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Fronteira de contato

Heyd Marcelly I. P. Pimentel de Albuquerque

Introdução:

O presente trabalho tem como objetivo o aprofundamento do conceito “fronteira de


contato” na Gestalt-Terapia, através de pesquisas bibliográficas.

Fronteira-de-contato:

“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas.
Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as
suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu
sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o
que fazer.” Fritz Perls.

A Gestalt-Terapia é uma perspectiva teórica que concebe o homem enquanto um ser


total, relacional, contextual, capaz de se autorregular e em constante transformação.
Para interagir com o meio, o indivíduo precisa se contatar. Cardella (2017) considera o
contato como a aproximação ou o retraimento do indivíduo na fronteira de contato para
satisfazer sua necessidade. Durante toda a sua existência o ser humano estabelece
contatos de diferentes formas, e este processo de contatar é responsável por
promover mudanças no indivíduo e no campo.
Segundo Ribeiro (2017), o contato pode ocorrer entre um indivíduo e ele mesmo, e
entre um indivíduo e o outro, sendo esse outro humano ou objeto. O autor destaca que
o modo como cada um estabelece contato é muito particular e representa sua
individualidade.

Segundo Scherpp (conforme citado por Mendes; Baratieri, 2011) o contato ocorre em
três níveis de ação sendo estes emocionais, cognitivos e comportamentais. O contato
acontece no limite em que o homem e o meio externo se tocam, porém, este limite de
contato pode ser psíquico ou físico. De acordo com Mendes e Baratieri (2011) é na
fronteira de contato que a interatuação entre o organismo e o meio ambiente ocorre, é
onde há a troca simultânea e recíproca em que homem e mundo se transformam.
Na fronteira de contato, ocorre a interação entre organismo e ambiente. É nela que
ocorre a troca simultânea entre o mundo e o indivíduo, um processo contínuo de
reciprocidade buscando suprir necessidades, aproximando-se ou retraindo-se,
dependendo da necessidade que se faça presente (Perls; Hefferline; Goodman, 1997).

Para Yontef (1998) uma fronteira eficaz exige permeabilidade suficiente para permitir
que o indivíduo faça trocas satisfatórias com o ambiente e ter autonomia para não
absorver o que não lhe serve. Fronteiras eficazes são suficientemente flexíveis para
abrir-se e fechar-se de acordo com as necessidades do sujeito. “A fronteira é o lugar
privilegiado do encontro das diferenças. Quanto mais próxima à fronteira, mais se
concentram aí energias de proteção, mudança e transformação.” (Ribeiro, 1997, p.
34).

É através do contato que atingimos o crescimento ou que nos movimentamos em sua


direção; é a partir do contato que nos transformamos e transformamos as experiências
que vivenciamos. Segundo Polster e Polster (2001), a mudança é a consequência
inevitável do contato, já que assimilar o que é assimilável nas experiências de troca
com o mundo ou rejeitar aquilo que é inassimilável levará à mudança, inevitavelmente.
Em qualquer experiência que tenhamos, nos modificamos e realizamos novas
configurações de nós mesmos, uma vez que o contato é incompatível com
permanecer o mesmo. Não é necessário querer mudar a partir do contato; ele
simplesmente acontece.

É importante, compreender que embora o contato sugira uma relação com o diferente,
também temos a capacidade de contatarmos com nós mesmos. Inclusive, é em função
de um contato genuíno com nós mesmos é que conseguimos obter um contato mais
autêntico

Polster e Polster (2001) sinalizam que o indivíduo estabelece contato através das
funções sensoriais e motoras, denominadas funções de contato. Correspondem a
essas funções que o contato pode ser bloqueado, interrompido ou evitado. De acordo
com Polster e Polster (2001), as fronteiras de contato referem-se às fronteiras do eu
de cada um, ou seja, é a fronteira daquilo que é permissível para cada indivíduo, até
onde o contato é permitido.

Ainda segundo ele, a fronteira do eu de cada um irá selecionar e determinar o contato,


e é a partir disso que o indivíduo realizará suas escolhas e desenvolverá seu estilo de
vida.
Também podemos dizer que fronteira de contato é o limite de cada um, até onde
alguém se sente capaz ou não de algo. Há também o conceito de fronteira do “eu” que
envolve a percepção do que está dentro ou fora do corpo.

A fronteira nos protege e nos possibilita a delimitação de nosso espaço: geográfico,


corporal, moral, expressivo etc. Quanto mais diversificadas as nossas experiências
mais nossas fronteiras permitirão novas experiências. Ou seja, somos capazes de
permitir determinadas ampliações de limites de acordo com as experiências que temos
em nossa relação com o mundo.

A experiência da fronteira do eu podem ser descritas a partir de distintas perspectivas:


fronteiras corporais; fronteiras de valores; fronteiras de familiaridade; fronteiras
expressivas e fronteiras de exposição.

 Fronteiras do corpo: Muitas pessoas não integram determinadas partes do


corpo em suas fronteiras do eu. Estas pessoas permanecem fora de contato
com partes importantes de si mesmas.
 Fronteiras de valor: Muitas vezes estamos tão apegados a determinados
valores que impedimos novas experiências de contato. Mantermo-nos com
determinados valores, evitando a confrontação, pois acreditamos que este
confronto possa neutralizar quem somos. No entanto, estas fronteiras muito
rígidas, embora possam nos proteger de uma ‘desintegração’ nos impedem de
viver experiência que estejam em consonância com nossas necessidades.
Buscar a ampliação – mas não a confrontação – destas fronteiras ajuda que a
pessoa se ‘lance’ em novas e transformadoras experiências.
 Fronteiras de familiaridade: Tendemos a contatar somente aquilo que nos é
familiar; o medo do desconhecido e do imprevisível estabelece nossa fronteira
de familiaridade. É claro que existem limites impostos pelas oportunidades que
podem impedir a ampliação de nossas fronteiras familiares, mas havendo
oportunidade e não a explorar pode significar uma rigidez na fronteira de
familiaridade por medo do desconhecido. (...) a fronteira que estabelecemos
com linha de demarcação entre nós e o desconhecido, que nos recusamos a
contatar, mesmo que haja oportunidade, é um limite que colocamos em nós
mesmos. (Polster e Polster, 2001: 131).
 Fronteiras expressivas: Desde cedo aprendemos a conter nossas expressões
mais naturais e observamos isso com as consignas: Não toque, não incomode,
não chore, não urine e assim são delimitadas nossas fronteiras de expressão.
Embora, as cenas infantis não existam mais, as fronteiras permanecem e
somente os detalhes mudam.
 Fronteiras de exposição: Expor-se é um ato que requer coragem para se
expandir. Dependendo dos inputs que recebemos do meio desde que
nascemos estas fronteiras podem ser mais expandidas ou retraídas.

“Contato é todo tipo de relação viva que se dê na fronteira, na interação entre o


organismo e o ambiente, é um processo contínuo de reciprocidade em que homem e
mundo se transformam. O contato acontece no diferente, é o reconhecimento do
outro, o lidar com o outro, o que eu sou, o diferente, o novo, o estranho. O contato
acontece na fronteira eu-outro, conhecido-desconhecido, velho-novo, todo contato é
dinâmico e criativo.”

Perls, Hefferline e Goodman, (no livro “Gestalt-terapia”, 1967)

Os eventos psicológicos como ações, emoções, pensamentos ocorrem no limite da


fronteira de contato. Estes eventos psicológicos são sentidos tanto em contato quanto
como isolamento, sendo um ponto pulsante de energia, em que o indivíduo
experiencia o “eu” em relação ao “não-eu”.

É na fronteira-de-contato que podem ocorrer mudanças e transformação, e onde se


dão as obstruções, impedimentos e as confusões eu-outro, que dificultam o processo
de crescimento do indivíduo.

Quando nos referimos ao contato com o outro, ele é autêntico quando ocorre na
fronteira, ou seja, quando existe interesse e disponibilidade emocional de ambos, sem
que haja manipulações ou invasões. Não é necessário que haja esforço, não é
necessário que uma pessoa precise ajustar-se à outra para ser amada ou aceita.
Contato autêntico é aquele que inclui as duas partes, e todas as partes dessas duas
partes.
O conceito de contato é fundamental no arcabouço vocabular da Gestalt-terapia.
Contatar é sinônimo de vida, de existência plena. Assim, "contato é saúde, saúde é
contato. Qualquer interrupção do contato implica uma perda da saúde" (RIBEIRO,
2006, p.36).

Partindo do pensamento de Ribeiro (1997), uma relação só subsiste a partir do


momento em que enxergo o outro, que estou plenamente inserido nesta vivência,
pronto a viver o encontro. Um encontro só se torna um contato quando as coisas
começam a existir. Esse existir não vai acontecer enquanto não percebo e estou pleno
na relação com o outro.

Ribeiro (1997), ainda reforça que, por meio do contato, podemos pensar a nossa
existência e a do outro, nos ver de modo separado no mundo e como existimos e
funcionamos na relação com o outro.

Para o autor, pensar em contato é pensar em crescimento, e para que isso aconteça,
deve-se deixar levar pelo fluxo do encontro com o outro e permitir que isso seja um
gerador de mudanças. Em contraponto, o não fluir, o desajuste na relação é uma
interrupção de contato.

O contato será nutritivo quando o indivíduo diante do ‘novo' consegue realizar uma
boa assimilação com o meio (D'Acri, 2007).

A adaptação ou ajustamento ao meio acontece na fronteira de contato e visa sua


autorregulação diante de situações diversas. O organismo para se ajustar de forma
saudável, vai em busca de uma autorregulação transformadora e necessita descobrir
estratégias adaptativas adequadas para o bom funcionamento. Para que isso ocorra, o
indivíduo precisa de um contato consciente na fronteira.

A interrupção de contato vai estabelecer-se na fronteira de contato, que é o lugar onde


o encontro organismo/meio acontece. De acordo com o contato estabelecido na
fronteira é que vamos perceber como o organismo foi modificado, "se unindo ou se
separando" (SILVEIRA, 2007, p. 116).

Gostaria de citar um filme como exemplo de alguns aspectos citados neste trabalho é
“O Coringa”.
Este filme retrata a vida de um Assassino (que é doente psiquiátrico) e o caminho
percorrido ao longo de sua vida.

Na Gestalt-Terapia, o indivíduo é movido por suas necessidades. Sendo assim, o


protagonista do Filme não tem algumas de suas necessidades atendidas, como por
exemplo o acolhimento, atenção e aceitação pelo outro.
Esta indiferença sentida pelo indivíduo influenciou diretamente em sua autopercepção,
sua forma de estabelecer contatos e sua forma de interagir com o meio, gerando
confusões do eu e do outro (interrupção de contato - não há fluidez e não nutri).

Se partirmos do princípio de que o ser humano se conhece e se desenvolve a partir de


suas relações, O protagonista do filme não consegue se conectar com o meio,
impactando diretamente seu estilo de vida e sua forma de conduzir diversas situações.
O mesmo tem uma percepção distorcida do todo, não tendo hetero suporte e diante do
seu auto suporte fragilizado, gerou uma série de desajustamentos e conflitos internos
e externos.

Referências bibliográficas:

CARDELLA, Beatriz H.P. A construção do psicoterapeuta – uma abordagem


gestáltica. 3. Ed. São Paulo: Summus, 2017.

FRAZÃO, M. L. (2007). SAÚDE E DOENÇA. In D'ACRI, G. LIMA, P. (TICHA).


ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: "Gestaltês". São Paulo: Summus.

MENDES; F.M. P; BARATIERI, I. L. R. (2011). Fronteiras do contato. Gestalt. Anais.


Curitiba: Centro Reichiano.

PERLS, F. S.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo:


Summus, 2ª Ed, 1997.

POLSTER, E.; POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001.


RIBEIRO, J.P. (2006). Vade-mécum de Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus.
RIBEIRO, Jorge P. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. 7.
Ed. São Paulo: Summus, 2017.
RIBEIRO, J. P. (1997). O Ciclo do Contato: temas básicos na abordagem
gestáltica. São Paulo: Summus.
SILVEIRA, T. M. (2007). CONTATO. In G. D'ACRI, P. LIMA, P (TICHA), ORGLER, S.
(Eds.) Dicionário de Gestalt-terapia: "Gestaltês". São Paulo: Summus.

YONTEF, G. M. Processo, diálogo e awareness: ensaios em Gestalt-terapia. São


Paulo: Summus, 1998.

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