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Ministério da Justiça

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE


Gabinete do Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer

Processo Administrativo nº08012.008024/1998-49


Representante: SDE “Ex Oficio”
Representadas: TBA Informática Ltda.
Microsoft Informática Ltda.
Advogados: Carlos Francisco Magalhães, Maria da Graça Britto Garcia, Ubiratan
Mattos, João Berchmans C. Serra, Leonardo Peres da Rocha e Silva.
Conselheiro-Relator: Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer

EMENTA: Processo administrativo. Representante: SDE


“ex officio”. Representadas: TBA Informática e Microsoft
Informática Ltda. Infrações de caráter continuado.
Ausência de prescrição. Mercado relevante de produto:
venda e licenciamento de softwares e prestação de
serviços de informática à administração pública federal.
Mercado relevante geográfico: nacional. Analise
estrutural do mercado: alta concentração e elevadas
barreiras à entrada. Existência de restrição territorial que
levou à concessão de exclusividade para o atendimento
da Administração Pública Federal. Critérios estabelecidos
ex post e observados de modo discriminatório e
estendidos a todo o território nacional. Ocorrência de
duplo monopólio. Inocorrência das eficiências alegadas.
Obtenção de vantagem em concorrência pública:
inexigibilidade de licitação. Limitação ao acesso de
empresas ao mercado. Configurada a infração contra a
ordem econômica. Condenação das representadas como
incursas nos incisos I e IV do artigo 20 c/c incisos IV e
VIII do artigo 21 da Lei 8.884/94. Imposição de multa nos
termos do artigo 23 da Lei 8.884/94. Imposição de penas
previstas no art. 24 da citada lei.

1
VOTO
( PÚBLICO)

I. DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINSTRATIVO

O presente processo administrativo foi instaurado pela Secretaria de


Direito Econômico, ex officio, tendo como representadas as empresas MICROSOFT
INFORMÁTICA LTDA. e TBA INFORMÁTICA LTDA.
O procedimento administrativo iniciou-se a partir de denúncias publicadas
no jornal “O Globo”, oferecidas pela empresa IOS Informática Organização E
Sistemas Ltda, revendedora de produtos Microsoft, acerca de supostos acordos de
exclusividade firmados com a empresa TBA pela MICROSOFT. Por tais acordos, a
Microsoft garantiria à TBA o monopólio na venda de produtos da plataforma
Microsoft ao governo Federal.
Em outubro de 1998 foi instaurada averiguação preliminar para que as
denuncias fossem averiguadas. Tendo sido encontrados indícios de infração à
ordem econômica, o d. Secretario de Direito Econômico instaurou Processo
Administrativo em 13 de abril de 1999, estabelecendo as seguintes condutas a
serem apuradas com relação à Microsoft:

a) dividir o mercado de distribuição e revenda de produtos de informática;


b) limitar ou dificultar o acesso, o funcionamento e o desenvolvimento de
empresa concorrente ou adquirente no mercado de distribuição e
desenvolvimento de empresa concorrente ou adquirente no mercado de
distribuição e revenda de produtos de informática;
c) combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência
pública ou administrativa
d) dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações
comerciais, em razão de recusa da outra parte em submeter-se a
cláusulas e condições injustificáveis ou anticoncorrenciais; e
e) impor, sem justa causa, preços excessivo.

A Portaria instauradora enquadrou as condutas narradas, em tese,


respectivamente, nos incisos II, IV, V, VIII, XIV e XXIV do artigo 21 da Lei
nº8.884/94, tipificando as infrações definidas no artigo 20, incisos I, III, e IV do
mesmo diploma legal.
Em relação à TBA, a SDE achou por bem instaurar processo
administrativo com o escopo de se apurar as seguintes condutas:

a) limitar ou dificultar o acesso, o funcionamento e o desenvolvimento de


empresa concorrente no mercado de distribuição e revenda de produtos
de informática;
b) combinar previamente preços ou ajustar vantagens em concorrência
pública ou administrativa; e
c) impor, sem justa causa, preços excessivos.

2
Tais condutas foram enquadradas, pela portaria instauradora, em tese,
nos incisos IV, V, e VIII e XXIV, respectivamente, do artigo 21 da Lei 8.884/94,
tipificando as infrações previstas no artigo 20, incisos I, II, III, e IV da mencionada lei.

II. AUSENCIA DO DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL

Inicialmente, insta que se demonstre a inocorrência da prescrição no


Processo Administrativo em análise. A Lei nº 9.873/99, estabelece em seu art. 1º o
prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública
Federal, in verbis:

Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal,
direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à
legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três
anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou
mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da
responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§ 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a


prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

No caso vertente, tem-se a incidência da segunda hipótese prevista no


dispositivo supramencionado, qual seja, a ocorrência de infração de caráter
continuado. Com efeito, o estabelecimento de critérios de limitação territorial deu-se,
de maneira constante e ininterrupta, até o dia 20 de maio de 2002, conforme
expressamente reconhece a própria Microsoft, que admite que em tal data cessou a
sua política de regionalização, que rendeu ensejo à imposição de exclusividade.
Assim, a rigor, o prazo para o início da contagem do prazo prescricional
somente começou a correr em 20 de maio de 2002, o que afasta, com sobras, a
incidência de qualquer prazo prescricional.
Entretanto, ainda que se entendesse que o prazo iniciou-se na data em
que se tomou conhecimento da conduta, o que se admite aqui apenas a título de
argumentação, o prazo prescricional haveria sido interrompido em diversas
oportunidades, dado que sobrevieram as hipóteses dispostas no art. 2º da Lei
9.873/99:

“Art. 2º Interrompe-se a prescrição:


I – pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.”

O envio da notificação às representadas para que apresentassem defesa


prévia determinou a incidência de nova hipótese de interrupção de prescrição,
estabelecida de forma expressa no artigo 2º, inciso I, da mencionada Lei. A
representada Microsoft foi efetivamente notificada em 28 de abril de 1999, sendo
que o AR de confirmação somente foi juntado aos autos em 25 de maio daquele
ano. Por sua vez, a representada TBA também foi efetivamente notificada em 28 de

3
abril de 1999, sendo que a juntada do AR aos autos ocorreu em 07 de maio de
1999.
Por outro lado, a remessa do processo a este Conselho, pela SDE,
com parecer favorável à condenação, para fins de julgamento pelo CADE, deu-se
em 22 de julho de 2002, tendo o prazo sido, uma vez mais, interrompido nesta data.
De fato, o art. 39 da Lei nº 8.884/94 determina que, concluída a instrução
processual, e após a apresentação de alegações finais, o Secretário de Direito
Econômico deverá proceder remessa dos autos ao CADE através de relatório
circunstanciado, para que este proceda ao julgamento. Tem-se, assim, que o
parecer emitido pela SDE é ato inequívoco que importa em evidente apuração do
fato, assemelhando-se, inclusive, a uma sentença condenatória recorrível (art. 2º, II
e III da Lei nº 9.873/99).
Corroborando este entendimento, assim se manifestou a Procuradoria
do CADE, por ocasião da apreciação do Processo Administrativo nº 29/92, de
relatoria da Conselheira Lucia Helena Salgado e Silva:
“... A prescrição administrativa ocorre normalmente em cinco anos, prazo adotado pela
Lei nº 8.884/94, em obediência à regra geral. Prevendo a lei causas suspensivas e
interruptivas, a prescrição não se consolidou, tendo em vista que a mesma foi
interrompida quando da instauração do processo administrativo e quando da remessa do
mesmo ao CADE, para julgamento.”1
(...) não há como falar em prescrição se o órgão competente não pode agir. Dessa
forma, a prescrição não poderá correr para o CADE, antes que o processo seja recebido
na Autarquia. Assim, o grupo entende que a prescrição, para o CADE, só começa a
correr a partir da data do recebimento dos autos na Administração indireta. A aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil dá amparo ao posicionamento esposado, tendo
em vista que o despacho do juiz na petição, ou a sua distribuição, é quem determinará o
inicio do processo2.”
É este justamente o posicionamento adotado pelo Professor Fábio Ulhoa
Coelho:
“Esse prazo se interrompe, diz a lei, com qualquer ato administrativo ou judicial com
objetivo de apurar a infração. Quando a SDE, por exemplo, instaura averiguação
preliminar ou processo administrativo, ou o relata para remeter ao CADE, pratica atos
administrativos dessa natureza, que importam todos na interrupção do prazo
prescricional.”3

Assevere-se, por último que o Processo Administrativo foi colocado em


pauta de julgamento no dia 31 de março de 2004. Porém, pedido de vistas do d.
1
Voto no Processo Administrativo nº 29/92, de 14 de outubro de 1998 – Representante: Sindicato do Comercio
Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado do Rio Grande do Sul. Representadas: Ache Laboratórios
Farmacêuticos Ltda., Prodoctor Produtos Farmacêuticos Ltda., e Prodome Química e Farmacêutica Ltda. DOU
de 13 de novembro de 1998
2
CPC, art. 263
3
COELHO, Fábio Ulhoa, Direito Antitruste Brasileiro, São Paulo, Ed. Saraiva, 1995, p. 96. Cumpre salientar
que, em que pese a jurisprudência e a doutrina citada ter se dado no contexto do artigo 28 da Lei 8.884/94, então
em vigor, seu conteúdo permanece atual, uma vez que a lei nova (Lei 9.873/99) acolheu a causa de interrupção
prevista no artigo revogado, restando clara a manifestação de vontade do legislador em dar continuidade àquele
dispositivo legal. Com efeito, estabelecia o artigo 28 da Lei 8.884/94 :
“Art. 28. Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações da ordem econômica, contados da data da prática
do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado.
§1º Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração de
infração contra a ordem econômica.
§2º Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou de desempenho.”

4
representante do Ministério Público, atendido com a finalidade de evitar futura
alegação de vício formal, e posterior apresentação de exceção de impedimento,
julgada insubsistente por unanimidade de votos, além da interposição de dois
mandados de segurança pela representada Microsoft4, atrasaram em cinco meses o
julgamento do feito, o que, no entanto, não pode ser computado para fins
prescricionais.
Finalmente, cumpre ressaltar que no caso vertente, o prazo prescricional
não é o de cinco anos, mas sim o de doze anos, em virtude do que estabelece o art.
1º § 2º da Lei nº 9873/99 c/c o art. 4º, inciso I, letra a e l e inciso II, letra b e inciso VII
da Lei nº 8.137/90.
Desta forma, por qualquer modo que se encare o tema, resta
demonstrada a não ocorrência do decurso de prazo prescricional, persistindo intacta
a pretensão punitiva da Administração Pública em relação às Representadas, sendo
possível a sua punição no caso de a prática imputada constituir-se, de fato, infração
contra a ordem econômica.

III. PRELIMINARES

As Representadas aduziram, em suas defesas às fls. 1.119/1.149 e


1154/1876, diversas irregularidades no processo administrativo em análise,
apresentando as seguintes preliminares:

a) inépcia da representação
b) desrespeito ao devido processo legal constitucional;
c) inexistência de processo em razão de ausência de denúncia
d) nulidade do despacho instaurador do processo administrativo
e) inexistência de indício de prova e de averiguação preliminar
f) ilegitimidade passiva da TBA e impossibilidade jurídica das acusações
g) processo administrativo tratar de matéria eminentemente comercial
h) nulidade da averiguação preliminar face a divulgação de seu conteúdo
para a Comissão do Congresso Nacional.

Relativamente as preliminares acima citadas, vale aqui transcrever a


análise realizada no PARECER ProCADE nº 26/2003, de lavra do Ilustre Procurador
Marcelo Kallil Gricolli, verbis:
(...)
Quanto à alegada inépcia da representação, cumpre salientar que a atuação da
Autoridade Antitruste independe de representação, podendo ser procedida de ofício pela
SDE.

O processo administrativo apresenta características peculiares que o diferem do


processo judicial. Dentre as mais importantes destacamos que no processo
administrativo é estabelecida uma relação bilateral inter partes, ou seja, de um lado,
4
Mandado de segurança nº 2004.34.00.015593-0, impetrado por Microsoft Informática Ltda contra ato do
Presidente do CADE e do Conselheiro Roberto Pfeiffer, com a intenção de que lhe fosse garantida a celebração
do termo de compromisso de cessação de prática já pleiteado perante o Conselho. A sentença proferida excluiu
o Conselheiro Roberto Pfeiffer do pólo passivo da ação, e extinguiu o processo sem julgamento do mérito,
tornando sem efeito a determinação “ad cautelam” de retirada dos processos de pauta.
Mandado de Segurança nº 2004.34.00.020629-0, impetrado pela representada Microsoft Informática Ltda, tendo
o i. juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal indeferido o pedido de liminar pleiteado.

5
existe o administrado que deduz uma pretensão e, de outro, a Administração que,
quando decide, não age como terceiro, estranho à controvérsia, mas como parte que
atua no próprio interesse e nos limites que lhe são impostos por lei. Justamente por isso
alguns autores preferem falar em “interessados” e não em “partes”; no entanto, partindo-
se do conceito de “parte” como aquele que propõe ou contra quem se propõe uma
pretensão, é possível falar em “parte” nos processos administrativos em que se
estabelecem controvérsias entre Administração e Administrado5. Segundo o princípio da
Oficialidade “uma vez iniciado (o processo administrativo), passa a pertencer ao Poder
Público, a quem compete seu impulsionamento, até a decisão final.”6

Assim, no processo administrativo a Administração atua em consonância com os


interesses da coletividade e não no interesse individual dos interessados ou de terceiros.

Neste sentido citamos o entendimento do CADE nos autos do P.A. nº 31/92, in verbis:

“O processo administrativo de que trata a lei, foi concebido como um instrumento de


apuração e repressão das práticas abusivas do poder econômico, e não como um meio
de solucionar conflitos individuais. O bem jurídico sob tutela é o mercado, local onde
atuam as forças de produção, cuja conduta deve se pautar pelos interesses da
coletividade... A instauração do processo não leva em conta o direito ou interesse
individual do representante mais sim interesses difusos, consubstanciados na
manutenção de um mercado livre, onde o poder econômico se cria e se mantém nos
estritos termos da lei e a concorrência se processa livremente, sem abusos.” (publicado
no DOU de 30.04.93, p. 5.772) (grifo nosso)

E ainda, o entendimento do Conselheiro-Relator Carlos Eduardo Vieira de Carvalho, nos


autos do P.A. nº 45/92, verbis:

“Tendo em vista o disposto no artigo 9º, II da Lei nº 8.884/94, combinado com o artigo 7º
do Regimento do CADE, passo a decidir:
(...) a citada legislação, em consonância com os dispositivos constitucionais aplicáveis,
atribui competência ao CADE para decidir processos administrativos instaurados para
apurar práticas abusivas do poder econômico e ordenar providências que conduzam à
sua cessação, em defesa de um mercado livre, do qual é titular a coletividade.
Assim, o contraditório que se instala é entre o Poder Público e o Representado; O
Representante não é parte no feito, eis que o processo não leva em conta, por si
só, direitos ou interesses individuais do representante ou de terceiros, mas os
impactos anticoncorrenciais no mercado.” (grifo nosso)

Dessa forma, rejeita-se a preliminar de inépcia da Representação, passando-se à análise


da alegada inconstitucionalidade.
Salientou a TBA que o CADE, sem ter presidido a colheita de provas, não poderia
proferir decisão cujos consectários são de extrema gravidade. Como consequência, a
Representada estaria sendo processada por autoridade incompetente, ferindo seu direito
ao devido processo legal constitucional.

Conforme salientou a SDE, às fls. 2.744, “a regra do juiz natural não possui nenhuma
relação com o que pretende a representada. Essa regra, de modo algum, veio impedir
que a autoridade competente para processar seja diferente daquela competente para
julgar.”

Ademais, não compete à Administração a declaração ou reconhecimento de


inconstitucionalidade de lei. Tal atributo é exclusivo do Poder Judiciário que o exerce
mediante controle concentrado ou difuso.

5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, “Direito Administrativo”. Editora Atlas : São Paulo, 1999, p. 483.
6
MEIREILLES, Hely Lopes. “Direito Administrativo Brasileiro”. Malheiros : São Paulo, 1993, p. 586.

6
A terceira preliminar alegada, ausência de denúncia – inexistência de processo, refere-se
à necessidade de denúncia pelo DPDE, não sendo cabível a manifestação da Inspetora
Geral, consoante regimento interno do DPDE.

Sobre tal preliminar, manifestou-se a SDE salientando que consoante o art. 32 da Lei nº
8.884/94, o processo administrativo poderá ser instaurado por despacho fundamento do
Secretário da SDE, a partir do conhecimento do fato, sendo que a manifestação da
Inspetora-Geral ou do DPDE, não é condição necessária para a instauração de processo
administrativo.

Quanto à alegada nulidade do despacho de instauração do processo administrativo por


descumprimento do art. 11 do Regulamento das Competências da Secretaria de Direito
Econômico, cumpre destacar que a leitura do Despacho de fls. 1.129, deixa clara a
remissão à Nota Técnica da SDE, admitida como parte integrante do Despacho pelo i.
Secretário de Direito Econômico. Em referida Nota, constam todos os requisitos
elencados no citado Regulamento, o que afasta a preliminar levantada.

Quanto à preliminar de inexistência de indício de prova e de averiguação preliminar,


cumpre salientar que as averiguações serão promovidas apenas quando os indícios de
infração da ordem econômica não forem suficientes para a instauração imediata de
processo administrativo.

Portanto, a interpretação lógica é a que confere a preferência à instauração de Processo


Administrativo, o que não ocorrerá apenas quando os indícios não forem suficientes,
caso em que se recorrerá às citadas averiguações.

Dessa forma, não existe direito da Representada à prévia instauração de averiguações


preliminares. Entendendo, o Secretário de Direito Econômico, presentes indícios
suficientes da prática infrativa à ordem econômica, autorizado está, através de despacho
fundamentado, a instaurar o competente processo administrativo.

Saliente, ademais, que anteriormente à instauração do processo, foram juntados


documentos suficientes para constituir quatro volumes e mais de mil páginas, o que, a
toda evidência, demonstrou o grau de indícios e convencimento do i. Secretário para o
Despacho instaurador.

Não havendo qualquer ilegalidade neste ato, patente a rejeição da preliminar alegada.
A alegação de ilegitimidade passiva da TBA e impossibilidade jurídica das acusações,
levantadas como preliminares, na verdade confundem-se com o mérito, ou seja, seria
possível a prática das infrações pela TBA? A resposta a tais preliminares deverá ser
dada quando da análise do mérito e não neste momento.

A sustentação de que o processo administrativo não pode prosperar pois a matéria nele
contida é eminentemente comercial, não encontra respaldo na análise das provas até
então carreadas aos autos. Reconhecendo a autoridade antitruste a sua competência
para tratar das imputações à Representada, conforme Despacho instaurador, conclui-se
que a matéria em muito suplanta o direito comercial, atingindo interesses difusos,
próprios de análise no direito econômico.

A última preliminar alegada, refere-se a nulidade da averiguação preliminar face a


divulgação ilegal de seus termos. Conforme salientou a SDE, à época o caso em tela
não era objeto de averiguação, sendo que nenhuma das informações confiadas ao
Exmo. Deputado Luiz Piauhylino, Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da
Câmara dos Deputados, possuía qualquer elemento confidencial.

Ademais, a referida Comissão possui poderes para requisitar documentos e informações.


(...).

7
Por entender haver o supracitado parecer analisado de maneira precisa
às questões concernentes às preliminares suscitadas pela Representada, adoto de
maneira integral suas razões, indeferindo-as por completo.
Insta salientar que as preliminares aqui debatidas foram, da mesma forma
que aqui se faz, afastadas pelo Despacho do ilustre Secretário de Direito Econômico
(fls. 2749), que, acolhendo as razões da Nota Técnica do DPDE de fls. 2739/2748
realizou a saneamento do processo. Adoto também as razões deduzidas em tal
parecer para afastar as preliminares suscitadas, nos termos do artigo 50, §1º da Lei
9.784/99.

IV. DESCRIÇÃO DA CONDUTA

A Microsoft Informática Ltda é uma empresa operacional da Microsoft


Corporation cujo negócio centra-se no desenvolvimento de softwares e soluções de
informática, dentre outros. Seu modelo de negócio divide-se entre dois sistemas de
distribuição: a linha de varejo e a linha corporativa.
O contrato Select, conforme informado pela própria empresa, atende a
linha corporativa, sendo operacionalizado por meio de revendedores Microsoft
denominados Large Account Resellers – LARs. Os contratos do tipo Select
oferecem aos clientes os seguintes recursos: o direito de copiar e usar os softwares
da Microsoft, permitindo a grandes corporações ter acesso instantâneo a toda linha
desses produtos, de acordo com a sua necessidade e conveniência; a capacidade
de adquirir licenças de diversos revendedores (licenças Select podem ser adquiridas
de um ou mais LARs, que se constituem numa categoria especial de revendedor
autorizado pela Microsoft); empresas com filiais podem optar por estabelecer um ou
mais pontos de compra, ou seja, há a capacidade de adquirir as licenças em mais de
um local; e preços flexíveis de acordo com o volume de compras realizados.
A operacionalização do contrato Select encontra-se bem explicada no
seguinte trecho do parecer da SEAE:

“[o]ptando pelo contrato Select, a Microsoft e o cliente assinam o ‘Microsoft Select Master
Agreement’, onde se especifica entre outras coisas, qual o LAR responsável pela
implantação do contrato. À Representada cabe apenas o credenciamento prévio do
revendeodor como LAR, em conformidade com o padrão por ela estipulado, o qual
abrangerá desde a estrutura financeira e comercial, até a técnica suficiente ao
atendimento de grandes corporações. Após a escolha e qualificação do LAR, este e a
Microsoft assinam o ‘Large Account Resseler Agreement’, em que se estabelece: (i) a
base territorial em que o LAR nomeado irá atuar, (ii) que os preços pagos ao distribuidor
pelas licenças e pelos produtos adquiridos à Microsoft Corporation, serão sempre
aqueles estabelecidos na tabela publicada pela Microsoft Corporation e disponível a
todos os distribuidores e LARs na Internet; e (iii) que o preço negociado entre
revendedor e cliente não estará sujeito à aprovação ou revisão pela Microsoft. Sob tais
fundamentos, a Representada pretende demonstrar não possuir qualquer controle sobre
a política comercial, bem como sobre os preços praticados pelos revendedores junto a
seus clientes.
Afirma7que, num contexto mundial, a seleção da Microsoft para habilitação de
revendedor é feita com base na análise objetiva de três fatores, a saber: (i) infra-
estrutura de serviços; (ii) infra-estrutura comercial; (iii) capacidade financeira. Tais
critérios são estabelecidos pela Microsoft em âmbito nacional e recebem adaptações
regionais tendo em vista as especificidades de cada país.”

7
Fls. 203, segundo a SEAE.

8
Já no que tange às espécies de revendedores, são pertinentes os
seguintes esclarecimentos, contidos no parecer da SDE:
“9. De acordo com a Microsoft, um Specialist LAR é habilitado a partir de três possíveis
razões. A primeira possibilidade é quando uma corporação solicita formalmente à
Microsoft que uma empresa pertencente ao seu grupo econômico seja seu revendedor
exclusivo de produtos Microsoft (p. ex. Banco do Brasil e Cobra). Outra possibilidade
para credenciamento surgiria em decorrência de notória especialização em serviços para
um segmento econômico específico. Por fim, a empresa habilitada pode ser um LAR
internacional que atenda um cliente globalmente. De acordo com dados fornecidos pela
Microsoft em fevereiro de 1999 (fl. 513), havia nove revendedores nessa categoria.

10. Ainda segundo a Microsoft, os Regional LARs são empresas que atuam dentro de
uma Unidade da Federação específica. Os requisitos para credenciamento, ao final de
1998, estão especificados no quadro supra. De acordo com dados fornecidos pela
Microsoft, em fevereiro de 1999 (fl. 513), vinte e uma empresas possuíam a habilitação
para atuar como Regional LAR no território nacional. Dessas, seis estavam localizadas
em São Paulo, três em Minas Gerais, duas no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, e
no Paraná e uma nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Santa
Catarina e Goiás.

11. Por fim, a Microsoft informou que o Direct LAR seria uma categoria “criada para
atender clientes e mercados corporativos onde há uma significativa demanda de
serviços na plataforma Microsoft, exigindo em contra-partida por parte do LAR um
significativo investimento em Qualificação Técnica para atendimento
correspondente” (fl. 26, grifado). A principal diferença, em termos de qualificação técnica
entre os Regional LARs e os Direct LARs, reside no fato de que, para esta última
categoria, é exigida a presença de mais 5 (cinco) MCP8 e ter sido Regional LAR por pelo
menos 2 anos consecutivos.

12. Um ponto comum a todas as categorias de LAR é que, independentemente do


alcance dos requisitos por parte das empresas pleiteantes ao credenciamento, este não
é garantido, pois a representada Microsoft reserva para si o direito de acatar ou não
qualquer pedido de habilitação. Com efeito, desde a criação da categoria de Direct LAR
e até o momento do fornecimento das respostas por parte da Microsoft, apenas a
empresa TBA foi credenciada pela Microsoft para atuar como Direct LAR no território
nacional.9”10

De acordo com informações constantes dos autos, em 1997 a Microsoft


instituiu no Brasil critérios de seleção de parceiros pela primeira vez, criando as
modalidades de Regional Lar e Exclusive Lar.
Em 1998, entretanto, é efetivada uma importantíssima modificação nos
critérios de credenciamento, sendo criados as seguintes categorias de LARs:
Specialist LAR, Regional LAR e Direct LAR.
Conforme será demonstrado no decorrer do presente voto, resta
incontroverso nos autos que tais requisitos foram efetivados ex post, ou seja, os
principais critérios quantitativos para o credenciamento foram estabelecidos com
referência a um período anterior ao do conhecimento dos mesmos por parte dos

8
Microsoft Certified Professional, categoria básica dos profissionais certificados pela Microsoft.
9
Em tabela juntada em apartado confidencial, a Microsoft informa que também seriam Direct LARs duas outras
empresas. Estas empresas, todavia, apresentam, ao lado de sua certificação a observação not for all. Na verdade,
suas características estão mais próximas a Specialist LARs do que de qualquer outra categoria. Possivelmente,
seu enquadramento é resultado apenas do fato de não comprarem por meio de distribuidor, adquirindo seus
produtos diretamente da Microsoft.
10
Nota técnica SDE, p. 6, fls. dos autos.

9
revendedores. Em outras palavras, tais critérios referem-se a um período passado;
assim, a Microsoft, ao estatuí-los, possuía plena aptidão para saber, de antemão,
quais empresas possuíam condições de se enquadrar nos mencionados critérios,
que permaneceram em vigor até 2002. Ademais, veremos ao longo do voto que
mesmo antes dos critérios estipulados em 1998, a TBA já detinha exclusividade para
vendas através do contrato Select ao Governo Federal.
A empresa TBA Informática é uma empresa com sede em Brasília, que
atua como provedora em soluções de tecnologias da informação e serviços que
envolvam treinamento, consultoria, suporte técnico, desenvolvimento de sistemas,
projetos de rede, acesso à Internet, bem como integração Intranet/Internet. Em
1998, foi a única empresa a ser credenciada como LAR no Distrito Federal, tendo
como parâmetro os critérios descritos acima. Foram registradas na Junta Comercial
cartas que conferiam a ela exclusividade para a comercialização dos produtos da
Microsoft com o Governo Federal sob a sustentação de ser a única empresa
cadastrada pela Microsoft apta a operar com clientes corporativos.
A Microsoft, por sua vez, utilizou-se da consolidação conferida à sua
marca e poder de mercado para distribuir a todos os órgãos do Governo Federal,
eventualmente interessados em adquirir licenças de seus produtos, cartas atestando
a exclusividade conferida à empresa TBA, elegida como sua única representante
para fins de atuação junto ao Governo Federal. De posse desta carta, a TBA logrou
assinar contratos com a Administração Pública, com inexigibilidade de licitação, por
força do art. 25 da Lei 8.666/93.
A conduta investigada, e ora julgada, diz respeito exatamente à maneira
como foram definidos, implementados e fiscalizados os critérios de credenciamento
adotados pela Microsoft, e à forma com que as representadas deles teriam se
utilizado com a finalidade de conferir exclusividade à TBA para atuação no mercado
do Distrito Federal e, conseqüentemente, para comercialização através do contrato
Select a todo o Governo Federal.

V. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DO MERCADO

5.1. Definição do Mercado Relevante

A definição de mercado relevante é o primeiro passo da avaliação dos


efeitos de uma alteração de estrutura ou de uma conduta comercial sobre a
concorrência. O mercado é delimitado em duas dimensões: produto e área
geográfica. A dimensão produto depende do grau de substutibilidade da demanda.
Bens substitutos próximos devem ser incluídos no mesmo mercado, já que um
aumento marginal de preço de um produto faz com os seus consumidores migrem
para o outro. O critério mais comumente usado para se identificar substitutos é o
teste do monopolista hipotético. Esse teste detecta o menor grupo de produtos e a
menor área geográfica para os quais uma suposta firma monopolista consegue
impor um “pequeno porém significativo e não transitório” aumento de preços.11 Outro

11
Como regra prática o “pequeno porém significativo e não transitório aumento” de preço deve estar em torno de
5%, 10% ou 15%, conforme o caso em questão, por um período não inferior a um ano. (Guia para Análise
Econômica de Atos de Concentração Horizontal da Seae e SDE)

10
critério que cada vez mais tem sido utilizado é a estimação das elasticidades
cruzadas da demanda.12
Entretanto, conforme já pontuei no meu voto proferido no PA nº
08012.009991/98-8213, “é importante ressaltar que a definição de mercado relevante
em casos de conduta difere sutilmente da que é aplicada em casos envolvendo atos
de concentração. Em hipóteses de infração à ordem econômica, o melhor método se
baseia no exame de atos passados e nos efeitos já experimentados pelo segmento
mercadológico, ao passo que, em fusões e aquisições, a boa técnica indica um
método direcionado para possíveis e potenciais efeitos no futuro. Assim se deduz
dos termos do seguinte trecho da ‘Relevant Market Notice’14, adotada pela Comissão
Européia desde 1997:

“O critério para definição do mercado relevante é geralmente aplicado à análise de certos


tipos de comportamento no mercado e à análise de certos tipos de mudanças estruturais
na oferta de produtos. Essa metodologia, no entanto, pode levar a diferentes
resultados, dependendo da natureza da questão concorrencial que está sendo
examinada. Por exemplo, o escopo do mercado geográfico pode ser diferente caso
esteja-se analisando uma concentração, onde a análise é essencialmente prospectiva,
ao invés de uma análise do comportamento passado. O diferente horizonte de tempo
considerado em cada caso pode levar ao resultado de que diferentes mercados
geográficos são definidos para um mesmo produto, dependendo se a Comissão
está analisando uma mudança na estrutura de oferta, tal como uma concentração
ou uma joint venture, ou se está examinando questões relacionadas a um certo
comportamento passado”15.

Saliente-se, inclusive, a existência de corrente doutrinária que defende a


tese de que a análise do mercado relevante representa, em hipóteses de conduta,
elemento meramente acessório à necessidade de se manter a política colimada pela
Lei Antitruste. Há casos em que a própria definição do mercado é dispensada diante
de conduta ou comportamento empresarial obviamente deletério à livre concorrência
e à livre iniciativa. A análise do mercado relevante, portanto, funciona tão-somente
como um mecanismo para averiguar se é adequado separar uma área de atividade

12
Um produto apresenta alta elasticidade –preço de demanda se essa for maior do que um (em módulo). Da
mesma forma, se a elasticidade-cruzada for maior do que um (em módulo), então os produtos em questão são
substitutos próximos. Isto é, a demanda por um bem é bastante sensível à variação de preço do outro bem.
13
Representante: Participações Morro Vermelho Ltda - Representados: Condomínio Shopping Center Iguatemi e
Shopping Centers Reunidos do Brasil Ltda.
14
A “Relevant Market Notice” da Comissão Européia, que se aplica tanto a fusões, como a infrações cominadas
nos artigos 81 e 82 do Tratado de Roma, tem importância extrema em casos de conduta, sobretudo em casos de
abuso de posição dominante. Nesse sentido, vide Bellamy & Child. “European Community Law of
Competition”. Fifth edition. P.M.Roth QC. pág. 6-094: “The Notice applies not only to mergers but also to
Articles 81 and 82 and market definition is necessarily of particular importance for the determination of a
dominant position in the application of Article 82”.
15
Todas as traduções neste voto são versões livres, motivo pelo qual destaco o original: “The criteria for
defining the relevant market are applied generally for the analysis of certain types of behaviour in the market and
for the analysis of certain types of structural changes in the supply of products. This methodology, though, might
lead to different results depending on the nature of the competition issue being examined. For instance, the scope
of the geographic market might be different when analyzing a concentration, where the analysis is essentially
prospective from an analysis of past behaviour. The different time horizon considered in each case might lead to
the result that different geographic markets are defined for the same products depending on whether the
Commission is examining a change in the structure of supply, such as a concentration or a joint-venture, or
examining issues relating to certain past behaviour”.

11
econômica onde a aplicação das leis antitruste incidirá. A esse respeito, confira os
ensinamentos de HARRY FIRST16:

“Ao determinar se a estrutura da indústria ou o comportamento unilateral afasta a


concorrência, as definições de mercado devem ser úteis na organização da análise para
que esta seja prática, significante, economicamente sensata e administrável em um
contexto de processo judicial. No entanto, a análise de mercado é subserviente à
questão qualitativa mais ampla que é se a política estabelecida pela lei foi violada,
e ocasionalmente, a análise de mercado deve ser dispensada quando o nível de
comportamento predatório é obviamente destrutivo ao processo competitivo. A
persistência de domínio em uma área significante da atividade econômica pode
também garantir a conclusão através do bom senso, de que o poder está presente
de uma forma inconsistente com o ideal competitivo, e o interesse público requer
que ele seja restringido ou eliminado onde a persistência desse domínio é
provável e sua erosão através do mercado improvável, mesmo que alguns
argumentos teóricos sobre o conceito metafísico de mercado possam ser elaborados
para se escapar dessa responsabilidade.

Em outro lugar, as definições de mercado devem ser entendidas de maneira análoga à


função de análise da regra da razão em casos da Seção 1. Onde não é aparente que a
estrutura da indústria ou o comportamento é consistente ou inconsistente com o
ideal competitivo, a análise de mercado serve como mecanismo para determinar se
é justo, adequado, pratico e economicamente razoável isolar ou fragmentar uma
área da atividade econômica como a área onde os objetivos da política antitruste
podem atuar, fazendo julgamentos, a luz de todos os fatos e circunstâncias da
indústria, sobre se eles estão realmente atuando.”17

Assim, a definição dos mercados relevantes em condutas que infringem a


ordem econômica deve levar em consideração o exame dos seus efeitos no
segmento economicamente relevante, bem como dos atos já praticados pelos
agentes econômicos envolvidos.
Sendo assim, deixo claro que delimitarei o mercado relevante no caso em
tela tendo sempre em mente a importância dos efeitos da conduta como parte
integrante da análise.”

5.1.1. Dimensão Produto

(i) Mercado relevante de venda de softwares

16
Free Enterpriste and Economic Organization – Antituste. Sixth Edition. pág. 113.
17
“In determining whether industry structure or unilateral behavior displaces competition, market definitions
may be helpful in organizing the analysis so that it is practical, significant, economically sensible, and
manageable in the context of the judicial process. But market analysis is subservient to the broader qualitative
question of whether the policy of the law has been violated, and on occasion market analysis should be dispensed
with where the level of predatory behavior is obviously destructive of a competitive process. The persistence of
dominance in a significant area of economic activity may also warrant a common sense conclusion that power is
present in a form inconsistent with the competitive ideal and the public interest requires it be constrained or
eliminated where the persistence of dominance is likely and its erosion by the market is unlikely, even though
some theoretical arguments about the metaphysical concept of markets may be advanced to escape liability.
Elsewhere market definitions should be understood in a way that is analogous to the function of rule of reason
analysis in Section 1 cases. Where it is not readily apparent that industry structure or behavior is consistent or
inconsistent with the competitive ideal, market analysis serves as a mechanism for determining whether it is fair,
just, practical, and economically sensible to isolate or fragment an area of economic activity as an area where the
goals of antitrust policy can work and to make judgments about whether they are at work in light of all the facts
and circumstances of the industry”.

12
O processo em tela versa sobre ilícitos concorrenciais no mercado
brasileiro de vendas corporativas de softwares e serviços de informática. Existem,
portanto, dois mercados relevantes distintos a serem considerados. O primeiro
mercado está relacionado à venda (licenciamento) de softwares, enquanto que o
segundo abrange a prestação de serviços técnicos de instalação, customização e
manutenção desses softwares.
No mercado de softwares, faz-se necessário uma segmentação adicional
de acordo com a funcionalidade. Conforme Geroski e Griffith (2003)18, tratar
segmentos como diferentes mercados facilita a identificação dos impactos de
condutas anticompetitivas. Nesse caso, há três grupos distintos de softwares: 1)
aplicativos; 2) sistemas operacionais e; 3) servidores. Com relação aos softwares
aplicativos e servidores, deve ser enfatizado que, pelo fato desses programas
funcionarem sobre um sistema operacional específico, seu mercado relevante é
também delimitado pelo sistema operacional escolhido previamente pelo cliente.
Os softwares utilizados em ambientes corporativos restringem-se, em sua
quase totalidade, a processadores de textos, planilhas eletrônicas, criadores de
apresentações e bancos de dados, sendo os demais softwares aplicativos
pertencentes a nichos de mercado. A importância desses primeiros aplicativos, bem
como a sua relevância no total da base instalada em uma corporação, levaram as
empresas produtoras de softwares a criar pacotes de programas englobando esses
produtos em um pacote único de softwares (no caso da Microsoft o MS Office).
Dessa forma, grande parte do mercado dos softwares aplicativos para corporações é
restrita a suítes englobando processadores de texto, planilhas eletrônicas e outros
programas.
O processo de instalação e distribuição interna dos softwares em uma
corporação é substancialmente diverso do realizado em equipamentos domésticos e
em pequenos escritórios. Em ambientes corporativos, o processo de instalação dos
softwares é realizado por meio de redes, eliminando a necessidade da
correspondência biunívoca “cópias licenciadas/jogos de discos”. Nesses ambientes,
o processo de instalação é geralmente realizado pelo ambiente de rede; método
este, mais econômico para os compradores do produto19.
Seguindo a mesma linha das Mergers Guidelines americanas, a distinção
entre os vários tipos de clientes é fator importante para a delimitação do mercado
relevante. Isso porque, segundo tais guias, se uma empresa é capaz de segmentar
o mercado e discriminar preços, então existem mercados relevantes distintos para
cada grupo de compradores.20 Neste caso, uma fusão ou conduta pode afetar
diferentemente as vendas destinadas a cada grupo, já que cada um reage de forma
diversa às estratégias da firma.
Nesse sentido, de início podemos distinguir dois tipos de clientes: aqueles
que compram o produto no varejo e aqueles que compram grandes volumes de
softwares.

18
GEROSKI, Paul e GRIFFITH, Rachel (2003), “Identifying Anti-Trust Markets”. In: Neumann , M. e
Weigand, J. (editors), “International Handbook of Competition”, Ed. Edward Elgar.(mimeo)
19
Essa estratégia é um tipo de empacotamento (bundling). O pacote de cópias gera maior utilidade para o grande
cliente, além de possibilitar que a firma discrimine preços entre grandes e pequenos compradores.
20
A firma consegue discriminar preços, porque as preferências dos consumidores do mercado são heterogêneas.
Isto é, existem grupos com elasticidades-preço de demanda diferentes. A firma, então, constrói uma estratégia
que tem como objetivo revelar esses grupos, de forma que essa possa cobrar um preço maior do segmento de
demanda inelástica e cobrar um preço mais baixo dos clientes com demanda mais elástica.

13
Na linha do varejo, a Microsoft: “conta com três grandes distribuidores, abaixo
desses distribuidores existem cerca de 7.500 revendedores que além de comercializar produtos,
prestam serviços de assistência técnica e consultoria aos consumidores finais. A revenda pode ser
autorizada ou comum. Além dos três grandes distribuidores, há mais de 20 pequenos distribuidores e
5 mil pontos de revenda de software. A linha de varejo é responsável por cerca de 70% das vendas
da Microsoft no Brasil.”21
Para a linha corporativa, na qual as vendas representam grandes
volumes, foi criado o Contrato Select. Tal contrato é utilizado mundialmente pela
Microsoft e garante à empresa que adquire os produtos o direito de copiar e utilizar
os softwares, adquirindo licenças de um ou mais LARs (Large Accountant Reseller),
que seriam os revendedores credenciados pela Microsoft para vender seus produtos
a grandes corporações.
Além disso, mesmo dentro do segmento corporativo, podemos distinguir
outros dois tipos de clientes: as empresas privadas e o governo. Ao contrário da
iniciativa privada, o setor governamental, para adquirir bens e contratar a execução
de serviços, precisa seguir rigorosamente um procedimento determinado por lei:
uma licitação. Assim,conforme muito bem fundamentado no parecer da Seae, o
governo pode ser entendido como um tipo diferente de cliente.
Finalmente, deve ser ressaltado, como ficará demonstrado ao longo do
voto, que a conduta de conferir exclusividade à TBA teve efeitos específicos em
relação ao Poder Público Federal. Com efeito, investiga-se no presente Processo
Administrativo as razões pelas quais, a partir de critérios definidos pela Microsoft, a
TBA auferiu exclusividade para operar o contrato Select à Administração Pública
Federal, motivo pelo qual é possível defini-los como um específico mercado
relevante.

(ii) Mercado relevante de prestação de serviços e soluções de informática

No mercado de soluções e serviços de informática operam três tipos de


empresa: 1) Large Accout Resellers, 2) empresas autônomas com certificações
emitidas pela Microsoft e; 3) empresas independentes.
O mercado de prestação de serviços é limitado pelo mercado de
softwares. É prática comum da indústria de informação fazer um pacote de
programas e de serviços. Isso, de certa forma, aumenta as barreiras à entrada nesse
mercado. No entanto, não se pode deixar de lado o fato de que esse pacote pode, a
depender de cada caso, gerar uma utilidade maior para o cliente do que os dois
produtos (softwares e serviços) separados. Isto, no entanto, dependerá das
características e necessidade de cada usuário ao qual deve ser dada a opção de
adquirir o pacote ou cada item separadamente. No caso em tela, estamos tratando
de um empacotamento misturado (mixed bundling), ou seja, a empresa comercializa
os produtos em conjunto ou avulsos. É importante destacar que, mesmo quando o
cliente adquire apenas o software, ele se depara com restrições para contratação de
serviços de manutenção de prestadoras de serviço independentes. Aquelas que não
têm certificações técnicas, por exemplo, não podem ser consideradas substitutas
perfeitas. Essa questão é ainda mais importante no caso em que o comprador é um
órgão público, cujos processos de compra ou contratação são sujeitos a uma série
de restrições impostas por lei. Assim, o mercado relevante objeto deste processo

21
Parecer do economista Ruy Santacruz, fls. 432.

14
limita-se a empresas que tenham técnicos certificados pela própria Microsoft
(MCPs), sejam eles LARs ou empresas autônomas.
O mercado de serviço de informática envolve não apenas os serviços de
manutenção, assistência técnica e treinamento, mas, também, o de criação de
“soluções” de informática. Isto é, a criação de produtos de informática envolvendo,
até mesmo, a elaboração de pequenos programas e rotinas com o fim de adequar
produtos comerciais às necessidades específicas dos clientes.
Portanto, defino as vendas de softwares e prestação de serviços e
soluções de informática ao Poder Público como um mercado relevante
separado na dimensão produto, o que, aliás, coincide com o universo objeto
de investigação.

5.1.2. Dimensão Geográfica

O parecer econômico feito pelo economista Ruy Santacruz22 defende a


tese de que o mercado geográfico de softwares de aplicação geral, destinados à
venda no varejo, poderia ser definido como o internacional, uma vez que os produtos
podem ser adquiridos por qualquer um, até mesmo pela internet. Entretanto,
conforme parecer da SDE, não se pode deixar de levar em conta a questão do local
os produtos se encontram, ou seja, a sua tradução e adequação às características
nacionais do país no qual o produto será comercializado. Além disso, há que se
considerar que a estrutura tarifária desse tipo de produto dificulta a entrada de
importados. Dessa forma, descarto a hipótese de estarmos tratando de um mercado
geográfico internacional.
Em principio, a primeira conclusão seria de que o mercado deveria ser
fixado como nacional, dada a possibilidade teórica de se adquirir os produtos em
qualquer unidade da federação.
Neste diapasão, como bem assevera a SDE:

“54. As recentes inovações tecnológicas têm permitido a ampliação da área


abrangida pelas empresas de suporte técnico. De forma crescente, empresas de
informática e telecomunicações têm passado a prestar seus serviços de forma
centralizada, utilizando-se de tecnologias de rede para a prestação de serviços a longas
distâncias. Pode-se, ainda, argumentar que, em um mercado sem barreiras artificiais à
entrada – como por exemplo, a imposição de restrições territoriais - , a elevação
significativa de preços por parte das empresas atuantes levaria à entrada de novas
empresas, situadas em outros mercados, que ofereceriam seus serviços e instalariam
suas bases no mercado afetado pelo aumento de preços.
55. Não obstante as qualificações feitas no parágrafo acima, alguns serviços de
manutenção ainda necessitam da presença física dos técnicos. Dessa forma, a limitação
geográfica do mercado em questão ocorre no âmbito do município (ou em alguns casos,
o estado) em que o serviço deverá ser executado. Para os serviços de manutenção a
serem realizados exclusivamente em Brasília, admite-se que o mercado geográfico
poderia ser limitado ao Distrito Federal. Todavia, não há sentido em aplicar essa
limitação para os contratos firmados pelo Governo Federal, visto que, em vários deles,
os serviços de suporte são realizados, simultaneamente, em diversos estados da
federação, havendo serviços que sequer incluem o Distrito Federal.
56. Essa não é uma suposição, mas um fato. A TBA, mesmo realizando vendas para o
Governo Federal, presta serviços a órgãos federais localizados em outros estados, o que
demonstra que um LAR sediado em um estado pode prestar, com competência, serviços

22
O referente parecer foi solicitado pela SDE.

15
de suporte em outras unidades da federação. Assim sendo, nada impediria que um LAR
de um estado prestasse serviços ao Governo Federal em Brasília ou em outra unidade
federada, principalmente ser for considerado o fato de que o Governo Federal é um
cliente que, pelo seu porte e capilaridade, desperta enorme interesse em qualquer
revendedor desse tipo de produto, estimulando-o a instalar uma base local para atender
aos órgãos governamentais, onde necessário.
57. omissis
58. Assim, considera-se que a definição mais adequada para mercado relevante
23
geográfico é o território nacional.”

Cumpre transcrever, a propósito, a doutrina da i. ex-Conselheira Lucia


Helena Salgado24, verbis:

“(...) Aqui, como no tratamento da dimensão produto, é importante lembrar que o


conceito de mercado relevante é um híbrido jurídico-econômico, de modo que a
questão é onde o poder de mercado, se existente, pode ser exercido, ou seja, onde
tem efeito a operação. (...). O que caracteriza a delimitação geográfica do mercado é a
intensidade das transações em um determinado território. Não existe tal coisa como uma
dicotomia entre mercado nacional e mercado internacional. Um mercado pode
compreender perfeitamente dois ou três países, duas ou três cidades, se a intensidade
das relações comerciais entre essas unidades puder influenciar de forma determinante –
as estratégias de crescimento e ocupação de mercado, ou seja, de concorrência, das
firmas aí operantes.”

Destaco, finalmente, que os efeitos da conduta foram surtidos de forma


nacional, o que reforça o acerto da fixação da dimensão para o mercado relevante
geográfico determinada pela SDE.
Assim, defino o mercado relevante geográfico como sendo o nacional
para fins de análise do presente processo administrativo.

5.2. Avaliação do Grau de Concentração de Mercado

Depois de definido o mercado relevante, o próximo passo para avaliação


da existência de poder de mercado, requisito básico para se prosseguir na análise
das condutas em tela, é a mensuração do grau de concentração de mercado.
O grau de concentração define a estrutura econômica do mercado. Essa
pode estar próxima da concorrência perfeita (baixa concentração), passando pelo
oligopólio e chegando até o monopólio (grau máximo de concentração).
Percebe-se que o grau de concentração nestes mercados relevantes é
muito alto, com a Microsoft detendo mais de 90% do mercado em muitos deles, de
acordo com parecer apresentado pela SEAE. A TBA, por sua vez, logrou obter
durante justificado período de tempo a exclusividade na distribuição de licenças de
softwares ao Governo Federal através do contrato Select, o que gerou um altíssimo
grau de concentração neste segmento.
No entanto, como a moderna técnica antitruste orienta, a existência de
concentração de mercado é condição necessária, porém não suficiente para a
inferência de poder de mercado.
Neste sentido, para se avaliar a possibilidade de exercício de poder de
mercado na indústria de software, faz-se necessário analisar o papel das barreiras à

23
Parecer da SDE, página 20
24
In O conceito de mercado relevante, Revista de Direito Econômico, nº 26, agosto/dezembro de 1997, pág. 37.

16
entrada. Para isso temos também que discutir algumas das especificidades que
cercam tais mercados, tais como os efeitos de rede e o aprisionamento, o que será
feito na próxima seção.

5.3. Probabilidade de Exercício de Poder de Mercado

É um fato incontestável que no mercado brasileiro a participação de


sistemas operacionais que não utilizam a plataforma Microsoft Windows ocupa
apenas uma parcela mínima do mercado total. Tal realidade também ocorre no
setor público federal, no qual a Microsoft concedeu, através o contrato Select,
exclusividade à empresa TBA. Fica, assim, evidente que os softwares aplicativos da
Microsoft vinculados ao Microsoft Windows – Sistema Operacional – tornam-se
produtos potencialmente detentores do mercado, possibilitando ao seu titular,
exercer poder de mercado. Tal verdade cria uma situação de aprisionamento, ou
seja, após a escolha de um determinado produto, o consumidor/cliente fica à mercê
da aquisição somente de produtos compatíveis com a plataforma escolhida
anteriormente.
Além disso, há também os custos de troca. Com efeito, caso haja a
decisão de mudança do sistema operacional, incidem custos não somente na troca
dos aplicativos anteriormente instalados, mas também com o treinamento de
funcionários para a utilização dos novos softwares, além de ônus oriundos da
dificuldade de transferência das informações pré-existentes, haja vista que, com a
troca de aplicativos e considerando que eventualmente existem incompatibilidades
entre softwares aplicativos de outros usuários e de outras empresas, cria-se um
empecilho à instantânea troca de informações, o que no mundo atual é de extrema
relevância.
Por fim, no mercado de softwares aplicativos e sistemas operacionais, são
inúmeras as barreiras à entrada. Este item será mais bem analisado e detalhado a
seguir. No entanto, vale lembrar que a dificuldade de entrada de novos concorrentes
neste mercado torna as empresas já existentes, em especial a Microsoft, detentoras
de um nicho do mercado altamente amplo e lucrativo.
Pode-se concluir, dessa forma, que, dada as características do mercado
analisado acima, estamos diante de um mercado de difícil entrada, o que traz como
conseqüência a alta possibilidade da prática do exercício de poder de mercado.
Além da possibilidade de exercício de poder de mercado detido pela
Microsoft, no caso em tela há que se considerar, ainda, se tal verdade também se
verifica em relação à representada TBA. Percebo que restou demonstrado o seu
grande poder de mercado decorrente, principalmente, da posição de monopólio por
ela ocupada, uma vez que por um considerável período de tempo operacionalizou
com exclusividade a comercialização de licenças de softwares Microsoft com a
administração pública federal. Com efeito, existem nos autos mais de 50 contratos
juntados pela própria TBA25, firmados ao redor do país com os mais variados órgãos
governamentais, o que demonstra, de forma efetiva, a sua posição dominante neste
segmento de mercado. Ademais, o fato de a TBA ser a única empresa cadastrada
pela Microsoft para operacionalizar o contrato Select junto a grandes corporações
sediadas no Distrito Federal, o que, como demonstrado, abarcou o Governo Federal
como um todo por um largo período em razão de cartas de exclusividade conferidas

25
Pastas pretas e verdes anexadas aos autos.

17
pela Microsoft, proporcionou-lhe a possibilidade de exercício do seu poder de
mercado, notadamente pela ausência de alternativa de escolha dos usuários.

5.4. Das barreiras à entrada

Na acepção pioneira de Bain26, as barreiras à entrada dizem respeito às


condições que permitiriam que as firmas estabelecidas em um determinado mercado
relevante pudessem perceber lucros extraordinários sem induzir a entrada de novos
concorrentes.
De acordo com autores consagrados da área27, a indústria de softwares
apresenta sinais de maturidade; ou seja, as empresas líderes atingiram
participações de mercado mais ou menos estáveis. Tal indústria também
caracteriza-se pela dominância dos efeitos de rede e é propensa a exibir o
fenômeno de persistência da plataforma. Além disso, as condições para o sucesso
de uma firma entrante são pouco prováveis no atual contexto de uma indústria já
madura, com compradores dispersos e não coordenados.
Quanto à probabilidade de entrada neste mercado, apesar das alegações
de que a entrada seria fácil, bastando ao entrante possuir os recursos técnicos e
humanos suficientes para tal, verifica-se, na prática, que efeitos de rede, custos de
mudança e custos de coordenação tornam a entrada difícil, ainda que não
impossível.
Para Shapiro e Varian28, a indústria de tecnologia é fortemente baseada
na economia de redes, na qual o feedback positivo seria um conceito chave. Uma
indústria fundada em feedbacks positivos é aquela em que os produtos mais fortes
tendem a tornar-se ainda mais fortes, enquanto os produtos mais fracos tendem a
ter maiores dificuldades ao longo do tempo.
Segundo a SDE, as externalidades de rede existentes no mercado de
softwares para microcomputadores geram diversas barreiras à entrada de novos
concorrentes. Uma dessas barreiras são os custos coletivos de troca (collective
switching costs). No caso de programas de computador existem inúmeros custos de
troca que geram a dependência dos clientes em relação a um fornecedor específico.
Esta dependência altera significativamente a competitividade dos produtos
existentes no mercado, dificultando ou mesmo impedindo a troca para programas
produzidos por fabricantes distintos em um prazo concorrencialmente aceitável.29
A troca de computadores e de seus dispositivos é, na verdade, apenas
uma pequena parte dos custos incorridos pela empresa na tentativa de substituição
do fornecedor. Ainda existem diversos custos relacionados a esta troca, tais como:
1) substituição dos aplicativos em funcionamento por aplicativos compatíveis com o
novo sistema operacional; 2) conversão dos dados criados com os softwares antigos
para a nova base operacional; 3) perdas relacionadas às dificuldades de
comunicação que surgirão com os sistemas de clientes e fornecedores e; 4)
investimento em treinamento para todos os usuários.

26
Bain J. S. (1956) Barriers to New Comepetition Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
27
Katz, M. e Shapiro, C. “Antitrust in Software Markets”, Progress and Freedom Foundation, September 1998.,
pág. 16.
28
Shapiro, C e Varian, Hal R., Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy, Boston, Harvard
Business School Press, 1999.
29
Fls. 143 dos autos.

18
Assim sendo, cria-se um obstáculo aos consumidores para a troca de
seus softwares, surgindo assim, barreiras à entrada de novas empresas e criando
uma situação de lock in (aprisionamento), ou seja, após um produto ter sido
escolhido pelo consumidor, fica a ele atrelado, dificultando a sua substituição. Em
relação a esta matéria, o parecerista Ruy Santacruz, concluiu que:

“[E]xiste uma elevada barreira à entrada de novos concorrentes nesse mercado, devida
do efeito rede, que privilegia a demanda pelos produtos Microsoft, enfraquecendo a
concorrência potencial. Esse mesmo efeito rede produz uma barreira à mobilidade
vertical no mercado, reduzindo a possibilidade das empresas já instaladas aumentarem
suas participações, enfraquecendo, dessa maneira, também a concorrência efetiva.”30

Em pesquisa publicada em 200131, ficou demonstrado o virtual monopólio


dos aplicativos Microsoft nas empresas brasileiras. No segmento de planilhas
eletrônicas, a participação no mercado da planilha Microsoft Excel é de 94%, contra
4% de seu principal concorrente nesse mercado. No que diz respeito a
processadores de texto, o programa Microsoft Word chega a ter 96% de participação
contra ínfimos 2% do concorrente. O aplicativo Microsoft PowerPoint possui 95% de
participação do mercado, enquanto seu maior concorrente possui apenas 2% do
mercado. E, mesmo na área de banco de dados, segmento tradicionalmente
disputado por outras empresas, o banco de dados Microsoft Access possui 54% de
participação.
O parecer da SDE diz que as características do custo de troca aliada à
participação de mercado detida pela Microsoft permitem a exclusão das plataformas
de hardware/software não compatíveis com a família Windows do mercado relevante
de softwares ora em análise. Ou seja, os mercados relevantes dos aplicativos são
definidos a partir de uma base de hardware e sistema operacional previamente
definidos. Dessa forma, a definição do cliente pela plataforma Microsoft é quase uma
imposição do efeito de rede e, uma vez definida a plataforma Microsoft, o cliente
está inevitavelmente atrelado à prestação de serviço indicado, ou autorizado, pela
vendedora do software.
A SEAE considera que, no caso dos sistemas operacionais e aplicativos
para desktops, a possibilidade de exercício de poder de mercado pela Microsoft é
alta, tendo em vista sua elevada participação no mercado e a improbabilidade de
entrada de novos rivais.
Some-se a todos estes argumentos a circunstância de que a Microsoft
gasta elevadíssimas somas em pesquisa e desenvolvimento, o que lhe confere
inegável vantagem no quesito inovação/melhoria de seus produtos, gerando-lhe,
assim, possibilidades de ampliar o seu domínio de mercado.
A Microsoft, através de seus critérios de credenciamento, da imposição da
territorialidade e das cartas de exclusividade conferiu à TBA durante significativo
lapso temporal o monopólio de comercialização dos contratos Select no território do
Distrito Federal, exclusividade esta que, como será demonstrado ao longo do voto,
foi estendida ao Governo Federal como um todo. Tais condutas constituíram
inegável barreira à entrada de concorrentes da TBA na comercialização do Contrato
Select, enquanto perdurou tal exclusividade.

30
Fls. 2707 dos autos.
31
Tecnologia de Informação, 12ª pesquisa anual, 2001. Pesquisa coordenada pelo professor Fernando S.
Meirelles, Vice-Diretor da FGV-EAESP.

19
Por todo o exposto, conclui-se que estamos diante de um mercado que
apresenta elevadas barreiras à entrada, o que reforça o poder de mercado detido
pelas empresas.

VI. ANÁLISE DOS EVENTUAIS EFEITOS ANTICOMPETITIVOS DAS CONDUTAS


EM QUESTÃO

6.1. Restrições Verticais e Literatura Econômica

6.1.1. Jurisprudência e doutrina dos Estados Unidos.

Na jurisprudência americana, durante muito tempo, as restrições verticais


foram vistas segundo a “inhospitality tradition”. Segundo essa teoria, qualquer
restrição sobre a liberdade de concorrência das firmas seria no mínimo suspeita, se
não ilegal per se.
O caso paradigmático para a mudança no entendimento das cortes, que
passaram a adotar uma postura mais tolerante32 em relação a tais práticas, foi o
caso Continental T.V. vs. GTE Sylvania. Nele a Continental, uma pequena
distribuidora de televisões do norte da Califórnia, denunciou que a limitação territorial
imposta pela Sylvania - produtora dos televisores - aos distribuidores implicava em
uma limitação à sua liberdade de ação, constituindo-se restrição à concorrência.
Neste caso, as Cortes entenderam que a concorrência inter-marcas, ou
seja, entre os diversos produtores de televisão, era muito forte e que a Sylvania não
tinha poder neste mercado. Antes, a estratégia de regionalizar seus distribuidores
era mais uma medida para sobreviver no mercado do que uma tentativa de
monopolizá-lo, sendo que tal política foi desenhada de forma a fortalecer cada um
dos distribuidores e concentrar sua atenção nos produtos da Sylvania, evitando o
problema do “efeito carona”.
Para chegar a essas conclusões, as cortes basearam-se na literatura
econômica então recente sobre restrições verticais, a qual preconiza que, apesar de,
por um lado, tais limitações representarem uma restrição à liberdade de ação das
firmas, por outro elas podem representar benefícios para os consumidores, na
medida em que sejam utilizadas pare resolver problemas que levam a ineficiências
na relação entre produtores e distribuidores.
Para ponderar esses dois movimentos, faz-se necessário analisar cada
uma das restrições pela regra da razão e algumas premissas básicas precisam estar
colocadas para que se entenda algumas das lógicas de tais restrições.
Em primeiro lugar, a de que elas se materializam através de relações
contratuais entre produtores e distribuidores e que tais relações estão sujeitas ao
que se convencionou chamar de relação agente-principal, cujo maior problema é o
de que o principal (por exemplo, o produtor) contrata o agente (o distribuidor) para
empreender uma ação sobre o qual o primeiro não tem total controle (a venda de
seus produtos). Sendo assim, o produtor não tem condições de observar
completamente se os esforços de venda do distribuidor estão em conformidade com
o que foi contratado inicialmente.

32
“De acordo com essa tradição, as cortes e as políticas públicas são mais hospitaleiras a (i.e, tolerantes com)
restrições sobre o comportamento entre partes contratantes voluntárias contanto que não estejam envolvidas na
conduta nenhuma fixação de preços ou monopolização.” PRESTON, Lee E., Territorial Restraints: GTE
Sylvania in KWOKA, (1997).

20
Em segundo lugar, ao invés de restrições verticais, o produtor tem sempre
a opção de integrar verticalmente, passando a controlar esse elo da cadeia dentro
da firma para evitar os problemas decorrentes de uma relação do tipo agente-
principal. Nesse sentido, a pergunta que devemos nos fazer é: por que o produtor
usa tais restrições ao invés de conduzir essa parte do processo produtivo por si
mesmo? A resposta óbvia é a de que o uso de restrições verticais, de alguma
maneira, deve ser menos custosa para o produtor do que a condução dessas
atividades dentro de sua própria firma.33

6.1.2 Entendimentos da Comissão Européia.

A legislação concorrencial européia apresenta extensos pontos de contato


com a legislação brasileira e as decisões daquela jurisdição enriquecem
sobremaneira a política antitruste brasileira, em vista de seu aprofundamento
técnico.
Na União Européia, as restrições verticais não são analisadas de forma
absoluta. Nesse sentido, o Livro Verde Sobre as Restrições Verticais é taxativo no
que se refere à relação entre concorrência inter-marcas e intra-marcas:

“Quanto maior for a concorrência entre as marcas, tanto maior é a possibilidade de os


efeitos positivos a favor da concorrência e da eficiência compensarem quaisquer efeitos
anticoncorrenciais decorrentes das restrições verticais. Os efeitos anticoncorrenciais
apenas se produzem quando a concorrência entre as marcas é tênue e quando existem
entraves de acesso quer a nível de produção, quer a nível da distribuição.
(...)
[...] a maior eficiência ou outras vantagens objetivas por ele [o acordo vertical]
promovidas devem compensar as desvantagens decorrentes da perda da concorrência.
Os consumidores devem igualmente beneficiar de uma parte eqüitativa das vantagens
daí decorrentes” (p. v, grifado).”

Quanto às modalidades de distribuição, a Comissão Européia as divide


analiticamente em: (a) distribuição exclusiva – definida como aquela em que o
produtor designa apenas um distribuidor para atuar em um território determinado; (b)
compra exclusiva; (c) franquia; e (d) distribuição seletiva – aquela na qual os
distribuidores são selecionados em função de critérios.
A distribuição seletiva ainda se subdivide em estritamente qualitativa e em
quantitativa. Assim sendo, no sistema qualitativo os representantes são
selecionados com base em critérios objetivos, tais como: formação do pessoal de
vendas, serviços fornecidos no ponto de venda e etc. Os sistemas de distribuição
seletiva qualitativa são aprovados pela Comissão Européia desde que atendam aos
requisitos seguintes: (i) natureza do produto; (ii) critérios uniformes; (iii) aplicação
não discriminatória; e (iv) limitação ao mínimo necessário. Já o sistema seletivo
quantitativo, por exigir vendas mínimas ou máximas, acaba por sua vez, sendo mais
restritivo à concorrência.

33
Com efeito:”[t]odo produtor, independentemente de ser um monopolista ou uma firma atuando em ambiente
competitivo, quer seu produto sendo distribuído ao menor custo possível. O produtor também quer que o
distribuidor precifique e venda seu produto de maneira que seja a melhor para o primeiro.” CARLTON, Dennis
W. & PERLOFF, Jeffrey M., Modern Industrial Organization, 2nd edition, Harper Collins College Publishers,
1994.

21
6.1.3 Das peculiaridades do caso concreto

No caso em questão, a Microsoft optou por conduzir a distribuição de


seus produtos e a prestação dos serviços de pós-venda através de firmas
independentes, sustentando que é este o padrão mundial de sua política de vendas,
como forma de racionalizar custos e obter maior capilaridade. No entanto, adotou
restrições verticais pois efetivou limitação territorial e estabeleceu critérios para o
cadastramento dessas firmas.
Conforme vimos em seção anterior, nestes mercados a concorrência
inter-marcas é muito fraca, com a Microsoft dominando mais de 90% do mercado,
com o agravante de que existem grandes barreiras à entrada e importantes efeitos
de rede. Sendo assim, a concorrência inter-marcas não é capaz de disciplinar nem o
preço dos softwares, nem o preço dos serviços de pós-venda e, conseqüentemente,
este é estabelecido em nível supra-competitivo. Neste contexto, torna-se
imprescindível a concorrência intra-marcas para disciplinar, ao menos, os preços de
revenda, a fim de não agravar os efeitos da ausência de concorrência inter-marcas.
No caso em tela, a análise da concorrência intra-marca também é
importante porque a Microsoft, que tem poder de mercado inter-marcas, interfere no
mercado intra-marcas quando adota critérios de credenciamento dos LARs, fazendo
com que a margem desses revendedores possa ser maior quando há menos
concorrentes no mercado de licenciamento e prestação de serviços.
Sendo assim, ao adotar os critérios de credenciamento de LARs e ainda
regionalizar sua atuação, a Microsoft foi capaz de alterar a estrutura do mercado de
licenciamento de softwares e prestação de serviços pós-venda.
A defesa da Microsoft, voluntariamente, utilizou-se das definições da
União Européia como alicerce. No entanto, como vimos, há fatores contidos nos
entendimentos da União Européia que não lhes são favoráveis. Além das
circunstâncias acima mencionadas, vale lembrar que, do ponto de vista qualitativo, a
Microsoft não se utilizou de critérios uniformes (variando de região para região) e, no
que se refere aos critérios quantitativos, os mesmos foram estabelecidos com
relação a períodos anteriores à época do estabelecimento dos critérios, permitindo
uma manipulação arbitrária dos requisitos por parte da Microsoft, podendo esta, se
desejar, excluir alguns candidatos a LAR em benefício de outros.
Igualmente, o caso sub-judice difere fundamentalmente do célebre caso
GTE-Sylvania dos Estados Unidos, uma vez que a concorrência inter-marcas na
hipótese estudada é praticamente inexistente, ao contrário do exemplo norte-
americano.

6.1.4 Dos efeitos nocivos do duplo monopólio

Carlton e Perloff (1994) chamam a atenção para o fato de que,


“obviamente, a criação de poder de mercado na distribuição gera também o
problema do duplo monopólio. Portanto, o produtor pode ter que impor também
outras restrições verticais”34. A situação de duplo monopólio em estágios sucessivos
da cadeia produtiva, no entanto, só se revela vantajosa para o produtor na medida
em que não haja um aumento considerável no preço de revenda.35 A manutenção
34
CARLTON, Dennis W. e PERLOFF, Jeffrey M. Modern Industrial Organization. 2nd edition. New York:
HarperCollins College Publishers, 1994.
35
Parecer SEAE, p. 36, fls. 38 do volume confidencial.

22
(ou sugestão) de preços de revenda (resale price maintenance – RPM) pode ser
uma solução para esse problema, na medida em que com essa prática o produtor
pode fixar um preço máximo de revenda e, assim, controlar o preço final de seu
produto36. A este respeito, cumpre transcrever as seguintes considerações de Willian
Shughart II:

“(...), a fixação de um preço máximo de revenda sempre aumenta o bem-estar social.


Essa conclusão decorre da observação de que, se os varejistas detêm poder de
mercado local – como eles detêm, por exemplo, quando o produtor adota a exclusividade
territorial –, o preço que maximiza seu lucro normalmente irá exceder o preço que
maximiza o lucro do produtor. A fixação de um preço máximo de revenda evita que o
varejista aumente preços de maneira oportunista e, conseqüentemente, restrinja as
vendas a um nível abaixo daquele consistente com a maximização de lucros do produtor.
E, na verdade, a fixação de um preço máximo de revenda geralmente resulta no mesmo
preço e quantidade de produto final que seria obtido caso o produtor integrasse
verticalmente para frente.”37

Ainda, no intuito de evitar tal situação indesejável, existe a possibilidade


de o produtor estipular três restrições em face do revendedor : 1) fixação contratual
de preços máximos de revenda; 2) fixação de cotas mínimas de vendas aos
revendedores e; 3) imposição de dois preços, um pelo produto e outro pelo direito de
vender o produto, como bem pontua a d. SEAE.38
Entretanto, verifico que a Microsoft não se utilizou de nenhuma das
restrições acima citadas aos seus revendedores.
Assevere-se, ainda, que estamos tratando aqui de um mercado
específico, com características de compra também específicas, o que nos leva a um
raciocínio um pouco diferente dada a peculiaridade na forma das aquisições
realizadas pelo governo, que somente se dão através de processo licitatório regido
por lei. A existência de um único fornecedor no âmbito do Distrito Federal leva,
inevitavelmente, a uma inexigibilidade de licitação neste território e em todo o
Governo Federal, pela impossibilidade de competição entre empresas concorrentes.
O duplo monopólio está, desta forma, configurado.39
Com relação aos inconvenientes gerados pelo problema do duplo
monopólio, trago à baila a lição de Varian:

“Se o monopolista upstream vender um fator para um monopolista downstream, o preço


final do produto será alto demais devido ao fenômeno do mark up duplo.”

“Entretanto, não é difícil perceber que o monopolista integrado sempre produzirá mais do
que a dupla de monopolistas upstream e downstream. No último caso, o monopolista

36
O preço de revenda pode ser fixado em um nível máximo ou em um nível mínimo. Neste caso só mencionei o
preço-teto porque esse tipo de prática está ligada à correção de uma distorção causada pela exclusividade
territorial. Não faria sentido adotar, neste caso, um preço mínimo.
37
SHUGHART II, William F. (1997). The Organization of Industry. Dame Publications, Inc., 2nd edition, pag.
534.
38
Parecer SEAE, p. 37, fls 39 dos autos confidenciais.
39
Não se aplicam, neste contexto, as vantagens da limitação territorial asseverada por Shughart (1997), segundo
quem “como o problema do duplo monopólio afeta também o lucro do produtor, a escolha pela adoção de uma
limitação territorial provavelmente produz alguns benefícios, tais como a redução dos custos de transação ou o
aumento da coordenação e controle dos distribuidores. Tais benefícios , muito provavelmente, mais do que
compensam as ineficiências alocativas que tias tipos de clausulas podem gerar, pois, caso contrario, existiriam
outras opções, como a integração vertical, por exemplo.”

23
upstream eleva seu preço acima do custo marginal e em resposta o monopolista
downstream eleva seu preço acima desse teto de custo. Há, pois, um mark up duplo. O
preço não é alto demais apenas do ponto de vista social; é alto demais do ponto de vista
da maximização dos lucros totais do monopólio!”40

Outro ponto levantado pelo autor é o de que a redução da concorrência


intra-marca pode ser compensada pelo acirramento da concorrência inter-marcas.
Em outras palavras, a diminuição da concorrência intra-marcas pode ser necessária
para que a concorrência entre os diversos produtores de um tipo de bem seja
intensificada, uma vez que os distribuidores passam a ser mais dedicados à
promoção do bem que distribuem quando existe uma cláusula de exclusividade
territorial. No entanto, como já vimos, esse não é o caso em tela, uma vez que a
concorrência inter-marcas é muito fraca, com a Microsoft detendo mais de 90% de
participação em muitos mercados.

6.2. Dos problemas advindos da restrição territorial.

Um dos maiores problemas concorrenciais surtidos pela forma de


restrição territorial implementada, como já exposto, é o de que ele ensejou, no
mercado relevante analisado, a prática do duplo monopólio, em virtude da
exclusividade conferida à TBA. Por seu turno, a política da Microsoft de estabelecer
uma estimativa de preço de revenda (Estimated Resale Price – ERP) não tem o
mesmo condão disciplinador de estipulação de preços máximos, já que tais preços
são sugestivos e não impositivos e as revendas podem ou não acompanhá-los.
Deste modo, em nenhum momento fixou-se o preço máximo de revenda, sendo este
definido por decisão única do revendedor.
Cabe, no entanto, enfrentar o argumento de que a Microsoft poderia,
discricionariamente, optar por vender diretamente o produto ao invés de terceirizá-lo.
Argumenta, desta forma, a representada que não há que se tecer qualquer crítica ao
fato de impor restrições à sua rede de revendedores, já que, caso desejasse vender
diretamente os seus produtos, haveria um monopólio na venda de qualquer modo.
No entanto, tal argumento deve ser analisado com ressalvas. Não há
dúvidas de que a decisão de estabelecer ou não rede de revenda ou prestar
diretamente o serviço é decisão efetivamente discricionária da empresa. Não
obstante, também é de se supor que a decisão esteja embasada no critério de
redução de custos, fator essencial para a maximização dos lucros. Ou seja, ao
tomar esta decisão, a empresa levou em consideração qual seria o modelo mais
interessante financeiramente. E ela mesma admitiu que ele é o mais vantajoso,
tanto que adotado no mundo inteiro, conferindo relevante papel aos revendedores
na prospecção de novos clientes, na negociação e posterior gerenciamento de
contrato.
Em segundo lugar, ao decidir pelo estabelecimento de uma rede
terceirizada de revenda, a empresa deveria assumir a responsabilidade de tomar as
medidas necessárias para a redução de um problema que pode ser muito mais
oneroso ao bem-estar dos usuários do que a venda direta: os efeitos danosos da
dupla monopolização.
Ocorre que, conforme exposto ao longo do voto, além de não serem
tomados alguns cuidados típicos de neutralização de tais efeitos (como a
40
VARIAN, Hal R. “Microeconomia – princípios básicos”. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 2000, pág. 499.

24
estipulação de preços máximos) a política de regionalização acentuou os efeitos
danosos, ao conduzir à exclusividade na venda governamental.
Ressalte-se, por fim, que o impacto das restrições territoriais não seria tão
grande para a concorrência no mercado de Brasília caso os critérios de
credenciamento dos LARs não tivessem restringido o número de distribuidores
nesse mercado a somente um. Em outras palavras, o maior impacto sobre a
concorrência não advém do simples fato de existir uma política de regionalização em
si, mas sim da forma como foram adotados e implementados os critérios de
credenciamento, que levaram o mercado de Brasília a estar restrito a apenas um
LAR.

6.2.1. Da inconsistência do critério territorial para as vendas ao Governo


Federal

No que concerne ao Governo Federal, a limitação territorial torna-se ainda


mais problemática, uma vez que existem órgãos seus espalhados por todo o
território nacional.
Assim, de acordo com a regionalização imposta pela Microsoft na
comercialização do contrato Select, os LARs estavam restritos a oferecerem o
produto e atuarem apenas dentro do território delimitado. Não poderiam, portanto,
atuar fora da área na qual estavam credenciados. Entretanto, foram utilizadas cartas
atestando a exclusividade da TBA emitida pela Microsoft em todo o território
nacional, com a justificativa de que a TBA estaria credenciada para atender todos os
órgãos do Governo Federal.
Este fato gera uma contradição que não pode passar despercebida: a
ausência da presença física do LAR para atender ao cliente governamental
localizado em cidade diversa de sua sede (Brasília). Sim, porque através das
defesas apresentadas pelas representadas, a preocupação da Microsoft em
estabelecer critérios de regionalização seria o melhor atendimento ao seu cliente nos
serviços pós-venda, além de outras facilidades consideradas imprescindíveis pela
representada. Ora, como o Governo Federal possui inúmeras unidades localizadas
em diversas cidades brasileiras, sendo necessário o acompanhamento do contrato e
o atendimento ao cliente após o licenciamento dos softwares adquiridos, a presença
física do LAR seria requisitada, muitas vezes, fora do Distrito Federal.
O questionamento acima nos leva, inexoravelmente, à conclusão de que
a forma com que a Microsoft conduziu a sua política de regionalização não guarda
em si coerência com a finalidade que ela alegava ter. A imposição de exclusividade
à TBA para contratar com o Governo Federal mesmo em relação a órgãos sediado
fora de Brasília simplesmente contraria a lógica da própria regionalização. Fica,
assim, caracterizado que o objetivo era, efetivamente, a concessão da exclusividade
à TBA para ensejar a inexigibilidade de licitação.
Outro problema reside na circunstância da regionalização ser estanque,
ou seja, ela permanece ainda que não seja contratado nenhum serviço de pós-
venda, o que não faz sentido algum, a não ser que as representadas estivessem se
beneficiando com esta prática.
Ainda, com a inexigibilidade de licitação, o Governo Federal viu-se privado
de verificar quais as melhores condições existentes no mercado para realizar a
opção que melhor atendesse ao interesse público. Ora, se é verdade que no Distrito
Federal somente a TBA encontrava-se credenciada como LAR à época dos fatos,

25
também é verdade que em outros Estados da Federação existiam LARs tão
habilitados quanto à TBA e capazes de oferecer o mesmo produto por ela ofertado.
A restrição imposta impediu, definitivamente, que a Administração Pública
exercitasse o seu direito-dever de estar atenta às melhores oportunidades oferecidas
no mercado, já que a Microsoft proibia empresas não cadastradas em Brasília de
efetivarem vendas a clientes sediados em tal cidade, dentre eles o Governo Federal.
Ademais, a Microsoft e a TBA, ao implementarem a exclusividade de
maneira a alcançar até mesmo órgãos do Poder Executivo Federal sediados em
Estados outros que não o Distrito Federal de modo a restringir o leque de opções de
da Administração Pública a um único ofertante do serviço, em prejuízo da
concorrência e do interesse público.
Uma vez que a concorrência no mercado de revenda de softwares é
intrinsecamente intra-marcas, já que a Microsoft exerce domínio absoluto do
mercado, a exclusividade acarretada enquadra-se na categoria de restrição vertical
danosa à concorrência e aos consumidores.
Tendo isso em mente, passo a analisar como as Representadas
utilizaram-se dos critérios estabelecidos para fechar o mercado do Governo Federal.

6.2.2. Da Fixação ex post dos Critérios de Credenciamento dos LARs

A representada Microsoft alega que os critérios por ela estabelecidos


possuem natureza unicamente objetiva, e por isso não estariam infringindo as
normas de defesa da concorrência. Como será analisado, a Microsoft utilizou-se de
critérios quantitativos e não qualitativos para designar os seus LARs, com o
agravante de tê-los adotado ex post. Há que se ter em mente que não estamos
tratando aqui de um mercado singelo. Como bem observado pela SDE:

“Inicialmente, é necessário levar em conta as características do mercado relevante


analisado. Não se trata aqui de uma empresa qualquer utilizando seus critérios de
credenciamento. Trata-se de uma empresa com poder de monopólio em um mercado
com altas barreiras à entrada. A este respeito, Shapiro e Varian (1999, p.303) afirmam
que “a primeira regra que se deve ter em mente é a de que monopolistas estão proibidos
de empregar determinadas estratégias, mesmo que as mesmíssimas estratégias sejam
largamente utilizadas e sejam perfeitamente legais quando empregadas por empresas
que se enfrentam maior concorrência.”41

É neste sentido que se faz importante a análise da forma como foram


estabelecidos os requisitos colocados pela Microsoft para o credenciamento dos
seus Large Account Resellers. Obviamente, se somente um Solution Provider for
credenciado para atuar perante clientes corporativos, ou seja, se somente um
parceiro qualificar-se como LAR, isso significa a criação de um monopólio que influi
diretamente na escolha do consumidor (que é anulada, por se restringir a um único
fornecedor) e nas condições da negociação.

41
‘the first rule to bear in mind is that monopolists are prohibited from employing certain strategies, even if the
very same strategies are widely used and perfectly legal when employed by firms facing more competition.’

26
Consta do autos que os critérios estabelecidos pela Microsoft somente
foram formalizados em julho de 1997, trazendo no seu bojo critérios financeiros,
comerciais e territoriais para a obtenção de licença para se atuar como LAR.42
Em 1998, porém, foi efetivada uma brusca mudança de critérios,
especificada na tabela abaixo:

Modalidade Regional LAR


Requisitos - Key Partner Microsoft com estrutura local de 5 Gerentes de
Comerciais Contas Corporativas exclusivos para Microsoft
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada empresa com
potencial de compras em produtos Microsoft superior a US$
2.000.000,00
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada 5 empresas com
potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
750.000,00
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada 20 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
100.000,00
- A cada 10 Contratos Select assinados, 1 Gerente de
Programas Corporativos
Requisitos Técnicos - Ser Solution Provider na UF há um ano, tendo localmente 5
profissionais MCP (Microsoft Certified Professional)
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada empresa com
potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
2.000.000,00
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada grupo de 5 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
750.000,00
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada grupo de 20 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
100.000,00
Requisitos - Presença no mercado local de informática há 3 anos com
Financeiros faturamento na plataforma Microsoft entre junho de 97 e junho
de 98 de: i) US$5M em SP; ii) US$4M no DF; US$4M no RJ; iii)
US$1.5M no PR,SC e RS; iv)US$1M nos estados no Nordeste
ou; v) US$.5M nos estados do Norte/Centro-Oeste
- 3 referências comerciais e bancárias
- Ausência de débito com distribuidores Microsoft por mais de
30 dias
- Análise de crédito realizada pela empresa Austin Asis
-Documentos de habilitação exigidos em concorrências públicas

42
Com efeito, nenhum dos LARs consultado trouxe aos autos, ou ao menos mencionou, como era feita a escolha
de LARs pela Microsoft anteriormente ao ano de 1997, ainda que questionados a respeito, apesar de muitos deles
obterem este status desde 1994.

27
Modalidade Direct LAR
Requisitos - Ter sido Regional LAR por 2 anos consecutivos
Comerciais
- Estrutura local de 10 Gerentes de Contas Corporativas
exclusivos para Microsoft
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada empresa com
potencial de compras em produtos Microsoft superior a US$
2.000.000,00
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada 2 empresas com
potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
750.000,00
- 1 Gerente de Contas Corporativas para cada 10 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
100.000,00
- A cada 10 Contratos Select assinados, 1 Gerente de
Programas Corporativos
Requisitos Técnicos - Ter sido Regional LAR por 2 anos consecutivos
- Ter localmente 10 profissionais MCP (Microsoft Certified
Professional)
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada empresa com
potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
2.000.000,00
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada grupo de 2 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
750.000,00
- 1 Gerente Técnico exclusivo para cada grupo de 10 empresas
com potencial de compra de produtos Microsoft superior a US$
100.000,00
Requisitos - Ter sido Regional LAR por 2 anos consecutivos
Financeiros
- 3 referências comerciais e bancárias
- Ausência de débito com distribuidores Microsoft por mais de
30 dias
- Análise de crédito da empresa Austin Asis
-Documentos de habilitação exigidos em concorrências públicas
- Apresentar termos de garantia bancária
Fonte: Parecer SDE

Em que pese a liberdade dos produtores em escolher os seus parceiros, e


a legitimidade de as empresas adotarem modelo comercial próprio, não é dado a
eles a prerrogativa de o fazerem de forma discriminatória. Ou seja, os critérios não
poderão ser estabelecidos de forma a privilegiar esta ou aquela empresa, em
detrimento de outras.
O que se observa no caso concreto é uma real intenção da Microsoft em
manipular o seu rol de LARs através da mudança de critérios de credenciamento.
Ao estabelecer critérios ex post, ela pôde escolher quais empresas continuariam

28
trabalhando junto a ela, e quais seriam excluídas do seu quadro. Sim, por que mais
grave do que o estabelecimento do critério quantitativo em si é fazê-lo em relação a
período passado, utilizando-se de tal artifício para pré-determinar quem poderia
atuar como LAR em determinada região. E o que é ainda pior: com um critério
estanque. Como bem pontua a SDE:

“O maior problema nessa reclassificação é que, divulgada em agosto de 1998, exigia


das revendedoras Microsoft resultados referentes ao período entre junho de 1997 a
junho de 1998. Ou seja, exigia que as empresas se enquadrassem antes em critérios
que só vieram a conhecer depois. Não há como considerar isenta ou de boa-fé uma
atitude desse tipo por parte da Microsoft. Mais ainda, ao estabelecer esse critério
quantitativo para o credenciamento das revendedoras, a Microsoft, virtualmente, lhes
fechou as portas à possibilidade de, um dia, voltarem a atuar como LARs no Distrito
Federal.”43
(...)
“A necessidade de cumprir metas que somente são estabelecidas a posteriori tornam os
revendedores Microsoft reféns dos interesses – pelo visto até aqui, discriminatórios – da
mesma. Destaque-se, ainda, que durante o período de apuração do faturamento, a TBA
operava com carta de exclusividade fornecida pela Microsoft para operacionalizar o
contrato Select. Em agosto de 1998 a representada Microsoft tinha noção de quanto
seus revendedores em Brasília faturaram nos meses anteriores, podendo escolher a
dedo um limite mínimo capaz de conceder o monopólio à empresa TBA, como parece ter
realmente feito”44

Tal circunstância torna-se ainda mais grave ao se observar que a


Microsoft conferiu inúmeras cartas de exclusividade à TBA antes de 1998, tornando
praticamente impossível a outras empresas encaixarem-se nestes requisitos. Tanto
isto é verdade que além da TBA apenas uma outra empresa foi credenciada do DF,
quase dois anos depois e não há prova nos autos que possuía os requisitos aptos
ao credenciamento.45

6.2.3. Da forma como os critérios foram efetivamente implementados

Uma vez comprovada o cunho anticoncorrencial existente na forma como


foram estabelecidos de critérios quantitativos ex post pela Microsoft, cabe ainda uma
analise de como eles foram implementados e fiscalizados pela Microsoft.
A questão que se coloca, em última analise, é a de se verificar se estes
critérios teriam sido usados simplesmente como justificativa para o fechamento do
mercado da administração pública federal, privilegiando uma empresa em detrimento
de outras, e ao mesmo tempo restringindo o acesso a empresas interessadas e
capacitadas para participar do referido mercado.
Neste contexto, cabe inicialmente destacar a existência nos autos de
documentos que comprovam que a Microsoft reservava-se o direito de não
credenciar empresas que atingissem os critérios estabelecidos.46 Conforme consta
do resumo das qualificações exigidas para o credenciamento Microsoft, esta “se

43
Parecer SDE, fls. 170, Apartado Confidencial, p.97
44
Fls. 171, Apartado Confidencial. p.98
45
Assevere-se, ainda, que tal credenciamento somente foi efetivado após a instauração do Processo
Administrativo.
46
o que contraria a legislação vigente na União Européia, a empresa que optar por definir critérios objetivos para
um sistema de distribuição deverá, obrigatoriamente, credenciar TODAS as empresas que se qualifiquem para
tal.

29
reserva o direito de acatar ou não a indicação de revendas para esta categoria, bem
como indicar revendas para esta categoria” e, ainda, “a aprovação para um novo
contrato Select (...) deve ser encaminhada previamente para análise pela Microsoft,
antes da oferta ser realizada ao cliente corporativo.” 47 Ou seja, tal cláusula torna
absolutamente arbitrário o ato de credenciamento de uma empresa, pois mesmo
aquela que preencher os requisitos poderá não ser credenciada, caso a Microsoft
não deseje.
Ademais, há suficientes provas nos autos que demonstram que a
Microsoft, em diversas localidades não efetivou uma observância estrita dos critérios
quantitativos por ela estabelecidos, o que possibilitou uma escolha subjetiva dos
seus LARs.
E isso fica claro a partir de dados que confirmam que muitas vezes
empresas que não alcançam o critério quantitativo para se credenciar, o foram
mesmo assim, a despeito do seu baixo desempenho em vendas Microsoft, ou até
mesmo estando ausente a capacidade de sua demonstração. E isso não é apenas
uma hipótese. Os dados contidos nos documentos enviados pela SEAE demonstram
que foi exatamente o que ocorreu, senão vejamos: 48

CONFIDENCIAL

Verifica-se, deste modo, que diversas empresas com faturamento em


produtos Microsoft inferior ao exigido foram ou continuaram cadastradas a despeito
de não se encaixarem nos critérios de credenciamento da Microsoft. É evidente que
esta circunstância retira completamente a validade do argumento da Microsoft de
que os critérios eram estabelecidos para medir a capacidade dos LARs em
desincumbirem-se adequadamente de suas atribuições.
Verifica-se, ainda, situações em que a Microsoft não teria elementos para
averiguar o cumprimento dos critérios, Por exemplo, a empresa CONFIDENCIAL,
estabelecida em Fortaleza, ao responder ao ofício a ela envidado, com o
questionamento específico sobre o faturamento anual derivado de contratos Select e
faturamento derivado de outras modalidades de comercialização de produtos
Microsoft, alegou que não podia responder ao questionamento, por não ter a
contabilidade separada quanto à venda de contratos Select, softwares Microsoft e
outros softwares.49 O que causa estranheza neste fato é que, sendo habilitada
como LAR desde 1996, obrigatoriamente deveria comprovar o seu faturamento com
produtos Microsoft perante esta empresa para garantir a renovação do seu
credenciamento. Pergunta-se: sem estes dados, como a Microsoft poderia apurar se
ela se encaixava nos critérios de credenciamento?
Pelo o que se percebe, a Microsoft não se atém aos critérios por ela
mesma criados a fim de credenciar os seus parceiros. Outra conclusão não há,
senão a de que a empresa os implementa de forma subjetiva, escolhendo com quem
vai trabalhar. A hipótese de que a Microsoft não detém meios de controlar ou
fiscalizar o cumprimento dos critérios não me parece verossímel, principalmente
quando estamos tratando de dados objetivos. E, ainda que pudéssemos levar esta
hipótese em consideração, ela somente reforçaria o fato de que a Microsoft,
efetivamente, utiliza os critérios como um escudo, ou uma desculpa, para escolher, a
47
fls 24 e seguintes.
48
Apartado Confidencial , volume 01.
49
Fls 139, Apartado Confidencial, volume 01.

30
despeito deles, os parceiros que lhe são mais interessantes, independentemente de
eficiência ou qualificação.50
O que mais espanta é que no Distrito Federal, justamente a sede do mais
importante “cliente” da Microsoft – a Administração Pública Federal – a empresa não
flexibilizou tais critérios.
Com efeito, a Microsoft enviou correspondência à empresa IOS
Informática, através da qual determinou a apresentação de um relatório que
demonstrasse a efetiva compra de produtos pelo cliente Infraero (único cliente
governamental da empresa IOS), como condição imprescindível à renovação do
contrato Select com aquela empresa, e condicionou o credenciamento da empresa
IOS como Lar à indicação daquele órgão Governamental. Porém, deixou claro que,
caso fosse indicada, “não estaria autorizada a atuar como LAR em quaisquer outras
situações comerciais ou contratuais”.51
Deste modo, a forma errática com a qual a Microsoft utilizou-se dos
critérios causou danos patentes à concorrência. Isto porque, em situações nas quais
lhe era conveniente, ela manteve ou credenciou empresas que não se enquadravam
nos critérios. Já em situações que lhe convinham, ela foi rígida, descredenciando
empresas que não se adequavam a tais critérios, como ocorreu justamente no
Distrito Federal.
Tanto é assim que, em que pese o mercado do Distrito Federal ser um
dos mais atraentes do Brasil, justamente por sediar o Governo Federal, a Hepta
Informática somente foi credenciada dois anos após o estabelecimento de tais
critérios e, coincidentemente ou não, tal credenciamento deu-se apenas depois da
instauração do presente Processo Administrativo52. Isso demonstra como, de fato,
houve um congelamento na possibilidade de entrada de concorrentes à TBA no
mercado analisado. O mercado do Rio de Janeiro, sabidamente de menor potencial
que o DF, possuía, à época, quatro LARs credenciados. Tamanha discrepância não
pode passar despercebida.

6.2.4. Da efetiva concessão de exclusividade pela Microsoft à TBA


A análise minuciosa dos autos comprova a intenção da Microsoft, até a
entrada da Hepta Informática, em conferir exclusividade de atuação territorial no
Distrito Federal à TBA.
Os fatos constantes dos autos demonstram inequivocamente que a
Microsoft tinha, sim, o intuito claro de trabalhar, no âmbito do Distrito Federal
somente com a empresa TBA. Com efeito, várias correspondências foram
envidadas a órgãos do Governo Federal ao redor do país, conforme demonstrado a
seguir.
Às fl. 738, em 07 de novembro de 1996, a Microsoft declara ao Instituto
Nacional de Seguridade Social – INSS que a TBA “está atualmente credenciada por
esta empresa para atuar com exclusividade como Large Account Reseller (LAR) na

50
Aliás, conforme bem pontuado pela SDE: “ao estabelecer altíssimos quantitativos mínimos de venda, a
representada Microsoft passa a controlar indiretamente o número de distribuidores, o que, em um mercado
monopolista e com fortes barreiras à entrada, gera substanciais prejuízos à concorrência e, por óbvio, aos
consumidores. A possibilidade de controle subjetivo do número de revendas é o principal instrumento para o
ajuste de vantagens entre o fabricante e seus distribuidores (no caso, Microsoft e TBA) que, como será visto em
seção específica deste parecer, efetivamente ocorreu entre as representadas.”50
51
Autos fls. 205/206
52
Frise-se, inclusive, que sequer consta dos autos prova de que ela efetivamente enquadrava-se em tais critérios.

31
operacionalização do tipo SELECT junto a entidade governamentais federais com
sede no Distrito Federal. Igual redação possui carta remetida à Junta Comercial do
Distrito Federal”53 .
Assim, fica claro que como a TBA já detinha cartas de exclusividade para
a venda dos Contratos Select da Microsoft junto ao Governo Federal desde 1994, a
Microsoft tinha pleno conhecimento de qual seria a única empresa capaz de
satisfazer os critérios de credenciamento por ela estabelecidos. Tornou-se
extremamente simples elaborar critérios que garantissem a permanência de tal
exclusividade.
Assim, a Microsoft, mesmo antes do estabelecimento dos critérios de
credenciamento regional já estabelecia exclusividade à TBA, limitando o acesso de
outras empresas à operacionalização do contrato Select com a administração
pública federal.54
Ademais, a renovação sucessiva dos contratos Select estabelecidos pela
TBA, sem a existência de uma padronização transparente, fortalecia ainda mais o
domínio da Microsoft e de sua parceira TBA, no mercado relevante ora analisado, já
que propiciava o fortalecimento de um ciclo vicioso de inexigibilidade de licitação,
impedindo que novos produtos e novos fornecedores, por vezes com técnicas
superiores, pudessem conquistar parcela deste mercado. Prova disto é a de que
somente em 2000, após a abertura do presente Processo Administrativo, e sem ficar
claro sequer o efetivo cumprimento dos requisitos objetivos, veio a ser credenciada
nova empresa.
Além disso, mesmo depois da mudança de redação da carta elaborada, a
intenção da Microsoft em estabelecer o monopólio da TBA no DF permaneceu a
mesma, conforme se depreende da carta datada de 27 de março de 1998, na qual
declara que a TBA é a única e exclusiva revendedora atualmente autorizada a atuar
na operacionalização de contratos do tipo “SELECT” junto a entidades
governamentais federais com sede no Distrito Federal. (...) A nomeação da TBA
como única revendedora autorizada a atuar na operacionalização de contratos do
tipo “SELECT” junto a entidade governamentais federais com sede no Distrito
Federal permanecerá válida até 27 de março de 1999, a menos que rescinda
anteriormente a critério da Microsoft, mediante notificação escrita com 30 dias de
antecedência.
E as cartas foram enviadas inclusive a Estados onde a TBA não era
sequer credenciada como LAR. Conforme se depreende de correspondência
endereçada a Dataprev, com sede na Cidade do Rio de Janeiro, a Microsoft
esclarece que a empresa TBA detém exclusividade na revenda de seus produtos no
âmbito do governo federal. Ou seja, expressamente, determina que a Dataprev
adquira seus produtos através TBA, direcionando o seu comportamento, ignorando o
fato de diversos outros LARs encontrarem-se credenciados naquela cidade.

53
Autos fls. 739.
54
A empresa IOS Informática detinha um único contrato com a Infraero, cujo faturamento, no entanto, estaria
muito abaixo daquele permitido pelos critérios de credenciamento lançados em 1998. Ela, a exemplo da
empresa Cobra (prestadora de serviços de informática ao Banco do Brasil) atuava como Specialist Lar,
modalidade excepcional em que o cliente aponta a empresa que irá prestar o serviço. Obviamente, a
administração direta federal não poderia se utilizar do Specialist Lar para a inexigibilidade, dada as restrições da
Lei de Licitações.

32
Às fls. 740, em 03 de abril de 1997, quando consultada sobre o acordo
Microsoft Select pela DATAPREV (com sede no Rio de Janeiro), a Microsoft assim
se manifesta:

“O acordo Microsoft Select é oferecido diretamente pela Microsoft através de seus


escritórios regionais, e todo o processo formal é assinado diretamente com a Microsoft
Corporation, fabricante dos produtos, que indica um representante (LAR – Large
Account Reseller) para operacionalizar o contrato, uma vez que não comercializamos
diretamente nossos produtos.

Declaramos que a empresa TBA Informática Ltda, com escritórios à Rua do Mercado, 11
– 16º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ, e sede em Brasília, DF, é a empresa
credenciada junto à Microsoft Corporation e indicada com exclusividade, para atuar
como LAR, representando a Microsoft Corporation, sob o Select Program com a
DATAPREV e afiliados (INSS, MPAS, e quaisquer outros órgãos ligados ao Sistema
Previdenciário que venham a ser incluídos no acordo em pauta)” (grifo nosso)

A manipulação da filosofia dos critérios da política de regionalização resta


patente pela transcrição da correspondência acima. Com efeito, logo após afirmar
que este LAR seria escolhido pela Microsoft, ela informa à DATAPREV que a TBA
Informática é indicada com exclusividade para atuar como LAR e atender TODOS
os órgãos ligados ao Sistema Previdenciário, inclusive em relação a órgãos situados
fora do Distrito Federal. E note-se que a correspondência foi endereçada ao
Departamento de Telecomunicações da DATAPREV situado no Rio de Janeiro.
Assim, restou clara a intenção de estender a exclusividade a todas as unidades da
DATAPREV, mesmo aquelas que não estivessem localizadas no Distrito Federal.
A concessão de exclusividade à TBA ensejou como conseqüência
automática a inexigibilidade de licitação. Ressalte-se que a Microsoft atestou a
exclusividade da TBA, inclusive registrando tal fato em cartório, a fim de afastar as
conseqüências da Lei 8.666/93. O intuito é claro: favorecimento e fechamento do
mercado em favor da TBA. Em poder da referida carta, a TBA logrou se ver livre do
processo licitatório, agilizando o acesso dos softwares Microsoft ao Governo
Federal, com ganhos claros para as duas empresas.
Por todo o exposto, fica claro que a concessão de exclusividade
realmente ocorreu antes e após o estabelecimento dos critérios de credenciamento,
sendo do interesse de ambas as representadas que assim o fosse, pois a proibição
da Microsoft de que outros revendedores sediados fora de Brasília vendessem os
seus produtos a clientes corporativos sediados no Distrito Federal inviabilizou
qualquer procedimento licitatório. Ressalte-se que o prejuízo à Administração não
se dá em relação ao contrato Select. Ele não apresenta nenhuma ilegalidade em si,
como já aduzido pelo Egrégio TCU. O problema, do ponto de vista concorrencial,
está em que a MICROSOFT ao conceder exclusividade à TBA, impedindo, assim,
até o ano de 2000 que qualquer outro LAR operacionalizasse o contrato junto à
Administração Pública Federal, inviabilizou a possibilidade de licitação, face o que
dispões o artigo 25 da Lei nº 8.666/93. Com efeito, diante do teor dos atestados de
exclusividade, não restou alternativa à Administração Pública senão contratar com
inexigibilidade de licitação. Assim, a questão posta não é qualquer restrição ao
contrato Select ou à legalidade da postura da Administração Pública, cuja
adequação às normas de licitação já foi atestada pelo TCU e, frise-se, sequer
poderia ser analisada pelas autoridades de defesa da concorrência, por fugir do

33
escopo de suas atribuições. A questão está em analisar as causas que ensejaram a
concessão de exclusividade à TBA, fato que levou à inexigibilidade de licitação.

6.2.5. Do beneficiamento da TBA e da sua participação na implementação e


concretização dos efeitos da conduta

Cumpre enfrentar a questão sobre se a TBA pode ou não ser apenada no


Processo Administrativo em questão. Fundamenta a representada que os critérios
de credenciamento são estabelecidos de modo unilateral pela Microsoft e, assim, a
responsabilidade pela concessão de exclusividade recai apenas em tal empresa,
não lhe podendo ser imputada qualquer participação.
No entanto, tal interpretação deve ser afastada, uma vez que foi possível
comprovar a ativa participação da TBA na implementação dos efeitos danosos à
concorrência advindos do estabelecimento da exclusividade.
Assevere-se que, além de concordar com a política da Microsoft que
levou à implementação da exclusividade, ela utilizou-se de uma ativa campanha de
vendas e que enfatizava a exclusividade a ela conferida; inclusive ressaltando que
tal exclusividade englobava não somente as atividades de licenciamento, como
também todos os serviços relativos à operacionalização do contrato Select. Esta
tentativa de agrupar esses dois mercados em um só é confirmada pela representada
TBA em sua defesa. Vejamos:

“Desta forma, pode ser entendido o contrato Select Master Agreement como um
pacto de natureza híbrida destinado a adequar programas disponíveis no mercado
às peculiaridades de um usuário e que demanda especialização de seus
fornecedores, tanto do ponto de vista qualitativo como do quantitativo” (fl. 2600,
grifos no original).

Tanto a SDE como a Procuradoria do CADE ressaltaram que houve, por


parte da TBA, uma manipulação dos termos de exclusividade.
Em recente decisão, o Tribunal de Contas da União entendeu que a
palavra operacionalização constante de cartas de exclusividade englobava os
serviços de customização e analisou termos de correspondência enviada à ECT e o
Serpro, pela qual concluiu que os serviços eram oferecidos de modo opcional,
arquivando a representação na qual se apurava a eventual manipulação do alcance
de exclusividade a ela conferida55.
Tal precedente é importante para fixar a ausência de ilícito em relação à
legislação de licitação (em especial a Lei nº8.666/93), a fim de atestar que, à luz das
normas de contratação da administração pública não houve irregularidade intrínseca
na inexigibilidade, dada a efetiva existência de exclusividade. No entanto,
obviamente, o pronunciamento do TCU possui os seus limites adstritos à análise das
normas de contratação pública, não tendo sido analisados os aspectos
concorrenciais, por expressa vedação constitucional (dado que a Constituição
Federal conforma as atribuições do TCU).
Assevere-se, inclusive, a existência de correspondências enviadas pela
TBA a clientes corporativos em que o caráter opcional da contratação dos serviços
em conjunto com o licenciamento dos produtos Microsoft não restava tão clara:

55
Processo nº TC – 013.923/2003-6

34
“O contrato SELECT é firmado com INSS e a Microsoft Corp, pelo período mínimo de
dois anos. Porém, devido a Lei 7646/87 ora citada, a Microsoft elege um LAR (Large
Account Reseller) que fornecerá os serviços e produtos objeto do contrato.”(grifos
nossos)56

Assim, há nos autos correspondências demonstrando que, em


determinadas situações a TBA chegou a propagar que o contrato Select teria uma
natureza necessariamente híbrida, o que, acoplado à exclusividade a ela conferida,
significou limitação à atuação de concorrentes.
Ademais, ainda que não tivesse havido em nenhuma situação a
manipulação acima destacada, não há qualquer dúvida que a TBA, de modo
enfático, comunicou a exclusividade a seus clientes.
Destaco, assim, as seguintes correspondências, onde fica claro que a
TBA destacava o caráter de exclusividade a ela conferido:

“Designada com exclusividade pela Microsoft do Brasil – fabricante dos produtos objeto
desta proposta – a atender clientes Corporativos Governamentais, garantindo todas as
condições comerciais, financeiras e técnicas oferecidas no contrato SELECT conforme
comprovações anexas, a TBA Informática disponibilizará ao INSS sua infra-estrutura
física e profissional, em sua atuação como Microsoft Large Account Reseller (LAR).
(grifos no original)
(...)
Tais empresas [LARs] incumbem-se do fornecimento de mídias adicionais, controle da
instalação e utilização de produtos, avaliação do nível de consumo, reciclagem de
conhecimentos e capacitação básica para utilização do software, bem como assistência
técnica básica e avançada, com transferência de tecnologia.
No Brasil, em virtude das exigências legais, foram escolhidas algumas empresas para
atuar com exclusividade em determinados segmentos de mercado, atendendo assim o
preceituado na Lei 8.666 – Lei de Licitações – no que diz respeito à dispensa de
licitação.
Em virtude do seu destacado desempenho, a TBA Informática atua hoje, com
exclusividade, nos órgãos do Governo Federal, sendo especializada no atendimento ao
segmento em todo país e tendo firmado contratos com diversas empresas e órgãos de
57
pequeno, médio e grande portes.”

Não resta a menor dúvida de que a TBA buscou tirar o máximo proveito
da exclusividade auferida de modo subjetivo destacado acima. Assim, de modo
ativo e enfático, propagou a clientes corporativos a circunstância de ter sido elegida
com exclusividade a única empresa apta a comercializar e operacionalizar o contrato
Select ao Governo Federal. Note-se, inclusive, que em diversas correspondências a
TBA utiliza a expressão “clientes corporativos Governamentais”, estendendo, assim,
a amplitude das conseqüências da exclusividade a ela conferida, transmudando a
exclusividade territorial em exclusividade a um determinado cliente, o Poder Público
Federal. Assim, não só alardeou a circunstância de ser a empresa apontada com
exclusividade para operacionalizar o contrato Select, como firmou contratos com tais
entes administrativos, ainda que se comprometendo a atender órgão eventualmente
localizados fora do Distrito Federal, sendo o mais eloqüente caso documentado nos
autos o do INSS do Rio de Janeiro.

56
Autos fls. 5138
57
Fls. 5133/5134, respectivamente – Prospecto enviado ao INSS, com a proposta Select, em 03 de setembro de
1997.

35
Assevere-se, assim, que sem o concurso da TBA, que desempenhou
ativo comportamento de enfatizar o caráter exclusivo de operacionalização do
contrato Select a clientes corporativos governamentais, a exclusividade a ela
concedida não teria o condão de produzir efeitos deletérios à concorrência. Assim,
não bastassem os demais elementos coligidos, a circunstância dela propagandear a
exclusividade a ela garantida, explicando-a à Administração Pública (inclusive
demonstrando que de tal exclusividade advinha como conseqüência lógica e
inoponível a inexigibilidade de licitação) atesta que sem o seu concurso os efeitos da
exclusividade não seriam operados. Ademais, resta incontroverso que ela
beneficiou-se intensamente da exclusividade concedida, pois pôde, por um largo
período, operacionalizar sozinha o contrato Select com a Administração Pública
Federal.

6.2.6. Dos benefícios gerados às empresas em função da exclusividade


concedida.

São nítidos os incentivos econômicos que levaram a Microsoft à indevida


concessão de exclusividade à TBA. Advém da circunstância de que a existência de
apenas um revendedor implicaria na inexigibilidade de licitação, garantindo assim
uma venda mais ágil e segura, sem a morosidade e incertezas que permeiam uma
licitação, além dos gastos extras impostos às empresas que participam de um
processo licitatório. Conforme disposto no parecer da d. Seae:

“14. Deve-se destacar que não configura ilícito antitruste a imposição de critérios para o
credenciamento de revendedoras. É perfeitamente possível o estabelecimento de
condições pela Microsoft a serem atendidos (sic) pelas interessadas em trabalhar com
ela. É uma tendência que decorre da preocupação de grandes empresas em garantir
aos seus clientes certos padrões de qualidade. No entanto, tal conduta pode passar a
adquirir caráter ilícito, na medida em que a estipulação dos critérios tendem a beneficiar
determinada empresa em detrimento de outras, restringindo o acesso de empresas
interessadas no credenciamento, ou ainda dificultando ou rompendo a continuidade e o
desenvolvimento de relações comerciais já estabelecidas.
15. Quanto à conduta da letra (c) deve-se considerar dois aspectos relevantes: 1) TBA –
único LAR credenciado no Distrito Federa para operar com Contratos SELECT; 2)
agilização do procedimento licitatório.
16. Sendo a TBA único LAR credenciado pela Microsoft no Distrito Federal, e existindo a
restrição territorial à qual estão sujeitos todos os LARs, conclui-se que serão inexigíveis
as licitações públicas para aquisições que ocorram no Distrito Federal, uma vez
escolhida a plataforma Microsoft pelo administrador público, em virtude da
impossibilidade de se estabelecer competição entre os fornecedores. Note-se ainda que
o processo de contratação direta pela Administração é muito mais célere que o
procedimento licitatório.
17. Sabe-se que cartas conferindo exclusividade à TBA no atendimento ao setor público
foram emitidas pela Microsoft. Embora a TBA não seja contratualmente revendedora
exclusiva da Microsoft, está claro que de fato a TBA detinha essa característica, na
medida em que era o único LAR habilitado pela Microsoft na região do Distrito Federal.
18. Fica patente, então, que os benefícios advindos de tal situação alcançam tanto a
Microsoft quanto à TBA. Detentora de exclusividade, a TBA teria garantida a venda de
certo volume, além de deter um poder maior de discricionariedade na fixação do preço
cobrado à administração . A Microsoft ganharia em maior agilidade, uma vez que a
licitação seria inviável.”

36
No que tange à TBA, são nítidos os benefícios gerados com a
exclusividade. Ela permite ganhos não somente porque era a única a atuar no
mercado do Distrito Federal, o segundo mais importante do país, como por
conseguir a inexigibilidade na licitação. Ademais, a manipulação da extensão da
exclusividade permitiu-lhe alcançar inexigibilidade também para o atendimento de
órgãos do Governo Federal estabelecidos fora do Distrito Federal. A exclusividade
foi efetivamente ampliada para os serviços agregados, aumentando
substancialmente os seus ganhos em detrimento de concorrentes efetivos e
potenciais.

6.3. ANÁLISE DAS EFICIÊNCIAS ALEGADAS

No curso do processo administrativo em análise as Representadas


apresentaram uma série de eficiências oriundas da prática apurada, que
supostamente trariam benefícios aptos á justificá-la, as quais passo agora a analisar.
Assevere-se que, a rigor, tais eficiências somente deveriam ser
analisadas caso a política de regionalização houvesse sido implementada de forma
objetiva. Como visto nas seções precedentes, os critérios foram estabelecidos ex
post e tiveram uma fiscalização não uniforme pela Microsoft, tendo sido
implementados de forma a conferir exclusividade à Microsoft. Assim, as ressalvas a
serem efetivadas às eficiências alegadas devem ser muito mais severas.

6.3.1 Estímulo ao investimento em conhecimento do mercado

A Microsoft afirmou que a restrição territorial constituir-se-ia em estímulo


para uma revendedora investir na exploração do mercado delimitado, pois o maior
conhecimento específico da empresa na área estipulada proporcionaria uma
concentração de esforços na região de sua atuação.
Tal eficiência somente poderia ser analisada caso na área delimitada os
consumidores possuíssem um padrão de consumo associado à sua localidade.
Entretanto, por tratar-se o cliente no caso vertente do Governo, entidade que se
encontra presente em todo território nacional e cujas características peculiares não
se restringem ao limite geográfico estabelecido, tal eficiência não se justifica.
Ademais consoante atestou a SEAE, “é verdade que o setor público tem suas
singularidades, principalmente no tocante à forma de compras e ao processo
licitatório. Sem embargo, essas minudências características do governo, no máximo,
justificariam o estabelecimento de um Specialist LAR e não um regional LAR.
Outrossim, é importante salientar que muitas vezes as compras do setor público são
efetuadas em localidades diversas da região beneficiada”.
Finalmente, não se trata de alegação que sirva a justificar a concessão de
exclusividade na forma operada pela Microsoft.

6.3.2 Proteção contra o "Problema do Carona" em publicidade e promoções e


qualidade do serviço

Afirma a Microsoft que a publicidade e promoções realizadas pelos


revendedores LARs ou DLARs se apresentam como relevante fator para o êxito das
vendas de seus produtos e manutenção da reputação de sua marca. Assim,
sustenta esta Representada que um dos motivos para a realização da prática
apurada seria a necessidade de evitar a ocorrência de comportamentos oportunistas

37
(o "problema do carona"). Tal fenômeno dar-se-ia no caso de uma empresa
revendedora aproveitar-se dos esforços em publicidade de outra, o que
representaria um considerável desestímulo ao investimento em divulgação dos
produtos. Assim, a limitação territorial à atuação dos LARs seria apta a evitar os
citados comportamentos oportunistas.
Como o comportamento do carona reduz o incentivo para os
distribuidores promoverem o produto, já que podem sempre se apropriar do esforço
dos outros ou até mesmo da reputação pregressa do produtor, este último pode
utilizar uma cláusula de exclusividade para minimizar tal comportamento. Isso
acontece porque ao adotar tal cláusula o produtor acaba por conceder ao distribuidor
um certo poder de mercado local e assim ele tem certeza de que o máximo esforço
de venda está sendo empreendido, seja no que concerne à propaganda do produto,
ao investimento em técnicos de qualidade ou em stand de vendas, ou qualquer outro
tipo de investimento por parte do distribuidor que leve a um aumento na demanda
pelo produto.
Cabe, assim, indagar se existe possibilidade dos LARs adotarem um
comportamento oportunista, o que levaria a um resultado sub-ótimo do ponto de
vista das necessidades da Microsoft. Entretanto, analisando-se os autos, parece não
ser este o caso em questão. Claro está que, para o revendedor, representar a
Microsoft é um grande negócio. Conforme dito anteriormente, a marca Microsoft
vende-se por si só, pois já está consolidada no mercado no qual se insere. Não seria
interessante, todavia, que o revendedor simplesmente ignorasse a força de
marketing presente na marca e simplesmente esperasse o consumidor aparecer,
pois, como ele, existem outros vários representantes ofertando o mesmo produto. A
sua melhor opção seria empreender esforços para a venda, utilizando-se, para tanto,
dos produtos por ele comercializados. Uma vez que esta marca pode se tornar o
carro chefe da empresa, investir esforços na sua venda, e torná-la instrumento de
captação de clientes seria a atitude mais lógica dentro da dinâmica de mercado de
softwares, marcada por um forte efeito de aprisionamento. Ou seja, o cliente se vê
atraído por uma marca que já lhe passa confiança, e por conseqüência, se prende a
ele e às suas atualizações. Para o revendedor, o lucro é certo, quanto mais esforços
de vendas ele fizer maior será o seu retorno.
Ademais, conforme os pareceres das SEAE e SDE, parte expressiva dos
esforços de vendas materializam-se sob a forma de publicidade e promoções,
atividades naturalmente essenciais na estratégia de marketing de qualquer empresa
moderna, não estando a Microsoft alheia a esta tendência. A estratégia de marketing
utilizada pela Microsoft contempla a divulgação de seus produtos por meio de dois
tipos principais de atividades:
1) campanhas - destinadas à divulgação dos produtos no mercado de
varejo. Tais campanhas são promovidas, geralmente, pela própria
Microsoft, às vezes, com a participação de terceiros.
2) eventos - destinados, principalmente, ao mercado corporativo
através da divulgação das plataformas Microsoft. Neste caso, a Microsoft
desenvolveu um sistema de parceria pela aquisição de cotas de
patrocínio pelas revendas.58
Sendo assim, percebe-se que a Microsoft investe na publicidade de seus
produtos, através de sua própria publicidade institucional, empenhando vultuosos

58
Parecer SEAE, p.43, fls. 45 dos autos confidenciais.

38
esforços na divulgação da sua marca, diminuindo e quase anulando a necessidade
de investimentos na publicidade do produto por parte de seus revendedores.
Esta realidade pode ser verificada no caso concreto, uma vez que a TBA
realiza um investimento expressivo na divulgação da própria marca, e não na marca
Microsoft, a despeito de ser a única revendedora para grandes contas cadastrada no
Distrito Federal.59 Caí por terra, assim, os argumentos utilizados pela Microsoft no
que diz respeito à manutenção da unicidade de um LAR no mercado de Brasília,
tendo em vista a necessidade de investimento na marca Microsoft, já que a empresa
que foi seu LAR exclusivo inverte pouco na marca Microsoft, concentrando a
publicidade em sua própria marca.
Afirma a Microsoft, que a pratica apurada possuiria também o condão de
evitar que os incentivos para aperfeiçoamento dos serviços prestados por algumas
de suas revendedoras junto a clientes corporativos fossem reduzidos.
Relativamente a este tópico, a SEAE demonstrou que o monopólio não
seria necessário para que se atinjam os objetivos propostos, considerando que:
Em primeiro lugar, deve ser lembrado que a TBA não atua como LAR exclusivo em
outros mercados menores, como é o caso de Minas Gerais e Paraná. Assim, não parece
que seja razoável a necessidade de uma única empresa em Brasília.

Ademais cabe mencionar que em vários outros mercados, menores inclusive, onde há
um número maior de LARs, os investimentos com gastos em treinamento (e mesmo
publicidade), como proporção do faturamento, dos demais LARs são superiores aos
realizados pela própria TBA, conforme pode ser visto na tabela abaixo.

Tais fatos desautorizam a afirmação de que é necessário existir um número tão reduzido
de LARs no mercado de Brasília.

Assim, não se pode considerar o argumento em tela como apto a


justificar a prática ora apurada.

6.4 Da análise da alegação de preços excessivos

Primeiramente, faz-se necessária uma definição do que seria preço


excessivo. Feito isso, torna-se imperioso, detectado tal imposição de preços, o
reconhecimento de que esses preços têm, potencialmente, o desiderato de
prejudicar o processo concorrencial.
A caracterização de preços excessivos é de difícil definição econômica,
valendo, para tanto, a transcrição do parágrafo único do art. 21 da Lei nº 8.884/94
que esclarece o seguinte:

“na caracterização da imposição de preços excessivos


ou do aumento injustificado de preços, além de outras
circunstâncias econômicas e mercadológicas
relevantes, considerar-se -á:
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação
não justificada pelo comportamento do custo dos
respectivos insumos, ou pela introdução de melhoria de
qualidade.

59
Parecer SEAE, p.43, fls. 45 dos autos confidenciais.

39
II - o preço do produto anteriormente produzido,
quando se tratar de sucedâneo resultante de alterações
não substanciais.
III - o preço de produtos e serviços similares, ou
sua evolução, em mercados competitivos comparáveis.
IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer
forma, que resulte em majoração de bem ou serviço ou
dos respectivos custos.”

Insta esclarecer que tanto a IOS quanto as Representadas, sobretudo


a TBA, apresentaram unilateralmente pareceres de auditores independentes com
conteúdo discrepante. Esses elementos conflitantes, incidem, inclusive, sobre dados
de superfaturamento e de prática de preços abusivos com órgãos governamentais.
Com a devida vênia que merece o parecer da SEAE/MF, este me leva
a alvitrar que a Douta Secretaria está vislumbrando abusividade de preços, porém
sem comprovação de dados concretos. Ademais, comparou como ser fossem
iguais, contratos extremamente distintos.
Durante o processo de instrução do presente exame, os elementos
apresentados aos autos aludem a acusações que, devido ao discorrido, assinalam
insegurança, inconclusão e oscilação em suas essências.
Ademais, seria indispensável a inclusão dos tópicos do parágrafo único
do art. 21 da Lei nº 8.884/94 na análise sobre a efetiva prática de preços excessivos.
Assim, a existência de pareceres dissonantes e de comparações entre
situações distintas torna inconclusiva a ocorrência de preços excessivos.
Acrescente-se, ademais, pelos motivos já expostos, que,
independentemente da conclusão quanto à efetiva prática dos preços excessivos,
restou amplamente tipificada a infração contra a ordem econômica, uma vez que as
condutas analisadas limitaram, falsearam e prejudicaram a concorrência, importando
em exercício abusivo de posição dominante e um domínio de mercado pela TBA de
contratação através do contrato Select com o Governo Federal.
Devido ao exposto, arquivo, por insuficiência de provas, a infração do
art. 20, III c/c art. 21 XXIV da Lei nº 8.884/94.

7. TIPIFICAÇÃO

Pela argumentação expendida ao longo do presente voto e pela análise


dos fatos apresentados, vislumbra-se de maneira irrefutável o ilícito à ordem
econômica praticado por ambas Representadas por intermédio das condutas aqui
observadas. Com efeito, a adoção dos critérios de credenciamento dos LARs e/ou a
criação de limitações territoriais à sua atuação enquadram-se perfeitamente nos
ilícitos capitulados na Lei 8.884/94, conforme se passa a demonstrar.

7.1 Enquadramento no art. 20,I da Lei 8.884/94 pela Microsoft e pela TBA

Nas análises de condutas, faz-se necessário o desenvolvimento de uma


necessária ponte semântica entre o tipo exemplificativo exposto nos incisos do art.
21 e os postulados do art. 20 da Lei Nacional de Concorrência.
Com efeito, o requisito legal para tal correspondência resta apresentado
no próprio “caput” do art. 21, mencionando “ipses literis”: “art. 21. As seguintes

40
condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20
e seus incisos, caracterizam infração à ordem econômica (...)” (gn). À partir da leitura
do dispositivo, percebemos que cristalino é o fato da justa adequação da infração
descrita pelo art. 21 ao enunciado pelo art. 20.
Neste sentido, para a necessária tipificação da infração fundamental é o
desrespeito aos incisos do artigo 20 que definitivamente estabelece a existência ou
não de infração às regras concorrenciais no Brasil.
As condutas praticadas pelas Representadas Microsoft Informática Ltda e
TBA Informática Ltda, efetivaram patente lesão às relações concorrenciais no
mercado em questão, caracterizando-se o ilícito previsto no art 20, inciso I. As
restrições à concorrência intra-marcas, baseadas em critérios estabelecidos ex post,
que eram observados de modo não harmônico e subjetivo, em conjunto com a
quase completa inexistência de concorrência inter-marcas aos produtos ofertados
pela Microsoft, assim como a injustificada exclusividade conferida à TBA no mercado
relevante analisado, representaram elevados prejuízos à concorrência no mercado
de vendas corporativas de software, notadamente na Administração Pública Federal,
enquadrando-se na disposição contida no artigo 20, I, da Lei nº 8.884/94, pelas
razões expostas ao longo do voto.
Com efeito, observa-se claramente que as relações concorrenciais,
notadamente se analisadas em cotejo com as peculiaridades do mercado em
questão, foram lesadas pela forma como foram estabelecidos os critérios de
credenciamento quantitativos e qualitativos, claramente utilizados pela Microsoft de
forma a discriminar potenciais revendedores, limitando e falseando a concorrência.
Vale ainda lembrar que se deu, no caso vertente, a fixação ex post dos critérios para
renovação do credenciamento dos revendedores, permitindo a operação no
mercado do Distrito Federal, e por conseqüência, do Governo Federal, apenas por
uma única empresa. O fato de a Microsoft haver credenciado (ou mantido)
empresas em outras regiões distintas do Distrito Federal que não se adequavam aos
critérios estabelecidos demonstra que eles somente serviam para impedir o
credenciamento ou justificar o descredenciamento quando isto fosse conveniente
para a Microsoft. Vale também recordar que sem o concurso da TBA não seria
possível a implementação dos efeitos da conduta. Ademais, como demonstrado, ela
agiu de modo extremamente pró-ativo, enviando manifestações aos clientes nas
quais enfatizava a exclusividade e a ampliava a todos os órgãos do Governo
Federal, mesmo fora do Distrito Federal. Além disso, a exclusividade englobou não
só o licenciamento como a operacionalização, sendo extensível aos serviços.
Assim, restaram caracterizados os efeitos de limitar a concorrência, dominar o
mercado e exercer abusivamente posição dominante60, o que se enquadra nos tipos
dos incisos I e IV do art. 20 da Lei nº 8.884/94.
Quanto à imputação da TBA da prática de limitar ou dificultar o acesso, o
funcionamento e o desenvolvimento de empresa concorrente no mercado de
distribuição e revenda de produtos de informática, tal ilícito se deu sob dois
aspectos: não só aproveitou-se da exclusividade a ela conferida pela Microsoft,
como efetivamente a implementou, dado que em cartas endereçadas a clientes

60
Conforme salientou a SDE em seu Parecer às fls. 87, “durante o período abrangido pela
investigação, a TBA ativamente tentou limitar e, por vezes, realmente limitou o acesso e o
funcionamento de empresas de informática nos segmentos de venda de softwares prontos e de
soluções de informática, bem como de manutenção, assistência técnica e treinamento”.

41
Governamentais apresentou-se como revendedora exclusiva do Governo Federal.
Assim o fazendo, limitou a concorrência no mercado de revenda de produtos
Microsoft. Ademais, estendeu o seu domínio não só na revenda de produtos
Microsoft como na prestação de serviços, restringindo a possibilidade de atuação
das empresas que poderiam concorrer no segmento de manutenção,
desenvolvimento de softwares, treinamento e assistência técnica ao Governo
Federal. Assim, tais condutas configuram limitação e prejuízo à concorrência (art.
20, I) e refletiram abuso de posição dominante (art. 20, IV), na medida que foram
tomadas a partir da exclusividade e com o intuito de mantê-la, reforçá-la e estendê-
la.
Com efeito, a conduta concernente à limitação do acesso de novas
empresas ao mercado, que comercializam os produtos concorrentes aos produzidos
pela Microsoft, resta configurada pela concessão de exclusividade para a TBA,
induzindo à renovação do Contrato Select sem realização de licitação, o que tanto
beneficia esta última, como à própria Microsoft. Quanto ao aspecto da restrição às
empresas que atuam no segmento de manutenção, desenvolvimento de softwares,
treinamento e assistência técnica, esta conduta estaria configurada em razão da
divulgação da exclusividade pela TBA. Restou ainda caracterizada a ocorrência da
conduta exemplificada no art. 21, VIII, da Lei nº 8.884/94.
Quanto a este ilícito devemos observar duas atitudes na participação em
licitação pública. O primeiro aspecto trata da combinação prévia de preços que
frustra o caráter competitivo de licitação para dividir mercado e/ou aumentar os
lucros mediantes propostas de preços superfaturados. O segundo aspecto refere-se
à conduta de ajustar vantagens que pode ter incidência em situações que não
dependem da atuação de participantes da licitação.
Quanto ao primeiro aspecto pressupõe-se o acordo entre concorrentes
para fraudar a licitação, simulando uma disputa que não existe. Já o segundo
aspecto não pressupõe o ajuste entre concorrentes, mas qualquer tipo de atitude
que gere vantagens indevidas ao particular que contrata com a Administração.
No caso em tela fica patente o enquadramento no segundo aspecto acima
explicitado. Isso porque é evidente que a implementação dos critérios de
credenciamento levaram a que fosse garantido, por um largo período, pelo
fabricante do produto a um de seus distribuidores, exclusividade na negociação do
contrato Select, gerando a inequívoca vantagem de auferir inexigibilidade de
licitação. Nesta hipótese não há competição, de modo que as vantagens indevidas
inegavelmente surgem, configurando a conduta exemplificada no inciso VIII, do
artigo 21 da Lei Antitruste.
Como demonstrado ao longo do voto, prova inequívoca deste ajuste de
vantagens consta das cartas de exclusividade, que materializaram a indicação da
TBA como representante exclusivo no Distrito Federal, situação que impediu a
competição entre licitantes, o que foi determinante para que a Administração Pública
Federal procedesse à contratação direta.61 E, ao fazê-lo, produziram o efeito de
limitar a concorrência (art. 20, I) em claro abuso de posição dominante (art. 20, IV).

61 A SDE, às fls 45, observa que a formalização desse ajuste de vantagens deu-se, inclusive, por
meio da concessão de carta de exclusividade à empresa TBA e, posteriormente, por meio do
credenciamento da empresa TBA como Direct Lar (classificação que, por muito tempo, foi exclusiva
da TBA no Brasil). A partir deste ajuste de vantagens, as representadas passaram a ter
benefícios,constantes na ausênica delicitação e no domínio exclusivo do mercado de vendas ao
Governo Federal e do Distrito Federal pela TBA.

42
8. SANÇÕES APLICADAS
Comprovada a ocorrência de infração contra a ordem econômica, uma
vez que as condutas dos representados se enquadram no tipo descrito no art. 20, I e
IV, combinado com o art. 21, IV e VIII da Lei nº 8.884/94, cumpre estabelecer as
sanções, o que passo a proceder.

8.1 Sanções impostas à Microsoft

Com fundamento no art. 23, I, da Lei n 8.884/94 c/c o art. 11 da lei


9.021/95, imponho à empresa Microsoft multa equivalente 10% (dez por cento) do
faturamento, excluídos os impostos, auferidos com o licenciamento de produtos
Microsoft ao Poder Público Federal Brasileiro, referente ao ano anterior à
instauração do presente processo administrativo. Para a fixação de tal multa levei
em consideração as agravantes do art. 23, a seguir expostas:
I - a gravidade da infração: a restrição imposta aos concorrentes e
usuários através da exclusividade conferida caracterizam a conduta como de
extrema gravidade.
II - a boa-fé do infrator: não há como se imputar boa-fé à conduta da
Microsoft, como bem ficou demonstrado ao longo do voto. Assim, afasto tal
circunstância atenuante.
III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator: a Microsoft, através
de sua prática, logrou ver-se livre do processo licitatório, já que a exclusividade
conferida à TBA determinou a inexigibilidade de licitações;
IV - a consumação ou não da infração: por todas as evidências trazidas a
infração não somente foi consumada como apresentou nítidos efeitos, já que foi
operada em inúmeros e valiosos contratos a inexigibilidade de licitações;
V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia
nacional, aos consumidores, ou a terceiros: o grau de lesão foi máximo, valendo
destacar mais uma vez a gravidade da infração.
VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: são
claramente deletérios, devendo ser salientado o fechamento do mercado de vendas
e licenciamento de softwares ao Poder Público Federal pela concessão de
exclusividade para esta atividade concedida à TBA Informática Ltda por considerável
período.
VII - a situação econômica do infrator: leva-se também em conta a
situação econômica do infrator no cálculo da percentagem a ser aplicada.
VIII - a reincidência: a reincidência é o único fator agravante não presente.
Inclusive, se houvesse reincidência, a sanção deveria ser aplicada em dobro, a teor
do que estipula o art. 23, parágrafo único da Lei nº 8.884/94.
Cabe uma explicação suplementar para o critério adotado em relação ao
mercado relevante. Em razão do art. 2º da Lei nº 8.884/94 que limita a jurisdição
das autoridades brasileiras à extensão do território nacional, obviamente que a
sanção não poderia alcançar o faturamento da Microsoft com vendas efetivadas fora
do Brasil. Assim, houve a preocupação em estabelecer a incidência da sanção
sobre o faturamento efetivado com vendas no Brasil, sendo que a fixação tendo por
base o licenciamento de produtos ao Governo Federal no território brasileiro foi a

43
maneira mais coerente com esta premissa, inclusive em virtude de jurisprudência
existente neste Conselho, em especial os votos do ex-Conselheiro Ronaldo Porto
Macedo Jr. nos Processos Administrativos nº 08000.02279/97-0562 e
08012.0000172/98-42.63
Adicionalmente, nos termos do art. 24, inciso III da Lei n.º 8.884/94,
determino que Microsoft Informática Ltda. seja inscrita no Cadastro Nacional de
Defesa do Consumidor.
8.2 Sanções impostas à TBA

Com fundamento no art. 23, I, da Lei n 8.884/94 c/c o art. 11 da lei


9.021/95, imponho à empresa TBA Informática multa equivalente a 7% (sete por
cento) de seu faturamento obtido através da comercialização de produtos Microsoft
ao Governo Federal e correlata prestação de serviços, excluídos os impostos,
referente ao ano anterior à instauração do presente processo administrativo. Para a
fixação de tal multa levei em consideração as agravantes do art. 23, a seguir
expostas:
I - a gravidade da infração: a restrição imposta aos concorrentes e
usuários através da prática apurada, que efetivaram por um longo período a
exclusividade da TBA no mercado de comercialização do contrato Select à
administração pública federal e correlata prestação de serviços, caracterizam a
conduta como de extrema gravidade.
II - a boa-fé do infrator: não há como se imputar boa-fé à conduta da TBA,
como bem ficou demonstrado ao longo do voto. Assim, afasto tal circunstância
atenuante.
III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator: a TBA, através de
sua prática, logrou se ver livre do processo licitatório, pois a exclusividade em
relação a órgão localizados fora do Distrito Federal e também em relação aos
serviços, ensejou inexigibilidade de licitação, e obtendo todas as vantagens
decorrentes da posição de exclusividade por ela exercida.
IV - a consumação ou não da infração: por todas as evidências trazidas a
infração não somente foi consumada como apresentou nítidos efeitos, pois lhe
permitiu durante longo período exercer o domínio de mercado.;
V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia
nacional, aos consumidores, ou a terceiros: o grau de lesão foi máximo, valendo
destacar mais uma vez a gravidade da infração.
VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado: são
claramente deletérios, devendo ser salientado o fechamento do mercado de vendas
e licenciamento de softwares no território do Distrito Federal, pela concessão de
exclusividade concedida pela Microsoft Informática Ltda; ademais, tal exclusividade
foi estendida à prestação de serviços de informática;
VII - a situação econômica do infrator: leva-se também em conta a
situação econômica do infrator no cálculo da percentagem a ser aplicada.
VIII - a reincidência: a reincidência é o único fator agravante não presente.
Inclusive, se houvesse reincidência, a sanção deveria ser aplicada em dobro, a teor
do que estipula o art. 23, parágrafo único da Lei nº 8.884/94.

62
Representante: Messer Grieshem do Brasil Ltda. Representada: S.A. White Martins
63
Representante: Power-Tech Teleinformática Ltda. Representada: Matel Technologia de Informática S/A –
MATEC.

44
A incidência sobre o faturamento em relação somente ao licenciamento
de softwares da Microsoft à administração pública federal e correlata prestação de
serviços deu-se em razão da necessidade de ser simétrico com as duas empresas,
fundamento imposto pelo principio da isonomia. A prestação de serviços foi incluída
porque ela também os prestava, ao contrário da Microsoft. Por outro lado, a
percentagem inferior imputada à TBA encontra fundamento na circunstância de que
a sua participação foi menos determinante para a configuração da infração, muito
embora tenha sido imprescindível, de acordo com as razões expostas ao longo do
voto. Assim, a aplicação analógica do art. 29, §1º, do Código Penal permite alcançar
a cifra de 7% (sete por cento).
Adicionalmente, nos termos do art. 24, inciso III da Lei n.º 8.884/94,
determino que a TBA Informática Ltda. seja inscrita no Cadastro Nacional de Defesa
do Consumidor.

8.3 Demais determinações

Determino a publicação, em meia página do primeiro caderno e às


expensas das Representadas, no primeiro caderno do jornal diário de maior
circulação nacional, por um período de dois dias seguidos, durante duas semanas
consecutivas, no prazo de 15 dias a partir da data de publicação do acórdão, de
extrato descritivo da decisão condenatória, de cujo teor não constará qualquer
alusão ou opinião a respeito da decisão deste Conselho. O referido extrato deverá
ser previamente submetido à apreciação do Conselheiro Relator, ou, na sua
ausência, à Comissão de Acompanhamento das Decisões do CADE – CAD/CADE,
em até sete dias após a publicação do acórdão.
O descumprimento da obrigação de fazer estipulada no voto sujeitará as
representadas ao pagamento de multa diária entre R$6.000,00 (seis mil reais) e R$
30.000,00 (trinta mil reais), incidente a partir do primeiro dia de atraso, até a data em
que o órgão competente para a aplicação da sanção se tornar ciente do atendimento
efetivo das condições exigidas, nos termos do art. 26 da Lei nº 8.884/94. A sua
execução será procedida segundo as estipulações da Resolução n.º 09/CADE.
É como voto.
Brasília, 25 de agosto de 2004.

ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER


Conselheiro do CADE

45

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