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Crítica
8 de Agosto de 2020 Filosofia
Ao lado do grande “D” vermelho, na parte inferior do trabalho final que escrevi para um
curso de ciência política de nível médio, durante o segundo semestre da faculdade, estava
escrito: “Você pensa como um filósofo, não como um cientista político”. Tomei
alegremente este comentário, o único comentário, como um conselho sábio, em vez de
um insulto desdenhoso, e me inscrevi para fazer o curso Teorias da Natureza Humana no
departamento de filosofia, no semestre seguinte.
Lembro-me de ter uma sensação profunda, mas vaga, que foi uma mistura de alívio e de
alegria durante a primeira semana de Teorias da Natureza Humana. “Encontrei meus
iguais”, pensei. Eu não sabia que existia um campo de estudo que considerava sensatas as
questões que estavam sempre na minha cabeça. Ainda mais surpreendente é que o tipo de
ideias que eu oferecia como respostas, ainda que desorganizadas, era o mesmo tipo de
respostas que os filósofos fornecem. Mudei de curso antes do final do semestre.
Mas tinha um problema. Eu não sabia como ler filosofia. Não sabia como conectar razões
a conclusões, acompanhar mudanças na expressão, decifrar sutilezas, avaliar argumentos
ou usar o texto para criticar as minhas próprias opiniões. Eu sabia como ler a fim de
extrair informações que poderiam me ser solicitadas a regurgitar em algum momento
posterior, mas não sabia ler como os filósofos liam. Embora a destilação precisa de
informações básicas seja necessária para uma experiência significativa de leitura
filosófica, é infelizmente insuficiente. No meu primeiro curso de filosofia, li cada texto
lentamente, com um dicionário de filosofia e um dicionário geral ao meu lado. Com
exceção de Kant — que eu sabia que não entendia —, descobri e redescobri todos os dias,
em sala de aula, que o que eu havia feito, da maneira como havia lido, não me preparava
para me engajar com as ideias da maneira como era esperada de mim. Como um
entusiasta novo da filosofia, andava em círculos. O que segue é uma lista das 10 coisas
que eu gostaria de saber quando comecei a ler filosofia.
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Menciono essa variedade para deixar claro que o que se segue deve ser entendido como
incompleto. Reflete minha formação como um eticista que trabalha sobretudo com artigos
e com capítulos, escritos em inglês, dos séculos XX e XXI, numa tradição pluralista, mas
analítica.
Além das diferenças nos tipos de escrita filosófica, existem diferenças nos objetivos que
se pode ter ao ler a filosofia. Os objetivos que se têm influenciam como se deve ler. O que
mais me entusiasma em ler filosofia é a oportunidade de ter minhas crenças e meus
valores desafiados. Leio filosofia para identificar, esclarecer e testar minhas crenças e
valores atuais. Como tal, a leitura filosófica é um ato de criação, autocriação de sabedoria
perspícua sobre como viver bem com os outros. Como um passo em direção a essa
sabedoria, espero que os alunos do primeiro ano em meus cursos de filosofia se tornem
mais intelectualmente humildes e menos dogmáticos, como resultado da leitura filosófica.
Para a maioria das pessoas, esses objetivos são inatingíveis, a menos que se entreguem à
estranheza e à inquietação que tantas vezes vêm com a leitura de filosofia.
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9. Avaliar
À sua vontade, pense nas razões adicionais que poderia haver para pensar que o autor está
correto ou incorreto. Pondere se: nossa experiência de vida fornece alguma revelação
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sobre os méritos dos argumentos? Caso o autor esteja correto, quais são as
consequências? Para a verdade? Para as suas crenças? Para como você deve viver?
Discuta com amigos sobre os argumentos, especialmente com aqueles que provavelmente
discordarão de você. Elabore críticas adicionais e veja se consegue imaginar respostas em
nome do autor.
10. Decida
Depois de um tempo suficiente, passe da avaliação dos argumentos para as suas próprias
conclusões. O autor está certo, errado ou, mais provavelmente, parcialmente certo e
parcialmente errado? Sobre o que, se alguma coisa, você deveria mudar de ideia? Depois
de decidir o que pensa sobre as ideias do ensaio, escolha outro que contenha novos
argumentos que possam fazê-lo mudar de ideia novamente.
Quanto ao que ler, quem é que sabe? Leia o que instiga você. Acredito que as pessoas que
estão no início de uma carreira de leitura de filosofia estão bem providas ao se dedicarem
a artigos e capítulos, até encontrarem um autor ou tópico que realmente gostem. Se você
não sabe quais são seus interesses, procure algo diferente do que normalmente lê, então
comece pela navegação da Enciclopédia de Filosofia da Stanford. Se tiver sorte, haverá
um livro que coleta ensaios sobre um tema que lhe provoca. Se você for realmente
sortudo, um autor favorito terá um livro que reúna os ensaios dele, de modo que você
obtenha versões revisadas que tenham algo como uma pista, mesmo que continuem
independentes.
Três de meus favoritos, quando comecei minha jornada como leitor de filosofia, foram
Mortal Questions, de Thomas Nagel, Moral Luck, de Bernard Williams, e The Politics of
Reality, de Marilyn Frye. No lado mais literário da filosofia estão James Baldwin,
Collected Essays e A Sand County Almanac, e Sketches Here and There de Aldo Leopold.
Finalmente, quando você realmente se apaixona por um pensador, como me apaixonei por
John Rawls, é hora de pegar um livro inteiro. A Theory of Justice de Rawls pode mudar
sua vida.
David W. Concepción
Publicado originalmente em The Philosopher's Magazine.
Nota
1. Agradecemos ao Prof. Dr. David Concepción, da Ball State University, pela autorização da
tradução. Revisão científica de Israel Meneses Santos Vilas Bôas. ↩︎
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