem e devem ser respeitados pela fábricas, !
os quais ele deve reivindicar.
A empresa X leva tão a sério esta questão que, em seguida ao
l Para os horistas, objeto principal deste estudo, ela é definida
pela Descrição dos Cargos, documento elaborado pelo Setor de Relações

i
Industriais; cada cargo descrito recebe um número de pontos a partir
período de implantação da empresa, um funcionário da matriz de alto
.
.
113
112
::
;J •
\BC\
\,,
r'
\._.-'

c
('"' de sua avaliação com o auxílio dos critérios estabelecidos pela especificações, programas, uso de instrumentos de medição ajustáveis
'~.y

Classificação do Trabalho Manual, elaborado pela Associação Ame- e graduáveis que requeiram interpretação; encaminhamento, preparação,
o ricana ·de Gerência Industrial. Com os pontos assim obtidos, compõe-se uso e confecção de formulários, relatórios, arquivos e informações
c uma tabela que prevê 10 níveis salariais, numerados de 11 a dois. comparáveis;

c A remuneração correspondente a cada nível é determinada por pesquisas


salariais contínuas; o reajuste salarial é trimestral, além do que são
- para o Grau 3, o uso de matemática de oficina, desenhos

c concedidos aumentos por. desempenho e por promoção.


complicados, especificações, quadros, tabelas, vários tipos de instru-
mentos de- medição ajustáveis e treinamepto equivalendo de I a 3
c -
Para os horistas, a Classificação do Trabalho Manual prevê os
anos de prática em uma ocupação especializada;
c seguintes critérios de avaliação para a determinação do salário: instrução, - para o Grau 4, o uso de matemática avançada de oficina,
C· experiência, iniciativa, esforço físico, esforço visual e mental, respon- de desenhos complicados, especificações, quadros, tabelas, fórmulas
sabilidade por equipamentos e materiais, responsabilidade por segurança, do manual de instrução, todas as variedades de instrumentos e amplo
c responsabilidade por supervisão, condições de trabalho e riscos no treinamento em uma profissão conhecida;
o trabalho. - para o Grau 5, o uso de matemática superior na aplicação
c A instrução é definida como treinamento básico, conhecimento de princípios de engenharia e no desenvolvimento de operações
c ou formação escolar necessários para o exercício da função; esse práticas, juntamente com um conhecimento compreensivo de teorias
e práticas de engenharia mecânica, elétrica, química, civil ou equiva-
c conhecimento ou formação podem ter sido adquiridos ou por instrução
formal ou por treinamento preliminar em trabalhos de menor grau,
lente; esse grau equivale a quatro anos de formação técnica ou
c ou pela combinação desses meios. Daí os níveis de instrução serem
universitária.

c definidos pelos comportamentos esperados e não por graus de ensino, A experiência supõe o mínimo de tempo necessano para que
uma pessoa normalmente qualificada, trabalhando sob uma supervisão
o ao mesmo tempo que se toma a experiência como substituto da
escolaridade. Já para os mensalistas que ocupam predominantemente normal, obtenha o padrão esperado de desempenho na execução da
c funções ligadas à administração e cuja classificação obedece a outros tarefa; ela pode se referir tanto à experiência prévia em trabalhos
correlatos como ao período de treinamento ou adaptação no trabalho
c critérios, o nível de instrução é avaliado pela freqüência aos diferentes
graus do ensino regular. Enquanto para os mensalistas a classificação
específico na empresa; os graus de I a 5 variam entre 3 meses e 5
c de um a cinco para o fator instrução corresponde respectivamente à
anos.

o conclusão das quatro séries iniciais do primeiro grau, das quatro A iniciativa e habilidade implicam o uso de julgamento e a

c últimas séries do primeiro grau, dos cursos técnicos, dos cursos


superiores e dos cursos de pós-graduação, para os horistas a classificação
necessidade de tomar decisões como elementos de diferenciação salarial;
os graus também variam desde o uso de pouco julgamento e prati-
c implica comportamentos esperados, independentemente da conclusão camente nenhuma possibilidade de decidir; implicando apenas a ca-
o dos graus de escolaridade: pacidade para seguir instruções, até o uso de julgamento "fora do
comum", iniciativa e habilidade para trabalhar independentemente,
c - para o Grau 1, domínio de redação simples, adição e subtração
"'
implicando a criação de métodos e procedimentos para atender con-
c com números inteiros, e o simples cumprimento das instruções; uso
de indicadores fixos e leitura direta de instrumentos e aparelhos nos
dições não usuais e contribuições originais para a solução de problemas
complexos.
'0 quais a interpretação não é requerida; O esforço físico situa-se num contínuo que se inicia com pouco
C· - para o Grau 2, o uso de português comercial, gramática e
esforço físico (Grau I) até intenso esforço físico (Grau 5).
o aritmética, compreendendo as quatro operações inclusive com decimais O esforço mental ou visual varia desde a atenção mental ou
c e frações; o uso de fórmulas simples, quadros, tabelas, desenhos, <to
visual ocasional em operações praticamente automáticas até a atenção

c 114 115
c
-.
o
:')
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mental e visual exata e interesse aplicado no planejamento e preparação, QUADRO 3 ~I
quando não na execução, de trabalho bastante envolvente e complexo. Distribuição dos cargos pelos diferentes níveis salariais C)
Os itens responsabilidade por equipamentos ou processos e
na Empresa X - horistas da linha de montagem
e fábrica de motores
o
responsabilidade por material ou produto são expressos em valores NÍVEL PERCENTUAL
o
monetários, correspondendo a cada um dos 5 Graus. SALARIAL DE DIFERENÇA CARGO

o
A responsabilidade por supervisão é expressa pelo número de t
11
NO SALÁRIO

Auxiliar
o
pessoas sob a liderança de um funcionário, desde a responsabilidade
pelo próprio trabalho e eventualmente por uma pessoa, até a respon- 10 + 20% Montador li
o
sabilidade por mais de 25 pessoas. 9 + 19% Montador I "'"'
\~

8 + 18% Pintor
As condições de trabalho variam entre as muito boas até as Operador de máquina de usinagem
extremamente desagradáveis, e os riscos, desde a probabilidade remota Meio-oficial ajustador
até a probabilidade de incapacidade total ou morte. Eletricista
Funileiro
Os níveis salariais obtidos com os pontos resultantes da avaliação Mecânico de manutenção
dos cargos a partir dos requisitos acima expostos são apresentados ) 7 + 17% Ajustador de linha
no Quadro 3. Ajustador de mecânica
Ajustador de motor
A Descrição dos Cargos e a escala de Classificação do Trabalho Ajustaàor de veículo
Manual são utilizadas apenas para a montagem da estrutura salarial, Bombista
não sendo usadas no recrutamento para a avaliação dos candidatos e 6 + 16% Torneiro mecânico de produção I
determinação individual dos salários. Isto porque o recrutamento já é Soldador de produção
I

feito para um cargo determinado, geralmente para o de nível mais ..


·-~ Mecânico de manutenção .C
baixo, para o qual a faixa salarial já está pré-determinada na escala 5 + 15% Torneiro mecânico
salarial. Não importa que, se fosse realizada uma avaliação individual, Ferramenteiro I

o candidato obtivesse um número de pontos superior à faixa a que Soldador de manutenção


corresponde o cargo para o qual ele esteja sendo recrutado. O que Preparador de tintas
vai variar é a sua localização num dos 5 subníveis em que se Operador de dinamômetro
subdivide o nível em questão, que correspondem a 5 alternativas de Instrutor de montagem
Mecânico de manutenção B
salário com uma diferença de 7% entre cada uma delas. Mas esta
localização não se dá pelo resultado da avaliação do candidato; antes, 4 + 14% Mecânico de manutenção A
constitui-se num processo de negociação salarial, em que o parâmetro 3 + 13% Mecânico de manutenção. especializàdo
para a definição do salário do ingressante é o seu salário no emprego ,.. Instrutor de usinagem de blocos
anterior. Assim procura-se, dentre as 5 alternativas, a que ao mesmo Fresador
Ferramentei ro
tempo beneficie o ingressante e seja a mais barata para a empresa,
Afiador de ferramentas
mesmo considerando que os níveis de remuneração da empresa são
superi'?res aos da região. A negociação salarial faz parte do pacto 2 + 12% Operador de furadeira de coordenadas
Líder de ferramentaria
social estabelecido pela empresa, que faz questão de remunerar melhor ~- ---

sua força de trabalho, esperando em troca um comportamento que se •t

116 117
.,.
c
c enquadre nos seus padrões de exigência: produtividade, motivação, os inúmeros benefícios que a empresa lhes oferece. E, segundo eles,
ç colaboração, responsabilidade, integração aos objetivos da empresa. O justamente por conferir esses benefícios, a empresa tem direito a
o prêmio do salário mais alto é complementado pelos inúmeros benefícios exigir em troca que o operário cumpra com sua parte, apresentando
um comportamento compatível com o padrão de desempenho esperado.
c que a empresa oferece, acrescido pela estabilidade. Isto tudo ocorre
sem reduzir os ganhos do capital; pelo contrário, o que se pretende
c com o pacto, em que cada um deve desempenhar sua parte, é o Desta forma, os salários altos se constituem num dos meios que
c aumento desse ganho, na mais pura tradição taylorista, que professa
ser o lucro do patrão também o lucro do operário. As críticas a este
·,
..•
a empresa aciona para obter operários qualificados e ajustados às suas
normas de ·funcionamento.
o pressuposto já estão por demais disseminadas para merecerem maior A confrontação entre as relações concretas postas pela divisão
o discussão; relembra-se apenas que a acumulação do capital é resultante do trabalho na empresa e a proposta formal expressa na política
o da extração da mais-valia, e que este tipo de pacto encobre justamente
a intenção de usar os incentivos financeiros e psicossociais como
salarial permitem compreender melhor o seu caráter político e educativo,
através da análise da relação entre qualificação profissional e remu-
c fonte adicional de geração de mais-valia, ou seja, como força produtiva neração da força de trabalho, bem como do papel desempenhado pela
o a serviço do capital; em resumo, constitui-se num processo de supe-
rexploração da força de trabalho.
escolaridade.
o Conforme o que se observou, alguns dos princípios da política
c É importante salientar, pois, que a estrutura salarial, apresentada
como resultante de critérios científiCos, nada mais é do que um •
salarial realmente orientam a empresa nas decisões relativas ao salário;
c instrumento político utilizado de .. modo a assegurar os interesses do
•' verificou-se que os níveis salariais da empresa são superiores aos de
outras do Paraná, correspondendo aos das empresas da mesma natureza
c capital, constituindo-se num instrumento educativo importante. d_e São Paulo.
c Escondendo o caráter de reposição dos meios de subsistência O estímulo às diferenças de desempenho é relativamente atendido
o necessários à reprodução do trabalhador, a fábrica apresenta a política
salarial que lhe é peculiar, notadamente superior à das outras empresas
pela passagem aos subníveis superiores de um mesmo nível, ou pela
o da região, como recompensa ao comportamento político e tecnicamente ~s
promoção a um nível superior, numa escala salarial que oferece 55
possibilidades; mas isto não ocorre com muita freqüência. As promoções
o produtivo do operário. Desta forma, reveste-se de caráter coercitivo dependem da existência de vagas, o que não é comum, dado o
c e disciplinador, compelindo o operário ao desempenho correto de sua
função, a buscar melhorar sua produtividade, a contribuir com sugestões,
baixíssimo índice de demissões voluntárias ou determinadas pela
empresa. A passagem de subnível depende de avaliação do supervisor
o a submeter-se às normas da empresa sem discuti-las, a respeitar a e de autorização do departamento financeiro, que condiciona essa
c hierarquia, a ser pontual e assíduo. Esse operário é recompensado possibilidade à existência de recursos orçamentários; concretamente,
o com outros benefícios, tais como elevação de subnível na sua faixa
salarial, remuneração adicional por mérito, estabilidade e promoções.
verificou-se que ocorre uma vez por ano a atribuição, por este
departamento, a cada supervisor, de um percentual de aumento a ser
c Assim, a política salarial encerra uma acentuada dimensão de
distribuído para o pessoal, segundo o desempenho. Conforme os
o controle, com o objetivo de educar o corpo coletivo para ser produtivo, '
t-
depoimentos dos supervisores, este percentual é tão reduzido que se
torna difícil sua distribuição, sendo que os resultados não têm trazido
C· competente e dócil, além de agradecido. Esta dimensão de reconhe- diferenças reais nos salários.
o cimento está presente no discurso do pessoal do Departamento de
Relações Industriais e dos supervisores, que com freqüência apontam O princípio da remuneração de acordo com diferentes níveis de
o os operários que escapam ao disciplinamento promovendo mobilização qualificação é discutível, conforme já se começou a apontar anterior-
o e fazendo reivindicações das mais diversas ordens ou insubordinando-se mente; há outros elementos, que serão apontados a seguir, que permitem
c às normas da empresa como mal-agradecidos, que não reconhecem 4
I
avançar nessa direção.

c 118 119
o
Inicialmente, os documentos analisados permitem compreender automatização, a independência sobre a submissão, o planejamento
o que é um operário qualificado para a empresa. sobre a execução, o exercício do controle externo sobre a capacidade
de obedecer às normas estabelecidas.
Considerando-se estes documentos, os níveis salariais seriam
definidos a partir da qualificação, entendendo-se por operário qualificado I Uma vez que os cargos que permitem o exercício do trabalho
aquele que detém "conhecimento compreensivo" de teorias e práticas valorizado são reduzidos, o operário vai aprendendo, como a fábrica
de engenharia nos diversos ramos, adquirido com a formação técnica
ou universitária; que tem pelo menos cinco anos de experiência
I faz, a desvalorizar seu próprio trabalho. Ele não percebe que esse
critério de v·alorização é socialmente estabelecido, da mesma forma
profissional, que usa sua capacidade de julgamento em situações
tI que poderia ser determinado o critério inverso: de remunerar melhor,
incomuns, que tem iniciativa e habilidade para pensar independen- e, portanto, de valorizar o trabalho mais penoso,. pelo seu caráter
temente, que cria métodos e procedimentos para atender situações repetitivo, monótono, não-inteligente, desumanizado. Como essa in-
novas, que dá contribuições originais, que participa do processo versão contraria a lógica de extração de mais-valia do capital, é
decisório e atua principalmente no planejamento e preparação do preciso educar o operário para aceitar a desvalorização da parte do
trabalho a ser executado por outros, para o que despende muito trabalho que lhe cabe no processo coletivo de produção. E t.im dos
esforço visual e mental; que tem muita responsabilidade por equipa- instrumentos para essa educação é a estrutura salarial, que lhe . é
mentos, processos, materiais e produtos; que exerce atividades de apresentada como o resultado técnico da relação estabelecida entre o
supervisão de várias pessoas. f conjunto de fatores anteriormente citados.
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O operário não qualificado é o que detém conhecimentos "prá- "' Para compor a estrutura salarial, a qualificação é entendida como
ticos" elementares adquiridos antes pela experiência do que pela I domínio do conteúdo do trabalho; as categorias que a definem são
escolarização formal; que tem pouca experiência profissional; que não a ·instrução e a experiência, das quais derivam-se todas as demais
precisa utilizar sua capacidade de julgamento; que se restringe às capacidades: de decidir, de julgar, de supervisionar, de criar, de
tarefas de execução e não participa do processo decisório; que despende
reduzido esforço mental ou visual em virtude do caráter automático
I projetar, de assumir responsabilidades. Contudo, a possibilidade de
I. exercer essas capacidades depende· do cargo a ser ocupado, que não
das tarefas que realiza; que tem pouca responsabilidade por equipa-
mentos, processos, materiais e produtos; que não exerce função de
( é definido apenas pela existência de instrução e experiência; o que
I se quer dizer é que, se a instrução e a experiência definem a
supervisão e chefia, sendo responsável apenas pela execução de seu I qualificação, elas são insuficientes para definir a posição do operário
próprio trabalho. na hierarquia, o que depende de outros fatores, internos à empresa
Estes dois conceitos seriam os pontos extremos de um contínuo e de ordem conjuntural: tipo de mão-de-obra oferecida pelo mercado
que permite um grande número de combinações inter~n:ediárias; o de trabalho em relação à demandada pela empresa, nível de qualificação
operário não qualificado corresponde ao nível 11, ou seja, os auxiliares da mão-de-obra excedente, tipo e número de vagas ofertadas, política

~
de montagem, a partir do qual vão se sucedendo diversos níveis de salarial e política de recursos humanos da empresa etc.
qualificação, a que corresponderiam os diversos níveis salariais; dentre Não há, pois, uma determinação anterior, quer de escolaridade,
os horistas, os mais qualificados e mais bem remunerados seriam o quer de experiência, que assegure a ocupação de cargos que permitam
líder de ferramentaria (na verdade, o instrutor) e o operador de o uso das capacidades que diferenciem o trabalho humano segundo
furadeira de coordenadas, que é a máquina mais sofisticada da Fábrica as necessidades da divisão capitalista: funções de concepção, supervisão
de Motores. ou execuçí;io. Ou seja, não há uma predeterminação da posição qi:Je
Como se pode verificar, o princípio de remuneração segundo o indivíduo vai ocupar na hierarquização do trabalho coletivo a partir
da qualificação. O exercício das capacidades de decidir, supervisionar
os níveis de qualificação significa que o capital valoriza o saber
teórico sobre o saber prático, a iniciativa e a criatividade sobre a j ou executar só se define no seio do processo produtivo, nas relações

120 121
I
l
lo./
c
c concretas de produção, dependendo, além da instrução e da experiência, enquanto se lhe acena com processos de reenquadramento que raramente
C' do poder de barganha que o operário tem em função dos fatores ocorrem.
o internos e externos à empresa.
Mais resistentes ao caráter ideológico dessas explicações, e
o Se a instrução e a experiência são utilizadas como critérios também dotados de melhor poder de negociação, os ferramenteiros
o necessários na seleção entre os diversos· candidatos, são insuficientes conseguiram um reestudo de seus salários e classificações, o que
significou a s.ubstituição do supervisor, considerado responsável pela
o para detertriinar os cargos e salários e garantir o exercício das
capacidades de decidir, julgar, criar, supervisionar. Antes, esta deter- situação anterior. Este foi o único caso de reenquadramento em bloco
o minação se faz pelas necessidades da empresa, o que vale dizer, do verificado desde a existência da empresa; são feitos alguns reenqua-
c capital, havendo um espaço de negociação a partir da situação con-
juntural do mercado de trabalho. Em função disto, encontraram-se na
dramentos individuais a partir de negociação direta, mas só nos casos
em que a permanência do operário é conveniente à empresa. Quando
o pesquisa vários casos de operários com formação técnica em nível isso não ocorre, o operário insatisfeito é instado a demitir-se, buscando
o de segundo grau. na área de mecânica e/ou experiência profissional uma melhor oferta de emprego. Como isso dificilmente ocorrerá, ele
c em empresa anterior, ocupando cargos de auxiliar e montador, sem
poder de decisão, executando tarefas pré-planejadas e meramente
continua na empresa, insatisfeito, mas submisso: os que assim não
procedem, são demitidos.
o repetitivas; ao seu ·lado, ocupando os mesmos cargos, operários com
o duas ou três séries do primeiro grau, alguns mesmo analfabetos, sem Como se vê, quando o caráter persuasivo da política salarial
não funciona, o coercitivo é irrefutável. E, assim, o operário vai sendo
c nenhuma experiência anterior no ramo da indústria automobilística
Uardineiros, frentistas de posto, lavradores). educado, contraditoriamente, para submeter~se e para insubordinar-se,
c pelq confronto entre uma hierarquia salarial formal e as determinações
c, Pode-se verificar, portanto, que as formas concretas de determi-
. nação salarial negam os pressupostos' sobre os quais é construída a
salariais concretas.

c estrutura de cargos e salários. Ao perceber essa contradição, o operárío Por outro lado, a análise do conteúdo dos cargos que compõem
c vai. aprendendo a reivindicar os seus direitos, cobrando da empresa
o cumprimento das· "regras do jogo" que ela mesma estabeleceu, e
a estrutura salarial, completada pelo exame das tarefas que são
realmente executadas nos setores estudados, dificultam a compreensão
c que são negadas ao nível da prática concreta. Nesse movimento, o do que seria concretamente essa qualificação que diferenciaria os
o operário começa a perceber o caráter de exploração que está por trás
da política ·salarial; ele compara seu trabalho com outros trabalhos,
salários, embora do ponto de vista formal ela esteja definida e seja
utilizada para a montagem da estrutura salarial.
c inclusive com o desempenhado pelos seus superiores; compara seu
o salário com outros salários, e começa a valorizar o seu desempenho, Como exemplo, tome-se o caso dos auxiliares de montagem.
montadores e pintores, que se localizam respectivamente nos níveis
c percebendo a sua importância no trabalho coletivo.
11, 1O, 9 e 8 da estrutura salarial (Cf. Quadro 4 ).
o O resultado dessa prática exige da empresa estratégias que
Como se vê, fica difícil identificar onde está a diferença de
o minimizem seus efeitos desmobilizadores: a determinação do sigilo
sobre os salários, as explicações sobre as diferentes qualificações dos qualificação entre estes cargos, que justifique os diferentes níveis
o operários, sobre a inexperiência administrativa no estabelecimento dos salariais. A diferença que se percebe é o conteúdo da tarefa; mesmo
assim, o que determina ser a pintura de veículos atividade mais
C· salários em virtude da recente implantação da empresa, sobre a
qualificada que a montagem? Além disso, a observação direta dos
c escassez de determinados tipos de profissionais, e assim por diante.
As incorreções são apresentadas como disfunções que serão brevemente operários no processo produtivo demonstrou que não há diferença
o corrigidas, solicitando-se paciência do operário e invocando os demais entre as tarefas que os auxiliares, montadores I e montadores II
executam.
c benefícios dlJ:_ empresa, constantemente comparada com as demais,

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e solucionar os problemas que o veículo apresenta após sua montàgem.
= 8 o "' o ·.:: eiS u >= Cl.) "' ..... "' f'l eiS Esse conhecimento, no caso dos ajtistadores entrevistados, advém de
~ ..9 1:::1 ~ ~ u ~ ~ c: eiS Cl.) "' ;9 .s::! <ti 'CIJ
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o Cl.) B Cl.) "' :a ·a 5l "' o ~ ·c: "' ..9 ·c: u fr ... longa prática de oficina, anterior ao ingresso na fábrica; 5 anos foi
~'r:J"'' ~ - .::"'0'«~-
"'[!l 'êo o.. > o ·a 1 ~
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~ Cl.) ~ ~ ~ :a ~ "' ~ ~ '&
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rG o menor tempo de experiência anterior encontrado entre os entrevistados.
f.Jl z o Cl.) l3 ~ c 8 "5l !;:: "i§ o ~ .8 ;> "' Cl.) eiS § ~ Em alguns casos, essa experiência está aliada a cursos profissionais
=o .::"''o..*8 8~Eeõll3.8fi Cl.)lg"'CI.)-=
u «<O"Oe! Cl.) Cl.)::l ... c<S E"''u.CIS"''OCIJ de curta duração na área de mecânica, mas, indiscutivelmente, o
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Oll Oll o Oll o.. Cl.) E o ..... eiS "' "O ~ -~ E
;s-o;s.s-oela"g .... ..gs-o"'~
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't:l >< u E 1õ o.. .:: .5 .:: .:: "' Oll u u .8 ..... .:: • eiS ..... conhecimento do trabalho foi determinado pela experiência-· anterior,
::I Cl.) ·- (.)o o :;:3 o Cl.) Cl.) o.... ..... o 1:::1 u Cl.) "' ... =·j·
...... .,="'"' ..,._8"'10 que se constitui no requisito para o preenchimento destes cargos, e
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lei! ..... "' Oll u "O ...,:; u "' (.)o 0.. '<;::'"';..-CIJ8o.::O"
.... 0.. - 0.. ... ·. : : : Cl.)
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~ que, determinando o conhecimento do trabalho, justifica as diferenças
de remuneração.
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o -o> .... ;> Há, entre ajustadores e montadores, diferenças significativas de
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qualificação; os montadores não precisam conhecer mecânica, ou seja,
a composição e o funcionamento do veículo ligado. Pelo contrário,
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basta que eles dominem os procedimentos relativos a uma parte da
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montagem do veículo. Esta tarefa ele aprende na própria fábrica em que se impõe é que a estrutura salarial diferencia os níveis de
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!"", Muitos dos montadores entrevistados tiveram na empresa o seu primeiro
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trabalho nesta área, e o desempenham sem a menor dificuldade, não A partir da análise do conteúdo da tarefa, da necessidade de
o sentindo falta de qualquer curso ou experiência adicional. instrução e experiência (qualificação) para executá-la, e da disponibi-
()
1..
lidade de cada tipo de profissional no mercado de trabalho, estabelece-se
Neste caso, .portanto, o diferencial do salário remunera o tempo uma hierarquia de cargos que define ·valores diferentes para cada
o de experiência necessário para aprender o trabalho, que aqui é tomado trabalho, determinando as diferenças de remuneração. Assim, a estrutura
o como indicativo de qualificação; ou seja, o trabalho qualificado é
entendido como aquele que, por ser mais complexo, demanda mais
salarial representa as diferentes possibilidades de combinação desses
critérios; para os níveis mais baixos, em que se mantêm constantes
'\
("""' tempo de experiência para que possa ser aprendido, e que, por isso as necessidades de qualificação e há abundância de mão-de-obra
o mesmo, deve ser mais bem. remunerado. disponível, a diferenciação se faz pelo conteúdo da tarefa. À medida
c É importante salientar, como já se analisou anteriormente, que
que se elevam os níveis salariais, reconhece-se a necessidade crescente
primeiro da experiência, depois da combinação entre experiência e
o esta qualificação só é reconhecida para fins de remuneração, no instrução, enquanto ocorre paralelamente a diminuição da oferta pelo
o momento em que o operário é investido do cargo de ajustador; muitos
· mecânicos experientes são contratados como montadores, enquanto
mercado de trabalho. Desse modo, os níveis mais altos representam
a combinação de qualificação e escassez.
c aguardam vaga e promoção para ajustador, cujo salário é praticamente
o o dobro; daí ser a montagem uma área importante de recrutamento Se a estrutura salarial prevê a diferenciação da remuneração pela
c de ajustadores. hierarquização dos trabalhos, segundo sua menor ou maior qualificação,
isto significa que a existência de níveis mais altos de qualificação
c O caso dos ferramenteiros; fresadores, torneiros, afiadores de
ferramentas e mecânicos de manutenção já é um pouco diferente;
do trabalhador não determina necessariamente maiores salários, a não
c embora a experiência (de no mínimo 5 anos) continue a ser o requisito
ser que eles desempenhem os trabalhos considerados mais qualificados.
Evidentemente, o acesso a esses cargos implica a existência de certos
c fundamental, já se coloca, dada a complexidade da tarefa, a necessidade requisitos de qualificação, mas mesmo assim concorrem outros critérios
c de cursos específicos de formação profissional. Na Fábrica de Motores,
área que congrega esse pessoal, verificou-se que os profissionais têm
na seleção e promoção, eminentemente políticos, que fazem com que
c curso de segundo grau no Centro Federal de Educação Tecnológica,
nem sempre seja o operário considerado o mais qualificado o indicado
para sua ocupação. Entre estes critérios encontrou-se principalmente
o ou cursos -de tornearia, mecânica e ferramentaria no SENAI. De a relação do candidato com o supervisor, por ser este quem dá a
c qualquer modo, a experiência profissional é que qualifica estes pro-
fissionais, sem o que os cursos são insuficientes, conforme os depoi-
última palavra na seleção e quem faz as indicações para as promoções,
bem como o grau de integração do operário aos objetivos da empresa:
c mentos dos entrevistados. E como são necessários muitos anos de sua submissão, comprometimento ideológico e produtividade. Isto
o prática para qualificar esses profissionais, isto faz com que eles sejam
ofertados em menor número pelo mercado de trabalho.
porque, existindo essas pré-condições, as lacunas de qualificação são
o resolvidas internamente na empresa, através da ação pedagógica do
instrutor.
o Os salários mais altos, nestes casos, são explicados, além da
instrução e da experiência, pela escassez destes tipos de profissionais, Estas constatações põem em dúvida a tese corrente de que a
o o que não se dá com os ajustadores, uma vez que há oferta abundante qualificação uo trabalhador determina o seu salário, pois na verdade
o de mecânicos experientes no mercado de trabalho. é a classificação arbitrária dos trabalhos, segundo os critérios de grau
c Como se vê, as diferenças de salário não são explicadas meca- de simplificação, qualificação necessária e escassez, que define a
estrutura salarial. Para esta classificação, o grau necessário de quali-
c nicamente pelos diferentes níveis de qualificação. A primeira conclusão

o 126 127

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ficação do trabalho é um dos critérios utilizados, nem o único, nem
o mais importante, ao lado de outros fatores internos e externos à
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empresa; há que ressaltar, ainda, que, na definição deste grau necessário o
de qualificação, a escolaridade e a experiência têm pesos diferentes
em cada caso, sendo mais valorizada ora a escolaridade, ora a o
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experiência. J,t.l Cll J,t.l o


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Tanto estas afirmações são procedentes que não se encontrou *e -~oI><: 2S:::>~~eí ~\::!z (,)o~ lrl c:-"l 0\ o
necessariamente correspondência entre qualificação do trabalhador, o
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cargo que ele ocupa e o salário que ele recebe, como mostra o
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Quadro 5. ~ o
Os dados apresentados anteriormente reforçam as conclusões ~
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apontadas até aqui, mostrando que as áreas de montagem (pré-mon-
tagem, furação e rebitagem, montagem de cabines, linhas A e B e
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montagem de motores) permitem maior flexibilidade entre qualificação = < I
e cargo, de tal modo que acomodam tanto operários sem experiência Cll ~ o
anterior compatível e sem curso como operários qualificados; assim,
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ocupam os mesmos cargos e são classificados no mesmo patamar
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salarial tanto operários cuja experiência anterior foi na lavoura, cons- ·~
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trução civil e serviços gerais quanto operários com vários anos de J!l
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experiência e cursos profissionais específicos. o I+= I+= 8 u
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De modo geral, pode-se afirmar que nas áreas de montagem a
qualificação real da maioria dos trabalhadores excede às necessidades
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do processo produtivo, constituindo-se no local em que a exploração
da força de trabalho ocorre de modo mais significativo; é importante
observar que estas áreas ocupam a grande maioria dos horistas da
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Já na ajustagem, verifica-se fundamentalmente a exigência de
experiência anterior compatível com o trabalho, sendo secundária a
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realização de cursos específicos. .!
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Nas áreas de usinagem, ferramentaria e manutenção de máquinas


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é que se verifica a maior compatibilidade entre qualificação e cargo,
sendo que a realização de cursos profissionais específicos é tomada
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relação entre cargo e qualificação seja estreita, há muita diversificação <CU
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de salários nestas áreas, que foram estabelecidos não segundo a
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pregador, a partir do poder de ·barganha conferido aos operários
qualificados pelo domínio do conteúdo do trabalho e pela escassez
produzem valor individualmente, o que torna difícil, se não impossível,
determinar o valor produzido por cada trabalho diferente para poste-
c de oferta pelo mercado de trabalho. riormente classificá-los por ordem de grandeza.
o Estes fatos permitem descobrir, por trás da estrutura salarial, Com isto quer-se afirmar que a classificação em níveis desiguais
o sua verdadeira finalidade, que determina o seu caráter pedagógico: a
educação de um trabalhador que entenda a sub-remuneração da força
do trabalho do montador, do pintor, do ajustador e do ferramenteiro
o de trabalho como resultante de critérios técnicos inerentes à relação
é determinada pelos interesses do capital e não pela natureza dos
trabalhos de montar, de pintar, de ajustar e de fazer ferramentas.
o entre qualificação e. cargo, de modo a compreender como natural a
o sua própria exploração, aceitando passivamente o processo de extração
de mais-valia ao qual é submetido pelo capital.
Ou seja, os critérios que determinam ser um trabalho mais
qualificado que outro nada mais fazem do que justificar a sub-remu-
o Neste sentido, a qualificação do trabalhador é antes usada neração dos trabalhos simplificados pelo processo de mecanização,
c . ideologicamente para justificar as diferenças de salário na maioria dos permitindo a extração de taxas cada vez mais altas de mais-valia e

o casos, do que para determiná-las, o ·que ocorre apenas com número


reduzido de trabalhadores que ocupam as posições ainda não simpli-
determinando a reprodução ampliada do capital.

o ficadas pelo desenvolvimento capitalista do processo produtivo. Para


Esta forma de definir e classificar o trabalho qualificado a partir
dos interesses do capital legitima a divisão do trabalho característica
c os níveis mais baixos d& estrutura salarial, a ausência de qualificação
do modo de produção capitalista, ao mesmo tempo que explica a
o explica os salários inferiores, enquanto os salários mais altos são
utilizados como força motivadora, na medida em que representam o distribuição desigual da propriedade e do, saber.
o prêmio a ser alcançado como resultado do esforço individual, da
É esse caráter socialmente determinado a partir dos interesses
c tenacidade rumo à especialização, e, naturalmente, do comprometimento
com a empresa.
do capital que torna necessária a educação do trabalhador, para a
o Outra conclusão que se impõe é o caráter socialmente determinado
qual a política salarial, aliada às formas de divisão e organização do
trabalho e controle do saber, desempenha papel muito importante.
c da hierarquização dos diferentes trabalhos, segundo supostos níveis
o de qualificação dos mesmos (e não da qualificação do trabalhador); Como já se afirmou anteriormente, a política salarial contribui
para que o trabalhador aprenda a diferenciar e categorizar os trabalhos
o essa classificação, que dá origem às diferenças salariais, não se sustenta
pela análise dos conteúdos distintos dos trabalhos, uma vez que não segundo critérios técnicos, não percebendo seu conteúdo político,
o há critérios de valoração inerentes à sua própria natureza que justifiquem avaliando e revalorizando seu trabalho por esses mesmos critérios; ao
o a conversão das diferenças em desigualdades. Ou, como mostra Engels: mesmo tempo, ele aprende que sua qualificação profissional é relativa
para o capital, mas que a sua conduta adequada nos níveis ético e
o "Qualquer tempo de trabalho tem exatamente o mesmo valor,
quer se trate do empreiteiro ou do trabalho do arquiteto... ora,
profissional é fundamental. Por outro lado, no bojo das contradições
o o trabalho é o produtor de todos os valores. S6 ele dá aos
que as relações concretas apresentam, ele aprende que, para os seus
próprios interesses e poder de negociação, a qualificação, entendida
o produtos que existem na natureza um valor que não passa da
como domínio do saber teórico e prático do trabalho, é fundamental,
o expressão do trabalho humano, socialmente necessário, objeti-
vando uma mesma coisa. O trabalho não pode, pois, ter valor'. e a sua conduta adequada é relativa, na medida em que é esse saber,
o (Marx e Engels, 1978, p. 227) aliado às inconveniências entre a política salarial professada e a real,
que lhe abre espaço para reivindicações e ações coletivas organizadas;
o Mesmo pela ótica da geração 'ie valor, esta desigualdade fica e, curiosamente, no caso estudado, é a própria proposta salarial formal,
o difícil de sustentar, por ser a acumulação do capital resultado da
exploração do trabalho coletivo, e não da somatória de trabalhos que
com seus critérios de valorização dos diversos trabalhos, que funciona
o como ponto de partida para tais reivindicações, mesmo que, a partir

o 130 131

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do encaminhamento de negociação, ela seja superada por propostas operário a um processo pedagógico que a fábrica já não controla,
alternativas. tornando-se mais difícil o seu disciplinamento.

Observou-se, neste caso específico, que a instrução assume pesos


distintos em relação à experiência, sendo mais valorizada à medida
5. O PAPEL DA ESCOLARIDADE: A
que aumenta o grau de qualificação da tarefa. Quanto mais simplificada
VALORIZAÇÃO DO SABER ESCOLAR EM a tarefa, maior o valor dado à experiência como fator de qualificação;
DETRIMENTO DO SABER PRÁTICO nestes casos, que se referem às operações de montagem, colocam-se
como requisito básico as habilidades de leitura e cálculos elementares,
As análises feitas nos itens anteriores forneceram algumas indi- independentemente da conclusão da quarta série do ensino de primeiro
cações acerca do papel que a formação escolar desempenha na grau, não se exigindo a realização de cursos profissionais. Isto porque
qualificação do trabalhador. as tarefas de montagem, pelo seu grau de simplificação, são aprendidas
no trabalho sem qualquer dificuldade, não exigindo sequer. experiência
Verificou-se que a qualificação do trabalhador é entendida como
anterior na área de mecânica. As habilidades exigidas, de leitura e
resultado da instrução e da experiência, sendo que por instrução
cálculo, se explicam com a necessidade de leitura do processo de
compreende-se tanto a freqüência ao sistema de ensino regular quanto
trabalho, que é entregue a cada montador. Mesmo assim, freqüentemente
a realização de cursos profissionais ofertados por instituições específicas
estas habilidades são dispensadas, na medida em que o processo na
de treinamento ou pelas próprias empresas.
maioria das vezes é substituído pelo colega mais experiente, que
Torna-se necessário aprofundar essa análise com o objetivo de ensina a tarefa a ser executada.
verificar como a empresa enfrenta a relação entre saber obtido na
escola e saber obtido pela experiência no trabalho para captar o seu Em resumo, o operário aprende que, para as atividades mais
grau educativo, na medida em que, a partir dessa relação, o operário ·simples, não há necessidade nem de instrução nem de experiência.
vai estabelecer seus conceitos de saber teórico/prático, que desempe- No entanto, mesmo considerada desnecessária a existência de quali-
nham papel muito importante no processo de sua constituição enquanto ficação para os montadores, a empresa dá preferência, na seleção dos
trabalhador. A forma como ele capta esta relação contribui para definir candidatos, aos que tenham tido alguma experiência no ramo, e,
seu comportamento político, aceitando em maior ou menor grau a secundariamente, curso profissional na área. Como o que define o
sua condição subalterna, os critérios de valorização do seu trabalho, salário é o cargo ocupado e não a qualificação do trabalhador, esta
os critérios de salário e promoções, submetendo-se e/ou discutindo, posição é perfeitamente compreensível enquanto forma de exploração
da força de trabalho, na medida em que o mercado de trabalho oferta
negociando, rei vindicando.
mão-de-obra com qualificação superior à exigida pelo processo pro-
Por outro lado, articuladas à compreensão dessa relação estão dutivo, que pode ser alocada sem acrescer o investimento em capital
as suas aspirações à realização de cursos, tanto profissionais quanto variável. Essa contradição vai mostrando ao operário que, se para
de escolarização regular, entendidos como instâncias de aquisição de executar a tarefa, a existência prévia de instrução e experiência é
saber que escapam ao controle da fábrica. irrelevante, no momento da seleção a qualificação pode ser fundamental,
embora a avaliação dependa muito do tipo de tarefa a ser executada
Nada mais compreensível, portanto, que a fábrica tente controlar e do ponto de :vista do supervisor, que por vezes prefere, para os
as representações e as formas de concretização da qualificação/des- trabalhos de montagem, profissionais sem nenhuma experiência ou
qualificação, e da aquisição de saber teórico/prático, na medida em curso específico anterior.
que, se a ausência de saber teórico obtido na escola ou em outras
instituições compromete a acumulação do capital, o excesso desse Por outro lado, como o salário do pessoal que executa. os
tipo de educação pode ser igualmente comprometedor, por expor o trabalhos considerados menos qualificados (auxiliares e montadores e

132 133
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,-··"""' que, portanto, não exigem existênci.a prévia de saber sobre o trabalho) ajustagem são insuficientes para dotar o ajustador dos conhecimentos
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é menor;- os operários vão percebendo a relação que existe entre e habilidades necessários ao exercício da tarefa, que, segundo a
c trabalho qualificado, posse do saber e remuneração, a partir do quê expressão do supervisor de ajustagem, deverá "identificar pelo ronco
o justificam suas aspirações educacionais, como será analisado poste-
riormente.
o defeito do motor".

o No caso dos ferramenteiros, usineiros e mecânicos de manutenção,


o Observou-se também que a preferência dada aos operários com
experiência anterior em indústrias e com alguma escolarização prende-se
por exemplo, a realização de cursos específicos no SENAI e Centros
Federais de Educação Tecnológica é fundamental para a qualificação
() antes à existência de atitudes compatíveis com o tipo de organização do profissional, além de longa experiência no trabalho.
D capitalist:l Jo trabalho industrial do que ao domínio do conteúdo do
Apenas nestes casos, em que o trabalho não sofreu ainda o
o trabalho propriamente dito. Desde que existam atitudes favoráveis
quanto à disciplina, à utilização de equipamentos de segurança, aos impacto da simplificação, é que a realização de cursos desempenha
c cuidados com a saúde, à necessidade de esforço pessoal e_ compro-
metimento com os objetivos da empresa, ou seja, desde que o operário
papel importante na qualificação do profissional, mas mesmo assim
devem ser completados necessariamente com a prática profissional; é
(""'
..,,) somente nesses casos que a empresa depende de agências externas
já tenha se submetido a alguma forma de processo pedagógico
r~ capitalista, o apren<;iizado do trabalho é resolvido internamente, sem de treinamento, e mesmo assim não do sistema regular de ensino,
""' exceção feita aos Centros Federais de Educação Tecnológica, perten-
ÇJ nenhuma dificuldade.
centes à rede oficial de ensino de segundo grau, que, de qualquer
o De acordo com as entrevistas feitas com engenheiros, supervisores modo, se constituem em casos particularfssimos. Verifica-se, portanto,
c de qualidade e supervisores de trabalho, reside aí a maior contribuição
da escolarização ao processo produtivo;· mesmo a contribuição dos
. que o maior valor atribuído à instrução ou à experiência ou à
combinação de ambas depende do grau de simplificação da tarefa,
c .cursos de aprendizagem do SENAI é tomada desta forma, uma vez que determina a quantidade e a qualidade do saber necessário à sua
o que seus cursos jamais abrangeriam a especificidade de um processo execução. Como os trabalhos que ainda permanecem complexos são
c produtivo em particular; o que esses cursos fazem é iniciar a educação
do trabalhador para· o processo produtivo capitalista oferecendo os
em número reduzido, é preciso educar o trabalhador para submeter-se
ao exercício do trabalho simplificado, automatizado, monótono, repe-
c primeiros conhecimentos sobre a denominação e formas de utilização titivo, desinteressante e mal remunerado. Uma das formas de fazê-lo
o dos instrumentos de trabalho, a par de instruções sobre as formas de
comportamento compatíveis com o trabalho na fábrica, principalmente
é negando o valor do saber adquirido através de cursos, mostrando
que a prática é suficiente, na tentativa de, pelo desconhecimento do
o quanto aos aspectos de disciplina, auto-esforço e segurança. Esta saber sobre o trabalho, exercer dominação, obtendo um conjunto de
o iniciação facilita o trabalho pedagógico da empresa. trabalhadores ajustados à sua posição na hierarquização do trabalhador
o É importante, contudo, retom~r o aspecto de que o processo de
coletivo.

o simplificação do trabalho não se dá de forma generalizada na empresa, Tomando-se especificamente a importância atribuída à escolari-
o de modo que, do lado das tarefas que exigem pouca ou nenhuma
qualificação, continuam a existir, embora em menor número, tarefas
zação regular em relação ao saber adquirido no desempenho do
trabalho, verifica-se que ele se dá também em função do tipo de
o complexas que exigem qualificação. Para a execução destas tarefas trabalho a realizar.
o também a necessidade de escolarização formal e/ou cursos profissionais
Verificou-se, na Classificação do Trabalho Manual, anteriormente
o não é generalizada, assumindo diferentes características em cada caso.
Já foi analisado, por exemplo, o caso dos ajustadores, em que a exposta, que a instrução é conceituada diferentemente para os horistas
c qualificação é definida fundamentalmente pela experiência e não pela e para os mensalistas, estabelecendo-se uma discriminação entre os
o instrução. Isto porque apenas a realização de cursos de mecânica ou operários ligados diretamente à produção e os funcionários ligados às

c 134 135

c. ~
I· BC' o
~ o
tarefas administrativas. Para os primeiros, as exigências de instrução o pessoal ligado à produção, a partir da desvalorização do trabalho '::~)
referem-se a conhecimentos práticos adquiridos ou não nos cursos de manual e do conhecimento adquirido com o trabalho. o
qualquer natureza. desde os oferecidos pelo sistema oficial de ensino
até os treinamentos realizados em empregos anteriores; não há exi-
Não obstante, as relações concretas escapam à formalização da o
gências relativas ao término de determinados graus de escolaridade
estrutura salarial e evidenciam seu caráter ideológico; a maioria <;los
supervisores, por exemplo, que são. mensalistas e situam-se a partir
o
como requisitos para a ocupação dos cargos.
do nível 27 da estrutura salarial (a tabela abrange os níveis com- o
Já para os funcionários ligados às tarefas administrativas, a preendidos entre 21 e 36), tem apenas as quatro primeiras séries do o
classificação impõe exigências de escolaridade regular como requisito ensino de primeiro grau; e não há dúvida de que foi o conhecimento
advindo da experiência adquirida no trabalho que lhes possibilitou o
o
para o preenchimento dos cargos, ou seja, o domínio do saber escolar
devidamente atestado através dos certificados de conclusão dos cursos. acesso a esse cargo. E este conhecimento não raras vezes tem sido o
Não se pretende discutir aqui que o "saber fazer" do funcionário suficiente para ensinar o trabalho aos engenheiros. o
burocrático é diferente do "saber fazer" do operário ligado diretamente
à produção. O que se pretende indicar é a diferente valorização do
Se este fato serve para mostrar o caráter ideológico da desva- o
"saber intelectual" e do "saber prático" como um dos mecanismos
lorização do conhecimento obtido com o trabalho, mostra também
que a referida desvalorização tem um objetivo bem definido no que
o
de que se utiliza o capital para exercer a exploração do trabalho. se refere aos horistas: justificar sua sub-remuneração, que atende aos o
Concretamente, esta diferenciação se expressa pela discriminação
salarial acompanhada de um movimento intencional de valoriza-
interesses do capital enquanto possibilita extrair taxas mais altas de
mais-valia.
o,....,.,.
ção/desvalorização do "saber prático" e do "saber teórico" ao nível
da ideologia, tendo em vista a manutenção das relações de domi- Ao nível da ideologia, opera-se todo um movimento na fábrica
e fora dela, ou seja, no interior do processo produtivo e nas relações
o"'""
nação.
sociais por ele geradas, no sentido de demonstrar que o saber obtido C)'
Ao nível da estrutura salarial, observa-se a discriminação que com a prática é inferior ao saber oficial obtido na escola. Esse o
beneficia os mensalistas sob a justificativa de uma ·qualificação
supostamente superior que a freqüência à escola confere, valorizando-se
movimento é inerente ao próprio modelo capitalista, que se caracteriza
por uma separação permanente entre teoria e prática, concepção e
o
o trabalho intelectual em detrimento do manual. Isto pode ser
i
I execução, pensamento e ação. Não obstante a realidade capitalista ·ser o
verificado pela comparação do salário do nível inicial dos horistas dialética, não existindo essa separação ao nível da práxis, ela precisa
ser produzida e justificada, como condição necessária de dominação
o
e mensalistas, sendo que este é o dobro daquele; ou seja, o trabalho ::)
de um auxiliar de montagem vale exatamente a metade do trabalho de do capital sobre o trabalho. ,,~·

um auxiliar administrativo (1 o nível da estrutura salarial dos mensalistas; Para tanto, e isto é uma das tarefas da pedagogia ·Capitalista, é
os contínuos não entram na escala, por serem fornecidos por empresas preciso negar o trabalho como a forma pela qual o homem produz
de prestação de serviços). Desta forma, veicula-se a idéia da supe- o conhecimento, no conjunto das relações sociais, construindo-se a si
rioridade do trabalho intelectual sobre o trabalho manual. mesmo e à História e sendo construído por ambas, enquanto apreende,
compreende e transforma a natureza, num processo em que reflexão
É evidente que a partir de certo patamar os valores das tabelas
têm imbricações, havendo operários qualificados com salários superiores
e ação, atividade intelectual e manual não se separam. o .,

aos funcionários administrativos menos qualificados; mas isto só ocorre A negação do caráter ao mesmo tempo teórico e prático do OI
com os últimos níveis dos horistas em relação ao 1o e ao 2° níveis trabalho justifica a separação entre decisão e execução, trabalho o:
dos mensalistas, o que coloca estes em condições nitidamente superiores
de remuneração. Ou seja, há uma discriminação salarial que desfavorece capital sobre o trabalho. rEiC'l
intelectual e manual, a partir do que se justifica a dominação do
0l.
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136 ~
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C'
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É preciso demonstrar que a teunificação entre teoria e prática O que esse supervisor e a maioria dos operários não percebem é
se faz no topo da pirâmide hierárquica, ou seja, em lugar diferente que, se o engenheiro deixar o orgulho de lado e inserir-se na prática,
c de onde ocorre a prática produtiva; para tanto é necessário dificultar por dominar o saber teórico, em pouco tempo ele domina o trabalho
c a apreensão e a compreensão da realidade, limitando o exercício do
poder de transformação da realidade para aqueles cuja função se
em sua totalidade, enquanto a recíproca nunca será verdadeira; se o
engenheiro é capaz de aprender com o operário, reunificando teoria
C) restringe ao nível da execução. e prática e passando a dominar realmente o trabalho, constituindo-se
c A pedagogia capitalista produz, desta forma, o sentido e a própria
concretamente como engenheiro, o operário jamais deixará de ser
operário para ser engenheiro, pois ao nível de sua prática a reunificação
c incompetência no operário, na medida em que lhe é negado o acesso é impossível, na medida em que sua possibilidade de elaboração
o ao saber escolar e o seu saber, adquirido no exercício do
é desvalorizado em função do seu caráter fragmentário, de
trabalho,
reduzida
teórica é limitada e lhe é negado o acesso à escola, o que vale dizer,
o sistematização e baixo nível de elaboração conceitual.
o acesso aos instrumentos conceituais e metodológicos que lhe per-
mitiriam superar essa limitação.
(1
Isto é possível pela negação do trabalho como local privilegiado Estabelece-se, portanto, a articulação entre o processo pedagógico
o de produção do saber; ao separar-se ao nível das relações sociais o levado a efeito na fábrica e na escola, com o objetivo de controlar
c que é absolutamente inseparável ao nível da práxis - pensamento e
ação - desloca-se para outra instância e para outros agentes a
a produção e a distribuição do saber, de modo a assegurar ao capital
c produção do saber, negando-se o seu caráter de produção coletiva:
a propriedade da técnica e do trabalho intelectual e procurando impedir
que a classe trabalhadora a eles tenha acesso.
o as escolas, os centros de pesquisa, as universidades, com seus inte-
lectuais. Isto ocorre não só pela limitação elo acesso e da permanência
o das camadas populares no sistema oficial de ensino, mas também
o A partir desta separação entre trabalho intelectual e manual, não
se considera que, apesar do seu caráter parcial e fragmentário, o
pela recusa dos instrumentos conceituais e metodológicos que permitam
o operário detém um saber, adquirido e produzido no enfrentamento
ao operário a compreensão e elaboração teórica de sua própria prática,
tomando-a como ponto de partida para a apropriação da ciência da
c das questões problemáticas que lhe são postas pelo trabalho cotidiano. técnica, através da produção do fracasso escolar.
c Evidentemente, esse saber não tem o mesmo grau de elaboração Como mostram Bourdieu e Passeron, isto se dá pela seleção de
o teórica, de sistematização e de totalidade que caracteriza, por exemplo,
o saber do engenheiro, produzido pelos intelectuais da classe dominante
conteúdos, da utilização de linguagem e métodos de ensino estranhos
à prática das camadas populares, e que por esta razão se tornam
o e distribuído pelo sistema de ensino. Mas, inegavelmente, é um saber inapreensíveis (Bourdieu e Passeron, 1975, p. 79-100). A par deste
o que tem algum poder explicativo e caráter utilitário, à medida que
permite a solução de problemas e orienta a prática cotidiana.
fato, a qualificação que o sistema de ensino confere, ou seja, a posse
o do saber oficial, é uma das condições de acesso a posições privilegiadas
na divisão social do trabalho.
o Mesmo considerada a superioridade real do saber elaborado pelos
intelectuais, os engenheiros, como já se evidenciou anteriormente, Há, pois, um processo de monopolização do conhecimento que
o também são atingidos pela mesma cisão teoria/prática, em virtude de (.,--< produz aos olhos do operário a "desqualificação" do seu saber, reduzido
o seu saber acadêmico, embora aprendido de forma sistematizada, ter
sido adquirido em separado da prática; ou seja, ele detém os instru-
ao seu caráter eminentemente prático.
o mentos conceituais e metodológicos e não sabe o que fazer com eles, Não obstante esse movimento de impedimento do acesso ao
o enquanto com o operário ocorre o inverso; ele sabe fazer, mas seu
nível de elaboração intelectual é limitado. É oportuno relembrar a
saber escolar e de desvalorização do saber prático, existe um saber
sohre o trabalho que o operário elabora a partir da experiência, e,
o fala de um dos supervisores: "se os engenheiros deixassem o orgulho contraditoriamente, isto não só é percebido pelo capital como se
c do canudo de lado e juntassem a sua teoria com a nossa prática ... ". reconhece que dele depende a própria continuidade do desenvolvimento

o 138 139
o
o
()
r)
'-·
capitalista; daí os mecanismos criados para sua utilização, reconhecida
como fonte adicional de geração de mais-valia, sem comprometer a
Em ambos os casos, as ferramentas foram redesenhadas pelos
engenheiros, fotografadas e enviadas à matriz, para que a sua utilização o
hegemonia do capital, como já se discutiu anteriormente. se generalizasse; até hoje isto não ocorreu, embora ambos continuem ()
Desta forma, mesmo que o saber útil e necessário para o
usando suas ferramentas novas. Segundo o montador de cabines, os
"engenheiros da matriz reconhecem que sua ferramenta é melhor, mas
o
enfrentamento dos problemas que a prática coloca seja o saber do não querem dar o braço a torcer", ou seja, ele tem a percepção de o
~I
operário, este jamais pode desempenhar funções que cabem ao enge- que, na fábrica, o saber que o operário adquire na prática não é
nheiro; assim, mesmo que as decisões sejam na realidade definidas valorizado.
a partir do seu conhecimento, elas devem ser "tomadas" pelo engenheiro; v
ou ainda, não é permitido ao operário questionar ou controlar as Em síntese, é o reconhecimento do valor do saber adquirido na
inovações feitas ao nível do produto ou do processo produtivo, mesmo prática que determina a necessidade de sua negação, uma vez que a
que para isto ele seja competente. Há que seguir, pelo menos na consciência desse valor pelas classes trabalhadoras pode ser o primeiro
aparência, a estrutura formal de decisões e respeitar o local determinado passo para a inversão das relações hegemônicas, de modo a favorecer
o trabalho.
para a concepção, mesmo considerando que a racionalidade do real
ultrapassa a irracionalidade do burocrático; ou seja, mesmo que as A educação do trabalhador que se desenvolve no interior das
decisões e inovações sejam determinadas em grande parte pelo co- relações de produção capitalistas é bastante eficiente nesse processo
nhecimento socialmente considerado incompetente, mas útil, do ope- de negação, como se pode verificar na reconstituição, pelos operários
rário, em relação à posse do saber socialmente considerado competente entrevistados, de seu aprendizado do trab~lho.
mas muitas vezes inútil do engenheiro, e que no entanto lhe assegura
Esta reconstituição demonstra como as relações capitalistas edu-
superioridade hierárquica.
cam o trabalhador nos aspectos técnico e político, tendo em vista a
V árias fatos que exemplificam essa afirmação já foram apontados hegemonia do capital sobre o trabalho; essa educação, para usar a
anteriormente, quando foram apresentados trechos de entrevistas dos expressão de Marx, é síntese de múltiplas determinações, não ocorrendo
supervisores acerca da "competência" dos engenheiros. Contudo, há exclusivamente na fábrica, mas no processo produtivo como um todo,
dois casos que ilustram bem esta análise. Foram entrevistados dois com as relações de produção que ele gera.
montadores, um da pré-montagem e outro da montagem de cabines, À pergunta "como você aprendeu o seu trabalho", os 60 operários
os quais criaram ferramentas que permitem executar a tarefa em e I O instrutores entrevistados foram unânimes em responder: na prática.
menos tempo. O primeiro deles monta a caixa de direção dos veículos A análise das respostas relativas à reconstrução da trajetória pmfissional
desde quando entrou na empresa, em 1979, tendo aprendido o trabalho e sua relação com o aprendizado do trabalho demonstrou que este
com um engenheiro da matriz; tem apenas primário completo e um ocorre de modo muito simples, repetindo as formas de aprendizado
curso de aprendizagem no SENAI, na área de medição. Ele inventou do ofício comuns ao modo artesanal de produção.
uma ferramenta que aperta vários parafusos de uma vez, em substituição
O ingresso no trabalho se dá muito cedo, entre oito e quatorze
a uma chave comum prevista pelo processo. Fez a ferramenta na
...,_;(.;' anos, com atividades as mais variadas: trabalho na lavoura com a
própria fábrica e só ele a utiliza. família, com o pai na oficina, desempenhando atividades diversas
O outro operário trabalha na montagem de cabines, aprendeu o como ajudante. em pequenas indústrias, empresas de construção civil
trabalho em empregos anteriores e está na empresa desde 1980; tem ou prestação de serviços, principalmente como o.ffice-boy, entregador
de jornal e cobrador de ônibus.
primário completo e nenhum curso profissional. Inventou uma chave
para colocar o miolo das fechaduras das portas; a chave anterior O quadro a seguir mostra o tipo e o local do primeiro emprego
pesava mais de 1 kg e a nova pesa 200 gramas. dos horistas entrevistados.

140 141
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\ __; O Quadro 6 mostra que 43% dos horistas entrevistados começaram
seu aprendizado trabalhando em atividades relativas à mecânica; se-
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~ 00 v or- gundo seus depoimentos, varrendo a oficina, lavando peÇas, auxiliando
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~ e observando os mecânicos experientes, desempenhando as tarefas


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mais simples, até que tivessem adquirido suficiente experiência para


o passarem de ajudantes a profissionais. Eles explicam essa passagem
o I
pelo seu esforço, vontade de aprender, interesse e dedicação; não
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I I -- I 1- I -I I -
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responsabilizam alguém em especial pelo ensino do trabalho e tampouco
o relacionam com a realização de algum curso, o que ocorre apenas
c o nos raros casos (seis), em que o ingresso no emprego se deu na
o forma de estágio do SENAI ou CEFET.

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I É evidente, nos seus discursos, a relevância das condutas ade-
quadas para a aquisição da competência técnica; da mesma forma,
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I I I I I oC') verifica-se que o aprendizado, que combina técnicas e comportamentos,
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se dá durante o "fazer", e, portanto, por um processo lento, parcial
e assistemático, às vezes permeado por cursos rápidos de treinamento,
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mas dotado de eficiência:
o ;:2 "Aprendi o serviço na raça, na Penha e na empresa X; eu era
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('I lavrador até 23 anos; o instrutor sempre dá uma mão, mas vai
mais pelo esforço da gente; na hora da promoção vê-se o esforço
de cada um". (Inspetor de qualidade)
;3 ~I
o Cl Q "Eu já ia na roça com oito anos, depois fui trabalhar na
o -8 madeireira do meu tio, carregando tábua; aprendi o serviço pelo
interesse de aprender uma coisa diferente do que cabo de enxada
o Cl)
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e puxar cabo de aço; aprendi com os colegas, caprichando; se
o ....
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tem interesse, aprende fácil; tenho que fazer ginásio para função;
posso ser bom funcionário para profissão, mas não para escrita
c o a
_ _ ...J ...J ....l e tenho dificuldade em fazer os relatórios quando o supervisor
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não está". (Instrutor)

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"Entrei na concessionária como auxiliar; passei depois de oito
meses para semi-profissional; um ano e meio para profissional;
o 9co: I

o aprendi lá; trabalhava junto com o profissional; conforme fui


pegando conhecimento, passei para profissional; depois fiz cinco
o "'
~ ..--.Ir cursos na firma; quero terminar o ginásio para ficar atualizado;
o --
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hoje em dia, sem instrução escolar não dá; no serviço não faz
falta, só futuramente para outros cargos... O tempo é que faz
o ~ 8 .5 a gente ...· tudo vai da força de vontade da pessoa querer aprender;
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-~ nunca se sabe tudo". (Instrutor)
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"Entrei como servente; a gente vai olhando e ajudando, e começa
a fazer pequenos serviços; vai pegando o jeito, vai meio matado
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o * mas vai indo". (Montador) i
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"Vim tentar a vida em Curitiba com 13 anos; comecei numa


oficina de. bairro, fazendo de tudo; fazia Limpeza, Lavava peça,
ajudava; fiquei três mes.es como auxiliar e passei para montador,
agora trabalho na pintura";
o
motores, serviços gerais, recepção; a gente jaz tudo para so- o
breviver'. (Instrutor) - encarregado de produção em indústria de produtos alimentícios: o
Os 31% que tiveram a lavoura como primeiro emprego e os
"quando entrei na empresa X não sabia nada do serviço, só conhecia
as ferramentas; aprendi com a ajuda do povo e do processo; todos
o
25% que iniciaram sua vida profissional em outras atividades repetem os colegas· ajudaram"; está na fábrica há três meses, como auxiliar o
o mesmo processo de aprendizagem, tendo passado por inúmeras e
variadas atividades profissionais até que ingressassem na empresa X;
na linha de montagem A. o
apenas em cinco casos verificou-se a entrada nessa empresa de Embora esses exemplos demonstrem a auto-suficiência da empresa
operários com experiência anterior incompatível com o trabalho a ser na qualificação de seu pessoal para as tarefas de montagem (as mais
realizado; nestes casos não houve a intermediação de experiências simplificadas), nos outros 65 casos analisados verificou-se que, embora
profissionais anteriores, ou de cursos profissionais, tendo ocorrido na o ingresso no processo produtivo tenha-se dado nas mais variadas
empresa X todo o processo de aprendizagem do trabalho. Nestes formas, houve experiências profissionais ou cursos compatíveis que
casos, as experiências anteriores eram as seguintes: antecederam o exercício da tarefa que atualmente se desempenha.
· - jardineiro; trabalhou na lavoura desde oito anos; cursa a
A explicação que se aventa é no sentido já anteriormente apontado
quinta série supletiva à noite; "quando entrei na empresa X não sabia
de que, à medida que a estrutura salarial não remunera . a níveis
nada; aprendi com os amigos, trabalhando junto; consegui em prazo
curto; me adaptei em três meses, fiquei seis meses como auxiliar e superiores a qualificação excedente e haja oferta pelo mercado de
passei a montador"; trabalho, a empresa prefere os profissionais mais qualificados, como
estratégia de reprodução ampliada do capital. Verificou-se que esta
lavrador até 1978; 36 anos; vendeu suas terras em virtude preferência não se explica apenas pela garantia de competência a
das sucessivas frustrações das safras de soja; veio para a cidade e custos reduzidos, tanto de educação quanto de remuneração, . mas
trabalhou 18 meses como ajudante de construção, nove dos quais na também porque os operários com experiências anteriores em indústria
construção da empresa X; foi chamado para trabalhar na montagem apresentam hábitos de trabalho compatíveis com o processo de produção
de pneus; "aprendi com outro colega na montagem de pneus"; completou capitalista.
a quarta série do primeiro grau e parou por "causa da correria do
trabalho"; apesar de trabalhar abaixado todo o tempo, acha que o Todos os entrevistados privilegiam a prática como responsável
"trabalho não é muito escravizado"; ficou três meses como auxiliar pelo aprendizado do trabalho, e, percebendo a contradição do discurso
e passou para montador; do capital em seu movimento de valorização/desvalorização desse
- lavador de carros em posto de gasolina; foi chamado pelo saber, eles o admitem enquanto suficiente, mas limitado. Educados
instrutor de sua área, que preencheu sua ficha, pois é analfabeto; está I por esta contradição, percebendo que o seu saber se originou da
fazendo o MOBRAL e diz qüe "não vou deixar de estudar; é prática tendo consciência de sua própria competência na execução da
importante; um pouco a gente tem que saber: mais tarde, se puder, tarefa e criticando o saber teórico como insuficiente para o aprendizado
faço o SENAI; quando entrei aqui não sabia nada, aprendo com os
colegas; aprendi fácil; comecei endireitando longarina (trabalho manual
que exige apenas força física) e agora opera uma máquina de furação";
- office-boy durante quatro anos: dois meses como auxiliar de
produção numa indústria de produtos químicos: "entrei na empresa
X cru e aprendi sozinho; quando tinha problemas, um colega me
t
I
do trabalho, reconhecem a importância da aquisição desse saber, e a
escola como o .local em que isto ocorre. Ou seja, percebem claramente
que, embora a competência que a prática lhes confere seja suficiente
para que ele realize seu trabalho com eficiência, o acesso ·a outras
condições de vida e de trabalho depende da aquisição de um outro
tipo de saber, conferido pela escola: o saber teórico.

144 145
o
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~,

c Seu discurso revela a incorporação da dicotomia saber teóri-


co/saber prático, e a percepção de que eles têm finalidades diferentes
A continuidade da escolarização regular aparece como sendo
outra coisa, separada do mundo do trabalho, como algo que tivesse
o e são adquiridos em diferentes locais; no trabalho, aprende-se a prática; o mágico poder de possibilitar a compreensão da natureza e das
o na escola, a teoria. Ao mesmo tempo que subvalorizam o "saber
prático", aspiram ao acesso ao "saber teórico" conferido pela escola
relações sociais em seu movimento. Ela aparece aos operários como
um local de efetiva democratização do saber, e de humanização, a
o e explicam pela própria incapacidade a impossibilidade de permanecer partir do que serão melhoradas as suas condições de vida. Mas eles
o no sistema de ensino. têm clareza, por exemplo, que a escolarização regular não ensina o
trabalho e não resulta em melhorias salariais, o que ocorre apenas
o Eles explicam suas condições atuais de vida e sua posição na
divisão social de trabalho pelo não domínio do saber teórico. Esta com os cursos profissionais, desde que paralelos ao desempenho
c percepção, contraditória com o reconhecimento do valor do saber efetivo do trabalho. Há, portanto, distinção entre dois tipos de "saber
c adquirido no trabalho que os operários desenvolvem apesar dos esforços teórico" propiciado por dois tipos de escola: o profissional e o geral.
É este de caráter mais geral que é apontado como indispensável para
o em contrário, é veiculada pelo capital com reconhecida eficiência, na
medida em que ele se utiliza da desvalorização do saber prático e "se entender a evolução das coisas".
o ao mesmo tempo controla a distribuição do saber teórico para a Em resumo, são as próprias relações de produção com sua
o produção e reprodução das relações capitalistas. pedagogia peculiar que ensinam ao operário como valorizar o seu
saber, fazendo-o percebê-lo como insuficiente e levando-o, assim, a
o E não há, por parte dos operários, elementos conceituais que
lhes possibilitem compreender esta contradição, na medida em que, aspirar à posse do saber teórico, tanto de caráter profissional como
o para eles, a prática social coloca teoria e prática como momentos do de caráter geral. O operário vê nessa aquisiç~o uma forma de superar
o conhecimento absolutamente. separados e independentes. sua condição de exploração, e tanto é procedente essa percepção que
o capital procura de todas as formas controlar o acesso ao saber.
o Eles não têm clareza acerca de ser sua ignorância, sua exclusão
da escola, produzida socialmente, como conseqüência natural do de- A seguir, são apresentados alguns elementos que fundamentam
o senvolvimento capitalista e da função que nele desempenha a escola a análise até aqui desenvolvida.
o - de distribuição desigual do. saber, contribuindo, portanto, para a
produção e reprodQção das relações capitalistas. O Quadro 7 mostra o nível de escolarização e de treinamento
o profissional dos operários entrevistados; pode-se verificar que 50%
o A impossibilidade de perceber esses aspectos atesta a eficiência
da pedagogia capitalista do trabalho, que, ao forçar (pelas formas de
dos entrevistados têm até a quinta série do primeiro grau, referen-
dando-se a afirmação dos supervisores de que a contribuição mais
o divisão e organização do trabalho, articuladas ao controle do saber) relevante da escola é ensinar leitura, cálculos elementares e compor-
o o operário a aprender o trabalho na prática, o produz e reproduz
e~quanto gerador de mais-valia.
tamentos sociais compatíveis. A realização de curso profissional também
o É importante observar que os operários, a partir da dicotomia i
não desempenha papel fundamental, sendo que ela não existe em
33% dos casos analisados. Dentre as agências de formação profissional
o teoria/prática, fazem a distinção entre dois tipos de escola: a. que aparece o SENAI como o mais importante, sendo que 33% dos
o
·t
ensina a "teoria sobre o trabalho" e a que ensina a "teoria em geral". operários realizaram treinamento nesta instituição; contudo, é importante
A partir dessa distinção, eles aspiram à realização de cursos profissionais relembrar que os engenheiros, inspetores de qualidade, supervisores,
o quando consideram a necessidade de aprender a teoria que explica a instrutores e mesmo muitos operários mostram que a maior contribuição
o sua prática. do SENAI é ensinar o nome e a forma de utilização das ferramentas,
as técnicas de trabalho mais elementares e os comportamentos relativos
o Por outro lado, muitas vezes essas aspirações têm a ver com o
desejo de promoção, pois o operário aprende na fábrica que ela é
r
i
: a segurança, saúde e disciplina, sendo insuficiente para a qualificação
o antes resultado da aquisição do saber teórico do que do domínio do do profissional, embora facilite muito o processo pedagógico desen-
c conteúdo do trabalho a partir da prática.
volvido pela empresa.

c 146
147

c
r--
-
~ QUADRO 7
Nível de escolarização e de treinamento dos operários entrevistados
-
ANALFA- PRIMEIRO GRAU
BETO I" 2" 3. 4" 5. 6. 7. s·
Curso por correspondência: - -
- - - - 1 - -
mecânica/eletricidade
Cursos de treinamento
- - - - 3 - - I 1
em empresas
Cursos do SENAI: 3 4
- - - - 5 4 3
-Técnicos - -
- Chefia e liderança - - - - 1 - -

- - - - I - - - -
- Prevenção de acidentes - -
- Correspondência - - - - - - I

Cursos no CEFET: -
- Treinamento - - - I - - - -
- - - - - - - - -
- Segundo Grau
Cursos no Exército
- - - I - - - - I
+ SENAI ou CEFET
Fundição Tupy - - - - - - - - -
Não tem nenhum curso 3
profissional 1 - - 3 7 - 2 3

I - - .5 I8 4 6 7 9
TnTAI

,....;c.,..,..,.....,._w~-~--"-~-f}--·---- . '....J .._.. ._,

QUADRO 7 (continuação)
SEGUNDO GRAU SEGUNDO GRAU PRÉ- UNIVER- TOTAL
COMPLETO INCOMPLETO VEST. SIDADE EM

CONTAB. 1' 2" 3. CURS.O


TÉC. CIENT.

Curso por correspondência:


mecânica/eletricidade - - - - - - - - 1
Cursos de treinamento
em empresas - 1 - - - - - - 6
Cursos do SENAI:
-Técnicos - - - - - - - - 19
- Chefia e liderança - - - - - - - - I
- .Prevenção de acidentes - - - - - - -. - I
- Correspondência - - - - - - - ~
I I

Cursos no CEFET: I
- Treinamento - I - I - I - 4
- Segundo Grau I - - - - I - I 3 I

I
Cursos no Exército
+ SENAI ou CEFET· - I - - - - - - 3 I

.fundição Tupy I - ·- - - - - - I
Não tem nenhum curso
profissional - - - - ..
I - I - 2i
TOTAL
~.1- 2 I .. 2 I ~ I _61 __

-
- - - - - - - - -

~&;;,\.}iG\~.k4)=P=4~:P:-º-J)()Q() o n.o o o o o o o o o o o o o o
o
c
o Os Quadros 8 e 9 mostram as aspirações educacionais dos
operários entrevistados, onde se pode verificar que 33% deles pretendem T" -- d - -----
QUADRO 9
-- -- --- h --- -
-- -........................
o continuar seus estudos regulares; os cursos profissionais pretendidos
-- _. ........... .....
FREQÜÊNCIA

o vinculam-se na maioria dos casos à atividade imediata que eles Treinamento profissional 20
o desempenham, surgindo a especialização como uma forma de conseguir
promoção; existem alguns casos, mas são poucos, de operários que
Cursos do sistema de ensino
Ambos
12
7
o querem apréhder um trabalho diferente para mudar de área, pretendendo
) Não quer mais estudar 8
o ou um trabalho mais interessante ou melhores condições de salário
e de ambiente.
Quer continuar mas tem dificuldade
o - treinamento
- cursos regulares
4

o QUADRO 8 -ambos
5
4
O- · Aspirações dos operários horistas TOTAL 60
O CURSO CEFET SENAI EMPRE- OUTRAS SISTEMA TOTAL

o Eletrônica 4 -
SA X

-
EMPRESAS

-
REGULAR

- 4
Nos quadros a seguir são apresentadas as razões para continuar
ou interromper os estudos. Observa-se que há consciência de que a
o Mecânica 3 7 1 4 - 15 extensão da jornada é um dos fatores dificultadores mais significativos;
o Eletricidade - 3 - - - 3
) eles justificam a dificuldade pelo cansaço do trabalho, impossibilidade
de competir com os estudantes que não trabalham, dificuldade de
o Eletrotécnica 2 - - - - 2 "acompanhar o estudo", distância entre fábrica, casa e escola, incom-
o Ferramentaria - 1 -· - - . 1 p-atibilidade de horários, e assim por diante. Muitos fazem o seguinte
cálculo: "se eu estudar à noite, tenho que sair diretamente da fábrica
o Torneiro me-
cãnico - 4 - - - 4
para a escola; chegarei em casa à meia-noite e deverei acordar às
o Desenho 4 - - - - 4 )
5:00 horas para chegar à fábrica às 7:30 horas; portanto, é impossível".

o Bomba injetora - - - 3 - 3
É interessante também observar a questão da idade; os que têm
por volta de 30 anos já se consideram muito velhos para continuar
o Caixa de cãm- . estudando, o que em certa medida se compreende pelo ingresso
o bio - - - 1 - 1 antecipado no processo produtivo, que, como mostra Marx, suga e
Pneumática - 1 - - - 1 exaure o trabalhador apropriando-se de todas as suas forças.
o Motores - - 3 - - 3
o Ajustagem - 2 I - - 3
I
QUADRO 10

o
I
R - ---- d .- - -- h
-- --- - ------- -- -
Qualquer curso I 6 - - - 7
o Continuar ,...~
Aumentar o salário
FREQÜÊNCIA
4
o 1° Grau - - - - 10 10
I

É importante para saber cada vez mais, acom-


o 2° Grau - - - - 3 3 panhar a evolução e diminuir as dificuldades 7

o Vestibular· -
14
-
24
-
5
-
8 20
7
71
7 Para se aperfeiçoar
Para garantir o futuro
3
I
o TOTAL
Para ganhar benefícios na empresa 2
o
c 150 151
c
~
QUADRO 11 I todos os macetes e quando dá tempo corrijo os defeitos de
r fábrica do material que monto; fiz um curso por correspondência
Razões apresentadas pelos operários horistas, que impedem ou
e quero fazer eletrônica no CEFET (segundo grau) porque é
dificultam a continuidade dos estudos
preciso ter a teoria". (Eletricista)
FREQÜ~NCIA

Falta de dinheiro 3 "Não precisou ninguém me ensinar na empresa X; eu já tinha


conhecimento técnico; pego o processo e monto sozinho; aprendi
Idade avançada (mais de 30 anos) 6
antes, desmontando e olhando outros; sonho com um curso de
Extensão da jornada de trabalho 12
\ mecânica diesel; sou capaz de montar um motor, conheço tudo
Não tem mais nada a aprender 1 ( por dentro; fui rebaixado como montador... sou mecânico; estou
Incompetência
Não gosta, não tem vontade
I
3
I na oitava série do supletivo e vou fazer científico para não ficar
cada vez mais atrasado; sem estudo não há possibilidade".
(Montador)
Observe-se que, dentre as razões para continuar a estudar, o "Ainda estou aprendendo, pois o serviço é totalmente diferente,
aumento do salário não foi a resposta mais freqüente, mostrando que mas não é diflcil; quem me ensina é um colega; eu vou olhando
as relações concretas ensinam ao operário que a relação entre educação o processo e a amostra; é fácil; vou fazer um curso no SENAI
e salário é ideológica. A freqüência maior ocorreu na resposta relativa só se o supervisor mandar; tenho primário completo mas quero
à maior compreensão da realidade e da "evolução das coisas", mostrando continuar porque daqui uns dias não se consegue nada. sem
que o operário não relaciona escola e mercado de trabalho, contra- estudo". (Auxiliar de ·montagem)

I
riamente ao que a política de educação vigente professa. "Fiz um curso de mecânica geral de automóveis, mas aprendi
A seguir são apresentados trechos de entrevistas dos operários, o trabalho na empresa X com os colegas; ~ra mecânico formado
em que se percebe como se coloca para eles a relação entre teoria· mas não tinha prática". (Montador)
e prática: da forma dicotômica: "Aprendi solda na outra firma; tinha habilidade e fui trabalhando

"Gostaria de fazer o segundo grau no CEFET, na área de


mecânica; na área técnica não me bato, mas na teoria tenho
que rebolar, talvez continue a estudar; fiz cursos para não ficar
parado; só tenho a prática; é preciso mais grau de estudo para
subir, preparar o futuro; trabalhei sempre na tabulação porque
I e aprendendo; o SENAI não ensina tudo sobre solda, a gente
vai aprendendo no trabalho; tenho vontade de terminar o primeiro
grau; é importante; saber cada vez mais é melhor, em ·vez de
ficar me batendo". (Soldador)
"Aprendi no trabalho; tive curiosidade, fazia carros em casa,
me interessava, aprendi sozinho; não fiz nenhum curso; curso
o engenheiro de processo não tinha prática nas máquinas; ele sempre ajuda; me considero profissional, sei a prática, mas falta
ensinou como funcionava mas não sabia lidar; eu peguei a a parte teórica". (Instrutor)
prática". (Instrutor)
"Gostaria de fazer um curso teórico para me diplomar". (Su-
"Tenho primário completo; não continuei porque não entra na pervisor)
cabeça, tenho problemas de fu:ar a parte teórica; fiz dois anos I "Tenho ginásio completo, mas não uso nada; aqui só preciso
de curso técnico; tirava o primeiro lugar na profissão mas
saber assinar o nome". (Montador)
sempre repeti o estudo; não tenho estudo mas tenho facilidade

·f
de criar ferramentas; minha área é difícil e exige muita impro- "Meu pai não queria que eu trabalhasse de mecânico; fiz ginásio
visação; uma parte é por falta de experiência dos engenheiros, completo e científico; quando terminei, cheguei à conclusão que
pois o mal do diplomado do Brasil é não ter estágio; ele tem não poderia ir para a universidade por falta de dinheiro; um
a teoria e eu tenho a prática; eu aprendi na vontade, na engenheiro ·me encaminhou para o curso técnico em mecânica".
curiosidade, não tenho nenhum curso de mecânica". (Supervisor) (Supervisor)
"Entrei na empresa X fazendo cabos e passei para eletricista; "Os cursos do SENAI são antigos, desatualizados; a experiência
aprendi o serviço trabalhando uns dias com um colega; já peguei de linha, a coordenação entre montagem e ajuste, são aspectos

152 153
fi.
\....,..,.,-(

C• •,-;,..~'

("-.... que o SENAI não acompanha; o SENAI só dá base bem "Comecei a fazer CEFET mas desisti; só serve para principiante
\,.,.'
elementar; se não trabalhar em cima não vai". (Supervisor) e eu tenho problemas práticos para resolver; mudei para o
o "Vou continuar a estudar, é importante; quanto mais estudo,
cursinho porque quero fazer vestibular de Engenharia Elétrica".
(Ferramenteiro)
c~ melhor; está muito difícil mesmo com estudo". (Montador)
"Gostaria de fazer um curso no CEFET; a prática a gente já
o "Terminei o ginásio mas não terminei o científico; desisti; eu tem; procuro mais a teoria". (Torneiro mecânico)
c ia para o colégio para me distrair; não há mais necessidade
de fazer curso; o engenheiro disse que eu sei na prática para "No curso a gente aprende teoria; mas muitas coisas a gente
o ensinar". (Supervisor) só aprende na prática; sem o curso do SENAI eu não conseguia
entrar, não conseguia emprego". (Meio-oficial ajustador, ex-es-
·,Ç "Tenho vontade de estudar um pouco mais, pelo menos o ginásio, tagiário do SENAI na empresa X)
porque o conhecimento que a gente tem nunca é demais, o
() negócio está evoluindo". (Instrutor) Após a análise feita neste item, resta saber como a empresa X
o "Troco idéias com os montadores; o instrutor nem sempre sabe enfrenta, internamente, a questão da distribuição do saber sobre o
o mais que o oper~rio, ele está ali todo o dia e descobre coisas". trabalho do pessoal que atua diretamente na produção. É o que
.'r'#'
(Instrutor) · veremos a seguir.
Ç·
,;
c, "Aprendi tudo na boa vontade; não fiz cursos; a empresa deveria
dar cursos; temos que descobrir os problemas na raça; mesmo 6. O CONTROLE DA DISTRIBUIÇÃO DO SABER
o a engenharia não nos dá suporte; eles deixam os problemas
encostados; não temos cursos especializados para cada coisa; SOBRE O TRABALHO
c~ cada dia se aprende mais, na· prática". (Supervisor)
o "Tenho segundo grau completo, mas quero fazer eletrônica no
Conforme já se indicou anteriormente, no seio das relações
educacionais mais amplas existe na fábrica uma prática que pode ser
c SENAI, mais prolongado, desde o começo; o futuro vai ser
eletrônica". (Ajustador) I considerada especificamente pedagógica: a distribuição do saber sobre
c "Jogo nas 11 posições; aprendi na oficina, na base da valentona;
o trabalho.
Esse saber é distribuído desigualmente segundo as necessidades
C· nunca fiz cursos; o que mais quero na vida é aperfeiçoar; o
relativas ao desempenho das tarefas, determinadas pelo seu grau de
c profissional quer se aperfeiçoar; aqui tem que saber tudo; tem
pepinos e mais pepinos". (Ajustador) complexidade, mediante agentes e mecanismos diversificados. Verifi-
Cr "Aprendi com a experiência; fiz um curso de mecânica Fiat,
cou-se que há uma tendência de distribuir o saber, sempre que possível,
c vieram treinadores de São Paulo; valeu mais o serviço, o curso
no interior da fábrica, tendo em vista a especificidade do processo
produtivo e o controle da dimensão ideológica. Nesse sentido, a
c não adianta nada; a gente aprende só um pouco de teoria;
outro curso profissional de mecânica não vou fazer, já sei empresa procura depender o menos possível de agências externas de
o bastantes coisas; vou fazer vestibular de Administração ou Con-
tábeis e estudar inglês; vontade de mudar, de ter outro serviço".
educação do trabalhador.

c (Montador)
A empresa X não dispõe de um centro próprio de treinamento;
quando ela foi criada, havia um plano para criação desse centro,
o "No trabalho a experiência profissional é mais importante; o minuciosamente elaborado por um dos responsáveis por essa área na
C· curso dá base, o início; na minha área o que sei é suficiente; matriz, cujo objetivo era o treinamento de todo o pessoal da empresa
não se exige mais do que eu tenho de parte técnica". (Supervisor) que então se iniciava. Esse plano foi vetado pelo então gerente do
c "Eu tenho conhecimento porque estudei enquanto trabalhava; Departamento de Relações Industriais, que o considerou não prioritário,
o tenho a teoria e a prática; se o cara se forma na escol_a e vai tendo, em vista a redução dos custos de instalação da empresa, e sua
ç para a fábrica não sabe nada". (Supervisor) inexistência é minimizada pela baixa rotatividade da força de trabalho.

g F
154

l
155

("".
o
o
dados pela auditoria não revelam a percentagem que é devida aos ('')
A política de recursos humanos da empresa é de não priorizar 'w
cursos".
o treinamento de modo geral, particularmente o concebido como um
programa institucionalizado. O ensino é valorizado não na sua dimensão
o
Assim, desaparece a única atividade sistematizada e con~rohida
de treinamento, mas como "abertura de horizontes; transformar o de treinamento que havia na empresa. Atualmente, o esquema que a o
conhecimento em sabedoria é questão de prática; não nos interessa
muito a formação educacional do operário; interessa que ele saiba
empresa adota é utilizar as agências de treinamento, a partir das o
resolver o nosso problema, independentemente de sua qualificação;
necessidades realmente evidenciadas. Ou seja, quando os gerentes e
supervisores percebem que é absolutamente necessário o treinamento ·
o
ele tem que saber fazer" (Gerente do DRI). para alguns de seus operários, eles mesmos os encaminham para o
Assim, sem programa de treinamento, os primeiros engenheiros,
supervisores, instrutores e montadores foram treinados em serviço, do
cursos oferecidos por outras empresas ou pelas agências específicas
de formação de mão-de-obra (SENAI e CEFET).
o
modo mais artesanal possível; foram importados da matriz engenheiros o
e veículos. Esses engenheiros, junto com os brasileiros, traduziram o
processo do inglês para o português, à medida que engenheiros,
Outra forma de proceder é a inversa, a partir da oferta de cursos
pelas empresas e instituições, que enviam periodicamente os seus o
supervisores e montadores iam todos juntos desmontando e montando
prospectos; quando o curso é considerado interessante pelo gerente
ou supervisor, ele indica as pessoas.que possam ser beneficiadas com
o
inúmeras vezes o veículo, até que não houvesse mais mistério nesse
trabalho. Depois disso é que começaram a ser montados os primeiros
sua realização. o
veículos nacionais. Nessa época, um engenheiro da matriz promoveu Não há qualquer controle do Departamento de Relações Industriais o
alguns cursos de treinamento apenas para os níveis mais elevados da sobre esse procedimento, não havendo informações acerca de quem o
hierarquia, a partir dos supervisores.
Passada essa primeira etapa, um engenheiro de qualidade "com-
fez, quantos foram e que cursos chegaram a ser realizados.
o
prou a briga" do treinamento, uma vez que a formação da mão-de-obra
O que se percebeu nas entrevistas' com os supervisores é que
esta estratégia, na verdade, não chega a ser utilizada, embora sejam o
é um fator importante de qualidade. Esse engenheiro promoveu cursos
realizados por outras empresas e instituiçôes específicas a partir do
constantes as ofertas de cursos que a empresa recebe e haja apoio e o
levantamento das necessidades pelos gerentes e supervisores de qua-
mesmo estímulo por parte do Departamento de Relações Industriais.
Nesse sentido, os supervisores funcionam como controladores do
o
lidade. Esses cursos foram considerados de eficácia reduzida, em
virtude da especificidade da empresa X.
acesso ao saber sobre o trabalho, na medida em que bloqueiam as o
Com isso, chegou-se à conclusão de que a melhor alternativa
oportunidades de seus subordinados, justificando essa atitude pela
"excelente qualidade" da força de trabalho, que torna desnecessária
o
era a montagem de cursos específicos pelos especialistas da empresa, a aquisição de qualquer outro saber. o
que conhecem o seu processo e as suas necessidades peculiares. Esses
especialistas preparavam o material, faziam um curso-piloto, refaziam
Quando eles percebem que existem necessidades reais, apresentam o
o material e só depois. generalizavam o curso.
os cursos internos como a melhor alternativa, em virtude de se poder
ensinar não só o que é absolutamente necessário, que é definido,
o
No entanto, poucos desses cursos chegaram a se realizar, pela evidentemente, pelo processo produtivo da empresa X. Opera-se, assim, o
dificuldade em se conseguir horário para sua realização, uma vez que
o treinamento não é prioritário e a produção não pode parar.
um movimento de impedimento do acesso a qualquer outro saber que o
Por outro lado, o baixo índice de rotatividade da força de
não seja o estritamente determinado pela natureza da tarefa parcelada
que o operário realiza. o
trabalho foi fazendo com que as necessidades de treinamento dimi- Os cursos externos são apontados como alternativa apenas para
o
nuíssem. O engenheiro de qualidade encarregado desta tarefa mudou
de função, não sendo substituído, o que fez •com que esse esquema
os casos em que a execução de tarefas mais complexas exigein o
acabasse por desaparecer. Segundo esse engenheiro, ~·a empresa ·não
aquisição de conhecimento técnico de forma sistematizada; isto· ocorre
com os ferramenteiros e mecânicos de manutenção, que, não por
o
apóia essas investidas e fica difícil argumentar com a diretoria, porque
não dá par_a medir o retorno desses cursos; .os índices de qualidade coincidência, são os operários mais politizados da empresa. o
157
o
156 o
o
"1!./.'?.J'

c
('"'·
'- .~/
problema com alguma peça e eles não sabem desmontar e trocar;
c· A seguir, são apresentados alguns trechos dos discursos dos
supervisores, que ilustram esta análise: rejeita-se o conjunto todo e perde-se tempo". (Supervisor)
o Outra exceção é o supervisor de pintura, que mostra a necessidade
o "Não tenho problemas com qualificação de mão-de-obra, tudo
é uma questão de motivação; os cursos são sempre bons, só
de escolarização regular, explicando pela sua ausência a falta de
"desenvolvimento mental" dos seus operários, atribuído exclusivamente
() vêm somar; eu gostaria de ter a equipe mais técnica possível... ao "ensino teórico": "para o pessoal era bom os primeiros estudos;
r'"' que fosse mais consciente... para isso gostaria de cursos internos
\o,/ ginásio, no mínimo; ninguém faz serviço burocrático, não escrevem
para·. cada área". (Supervisor)
() direito, nem o instrutor; se eles tivessem estudo, o que a fábrica dá
"A qualificação do meu pessoal é boa; o que faz falta é educação seria suficiente; muitos vêm do mato, muitos sem escola; tenho que
o familiar, métodos para se comportar no refeitório, como se
alimentar; eles comem demais e não produzem; não sabem
iniciar eles na prática; nunca uso teoria porque não adianta pôr teoria
C· comer; quanto ao serviço, não é necessário; o conhecimento
em cima de quem não tem desenvolvimento mental; é malhar em
ferro frio".
() que ele adquire na área é suficiente". (Supervisor)

(.,;.... "20 a 30% tem necessidade de treinamento para base e 70 a


80% de aprender no trabalho; num curso de treinamento eles
Nesse caso, a distribuição do saber na fábrica já se limita a
partir do preconceito da incapacidade ou da falta de desenvolvimento
c vão aprender a função de cada peça mas não há como simular mental inerente aos homens que desempenham trabalho manual.
o uma linha de montagem; eles saem sem condições de trabalhar;
era bom .um curso interno de conhecimento do produto; eles Já a maioria dos instrutores, por estarem diretamente envolvidos
c não precisam de outro treinamento adicional porque já sabem
montar; só que eles precisam conhecer melhor o produto, a
na ação de ensinar o trabalho, percebem com clareza a necessidade
de maior apropriação do conteúdo do trabalho pelos operários, como
o função das peças". (Supervisor) . demonstram os depoimentos a seguir, que inclusive contraditam os
o "Era bom o pessoal fazer cursos; falta não faz, mas era bom; discursos dos respectivos supervisores. Nesse sentido, percebe"se que
o no serviço não faz falta". (Instrutor) os instrutores estão mais envolvidos no processo de democratização
do saber que os supervisores, mesmo que o centro das preocupações
c ''Precisava um curso na empresa X para ficar mais integrado
com o. produto; e de organização, . por exemplo, para organizar. continue sendo as necessidades do processo produtivo:
c as ferramentas; vem da criação, .de casa; eu não sou obrigado "Era bom um curso dentro da empresa X sobre peças, funcio-
o a dar educação para homem de 30 anos". (Instrutor)
"O que eles sabem é suficiente; na linha sempre faz a mesma
namento de válvulas; quero conseguir catálogos para explicar
como funciona; eles montam e não sabem por quê; gostaria que
o . coisa, tem poucas alterações no processo". (Supervisor) meu pessoal fosse incluído nos cursos de mecânica do Setor de

o Como se vê, os supervisores e alguns instrutores consideram


Serviços e que houvesse cursos de segurança para o instrutor
e operários". (Instrutor)
c suficiente o saber sobre o trabalho que o operário adquire na experiência "Um curso para o pessoal- seria bom; de medição e desenho
o e usam esse_ argumento para explicar a não necessidade da aquisição
de outros conhecimentos; o que alguns percebem como necessidade
mecânico; o curso do SENAl é muito curto mas dá uma boa
idéia". (Instrutor)
o é a aquisição de alguns comportamentos compatíveis com as neces- "Falta parte teórica para o pessoal, pois a parte prática eles
o sidades do processo produtivo, mas ao nível da educação geral. já sabem; era bom mesmo para o conhecimento individual de
o Houve um caso apenas em que o supervisor apontou a necessidade
de cursos profissionais, por trabalhar numa área bastante problemática
cada um". (Instrutor)

c que exige elevado grau de competência técnica:


Apesar de não possuir um programa de treinamento para sua
força de trabalho, existe na empresa um centro de treinamento, ligado
c "Vários cursos seriam bons para o pessoal: motores, diferencial, ao Setor de Serviços, que tem por objetivo formar os mecânicos que
c caixas; o que eles sabem dá para o gasto, mas às vezes dá um J > vão trabalhar nas concessionárias. Esse centro de treinamento oferece

c 158 159
c-
{'
(j
.r.-)
"'
três tipos de cursos: mecânica geral; mecânica específica e formação o instrutor, por sua vez, é o principal pedagogo do trabalho ·:)
de motoristas. Esses cursos são ministrados por dois instrutores e um capitalista, na medida em que é ele que ensina aos operários; o
,...•
\<f(/
_,.

supervisor de treinamento, todos com experiência anterior em mecânica supervisor participa muito eventualmente desse processo, envolvido
e formados "filosoficamente" na empresa; dois são engenheiros e um que está com suas funções administrativas. o
é técnico, com 14 anos de experiência em instrução mecânica. Os
instrutores produzem os manuais que são entregues às concessionárias Possuidores de reconhecida competência técnica adquirida no o
e aos mecânicos, constituindo-se no material do curso; para isso eles trabalho, complementado por alguns cursos profissionais, eles foram o
possuem toda uma infra-estrutura de datilografia e mecanografia, escolhidos; segundo seus supervisores, pela sua capacidade de liderança,
respeitabilidade e facilidade de acesso aos operários. Evidentemente,
o
incluindo todo o material para confecção de transparências e enca-
dernação. As turmas são compostas de oito alunos, que utilizam três eles não têm nenhuma formação pedagógica específica, tendo cada o
salas-ambiente que reproduzem o layout, que deve haver na conces- um seu próprio método de ensino, fruto de bom senso nascido da
prática cotidiana.
o
sionária, em termos de disposição de materiais e ferramentas; cada
sala tem retroprojetor, projetor de slide e aparelho de som, além de Sua experiência anterior e nível de escolaridade são mostrados
o
todo o equipamento necessário ao aprendizado do trabalho. a seguir. o
Apesar de se constituir na aspiração da grande maioria dos
QUADRO 12
Experiência anterior e nível de escolaridade dos instrutores da
o
operários e instrutores entrevistados, esse curso não se destina ao
pessoal da produção; quando muito, ele é oferecido para alguns
Linha de Montaeem e Fábrica de Moto --- o
inspetores de qualidade, para alguns ajustadores e para o pessoal que
SETOR EXPERI~NCIA ESCOLARIDADE o
trabalha com testes; contudo, o número de pessoas atingidas não é
significativo. Em 1982, apenas sete funcionários da fábrica fizeram
Pré-montagem
ANTERIOR
Mecânico ' Segunda série ginasial o
o curso. A justificativa é a falta de capacidade para atender maior
Mecânico
Mecânico
+ SENAI
Ginásio completo
o
número de candidatos, além de o curso, de excelente qualidade, + SENAI
I
o
"exceder" às necessidades do pessoal da produção, o que revela mais
um mecanismo de controle de acesso ao saber sobre o trabalho:
Ginásio completo
+ SENAI
o
"Não são muitas as pessoas da fábrica que precisam deste nível
Furação e rebitagem Montador Primário completo o
de qualidade que o treinamento oferece; a maioria do pessoal
Pintura Pintor de automóveis
+ SENAI
Primário completo
o
da montagem não é especializado; monta o eixo traseiro sem
precisar saber como ele funciona; a empresa aloca muitos + SENAI o
trabalhadores rurais, que são instruídos em esquemas mais Montagem de cabine Mecânico
Mecânico
'Quinta série
Primário completo mais
o
simples". (Gerente da seção de treinamento e assistência técnica) Ajustagem.
Mecânico cursos em empresas o
A história do treinamento na empresa mostra que não é com
cursos sistematizados, internos ou externos, que se dá a qualificação
·Ginásio completo
+ CEFET
o
do trabalhador; resta saber, então, como ela se dá. Linha de caminhões Mecânico Primário completo o
Como já se afirmou anteriormente, existe uma prática especifi- + SENAI ()
camente pedagógica na empresa, voltada para o ensino da tarefa e
que se dá durante o trabalho cotidiano. Essa prática se processa na
Montagem de motores Mecânico Primário completo mais
cursos na FORD o
distribuição interna do saber, diferenciada por função, segundo os Usinagem de· blocos Torneiro mecânico Primário completo ~
+ SENAI
diversos níveis hierárquicos. Assim, os engenheiros de processo ins-
truem os supervisores e instrutores sobre o trabalho, sempre que há Ferramentaria Ferramentaria Segundo grau completo o
alguma modificação no produto, ou no processo tecnológico. - Técnico .em mecânica ()
r '\
.............,;
160 161 ,r"--~

v
o
o
c
c· O ensino do trabalho pelo instrutor é um processo contínuo que
se inicia quando o operário é contratado pela empresa e se prolonga
"Cada posto tem o processo; ensino pelo processo, não tem
como errar; se errar é descuido; oriento, respondo às dúvidas".
c pela prática cotidiana, com o acompanhamento do operário na execução (Instrutor)
c da tarefa. Ele se intensifica quando há mudança no processo, ocasionada
pela alteração do produto, do modo de produzir ou pela reorganização
"Eu faço uma vez e ele olha; mando ele fazer e supervtswno;
pergunto se está certo: mando desmontar até aprender''. (Instrutor)
C· da divisão do trabalho determinada pelo aumento ou redução da
o produção. Quando isto ocorre, cada operário recebe como tarefa um À medida que os trabalhos se tornam mais complexos e os
operários mais especializados, diminui de importância a ação pedagógica
novo conjunto de operaçõés, precisando ser devidamente instruído.
Q do instrutor, como ocorre na ferramentaria e na mecânica de manutenção
c Os instrutores utilizam métodos diferentes para o ensino do
trabalho, que podem ser resumidos em três procedimentos:
de máquinas. Nesta última área sequer há instrutor, sendo a instrução
feita pelo próprio supervisor, que é engenheiro:
c - o operário estuda o processo, que recebe por escrito, devi-
o damente ilustrado, com o conjunto de operações que lhe cabem, bem
"Oriento o serviço dos operários na ferramentaria; dificilmente
eles não sabem alguma coisa, aqui s6 tem gente que conhece
c detalhadas; depois ele é introduzido na prática, com supervisão do bem o trabalho". (Instrutor)
instrutor;

o - o instrutor faz uma demonstração da operação, que a seguir
é repetida pelo operário;
Como se vê, o aprendizado no trabalho, com a orientação do
instrutor, é a principal forma de aquisição do conteúdo do trabalho
c no interior da fábrica.
c - o operário é "colado" a um profissional experiente após as
explicações do instrutor. A análise do nível de qualificação dos instrutores, dos métodos
o Qualquer um desses procedimentos é seguido por um período
que eles utilizam, das justificativas que os supervisores apresentam
o de acompanhamento intensivo pelo instrutor, cuja extensão é variável,
para o não encaminhamento dos operários para os cursos, considerando
suficiente 9 conhecimento sobre o trabalho que eles adquirem na
o em função da necessidade. fábrica, permite concluir que os mecanismos acionados para a educação
c Esses procedimentos são ilustrados a seguir, na reprodução de do trabalhador se constituem numa poderosa forma de controle do
acesso ao saber.
o alguns discursos dos instrutores:
Verificou-se que, desde o processo de seleção, já há preferência
o "Eu coloco o operário novo numa área não muito difícil; primeiro
dou instruções sobre segurança, acidentes, equipamentos, uso pelos candidatos que não têm qualificação, e que, portanto, sejam
o correto de ferramentas; depois eu faço a primeira e a segunda "educados" na fábrica, exceção feita apenas a duas das áreas analisadas,
c montagem, e o outro observa; a terceira montagem ele faz
sozinho e eu olho; acompanho 10 ou 15 montagens; se ele não
em que a complexidade do trabalho exige mão-de-obra qualificada.

o se acerta, mudo de área". (Instrutor) Esse procedimento de seleção, aliado à prática pedagógica dos
supervisores e instrutores, que privilegia a aprendizagem no processo
o "Eu dou pra ele o pro.cesso e faço ele estudar; depois ponho produtivo, evidencia o escamoteamento do conhecimento teórico que
o ele no serviço". (Instrutor) tem a ver com a intenção de atrelamento do operário a um pequeno
o "Na ajustagem não tem processo; trabalhamos com a ficha onde
são anotados os problemas de cada veículo; primeiro ensino a
fragmento do processo produtivo, na medida em que se lhe ensina
apenas um conjunto limitado de operações que não lhe permitem
c decifrar os problemas na ficha, depois no caminhão; cada dominar todo o processo de trabalho.
o caminhão vem com ficha diferente, pois os problemas são outros;
.no começo é muito difícil, exige muito da gente porque eles Assim, a ação pedagógica na fábrica tem por objetivo ensinar
c
,......_,
não estão a par; colo um iniciante num profissionaf'. (Instrutor) exclusivamente o "fazer" destituído de qualquer explicação acerca de
,_,
I ,
163
162
o
(\
~--------------~-------~
. /BCJ C)
~ :_)
seu significado ou de seus princípios, e ainda, não o "fazer" de um Assim, os operários ficam privados da possibilidade de se O
processo completo, mas de pequenos fragmentos que não são suficientes apropriarem dos instrumentos conceituais e metodológicos que lhes O
para transformar o operário em profissional que domine um ofício
que possa ser exercido em outro lugar.
permitam ultrapassar o nível do mero fazer, para o fazer pensado.
o
Percebe-se, em alguns supervisores, a consciência da desquali-
ficação que o processo produtivo opera na força de trabalho, atada
o
Opera-se, portanto, pelo controle do saber sobre o trabalho, um
movimento de desqualificação do operário, que o prende a determinada às. operações simplificadas pelo processo tecnológico: o
parte do processo produtivo. "Eu gostaria de ter a equipe mais técnica possível; o pessoal o
É neste sentido que Marx mostra como a subsunção real do
faz o serviço automaticamente; gostaria que fosse mais cons-
ciente". (Supervisor)
o
trabalho ao capital resulta na destruição da habilidade e do saber do
"Para ser operador não é necessário a parte técnica: eles
o
trabalhador, a partir do momento que o processo técnico passa a ser
determinado cientificamente pelos especialistas.
trabalham bitolado". (Supervisor) o '

A especialização que o operário adquire no exercício da tarefa


"Para esse serviço não precisa curso; basta acompanhar o
processo: eles não aprendem nada aqui; montar uma coisa boa
;1~
parcelada é a expressão de sua mutilação. não ensina; aprende consertando, aprende na ajustagem". (Ins-
trutor)
Os mecanismos de controle do saber sobre o trabalho se cons-
tituem em uma das formas pelas quais o capital produz a incompetência É extremamente esclarecedora a justificativa do gerente da área
técnica e política do operário, como condição essencial para sua de treinamento do Setor de Serviços, antenormente apresentada, que
exploração. Não é por coincidência, como será analisado posteriormente, mostra que os cursos oferecidos por esse setor, de excelente qualidade,
que esses operários desqualificados sejam, de modo geral, os mais "excedem" às necessidades dos operários de. produção, para os quais
facilmente submetidos à dominação do capital, com os quais o processo são suficientes procedimentos mais simples que objetivem o ensino
de manipulação se evidencia mais eficiente, embora não se estabeleça de operações parciais. Evidentemente, por trás dessa idéia existe a
uma relação mecânica entre desqualificação e despolitização. consciência de que, oferecidos esses cursos para os montadores, a
empresa teria dificuldades com seu controle e retenção, aumentando
Uma das alternativas para começar a ampliar o saber do operário a indisciplina e os índices de rotatividade externa, de vez que eles
sobre o trabalho, dentre os disponíveis e aceitos pelo capital, seriam se tornariam competentes para trabalhar como mecânicos em conces-
os cursos de formação profissional. Mesmo estreitamente vinculados sionárias ou em suas próprias oficinas, sendo mais bem remunerados
aos interesses capitalistas, esse cursos apresentam o conhecimento de e desempenhando um trabalho mais satisfatório.
forma mais ampla e sistematizada, promovendo a reflexão sobre as Verifica-se, pois, que as formas de educação do trabalhador
causas e princípios que regem o fazer, em contraposição ao saber apresentadas, tanto as mais amplas que se dão ao nível das relações
exclusivamente prático, assistemático e fragmentário, que é veiculado sociais quanto as especificamente pedagógicas, são instrumentos que
durante o trabalho. o capital utiliza para, pelo controle do saber sobre o trabalho, criar
condições favoráveis à exploração crescente da força de trabalho.
Mas, como se verificou anteriormente, esta alternativa é utilizada
pela empresa só em última instância, e, mesmo assim, procurando A contradição que se observa é o fato de que são os instrutores
garantir, se possível, que os cursos sejam internos, de modo a assegurar que, mais identfficados com os operários pela sua própria condição
que o operário não se aproprie de outro conhecimento que não seja (mesmo considerando as limitações que fazem com que eles não
o absolutamente necessário ao "processo produtivo-empresa X", e, ao ultrapassem o nível do fazer, despossuídos que são do conhecimento .,~f:
mesmo tempo, que não tome contato com outra ideologia que não teórico), . realizam um movimento de democratização do seu saber -)
\..._,.I
seja a "ideologia da empresa X". !· limitado, na medida em que não escondem nada do pouco que sabem:
~~]
164
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165 I!
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( ...)
"Não é todo dia que precisa ensinar; quando aparece um parcelado, o processo de desqualificação não só permanece como se
problema diferente precisa resolver e ensinar; procuro passar intensifica pelo avanço tecnológico, o controle continua a existir, só
c tudo o que aprendi; fica mais fácil, tenho menos serviço". que exercido de outro modo.
o (Instrutor)
O que muda são apenas as formas pelas quais essa subsunção
"Ajudo na linha e ensino; estou aprendendo e ensinando com se realiza, tornando-se a dominação ainda mais abrangente, na medida
C' eles; o que aprendi nunca ocultei; acompanho o trabalho e em que, aliando a persuasão à coerção, invade todas as tarefas da
C) aponto os erros". (Instrutor) vida do operário, de modo tão subliminar que ele dificilmente percebe.
(...,
Isto só é possível porque estas estratégias, mascarando a con-
"'"""',/"
C tradição entre capital e trabalho, descaracterizam a fábrica como local
7. AS ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS E SUA
de exploração, mostrando-a como uma grande família feliz.
() EFICÁCIA: A SATISFAÇÃO E AS FORMAS DE
c RESISTÊNCIA DOS OPERÁRIOS Nesse sentido, elas nada mais são do que formas de manipulação,
que têm por objetivo a criação de condições mais favoráveis à
ç, exploração, pelo ocultamento das contradições, cuja eclosão é sempre
No decorrer deste capítulo, procurou-se descrever as formas que
c~ desestabilizadora.
a empresa utiliza para ocultar o despotismo do capital sobre o trabalho.
o Já se indicou, também, que essas formas emanam do casamento
perfeito de duas teorias da administração, que estão a serviço do
Resta verificar a eficiência das estratégias acionadas pela empresa
com esse fim. E, como a contradição fundamental permanece latente,
c capital: o taylorismo e a escola de relações humanas. sempre há possibilidade de que surjam formas de resistência à
o Assim, combinam-se novas formas de organização do trabalho
exploração, que devem ser analisadas à luz· do objetivo histórico mais
amplo da classe operária: a superação do modo de produção capitalista .
c . que diminuem os inconvenientes de sua excessiva divisão (enrique-
A julgar pelos baixíssimos índices de absenteísmo, pela rotati-
o cimento da tarefa, rotatividade interna, controle do ritmo de trabalho
pelo operário) com novas formas de habituação do operário ao trabalho vidade interna, pelos movimentos reivindicatórios praticamente inexis-
c dividido (política de valorização de recursos humanos, benefícios,
diluição do controle externo), num esforço de aparentar a democra-
tentes e pelo alto nível de satisfação dos operários entrevistados, há
que se considerar extremamente eficiente o trabalho de hegemonia
c tização das relações de produção. realizado na empresa X, compreendido como uma das manifestações
o Exploram-se os motivos econômicos mediante altos salários,
concretas do projeto hegemônico da classe burguesa.
c promoções, recursos psicossociais, criando-se condições para que o Os altos salários, os benefícios e a estabilidade fazem dessa
o operário se si.nta valorizado numa empresa que é parte fundamental
de sua vida, que resofva todos os seus problemas, onde ele realiza
empresa uma excelente alternativa de emprego, a melhor da região,
segundo todos os entrevistados.
c um trabalho importante em condições agradáveis, sem controle e sem
De modo geral, verificou-se um alto nível de satisfação no
o pressões, e onde, por acréscimo, é parte de um grupo, tendo muitos
amigos. Su'a satisfação no trabalho passa a ser um objetivo tenazmente
trabalho, entre os 60 operários entrevistados: as causas mais importantes
dessa satisfação estão vinculadas à política de pessoal e ao estilo de
o perseguido pela empresa, na medida em que sabe que o operário
administração adotados, voltados para a valorização dos recursos
o satisfeito não cria conflitos, e é mais produtivo.
humanos, e as formas de organização do trabalho que minimizam os
c Esta aparência de democracia esconde a velha dominação, só
que agora exercida de modo mais sutil, e por isso mesmo, bem mais
aspectos negativos de uma prática taylorista.

c eficiente.
Assim, as fontes mais apontadas de satisfação foram os benefícios,
o ambiente de trabalho e a forma de organização do trabalho. Em
o A subordinação do trabalho ao capital não muda: a extração de relação aos benefícios, destaca-se a questão da alimentação e do
c mais-valia continua a ser o objetivo principal, o trabalho continua 't
transporte, e principalmente o papel do Serviço Social na solução dos

c 166 167
c
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-o
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"É a empresa melhor que já trabalhei; o salário, o chéfe não
problemas de ordem financeira. Quanto ao ambiente de trabalho, foram
salientadas as boas relações pessoais, a liberdade, o companheirismo, fica em cima; trabalho à vontade e o serviço vai''. (Montador) o
a valorização das pessoas; nesse sentido, o papel dos supervisores é "É bom trabalhar satisfeito; na outra empresa era pior; aqui
o
decisivo na medida em que atuam de forma a não adotar padrões todos os caras são bacanas; lá, os novos eram rebaixados; aqui, o
autoritários, centrando o controle na tarefa, e não nas pessoas. Quanto
às condições de trabalho, os entrevistados apontaram a possibilidade
ninguém critica, ninguém tira sarro, as pessoas são valorizadas".
(Montador)
o
de alguma autonomia no estabelecimento do ritmo de trabalho, a boa
relação homem/máquina possibilitada pelas características da linha de "Adoro; tudo o que se possa pensar numa empresa ela tem;
o
montagem em que não se verificam tempos e movimentos rígidos e ordenado, comida, transporte, ambiente, ninguém perturba, é o
estereotipados, as condições físicas em que o trabalho ocorre, a melhor do que a outra empresa onde trabalhei por muito tempo
e o salário era muito baixo". (Montador)
o
tranqüilidade, segurança e limpeza.
o
Os trechos dos discursos a seguir ilustram a eficiência dos
mecanismos que a empresa usa para conter as contradições com a
"Gosto, não tem o que reclamar, tá bom mas não é a melhor;
tem a vantagem das amizades e o que aprendi, mas tem outras o
criação de condições favoráveis à exploração da força de trabalho, melhores (salário), só que não é seguro. A empresa X dá o
demonstrando que as suas expectativas de cooperação são plenamente segurança". (Montador)
o
atingidas: "a empresa oferece muitos benefícios; tem direito a esperar
que o funcionário coopere" (Responsável pelo Setor de Recrutamento):
"Tendo uma chance com os homens pode chegar a um grau
mais alto, ganhar mais; os amigos são legais, o trabalho é meio
o
"O trabalho é bom, comida boa; pretendo ficar aqui; é melhor barulhento mas pouco importa; gostaria de ser transferido para o
que a lavoura; gosto da lavoura mas às vezes não da'". (Montador) ambiente mais calmo". (Montador) ' (:)
"Aqui tem tudo de bom; estabilidade, é a melhor empresa que É interessante observar dois aspectos relativos à questão da o
já trabalhei; pra muita gente é a segunda mãe, passam o maior
tempo aqui dentro, aprende tudo que precisa... só que tem que
satisfação: o primeiro deles é que os operários se consideram satisfeitos
fazendo comparação com as suas condições anteriores de trabalho em
o
ser certo, não pode fugir do esquema". (Ajustador administrativo) outras empresas. Este fato reforça o raciocínio anteriormente desen-
"Adoro a empresa X; tudo o que se possa pensar numa empresa volvido de que o operário, tendo experimentado condições melhores
ela tem; ordenado, comida, transporte,· ambiente, ninguém per- de trabalho, dificilmente se habituará a condições menos satisfatórias,
turba". (Montador) encontrando-se aí um aspecto de educação política do trabalhador.
Por outro lado, esta constatação poderia indicar que eles estão satisfeitos
"Gosto daqui; dão refeição, é perto de casa, o salário é melhor,
em relação a outras empresas, mas não estão satisfeitos com a empresa
o ambiente é bom; deixam a gente à vontade; trabalha sem
chefe". (Montador) X, analisada em si mesma. A partir das observações e conversas
informais realizadas, verificou-se que, em relação à questão dos
"O mais principal é o refeitório; eu já carreguei marmita e benefícios e do tipo de controle realizado, eles estão realmente
comi muita bóia fria". (Montador) satisfeitos com a empresa X.
"Adoro; é o lugar que mais gosto, o que mais queria; o serviço ~
O segundo aspecto interessante a ser destacado diz respeito ao
é tranqüilo, gostoso, ninguém incomoda, dá para subir na vida". fato de não terem aparecido, nas respostas relativas à. satisfação, os
(Montador)
aspectos relativos especificamente às formas de organização do trabalho,
"A empresa X é o meu segundo lar". (Montador) tais como ampliação da tarefa, controle do ritmo, rotatividade interna.
Ao mesmo tempo, também não surgiram reclamações relativas à
"É excelente, não tem nada contra; gosto de tudo: transporte,
comida, o ambiente de trabalho é muito bom; trabalho livre, à monotonia, automatização, tempo insuficiente para a realização da
vontade, nunca tive problema". (Montador) •"\
tarefa.

168 169
-
c
()
c A explicação mais plausível que se encontrou para esse fato é
dada por um teórico da administração capitalista que desenvolveu
aceitação dos salários e das oportunidades de promoção como pontos
pacíficos.
o estudos sobre satisfação no trabalho: Herzberg. (1973)
Identifica-se, aí, portanto, uma área de antagonismo que manifesta
o Esse autor mostra que satisfação e insatisfação não devem ser a contradição capital/trabalho, e que a empresa, apesar de suas
o compreendidas como pólos antagônicos de um mesmo fenômeno, mas
devem ser tratadas como variáveis distintas. Assim, existem fatores
estratégias de remuneração direta e de benefícios, não consegue
controlar. Contudo, é necessário salientar que esta manifestação não
o cuja presença não aumenta o nível de satisfação (como no caso em tem sido suficientemente forte para mobilizar os operários em movi-
c discussão) mas cuja ausência gera insatisfação. mentos reivindicatórios; ao contrário, as reclamações não têm extra-
polado o nível individual.
o Desta forma ficam compreensíveis as rápidas referências feitas
pelos operários quanto ao fato de o "serviço ser bom" e dificilmente Com relação aos salários, houve um início de organização na
o apresentar problemas, embora isto não se constitua em fator de usinagem de blocos, que foi facilmente contornado com a explicação
o satisfação. Se a empresa X apresentasse uma proposta mais taylorista
de organização do trabalho, é provável que surgissem manifestações
do supervisor e do gerente da área, acerca da política e da estrutura
o de insatisfação, o que demonstra o acerto da empresa ao se preocupar
salarial da empresa, complementada por promessas e pelo irrecusável
"argumento" da inexistência de oportunidades melhores, e mesmo de
o com essa questão como foco gerador de antagonismos. apenas oportunidades, na região. Um dos ferramenteiros relata assim
o episódio:
o Outra forma de ver a questão é constatar que o operário
paranaense ainda tem suas preocupações centradas na obtenção de )
o seus direitos mais elementares de trabalhador, enquanto o operário da
"O salário não tá bom porque estamos ganhando pouco pelo
serviço que é pesado e perigoso; o custo de vida tá ruço e leva
o matriz, tendo superado essa fase, apresenta condições de perceber os
aspectos mais sutis, menos explícitos, do processo de exploração, e
o pessoal a questionar; tudo depende do salário; se falta comida,
dinheiro, trabalha preocupado; o ordenado determina o ambiente
o de mobilizar-se para enfrentá-los. Ou seja, a luta política já atingiu de trabalho; se ganha o suficiente, o cara trabalha tranqüilo;
o outro nível de refinamento, o da liberdade, uma vez que já foi aqui a gente não ganha mal mas não é suficiente; o pessoal
estava desesperado, fez duas reuniões com o chefe; ele pediu a
o ultrapassado o da necessidade. Não é o caso do operário brasileiro,
de modo geral... nossa colaboração e vai trabalhar por nós, para conseguir um
o O que se observou, realmente, é que os fatores que determinam
aumento bom no começo do ano; ele falou se vocês querem
sair, lá fora tem muita gente que quer entrar; o cara que
o a satisfação dos operários da empresa X são os benefícios, que organizou foi dispensado porque era fraco no trabalho, machucou
o representam o salário indireto. a mão e não soube explicar por quê; faz uns quatro meses que
o pessoal tá quieto; acho que não ferve porque a turma é muito
o As insatisfações apontadas disseram respeito aos salários e pro-
moções, apesar de haver o reconhecimento generalizado de que esta
pequena". (Operador)

o é a empresa que melhor remunera a força de trabalho na região. Na ferramentaria, as queixas se dirigem para a disparidade dos
o Mesmo assim, em relação a salários e promoções, o número de
insatisfeitos foi significativamente superior ao dos satisfeitos.
salários, mas não houve movimento reivindicatório porque a empresa
se adiantou, substituindo o supervisor, que está aos poucos fazendo
o Há que registrar, inclusive, que, dos 60 entrevistados, apenas -~
as equiparações necessárias.
o sete apontaram o salário como fonte de satisfação, e apenas cinco Quanto às promoções, as reclamações têm por alvo principalmente
o fizeram o mesmo com relação às promoções. a arbitrariedade. dos critérios, havendo um favorecimento dos preferidos
da supervisão, além do que elas não têm ocorrido com a intensidade
o Observ<;>u-se, também, que os insatisfeitos com os salários e
promoções reconhecem os benefícios, a forma de organização do
desejada.
o trabalho e o ambiente como altamente satisfatórios; estes aspectos, Com freqüência menor, foram apontadas como causas de insa-
o
!)
contudo, tomados isoladamente, não são suficientes para conduzir à tisfação a inadaptação à função atual e o desejo de transferir-se para
~,,....,
170 171
o
("'\
outra área ou função. Um exemplo disso é o caso de um mecamco, "Vou fazer vestibular no fim do ano, tentar Direito; trabalho
com 15 anos de prática e vários cursos profissionais, inclusive um como mecânico contra a vontade; tentei Engenharia duas vezes
com um ano de duração em São Bernardo, que está lavando peças e não passei: quero ganhar mais". (Montador)
para serem pintadas: "Promoção nem sempre é aquilo que você quer; minha preocu-
pação não é dar muito de mim. na empresa, não quero ficar
"Sou um profissional e com todos os cursos que fiz estou aqui
muito condicionado pela empresa; quero me dedicar a outras
lavando peças, um serviço que qualquer um faz, não precisa ter
atividades; vou fazer vestibular de Estatística"~ (Mecânico de
profissão; não tive oportunidade... se o supervisor desse uma manutenção)
mão... vou falar com a assistente social; o resto está tão bom;
se estivesse no meu serviço, estava satisfeito". Outra forma de resistência encontrada, ainda ao nível individual,
e com pequena freqüência, é a volta ao sistema artesanal de trabalhar
Mudar de área e de função também tem sido uma forma de em seu próprio negócio, como forma de superar a divisão do trabalho,
resistência encontrada, que se caracteriza como uma modalidade in- recuperando a unidade decisão/execução. Do total das. demissões
dividual de enfrentamento das insatisfações geradas pelo trabalho ocorridas na empresa desde que ela existe, 5% tiveram como causa
parcelado. Alguns têm como meta as áreas em que o trabalho ainda
não foi simplificado, tais como a ferramentaria, a ajustagem, a
I o desejo de trabalhar por conta própria. Entre os operários entrevistados
foi encontrado um único caso desta natureza:
manutenção de máquinas. Mas em função do caráter corporativo das I·I
"é melhor ter uma coisa da gente mesmo; estou dando lucro
reivindicações, relativas à satisfação das necessidades e dos direitos \.
pra eles; quero ter um negócio que eu tenha poder na mão;
fundamentais do trabalhador, verifica-se que a expectativa de mudança
está diretamente relacionada com a questão salarial, mais do que com
( me irrita de ter chefe; se não ficam em ,cima tudo bem faço
tudo sozinho". (Mecânico de manutenção)
I
a realização de um trabalho mais interessante, que exija mais conhe- I

cimento, permita maior criatividade e possibilite maior autonomia: Finalmente, encontrou-se como forma de reação à subsunção
real do trabalho ao capital e defesa do "seu saber" sobre o trabalho,
"Tenho vontade de mudar, de ter outro serviço; aqui não tem elaborado a partir da experiência. Isto só ocorre, contudo, com os
chance para subir; não dão valor pra gente pela capacidade;
em dois anos e meio nunca fui chamado atenção, mas também
~ supervisores e operários realmente qualificados, que dominam ampla-

I
mente o conteúdo do seu trabalho e que têm consciência disto, não
nunca tive elogio". (Montador) aparecendo entre os operários que dominam apenas um fragmento do
processo produtivo, sendo despossuídos do saber sobre o trabalho
Outra área de resistência encontrada é a busca de realização de
(estes o capital domina com mais facilidade).
cursos profissionais ou de educação geral, em outras empresas ou
instituições especializadas, aliada à insatisfação pelas poucas oportu- Essa forma de reação se ·manifesta pelo enfrentamento dos
nidades concretas que a empresa oferece, em função de seu reduzido engenheiros e supervisores, com a discussão das decisões relativas ao
interesse. A empresa não só não cria condições favoráveis para a processo de trabalho, na medida em que esses operários detêm um
realização desses cursos, como também desestimula os operários, como saber e uma experiência oriundos da prática cotidiana, que os res-
l ponsáveis pelas decisões geralmente não têm. ·
já se discutiu anteriormente. I

Apesar desse esforço, os operários, que percebem o valor da


+ Estes operários e supervisores, conscientes da competência que
o seu saber sobre o trabalho lhes confere, argumentam, questionam,
aquisição do saber, procuram ingressar na universidade ou realizar
apresentam sugestões, não se submetendo facilmente aos engenheiros
cursos técnicos como uma forma de diminuir os efeitos de dominação
e não aceitando passivamente o processo de trabalho.
exercida pelo capital. Dentre os entrevistados, sete estão tentando o
vestibular para diferentes áreas, como uma forma de mudar suas Estas formas de resistência, apesar do caráter individual e
condições de trabalho e de vida: nostálgico de algumas delas, e que, nesse sentido, podem se constituir

172 173
-
o
C:
-~y-·

c num movimento de andar para trás na história, representam um ponto


de partida, ainda que rudimentar, para o desenvolvimento da consciência
por causa dos benefícios; começou a freqüentar as reuniões e acabou
o política e de formas de organização coletiva. Inegavelmente, elas
se envolvendo na luta por maiores salários, embora afirme que

o representam, acrescidas a outras manifestações anteriormente analisadas,


"sou contra a greve; enfrentava as reuniões para votar contra
a greve; na outra empresa, lutava por melhores salários sem a
cl o resultado contraditório do processo pedagógico capitalista, mostrando
que é. no bojo das relações de produção e do trabalho educativo que
greve; criar atrito não resolve, tem que fazer acordo com o
patrão".
o as caracterizam, que o operário aprende a resistir, ao mesmo tempo
c em que se disciplina. Na empresa X, ele está desmobilizado em função do cargo que
ocupa, e também por considerar que lá este tipo de luta é desnecessária,
c Olhando a questão do ponto de vista da empresa, pode-se pois a "empresa dá todos os direitos".
o considerar eficiente a sua prática pedagógica, na medida em ·que ela
conta com um afinado, harmônico e produtivo corpo coletivo, com Finalmente, um ferramenteiro que está na empresa há sete meses,
c baixo poder de mobilização.
Ja está sob a mira do supervisor, que o considera "voador, não pára

o Observou-se que praticamente não existem formas de organização


no serviço"; ele veio das fábricas de máquinas e implementas agrícolas
do Rio Grande do Sul, tendo passado por uma empresa deste tipo
cl coletiva dos operários da empresa X; do mesmo modo, dentre os 60 em Curitiba; está cursando o IV período do curso técnico em mecânica
;Q entrevistados na Produção, apenas três evidenciam algum grau de do CEFET e pretende fazer Engenharia Mecânica:
compreensão das relações concretas de exploração existentes na em-
o presa.
"Eu já era sindicalizado no Rio Grande; o pessoal lá é mais
reivindicador; quando cheguei aqui estranhei, porque ninguém
o O primeiro deles estudou em seminário, tem segundo grau
fala de sindicato; sindicalizei-me aqui 'na empresa X; a gente
o completo (técnico em Contabilidade) e cursos profissionais de tornearia;
faz parte de alguma coisa e-vê que aqui ninguém se sindicaliza;
então, resolvi começar a convidar o pessoal. A empresa X é
o ele, como sua ·família, é militante de um dos partidos da oposição. boa em benefícios, só que ela diz que dá quando na realidade

o Apesar de ter clareza acerca do trabalho pedagógico articulado aos


interesses hegemônicos da classe burguesa que a empresa desenvolve,
isso é sua obrigação; quem vem de uma fábrica pequena acha
que isso é um paraíso; quem já trabalhou em fábricas grandes
c das verdadeiras funções da assistente social e da importância do vê que o que eles fazem é em provento deles mesmos; se eles
mantêm o operário satisfeito, melhor para a empresa; o pessoal
o sindicato, prefere fazer a luta política fora da empresa, esperando o
dia em que será aprovado no vestibular de Direito:
vem do interior e pega uma firma como a empresa X e se
c acomoda".

o "O pessoal não é politizado porque não tem instrução; eu não


me manifesto, porque numa época de problemas tem que cuídar
Além de ter consciência do significado do trabalho no capitalismo,
c para não ficar manjado; o meu colega, da manutenção, distribuía
este ferramenteiro é um bom estrategista político; assim, ele está
fazendo um trabalho de chamamento do pessoal para o sindicato, a
o panfletos e foi advertido por carta, por outro motivo, mas deve
haver alguma relação". partir de uma correta leitura da realidade; como eles não sentem
c "A empresa X iniciou numa época de greve; opinavam para o
necessidade do sindicato, começa a envolvê-los pelos benefícios,
acreditando que o primeiro passo é levá-los para o sindicato:
o pessoal não se sindicalizar; alugaram a cabeça de todo mundo
"não dá para falar politicamente com eles, mostrar que é preciso
o e ninguém mais fala nisso; o pessoal não é politizado; numa
época de problema tem que cuidar para não ficar manjado". se unir p~ra ter força, porque eles fogem com medo de perder
c )

O outro é instrutor, sindicalizado e participante da greve de 80


o emprego".

c quando estava em outra empresa; terminou o segundo grau (supletivo)


"Quem faz greve são os profissionais especializados, porque
arrumam emprego com facilidade; o nível educacional tem muito
c e está se preparando para o vestibular de Direito; procurou o sindicato a ver; quem é melhor profissional ganha melhor, se sindicaliza
c 174 175
c
r
o
e faz greve; os peões não se sindicalizam e são eles os que
mais precisam; são os mais acomodados".
~
I
O instrutor e ferramenteiro anteriormente citados discutem a
C'
:)
o
ineficácia do sindicato em relação aos interesses dos operários, o que
Por estes discursos pode-se perceber que, por detrás do eficiente
é muito desmobilizador: o
esquema de desmobilização da empresa X, concretizado na sua política "O sindicato nos traiu duas vezes na greve.~ o pessoal esperava
do sindicato uma cooperação e ele nos traiu, o pessoal ia de
o
de valorização de pessoal, de salários e de beneficios, existe um
poderoso esquema de coerção, que se utiliza de modo não explícito
noite discutir e de dia o patrão mandava embora; por isso não
voltei mais lá, eles atendem o interesse do patrão". (Instrutor)
o
das ameaças de demissão, que em alguns casos chegam a se concretizar,
embora sempre sob a justificativa técnica: produz pouco, é voador, "}á o ferramenteiro, aliado a companheiros de outras empresas,
não trabalha direito. As razões políticas, as verdadeiras causas das está trabalhando para a sindicalização do pessoal tendo em vista uma
demissões, ameaças e cartas de repreensão, são convenientemente virada na próxima eleição:
disfarçadas sob a alegação da falta de eompetência técnica. Aliando, . "o sindicato é fechado e já percebi que eles fazem um pouco
pois, a coerção a seu eficiente esquema de cooptação e persuasão, a de sujeira; mas, se não for sócio não dá para fazer nada;
empresa X consegue excelentes resultados em termos da desmobilização quanto mais gente melhor, quem sabe vai dar para virar'.
do seu pessoal. (Ferramenteiro)
Essa eficiência deve-se, também, além de outras razões que Eis aí uma contradição que pode ser bem explorada, a serviço
serão discutidas a seguir, aos excelentes resultados do seu sistema de dos interesses dos operários. Embora seja pequeno o número de
seleção, já analisado, que privilegia, sempre que isso seja possível, sindicalizados na empresa (11 dentre os 60 entrevistados) e o fato
os candidatos que ainda não tenham sido beneficiados pela educação deles se sindicalizarem exclusivamente pelos benefícios, com raras e
para o trabalho capitalista, em termos de sua organização e politização. honrosas exceções, o fato de eles começarem .a freqüentar o sindicato,
mesmo para o dentista e para os programas de fim-de-semana, pode
Mesmo os funcionários que vêm de centros mais industrializados,
ser um modo de iniciar-se a sua educação polftica, na medida em
principalmente de São Paulo, são representantes da fina flor conser-
que estão em contato com outros operários· em um ambiente que não
vadora do operariado. Cuidados especiais são dispensados na seleção
o criado e controlado pela empresa.
dos operários qualificados indispensáveis, havendo cC!nsciência por
parte da empresa de que eles são os mais politizados, e portanto A maioria dos que se sindicalizaram na empresa X o fizeram
agitadores, principalmente os ferramenteiros. E, como se pode verificar em busca dos benefícios que a empresa não oferece; se ela tivesse
pela presente análise, o esquema de seleção aliado à prática pedagógica dentista, a razão mais freqüentemente apontada para a sincUcalização,
e ao aparelho coercitivo funciona, estando a empresa dotada de um o número de associados diminuiria sensivelmente, o que mostra mais
corpo coletivo dócil e produtivo, sendo mobilizados todos os esforços uma vez o caráter ideológico da política de benefícios:
necessários para que ele assim continue. "Sou sindicalizado; fui lá e fiz a carteirinha por um motivo só:
o dentista para a minha família; médico a empresa tem".
Para este estado de coisas, além do poder desmobilizador de (Montador)
sua política, a empresa conta com vantagens adicionais: uma força
"A vantagem da sindicalização são os benejfcios: médico, dentista,
de trabalho sem tradição industrial, de origem predominantemente
para uma emergência; todo mundo devia se sindicalizar, não
rural, com reduzida qualificação, e, por acréscimo, um sindicato que, por questão de questões, mas pelos beneficios". (Montador)
além de fraco, é pelego, mantendo-se a mesma diretoria nos últimos
12 anos. As duas instâncias superestruturais que poderiam estar "Não sou sindicalizado; em São Paulo nunca fui procurado; não
sei se reiolve alguma coisa, mas ajuda bem: caderno para as
trabalhando a consciência operária não o fazem; o sindicato, porque crianças, médico". (Montador) ·
não está comprometido efetivamente com os interesses dos operários,
e os partidos, cuja organização no Paraná é débil, não havendo uma Para bem poucos o sindicato aparece como uma forma de
preocupação real com a educação política do trabalhador. organização que tem em vista a defesa dos interesses e a educação

176 177
':::·~

i'
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r··',
1
'-•-.,:r/

<' da classe trabalhadora (além dos três já referidos, mais quatro dentre surgimento da consciência operária em uma parcela significativa do
( ·" os 60): corpo coletivo que não foi submetido aos efeitos contraditórios da
,{~':>..)
..,_,:r pedagogia da fábrica capitalista e reeducando aqueles que já se
"Eu era associado; tem que se reunir para conseguir os direitos
beneficiaram desse tipo de educação.
() da gente; não sou mais do descuido". (Ajustador)
( -~. }
.,
"O sindicato só vai se fortalecer quando tiver bastante associado; Desta forma, percebe-se, portanto, que um dos resultados das
por enquanto a empresa X está ótima mas nunca se sabe". estratégias utilizadas pela empresa é a desvinculação do sindicato, por
() (Ferramenteiro) muitos operários que anteriormente eram associados; do mesmo modo,
C; "Ainda não tive tempo, mas quando der eu vou; não se deve operários que tinham algum nível de participação política, inclusive
...,.,, deixar cair uma boa coisa; eu desconheço as Leis, é bom para em greves quando empregados em outras fábricas, deixam de fazê-lo
\,/ quancfu entram na empresa X. Uma vez no seu interior, em virtude
a gente se orientar por lá; é difícil conseguir uma informação
(J correta: os benefícios não me interessam". (Montador) das formas de organização de trabalho, respeito aos seus direitos
(") fundamentais, política salarial, bom ambiente de trabalho, ausência de
"O sindicato dá mais garantia para o funcionário". (Montador)
~·i"
controle ógido, relações personalizadas, coloca-se concretamente a
() Para a grande maioria, o sindicato é um meio de brigar com questão do "por que brigar com um patrão tão bondoso?". Inclusive
f'· o patrão, um lugar de arruaças ou de defesa dos operários incompetentes; essa idéia é intencionalmente veiculada pelo Departamento de Relações
1..;:'::\l')"'
. ou ainda, só serve para defender os interesses dos seus próprios Industriais, pelos supervisores: "nós cumprimos nossa parte, temos
c administradores. É importante salientar que essas idéias são veiculadas direito a esperar que vocês cumpram a sua ... "'. E essa ideologia tem
c cotidianamente pelos supervisores, que reafirmam ser absolutamente
desnecessário o sindicato porque a empresa dá todas as garantias e
apresentado frutos satisfatórios, considerando que, dadas as caracte-
rísticas do sindicato e dos partidos políticos, o operário dificilmente
o
,.,..., benefícios possíveis, além de excelentes salários e estabilidade: tem participado de outras formas alternativas de organização que não
a representada pela empresa.
"'(,J''f
,.--._
"Eu já era sindicalizado antes, não paguei mais; a gente sabendo
fazer o serviço não precisa do sindicato; a pessoa trabalhando Para os que teimosamente não se subordinam, existe um aparato
certo, cumprindo o dever não precisa ajuda dos outros". (Ajus- coercitivo que, como já se mostrou anteriormente, não é utilizado
c ~:;~-""
tador) · explicitamente, mas que nem por isso deixa de ter força.
c "Tem muitas regalias na firma, não precisa; salário em dia,
ambiente bom, chefia boa, são amigos, sabem Levar o pessoal, Isto evidencia o temor que a empresa tem, apesar de confiar
() que trabalha contente; ninguém está a fim de sindicato, só o na eficiência de seus aparelhos pedagógicos e coercitivo, da organização
c cara que não quer trabalhar". (Instrutor) coletiva do operariado, que ela busca evitar de todas as formas
possíveis. Ou seja, apesar da sofisticação das suas estratégias de

r-
() "Não sou sindicalizado; em São Paulo faziam muita agitação e
não faziam nada; faziam só por eles; eu me dava bem com os
dominação, a empresa ainda teme defrontar-se com uma força de
..,,,,.) patrões". (Montador) trabalho consciente, politizada e mobilizada. Daí a importância que
ela confere à educação do operariado, compreendida como forma de
o "Não sou filiado porque não gosto da política do sindicato;
fazem apenas o que eles querem; quando é para Levar a coisa
impedir que ele se organize enquanto classe. Este é um aprendizado
o à frente, ninguém se mexe". (Mecânico de manutenção)
que cabe aos operários ensinar à empresa ... e as condições para fazê-lo
vão sendo gestadas lentamente, no bojo das relações de produção
o Os depoimentos e as análises desenvolvidas neste item colocam concretas, articuladas às relações sociais mais amplas, para o que a
o algumas questões importantes. própria pedagogia capitalista apresenta uma contribuição fundamental,
o A prirneira, da maior relevância, diz respeito à reeducação política
do trabalhador que entra na empresa X. Conforme se observou, o
pois a consciência de classe não se dá espontaneamente; embora ela
nasça na concretude das relações produtivas ela é elaborada ao nível
c processo educativo desencadeado com vista à desmobilização da força superestrutura); a hegemonia é impossível sem unidade entre teoria e
c~ · de trabalho atua em dois sentidos: dificultando, ou retardando o prática.
C; 178 179
~'""'
.._,..

r.
~
Cj
/•

~ )
O trabalhador e o saber:
repensando a relação b
o
Educação e Trabalho (""!
·._;

()
:)
-~
O que se pretende, neste capítulo, é colocar para discussão
alguns aspectos que estiveram presentes durante o desenvolvimento "'·)
l,,.
d:g]rª!)alho, e que, longe de estam_m resolvidos, p.recisam ser reto'inados <:)
e coletivamente tra~~ados. Es~_Lª§pectos se articulam a partirda
rêlação"tnafq~eraique se estabelece entre o ~io e o conhecuúénto, o
"iiÇ)': __ JLJ._pm1ir.'~.9_<L.Jrabalho, cuja <L possihiljdades e limites '"são
determin~~<?~_p_~~ modo capitalista de produção.
o
. -------~-----·------~
o
Não se pretende fazer profundas digressões acerca do papel
revolucionário--tkrprol~!!!D.ªdo
que tem na teori.a revolucionária pro-
.:)
duzida pelo materfãflsmo histórico seu instrumental intelectual por C)
. excelência. ~---' - ' · -··· ··- · ·
:)
Pelo contrário, o objetivo desse capítulo é localizar a discussão
muito aquém deste ponto: no operário concreto, vivendo. produzindo,
o
educando-se, elaborando o saber e dele sendo expro riado, nas con- ()
diçoes que estão a as agm e agora, ou seJa, no estágio de desen-
'":y_Qlvffnªitõ-em gue se encontram as forças produtivas na especificidade
o
(-.:~
da situação e~!º-.<!!!da. Esta discussão parece-nos fundamental porque
e nó-inie~ destas condições concretas que está sendo gestado o
novo modo de produzir e de educar o trabalhador, e há que respeitar
o
(")
o ritmo da História, que não se faz por ''saltos. Os trabalhadores e
seus intelectuais serão tanto mais eficazes na sua práxis revolucionária
--
()
quanto mais souberem ler e compreender o presente a partir do :':)
passado, como um momento crucial do futuro. ·
Considerando a produção e a apropriação do saber uma das
u
o
I
mediações na relação de classe, interessa discutir como o operário
concreto participa desse processo de produção/apropriação/expropriação r'·)
'~·
e como este se articula com o movimento de conservação/superação r"""
·,._)
desta relação de classe. . ·
:;
A análise desenvolvida no capítulo anterior evidenciou a exis-
-I tência, no interior da fábrica e nas relações sociais mais. amplas, de o
'')
·~.-- ..
181
. /:.~)

o
1
l.!:.r4
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\..~~ ...-
,.-~

l..c,./ "E na vida real que começa a ciência real, positiva, a expressão
um processo de afirmação/negação do saqer do operário, determinado
~..,
da atividade prática, do processo de desenvolvimento prático
,.,; pelos interesses do capital. Ou seja, o capiütl, segundo suas necessidades, dos homens. É nesse ponto que termina o fraseado oco sobre
._, contraditódas, de .or · um lado exercer dominação pelo controle' do a consciência e o saber real passa o ocupar o seu lugar' .
"""" sa er, e por outro de se utilizar do saber o o er (Ibidem, p. 27)
~j~r. pr . · ta afi a o saber do o erário, utilizando-se para
,..,!J<o ' isso de critérios de valoriza ão e desvaloriza ão do saber teonco e Nesse sentido, o saber não existe de forma autônoma, prontp e
.'>.'1(~
. ._ w·'' o·. dp _saber prático, que também s&> utilizados diferentemente nas 1st1n s
'
acabado, mas é sfutese das rela~oes sociais que os homens estabelecem
~nei'as. · ·
5a-bü( na_~l:J~.Qf!.!~iç_ª--12LOdutiva em determinado momento histórico. Assim,
:) o trabalho compreendido como todas as formas de atividade humana
A partir desta constatação surgem questões, tais como: Q_Qp~rário
o pa..~.<::!.e~-~~~~~!J:?ora~o -~-s-~-~~--~-()Cial? Existe realmente um saber pelas quais o homem apreende, compreende e transforma as circuns-
róprio do operário, distinto ôo saber dominante e igualmente articulado tâncias ao mesmo tempo que se transforma é a categoria que se
:::4
"""t'b~r 1e sistematizado? Em caso afirmativo, esse saber é restrit<? ao trabalho? constitui no fundamento do processo de elaboração do conhecimento.
"'""
Em caso negativo, é importante e necessário· ao operário apropriar-se
:) o saber dominante; ou este, pelas suas conotações ideológicas, é Se o conhecimento é, portanto, elaborado socialmente a partir
"""\ rejudicial aos seus interesses de classe? do trabalho dos homens que estabelecem relações entre si na produção
\:~~
da existência, processo pelo qual se constitui a sua consciência, é
o O ponto qe partida para essa discussão encontra-se em Marx
(1977, p.. 24; Marx e Engels, s.d.), quando ele demonstra que o
inegável o fato de que o QPerário produz conhecimen~o.
o homem se produz a si mesmo, e, nesse processo, elabora o conhecimento Mesmo em sua condição subalterna, 'de mero executor de tarefas
o,....., e faz História, enquanto produz as condições de sua existência, pelas
relações que estabelece com a natureza, com os outros homens e
predeterminadas e parciais, ele se defrontacotidianamente com questões
que a prática concreta se lhe apresenta, as quais ele tem que resolver.
y consigo mesmo. É · no seio das relações sociais determinadas pelo
o modo de orodu - ·
constitu.in<Jg-se--ao--rrresmo
· ·A ' 1' • - Nesse processo, ele vai experimentando, analisando, refletindo,
o d~~sas-mesnras telaçÕes:-u
indagando, discutindo, descobrindo; e desta forma ele vai roõstrüíndo
um conjunto de explicações para sua ró ria ao mesmo tempo
o A sua produÇão intelectual, como a produção de sua consciência, que vai desenvo ven o um conjunto de formas próprias de "fazer' .
o está ·"direta e intimamente ligada à atividade material" ... Esse processo extrapola o âmbito do próprio trabalho, a partir dâS
exigências que a vida em sociedade determina. Assim, articulado com
o "São os homens que produzem a~ suas representações, as suas o saber sobre o trabalho, ele vai desenvolvendo um saber social, que,
o idéias,· mas os homens reais; atuantes, e tais como foram con- no caso específico em estudo, é propiciado, contraditoriamente, pela
o .· dicionados por um determinado. desenvolvimento das suas forças
produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo
própria fábrica, que lhe ensina a exercer seus direitos de cidadão, a
enfrentar a burocracia com seu aparato jurídico na busca de solução
o âté as formas mais amplas que ·estas possam tomar... e ser dos para seus problemas financeiros, de habitação, de saúde, de educação,
o homens é o seu processo de yida reaf'. (Marx e Engels, s.d.,
p. 25)
de relacionamento familiar etc., ao mesmo tempo que ele vai aprendendo
o a racionalizar todas as instâncias de sua vida pessoal.

o O ponto. de partida, portanto, para a elaboração do conhecimento,


são os homens em sua atividade real, não isolados, mas apreendidos
Ao mesmo tempo, as relações concretas de. produção vão lhe
ensinando a perceber sua cood~o__J;ieexp!OfãÇao __e_os-IijõilÔs de
o "no seu processo de desenvolvimento real em condições determinadas" c~. Assim, ele vai elaborando um saber que se caracteriza
o (Ibidem, p. 26), ou seja, é o homem em seu trabalho, no interior
das relações que ele gera.
como um conjunto de explicações e de formas de ação que lhe
o 183
() 182
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permitem enfrentar ou escapar do controle do capital, com os modos dimensões: de trabalho intelectual e de trabalho manual ou instrumental. '-"
de~dtsciplinamento que lhe são próprios; a~de a se ru:ganizat:,._ a
sabotar, a dissimular, a reivindicar, e assim por diante.
Não existe atividade humana da qual se possa exclUir toda e qualquer o
atividade intelectual, ou atividade intelectual que não envolva algum
tipo de esforço físicO ou atividade manual; ou, como afirma o autor,
c
Como já se afirmou no capítulo anterior, é justamente por
reconhecer que o operário elabora e detém um saber que, em certa
"não se pode separar o homo faber do homo sapiens". o
medida, tem poder explicativo e transformador da realidade, e, portanto, Isto significa que o trabalho do operário, a partir do qual ele
o
tem caráter revolucionário, o que o capital precisa negar. elabora o saber, não se caracteriza, exclusivamente, por ser manual, c
É preciso, contudo, discutir mais detalhadamente que saber é
mas pelo fato de que este trabalho ocorre em determinadas condições o
4ste, e como ele se articula com o saber elaborado pela classe
ominante.
e relações sociais, que, definindo sua situação de classe, também
define sua posição na hierarquia do trabalhador coletivo.

A_distinção entre trabalho intelectual e manual, a partir da qual


se pretende __gçJti11Lª···ação do Qp_er.ário como não intelectnai,-JJcorre,
o
o
o
portantü;--ãõ nível das 1elações sociais em que se separa o. que., no o
ir,i~o humano é it:lsepará"ei· decisãg e a~ão. É a partir dessa cisão o
Na medida em que o homem é o único ser na natureza capaz que a consciência passa a supor-se como superior e separada da
de pensar sua ação, de concebê-la anteriormente à sua execução a consciência da prática existente, perdendo sua possibilidade de re- o
partir de fins determinados, o trabalho se constitui como o momento presentar o real; ou seja, é a partir desse momento que o trabalho o
de articulação entre subjetividade e objetivação, entre a consciência
e o mundo da produção, concebidos não como dois pólos antagônicos,
intelectual se separa do manual, sobrepondo-se à realidade e reifican-
do-se, emancipando-se do mundo e constituindo-se como teoria pura; o
mas como os contrários da relação dialética que define o objeto como como resultado, as "atividades intelectuais e manuais, o gozo e o o
produto da atividade subjetiva, compreendida por sua vez não abs-
tratamente, mas como atividade real, material.(Marx e Engels, s.d.(a),
trabalho, a produção e o consumo, passam a caber a indivíduos
distintos" (Marx e Engels, s.d., p. 37-8).
o
p. 208; Vazques, 1968, p. 153). o
Esta forma de conceber o trabalho implica caracterizá-lo g>mo
Esta argumentação, na medida em que afirma a dimensão teórica
do trabalho prático, faz cair por• terra a justificação apresentada pelo
o
atividade ao mesmo tempo teórica e prática, reflexiva e ativa,. que, capital para a desvalorização do saber elaborado pelo operário, já que o
continuamente, no processo de construçao e reconstrução do homem tal justificação se assenta na redução do trabalho do operário à sua o
eâa soctedade, modifica a natureza tornando-a resultado da :;::,ação
co[~Íva e introduzindo nela um significado socic:J. No trabalho,
dimensão exclusivamente manual. Mas não resolve a questão acerca
da qualidade do saber elaborado pelo operário em relação ao saber
o
portanto, se articulam teoria e prática, como momentos inseparáveis dominante: parar a análise por aqui seria supor que o conhecimento o I

e dialeticamente relacionados, do processo de construção do conhe-


cimento e de transformação da realidade.
que o operário adquire no trabalho é equivalente ao saber que a
burguesia historicamente elaborou; significaria supor, também, que
o.
esses saberes possam se constituir como blocos incomunicáveis, como o· I
Ao discutir a divisão entre trabalho manual e intelectual, que propunham Baudelot e Establet (1971). Também ficaria sem expfu:at[o o
determinaria a separação entre "intelectuais" e "operários", Gramsci a ~§!Jjração crescente ao saber escolar~que tem es · .s
(1978, p. 6-8) mostra que o erro metodológico está em buscar esta reivindicações dos oper nos. , portanto, que avançar na discussjéÍ.
o
di~ção no que é intrínseco às ativida.d~telect~_~§.,_ ao invés de
buscá-la no conjunto_çias relações sociais_q.ue-.a determinam. Consi-
---------~~~~~~~~~~~------
o
Retomando a questão de como se constrói o conhecimento,
d'eranaooq-ue é intrínseco ao trabalho humano ele tem sempre duas verificamos que esse processo ocorre a partir da realidade objetiva
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apoiar-se em suas verdades. Ou, para usar a linguagem gramsciana,

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........ o que varia é o ponto de vista. {õu seja. as medi;ções pelas quaiS ~l
o ser:~so comum
o àmbas ãs classes fazem c
co
ue a· imediaticidade do real acedã à
·enc1a e se transforme em realidade propriamente tta sao un-
transformar
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em filosofia, de modo a conduzir os
@minados a uma concepção de vida supenor. -
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~ damentalmente diferentes, ª-~-~.!.JtLfimçãe--<:jue-oeupam_o_p processo
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o produtivo. E parece residir aí uma desvantagem da classe dominada


Torna-:se necessário, contudo, não cair no engodo de se tomar
o conhecimento socialmente elaborado, com seu ponto de vista de
'i

o em relação à elaboração e apropriação do saber social, na medida


em que é a- classe que detém o poder material dominante em dada
classe, tal como existe, como explicação definitiva, verdadeira e
~
........-'
superior ao saber parcial e fragmentado elaborado pela classe traba- ·,~:
sociedade que tem a posse dos meios de produção intelectual (Lukács, lhadora. Em primeiro lugar, porque, se as condições sociais em que
c 1974, p. 169). f.. classe dominada, historicamente, não tem tido acesso se elabora o conhecimento são as mesmas para a burguesia e para
o aos
....
instrumentos teórico-metodológicos que lhe permitiriam a elabo- ~ o proletariado, ambos compartilham, do mesmo modo, da reificação
o ração do seu ·saber. uma vez que o monopólio desses mesmos
if!~trumentos é um dos elementos através uais a classe dominante
de todas as manifestações da vida, como mostra Lukács (197 4,
p. 56).
o
o -
as egura sua condição de dominação.

Isto significa afirmar que o saber dominado existe, mas, em


Uma dessas reificações diz respeito ao próprio conhecimento tal
como ele é elaborado e compreendido pela classe dominante, ou seja,
o razão das condições de exploração em que vive e luta a classe tendo como ponto de vista decisivo a simples imediaticidade.
o operária, esta não consegue o mesmo grau de elaboração e sistema-
tização, permanecendo ao nível denominado por Gramsci de senso O próprio desenvolvimento capitalista, com suas necessidades
o comum, compreendido como um saber que se caracteriza como. um de especialização, acaba por inviabilizar a dimensão de totalidade na
o pensamento genérico,· composto por elementos . difusos e dispersos, construção da ciência burguesa, que se fragmenta em partes que se
autonomizam, e neste movimento se imobilizam e se sobrepõem ao
o comuns a certa época e a certa ambiente popular. Por isso, o "homem
ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência real em sua dinamicidade. Assim, mostra Marx como as falsas
o teórica desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do representações da economia burguesa se devem ao fato de se evitar
o mundo na medida em que o transforma" (Gramsci, 1981, p. 18). sistematicamente as categorias de mediação, aceitando as manifestações
imediatas e as formas derivadas da objetividade (Marx, 1980). Desta
O Por isso, existe realmente uma cultura da classe dominante. mas forma, a ciência burguesa perde a dimensão de totalidade, e em
C na medida em que sua base de elaboração são as relações sociais, decorrência muito do seu poder explicativo.
apreendidas e. interpretadas a partir do ponto de vista de classe, <:!a
O não se constitui nem em yerdade absoluta nem em mera mjstjficaçãQ Para superar essa limitação do conhecimento burguês é preciso
O da realidade. Assim sendo permeada de verdades e mistificações, ela ir para além da imediaticidade, tentando captar a totalidade, o que
0 é suscetível de utilizações contraditórias. Por isso, mostra Snyders só é possível pela ação, buscando apreendê-la e compreendê-la como
que, se sua apropriação pelos operários é insuficiente para que eles momento do conjunto da sociedade em seu processo histórico. Para
o
possam superar sua situação de classe, é nela que os explorados a burguesia é impossível fazê-lo, na medida e~4ue seu método
O devem ir buscar os elementos que lhes permitirão elaborar sua própria resulta do seu s_er social, aparecendo a imediaticidade como limite
O ciência - e aí, sim, a ciência revolucionária. Não há, pois, uma intransponível. Para os operários, há possibilidades e limites para essa
. ciência proletária separada e paralela à ciência burguesa, mas um superação; a possibilidade é determinada pelo fato de que a superação
O movimento de continuidade e de ruptura a partir do qual se constrói, se dá na experiência da atividade prática, do trabalho (dimensões
O historicamente, a ciência revolucionária (Snyders, 1977, p. 327-31 ). ausentes no trabalho intelectual independentizado na concepção bur-
C guesa), que surge como critério de verdade. Ou, como diz Marx, o

I. ~c l
Para isto, a classe proletária, com seus intelectuais, tem como missão
p
Cts6 187 ~-
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critério de verdade do conhecimento não se encontra na teoria, mas relações sociais, e de modo específico nas diversas institu
na prática; é na prática que o homem tem que demonstrar a verdade vão , aos partidos, à escola.
(Marx e Engels, s.d., p. 208). Um limite está no reduzido poder de
teorização, de elaboração e sistematização dessa prática, em virtude A análise desenvolvida até aqui, no presente capítulo,. reafirmou ~
de sua impossibilidade de acesso aos instrumentos teóricos e meto- essa condlÇaoae mediaçao da educação enquanto evtdenctou ser vttal ~.'
dológicos para fazê-lo, mantidos que são em poder da classe dominante. para o operário apropriar-se do saber socialmente elaborado, não Ó
obstantesuas--conotações-bttrgnesas, compreendido o controle deste .~
'i Verifica-se, pois, uma contradição determinada pelas próprias saber- como--uma--das--f-Gr-mas-p~l-as---quais a elass~
:i condições sociais da produção do conhecimento, que separam teoria p<Jder:--Mostrou, também; o-caráter-parciai desse sabe1, na-medida em
J~le prática: quem tem os instrumentos teóricos para fazê-lo, pelas qlle.-é expressão do "ser social" da classe dominante, que, ao definir
·~/características que são próprias ao seu ser social, não consegue superar seu método de elaboração (objetividade, neutralidade, especialização),
\1\ a imediaticidade do empírico, rumo à apreensão da totalidade. o reifica, apresentando-o como verdade única e universal, sem expor
seu caráter de classe.
Já o
~
Torna-se necessário discutir, portanto, se é esse saber que deve
ser apropriado, e de que forma deve-se dar essa apropriação.
~
~
No decorrer do capítulo anterior demonstrou-se que o processo
Para superar esse limite, é absolutamente indispensável que o pedagógico desenvolvido pela fábrica capitalista,
. '
e que ocorre através

~
operário se aproprie do saber socialmente elaborado. dp processo produtivo articulado às relações sociais mais amplas,
propiciam ao operário a aquisição de um saber fragmentado, parcial,
Outro limite surge como- resultado da concretização da venda
da força de trabalho, que determina a forma de sua existência como
assistemático, não permitindo que o operário perceba os prinCípios
·i!
~
'

que regem a sua ação, apreenda o processo de trabalho em sua


homem: como objeto, e não como sujeito histórico, produtor de saber. totalidade e o controle.
Por outro lado, é esse mesmo limite, enquanto apresenta o homem .

objetivado como mercadoria, que permite que essa situação se torne Controlando o acesso ao saber e dificultando sua aquisição em '1
consciente, pois seu trabalho, sendo parte de um trabalho coletivo, outras instituições, a fábrica pretende formar e manter um corpo

=~.· ~
lhe possibilita . perceber-se como ser social, reconhecendo-se a si coletivo tecnicamente qualificado na. medida exata das suas necessi-
próprio e às suas relações com o capital (Lukács, 1974, p. 188). É dades, e politicamente submisso e disciplinado. Esse controle é fun-
assim que, contraditoriamente, da transformação do trabalho humano damental para a manutenção das relações de dominação, na medida
em que a qualificação é um poder que o operário exerce em seu
em mercadoria pode emergir a consciência revolucionária, da e na
atividade produtiva. trabalho (Gorz, 1980, p. 155), e que pode trazer problemas ao d~\
patronato. Por outro lado, a desqualificação se reveste de conteúdo
Seria ingenuidade supor, no entanto, que es~passagem se dê político na medida em que, pelo esvaziamento do _J;,Onteúdo do trabalho
espontaneamente, como uma simples conseqüência da reunião de e pela automatização, isola os operários e difict&á a sua organização.
muitos trabalhadores numa mesma empresa, com suas formas peculiares
da divisão e organização do trabalho. Desta forma, se for submetido exclusivamente ao processo pe-
dagógico desenvolvido no interior da fábrica, o operário dificilmente
Uma das mediações para que isso ocorra é o processo educativo, terá acesso aos instrumentos teórico-metodológicos e ao saber social-
concreto e contraditório, ao qual está submetido o trabalhador coti- mente construído que lhe permita compreender as relações sociais das
dianamente, e que se desenvolve de modo amplo no interior das quais faz parte e superar sua situação de classe. Muitos dos discursos
188 189
v

c dos operários evidenciam a consciência desse fato, quando eles, saber que serve, torna-se necessária a elaboração de um outro saber
!"", .
l,; para além do saber burguês; inegavelmente é a partir deste que o
reproduzindo a dicotomia saber teórico/saber prático, percebem os
o limites do seu próprio saber e aspiram ao "saber teórico" oferecido novo será possível:
o pela escola. Assim, a escola se lhes aparece como o local onde eles
terão acesso ao saber· social, a partir do que compreenderão melhor "Rejeitar estes conhecimentos, rotular de ideologia burguesa todo
o seu mundo; sua prática e melhorarão suas condições de vida.
o domínio escolar do literário, do científico e do técnico, é para
o Apesar de suas limitações, a escola se constitui, portanto, como
o prole{ário enfraquecer-se perigosamente. Admitir, engulir tudo
quanto Lhe propõe, tal e qual, é trair-se.
o a alternativa da qual eles dispõem para superar os aspectos de
Trata-se, pois, de operar uma revisão crítica, uma revalidação

c parcialização e fragmentação do saber que elaboram com a prática.


crítica da escola". (Snyders, 1977, p. 347)

o Em última instância, eles percebem a escola como local de demo-


cratização do saber. Contudo, esta não tem sido, historicamente, a
Para o autor, essa revisão crítica é função da escola progressista,
o função da escola burguesa. Caracterizada por um projeto pedagógico
com seus intelectuais. :~l

c adequado às necessidades e características da burguesia, e praticamente Concretamente, essa proposta implica a revisão dos conteúdos,
dos modos de operação e de organização que têm caracterizado a
o impermeável aos operários e a seus filhos, essa escola exerce suas
funções reprodutoras pela via da exclusão. Ao mesmo tempo, são escola. O ponto de partida para essa revisão são as relações concretas,
c reduzidas as possibilidades concretas de escolarização para os traba- é o mundo do trabalho como ele se apresenta hoje, com suas
o lhadores já inseridos rio processo produtivo, e quando estas existem,
se caracterizam pela má qualidade.
características delineadas pelo modo capitalista de produção, ou, nas
palavras de Saviani, é a· prática social. Seu ponto de chegada é a
c igualdade real, que implica "igualdade de acesso ao saber, e, portanto,
o Estes argumentos, aliados às conotações ideológicas do saber
oficial, têm servido para reforçar posições de desescolarização, mos-
a distribuição igualitária dos conhecimentos disponíveis" transformados
em "conteúdos reais, dinâmicos e concretos" (Saviani, 1983, p. 67).
o trando a escola como inútil aos operários e aos seus filhos. Essa tese
lfi

o é profundamente conservadora, na medida em que reforça a não-de-


É essa função de democratização do saber, que não está dada,
mas se constitui numa conquista da classe trabalhadora, que define
·~,;

!!,
c mocratização do saber, e desta forma a exploração dos que não por
coincidência possuem, além dos meios de produção, o capital cultural,
a importância política da educação enquanto mediadora das relações
c sobre os que não o possuem.
de classe. r);;

c Apesar de todas as suas limitações, a escola é vital para o


Eleger o mundo do trabalho como ponto de partida para a
~?,

Íi
o trabalhador e para seus filhos, na medida em que ela· se apresenta
proposta pedagógica da escola comprometida com os interesses dos
trabalhadores não significa propor uma formação profissional estreita
o como uma alternativa concreta e possível de acesso ao saber. E é só e limitada, determinada pelo mero "saber fazer" despido de com-
~'
i-~;

o a partir das pressões que estabelecerá no seu interior, aliada aos preensão, de análise, de crítica. O falso dilema, muito em moda na ~!
esforços dos intelectuais progressistas e orgânicos, que a classe tra- atual discussão sobre o ensino de segundo grau, se dissolve com a
o balhadora poderá forçá-la à democratização. compreensão do trabalho como todas ~s for~~ de a?ão do homem
o É nesse sentido que a escola, compreendida em suas ·dimensões
para transformar a naturezà e as relaçoes socla1s; assim sendo, toda
o
•,:~

e qualquer educação é educação para o trabalho, e contém uma


de determinada e de determinante, se transforma em "palco e alvo" .!i".
dimensão intelectual, teórica, e outra instrumental, prática, na medida
o da luta de classes (Saviani, 1983, p. 34-6). em que ela interfere de algum modo nas formas de interação do ~

o
'\c

Como mostra Snyders (1974, p. 3-10), o que faz uma pedagogia homem cqm a natureza, com os outros homens e consigo mesmo.
F
c ser progressista ~ o saber que ela ensina; portanto, se não é qualquer Esta afirmação serve para a educação em todos os níveis, popular !·
f·'

c 190 191
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.\ controvérsias: a necessidade, para o trabalhador, da aquisição do saber Vi
ou institucionalizada, na escola, na fábrica, na família, no sindicato
ou em outra instituição qualquer, uma vez que a educação não é específico sobre o trabalho.
privilégio da escola, mas ocorre no seio das relações sociais. O que Nas análises desenvolvidas no capítulo anterior, a partir das
varia é o fato de esta educação estar vinculada mediata ou imediatamente observações e entrevistas com os operários, fica clara a resposta a
ao trabalho, ou seja, é uma questão de grau. esta questão: à medida que o capital se utiliza da desqualificação
A partir dessa concepção é possível justamente superar o caráter para "fazer o trabalhador" segundo suas próprias necessidades, e
estreito da profissionalização, para pensar na possibilidade de uma portanto para controlá-lo, discipliná-lo, dominá-lo, passa a ser objetivo
formação que, superando a reificação do saber burguês, permita um fundamental recuperar a qualificação, compreendida como domínio do
"fazer pensado", que alie teoria e prática e que mostre historicamente conteúdo do trabalho. A desqualificação só interessa ao patronato;
como esse saber foi construído, por quem foi construído, ein que para o operário, dominar o conteúdo do trabalho é "poder", na medida .
aspectos ele corresponde à realidade e em que aspectos ele a mistifica, em que se cria um espaço para que ele possa discutir, argumentar,
e, finalmente, a quem tem servido. reivindicar, interferir nas decisões acerca, dos processos de trabalho,
dos instrumentos, do tempo, das condições, recuperando em parte o
Nesse sentido, a proposta escolar ultrapassa sua dimensão me- controle sobre sua própria prática, embora continue alienado do produto.
ramente técnica para atingir uma dimensão política, enquanto permite Não é por acaso, como se analisou anteriormente, que os operários
ao trabalhador compreender a história e os limites de sua prática, que dominam o seu próprio trabalho têm maior interferência nas
como esta se articula com as relações de produção vigentes e como e
decisões e maior poder de negociação nas questões técnicas políticas:
ela pode ser um elemento transformador dessas mesmas relações. não por coincidência, também são estes os profissionais mais temidos
pelo patronato.
Essa afirmação não permite que se reduza a problemática da
definição da proposta escolar a uma questão de ordem meramente Um dos argumentos que têm sido postos para invalidar essa
metodológica; pelo contrário, ela conduz à consideração de pelo menos posição é a crescente simplificação do trabalho; trata-se, porém, de
duas questões fundamentais que definem seu caráter político. A argumento insuficiente que, além do mais,justifica apenas os interesses
primeira delas diz respeito à adequação às circunstâncias concretas do patronato. Em primeiro lugar, porque o processo de simplificação
nas qua'is vive o trabalhador, de modo a permitir que ele as compreenda ocorre de maneira desigual, permanecendo setores em que o trabalho
e transforme. Em síntese, deve-se levar em conta os conteúdos continua complexo e a exigir qualificação; como estes são os postos
revestidos de atualidade e que compõem os diversos campos do mais bem remunerados, não é indiferente ao destino do trabalhador
conhecimento e que são indispensáveis para que o trabalhador possa conhecer ou não o conteúdo de um trabalho. Em segundo lugar,
entender a sociedade e ao mesmo tempo integrar-se nela pelo trabalho porque a simplificação aliada à desqualificação determina uma relação
na. medida em que ele domine suas formas de aplicação prática. A entre o homem e a máquina de forma que esta, incorporando a ciência
segunda diz respeito a quem é que a escola deve servir; se à maioria que o trabalhador não domina, o submete realmente e se volta contra
da população, então devem ser selecionados aqueles conteúdos que ele, inviabilizando qualquer possibilidade de interferência; ou seja,
se relacionam de modo mais direto às suas necessidades, principalmente esta situação é o sonho do patronato, à me~ que o independentiza
aquelas relativas ao exercício do trabalho e da cidadania, ou seja, os do trabalhador.
conteúdos que permitam à maioria da população usufruir de seus Pelo contrário, mesmo simplificado o trabalho, se o operário é
direitos e participar ativamente da vida política do país, além de qualificado, conhece o processo em sua totalidade, conhece a máquina
participar dos benefícios gerados pela produção. e os princípios que regem seu funcionamento, ou seja, se ele domina
Analisada a importância da escola para o trabalhador, há que a ciência que a máquina incorpora, estabelece-se outro tipo de relação,
discutir uma questão mais imediata, que tem sido fruto de inúmeras '•! que lhe permite dirigir o trabalho, e não ser dirigido por ele. Na

192 193
'-"
o
o empresa X foram encontrados vários casos desse tipo, como por .\ temporânea. Se por um lado se reconhece que é o processo produtivo
c exemplo a máquina de fazer tubos, cujo funcionamento e modo de o local em que efetivamente ocorre a educação para o trabalho,
o operação era completamente dominado pelo seu operador, que prescindia
dos engenheiros e mecânicos de manutenção; diga-se de passagem
também se sabe que esse aprendizado é parcial, fragmentado, assis-
temático, não permitindo que o trabalhador perceba os princípios que
o que os engenheiros não sabiam operá-la, o que conferia um espaço regem sua ação, apreenda o processo de trabalho em sua totalidade
o significativo ao operador, que controlava seu próprio trabalho, do e o controle, reforçando-se a dominação do trabalhador pelo processo
o processo ao ritmo; a única determinação que ele recebia era o número
e o tipo de tubos a serem produzidos.
de trabalho, planejado e controlado pelos "especialistas".

o Da mesma forma acontece com os montadores que já foram


Se a fábrica não permite a apropriação do saber sobre o trabalho
na medida em que esta é uma das suas estratégias de dominação, é
\Q
mecânicos, e que conhecem o veículo na sua totalidade. Mesmo preciso criar alternativas concretas para fazê-lo. Neste sentido, os
o desempenhando uma tarefa parcial, eles controlam o saber sobre o cursos profissionais existentes e promovidos mesmo pelas instituições
o processo de trabalho, o que lhes permite interferir, criar, discutir, não comprometidas com os interesses patronais, tais como SENAI e escolas
o aceitar, propor modificações, e assim por diante. técnicas em geral, representam um ganho para o trabalhador, que tem
aí um local de apreensão sistematizada de algum tipo de saber sobre
o O mesmo não acontece com os montadores que aprenderam na
fábrica apenas uma parte do processo de trabalho; estes são realmente
o trabalho, de forma mais completa do que na fábrica. Ou seja, ele
o subsumidos pelo capital, que para isso se utiliza do monopólio da
tem acesso a uma parcela do saber socialmente elaborado sobre o
o ciência.
trabalho.

o Os operários, melhor que qualquer intelectual dito progressista,


Mas isso só não basta, na medida em que a oferta desses cursos
o percebem essa necessidade, tanto que eles reivindicam cursos profis- é limitada e parcial, e muitas vezes a freqüência a eles fica inviabilizada
por questões tais como extensão da jornada de trabalho, distância
o sionais vinculados especificamente ao exercício do seu trabalho. En-
tendér o atendimento a essa reivindicação como um meio de satisfazer etc., sem falar do seu compromisso político com a classe dominante.
o os interesses do capital, que tem sido uma das teses presentes na É preciso pensar outras alternativas, junto com os trabalhadores,
c atual discussão em tomo da relação escola/trabalho, é sofrer, no
mínimo, de miopia histórica. Pelo contrário, é pela não democratização
para fazer frente a essa necessidade, utilizando-se de espaços e formas
o do saber sobre o trabalho que se reforça a exploração dos que
de organização alternativas que atendam ao objetivo de democratização
do saber sobre o trabalho.
o dominam a ciência (e o capital) pelos que não a dominam.
o O depoimento (publicado) de um operário demitido pela Ford
Um desses espaços, inegavelmente, é a escola, qut; deverá
começar a repensar seriamente a sua relação com o trabalho, a partir
o (Brito, 1983, p. 81-94), reforça essa posição: ele mostra que o fato
de uma leitura mais adequada das circunstâncias concretas, na medida
o de o operário ter "o poder do conhecimento" cria um espaço que
"gera uma capacidade política de poder exigir". Ao discutir a questão
em que, até o presente momento, não se definiu uma política séria
o da importância de se apreender o saber sobre o trabalho, mostra que
que tome essa relação como ela se dá con~amente.

o "o estudo do paquímetro, que aparentemente não tinha nada de


socialista na sua linguagem, possuía, no entanto, um conteúdo revolucio-
Se uma questão contemporânea da maior relevância é garantir
o nário ... "
o acesso e a permanência dos filhos da classe trabalhadora na escola,
por meio de um projeto pedagógico que tome sua prática social como
o O problema concreto que se põe, para os trabalhadores e para ponto de partida, por outro lado há que pensar no imenso contingente
c os intelectuais com eles comprometidos, é o das formas de enfren- de trabalhadores adultos, incorporados ao processo produtivo, dotados
c tamento desta questão na especificidade da situação brasileira con- -r de um saber elaborado na prática cotidiana, para os quais existem

o 194 195
o
reduzidíssimas possibilidades de refletir sistematicamente sobre esse o trabalhador adulto, "com ele, a partir e no decorrer da ação
saber e ampliá-lo. pedagógica concreta". Os professores precisarão aprender a ensinar
matemática, física e desenho, a partir do paquímetro e dos instrumentos
Para esses trabalhadores, a oferta (reduzida) da escola tem-se de trabalho; a ensinar eletricidade montando painéis eletrônicos, a
limitado aos cursos supletivos, cujos resultados concretos são muito ensinar mecânica descobrindo como funciona um carburador, a ensinar
discutíveis. química trabalhando com tintas e solventes, a ensinar história discutindo
as relações sociais concretas que determinam a vida do trabalhador.
Envolvidos com as questões formais relativas a currículos mí-
nimos, equivalência, normas dos Conselhos, legislações federais e Ou, como propõe Marx,
estaduais, os sistemas de ensino, incapazes de fugir desse círculo, "combinando o ensino intelectual com o trabalho físico, articu-
têm-se caracterizado por ofertar cursos que, quando muito, reproduzem lando teoria e prática, através de uma formação politécnica que
os projetos pedagógicos oficiais das escolas diurnas, elaborados fun- compense os inconvenientes da divisão do trabalho e que impedem
damentalmente para crianças da classe dominante. Ministrados por ao trabalhador dominar o conteúdo e os princípios que regem
professores que não foram preparados convenientemente para esse seu trabalho e sua forma de existir". (Marx e Engels, 1978,
tipo de trabalho, em horários que não levam em conta a extensão p. 285-6)
da jornada de trabalho, esses cursos não extrapolam o nível de uma Ou seja, intelectuais e trabalhadores precisam reinvent_!lr, no
oferta que se caracteriza basicamente por seu aspecto formalista. fazer, a educação.
É preciso que a escola se dê conta de que é preciso ultrapassar Além da escola, outros espaços, tais como os sindicatos, outras
esse nível forma] com a oferta de outras alternativas que tomem associações e mesmo grupos que congreguem trabalhadores, podem
como ponto de partida o "trabalhador concreto" com sua prática, seu se ·constituir em alternativas para a viabilização de propostas peda-
saber, suas experiências de vida, suas necessidades. Esse é o critério gógicas que venham ao encontro dos interesses do trabalhador.
básico que determinará a organização dos cursos, seminários, círculos
de debate ou que nome possam ter, e não a carga horária mínima, Finalmente, há que considerar que esse trabalhador é um cidadão;
o currículo mínimo com sua seqüência rigidamente estruturada, ou as ou seja, apenas a sua preparação para a "societas rerum" através· do
normas dos conselhos e do sistema de ensino. Essas ofertas precisam domínio do conhecimento científico e tecnológico é. insuficiente. Ele
ser fluídas, dinâmicas, determinadas pelas relações concretas. E aí, precisa ser preparado para a "societas hominum", de forma a capacitar-se
justamente, é que reside a grande dificuldade da escola, que não para participar ativamente na sociedade política e civil. Estes dois
aspectos não estão desarticulados; ao contrário, é justamente pelo
consegue se desamarrar do seu aparato formal: ela não vai à fábrica,
trabalho "que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida
ela não ouve o trabalhador, ela não lê as circunstâncias concretas
na ordem natural" (Gramsci, 1978, p. 130).
para tomá-las como ponto de partida.
O caso estudado é um exemplo desta afirmação; apoiada numa
Na elaboração das novas propostas, o trabalhador é um participante política fundamentalmente social-democrata, a empresa X, contraria-
fundamental; ele sabe o que precisa aprender e a escola com seus mente ao que ocorre em grande parte das empresas brasileiras, tem-se
intelectuais precisa aprender a ouvi-lo, assumindo o papel que lhe r.
destacado pelo tipo de tratamento que confer~o trabalhador, respei_.
cabe, de articular e organizar junto com os trabalhadores o projeto tando seus direitos fundamentais. Foi por considerar esse aspecto que·
pedagógico necessário. se afirmou estar .a empresa ensinando ao trabalhador como ser cidadão,
Evidentemente, esse projeto pedagógico terá formas de organi- fazer respeitar seus direitos e cumprir com seus deveres, realidade
zação distintas das formais, da seleção e estruturação do conteúdo esta que não se coloca ao nível da sociedade como um todo, em
aos horários, à duração, às formas de avaliação e à qualificação dos que são reduzidas as formas de participação permitidas ao trabalhador,
docentes. Ou seja, torna-se necessário elaborar uma pedagogia para cuja experiência cotidiana é o desrespeito aos seus direitos mínimos.

196 197
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o Por uma questão de clarez(! teórica, é preciso fazer uma distinção Á Arroyo, nas conferências que tem realizado. Fazendo uma análise
o entre esta constatação e a afirmação anterior, baseada em Gramsci, histórica da evolução das propostas de educação no Brasil nos últimos
o ·porque entre ambas há uma diferença fundamental: o cidadão que a
empresa X educa não é o mesmo cidadão que centraliza as preocupações
tempos, ele demonstra que, a partir de 71, privilegiou-se a dimensão
o educacionais de Gramsci.
técnica, determinada pelos interesses do capital, em detrimento da
formação do cidadão que trabalha, e que encontra, ao nível do processo
o Isto porque a social-democracia significa uma forma política de produtivo, as mesmas dificuldades de participação que ele encontra
o organização comprometida com a continuidade do capitalismo em que na sociedade. Discutir essas formas de participação e criar situações
concretas para que elas ocorram, de modo que com essa experiência
o o proletariado é considerado apenas como um dos elementos da
sociedaqe capitalista, negando-se sua função histórica de ser, ao mesmo o trabalhador se eduque e se constitua concretamente (não formalmente)
o tempo, elemento de dissolução e destruição desta mesma sociedade. como cidadão, é uma necessidade que se impõe.
o Assim, o proletariado é lançado ao campo das concepções burguesas,
não passando da imediaticidade a sua forma de existir, de pensar, de
Encontrar formas viáveis para enfrentar concretamente a questão
o reivindicar. Desta forma, 'na empresa X, o operário aprende a ser
da educação do trabalhador que é cidadão, aproveitando as contradições
que o processo pedagógico capitalista apresenta e tentando romper
o cidadão dentro dos limites do capitalismo, o que, se nas condições
brasileiras contemporâneas é um avanço, do ponto de vista da revolução
com o seu círculo de dominação, é uma tarefa política da maior
o é fundamentalmente conservador.
relevância, a ser assumida coletivamente pelos trabalhadores e pelos
intelectuais comprometidos com seus interesses.
o Essa afirmação é reforçada pelo caráter de contenção das con- Esse "novo fazer pedagógico" não é uma dádiva que está por
o tradições que se observam na proposta da empresa estudada, para o vir, por obra e graça de alguns iluminados que se proponham a
o que contribui decisivamente uma política de recursos humanos cujo
fundamento (social-democracia) é o .homem como valor, como ideal,
pensá-lo, ou o presente que terão os trabalhadores após a revolução.
c como imperativo moral, política esta aliada a formas mais "humanas"
Ele é fruto do conjunto das lutas, reivindicações e pressões da classe
trabalhadora com seus intelectuais. É um processo coletivo de conquista,
o de organização do trabalho. árduo, lento e cotidiano, que ocorre no interior de cada unidade
o Como mostra Lukács, a produtiva, em cada movimento de organização operária, em cada
escola, em cada instituição comprometida com os interesses dos
o "ruptura prática da estrutura reificada da consciência ... só é
possível se as contradições imanentes ao próprio processo se
trabalhadores. Ele é fruto do esforço de trabalhadores e intelectuais,
que, unidos pelo mesmo compromisso, a partir das relações sociais
'0 tornarem conscientes". (Lukács 1974 p. 219) concretas, se educam e gestam um novo modo de produção, e portanto
o É exafamente essa ruptura que a empresa X e as empresas que de existência, em que o trabalho significará libertação.
o adotam o mesmo procedimento, pelo controle das contradições e pela
o educação do "cidadão/trabalhador", procuram evitar.

o Já Gramsci está preocupado com o cidadão/trabalhador que seja


capaz de ver a totalidade da sociedade como totalidade histórica
o concreta e que se torne capaz de, com sua práxis, transformá-la. E J. ,..-··

O· para isto não· basta que o operário se qualifique tecnicamente; ele


precisa se educar para ser "governante" e a sociedade deverá colocá-lo,
o "ainda que abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo"
o (Gramsci, 1978, p. 137).
o A discussão .do papel que deve desempenhar a escola na educação
o do cidadão/trabalhador tem sido desencadeada pelo professor Miguel

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