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CENTRO UNIVERSITÁRIO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

FAAP

BLOCO TEÓRICO: A IMENSIDÃO DO MAR DE COR


Angela Murena, Gustavo Felipe Rodrigues Dias, Lucas Lucinari, Vinicius Boni Lacerda, Marco
Aleixo, Manoella Alves, Pedro Teijido, Rafaela Beccari.
CN1

São Paulo
2024
SUMÁRIO

SUMÁRIO ..................................................................................................................................... 1
JUSTIFICATIVA ........................................................................................................................... 2
UMA TEORIA DE CINEASTAS.................................................................................................. 3
JUSTIFICATIVA:
O Contemporâneo em seu significado absoluto é a produção do presente / do atual, que
visa suprimir intrinsecamente as representações puramente alegóricas em busca da sensação e do
conceito de atrações, do questionamento do real e da insignificância das bases sociais dos quais
estamos subvertidos diariamente. Ser contemporâneo, é estar ligado com a essência do
decolonialismo, do questionamento do que é, do que não é, e se é, por que é? Desse modo, tal
movimento cinematográfico - vale ressaltar, não ser exclusivo da criação perante a sétima arte -
visa um contraste entre racionalidade e sensibilidade, que conforme o filósofo “Giorgio
Agamben” em seu texto “O que é o contemporâneo? e outros ensaios” (2009) significa
suspender a temporalidade em busca de compreender de algum modo o que está fora e dentro de
si, como ter uma relação de aproximação de uma ideia, mas, ao mesmo tempo, um afastamento.
Nesse sentido, sendo necessário um olhar fora da materialidade, em busca da
compreensão artística, realizando um estranhamento sobre aquilo que vivemos e compreendemos
no dia a dia, estando presente mediante um pensamento crítico que aponta as fraquezas de uma
determinada época submetendo-se a saturá-las. Tendo isso em mente, a figura do ser
contemporâneo é vista com a ótica da intempestividade, inconformado com o que há de doentio
ao seu redor, ou da incompreensão que sofre, buscando através de suas obras fazer seu público
sentir e se sensibilizar, mesmo que seja mediante farsas e conceitos abstratos. Aspecto esse,
muitas vezes presente na idealização da construção documental, como, por exemplo, nas
produções de “Eduardo Coutinho”, essencialmente, a obra “Jogo de cena” (2007), em que
utiliza magistralmente monólogos de mulheres relacionadas com a maternidade, em um contexto
sabidamente contratado - isso é, logo no começo do filme mostra-se um recorte de jornal, em que
estão buscando pessoas para oferecerem relatos perante as câmeras - havendo a interpolação
entre pessoas reais oferecendo seu depoimento, muitas vezes sufocantes, e atrizes, gerando
questionamentos no telespectador / quebrando sua expectativa sobre “O que efetivamente faz
parte da realidade?”, “O que está sendo interpretado?”, e “Se está sendo interpretado, significa
que aquele sentimento não é verdadeiro?”
Nesse contexto, ao refletir sobre produção documental de 5° semestre “A Imensidão do
Mar de Cor” é possível compreender muitos aspectos presentes no cinema contemporâneo
brasileiro, como, por exemplo, sua base questionadora e política. Isso é, ao longo do
curta-metragem, há a existência de duas personagens pretas, oferecendo relatos pessoais,
enquanto observam imagens de sua infância, sobre: “como foi o processo de se entender como
uma pessoa preta em um ambiente majoritariamente embranquecido, tendo em vista o fato de
terem sido adotadas por famílias brancas de classe média alta quando criança.”
Desse modo, surgindo o questionamento do apagamento de suas raízes e ancestralidades
importantes para a formação de seu ser, a exemplo da protagonista “Raki Lopes” que se lembra
ao observar uma foto de infância, sobre a primeira vez que teve contato com as tranças - aspecto
fundamental para sua identidade e para a comunidade negra, símbolo de resistência - com uma
funcionária doméstica que trabalhou em sua casa. Essa que também foi a responsável pelo
período de alisamento de seu cabelo crespo, um pontapé para apagamento de sua ancestralidade
negra, dando início a questionamentos sobre o que é considerado “belo”.
Com isso, ao olhar para o ato de alisar o cabelo crespo, como modo de atingir o “belo”,
pode-se considerar como símbolo do colonialismo do ser, presente até hoje nas concepções da
sociedade, no qual há apenas a existência de um único padrão de beleza suprassumo da
existência: a pessoa branca, com traços brancos, cabelo liso e olho claro, herança do contato
europeu e da permanência de uma relação de poder / hierárquica em nossa visão social. Sendo
esse questionamento sobre si, um aspecto “decolonial”, compreendendo as próprias raízes,
abraçando-as, fazendo delas seu motivo de existência.
Desse modo, tal ideal também é oferecido sobre concepções religiosas, característica do
colonialismo do saber. Isso é, traduzido na valorização exorbitante de religiões cristãs europeias,
novamente um reflexo do poder do homem branco sobre as terras brasileiras perante a invasão
no ano de 1500 e sobre toda a população que aqui nasceu, fruto de um estupro falseado sobre a
ideia de miscigenação. Algo também explorado no âmbito documental, uma vez que a
protagonista “Raki Lopes” em seu processo de autoconhecimento, adentra na Umbanda,
explorando seu axé e sua relação com a ancestralidade presente nas principais matrizes africanas,
do qual oferece um olhar íntimo e sensorial em sua arte.
Nesse sentido, para âmbitos de reflexão, é de grande importância trazer o filme “Pontes
Sobre Abismos” (2017) de Aline Motta, uma vez que além de ser uma das referências para a
produção documental, a obra também apresenta significativa relevância identitária, se
aproximando, mesmo que distintamente, do recorte de busca do “entendimento do ser” como
quebra dos paradigmas pré-estabelecidos. Isso é, iniciando experimentalmente, a jornada da
autora a procura da compreensão de si, mediante a escavação do aspecto miscigenador do seu
passado, refletindo questões de apagamento, não pertencimento e abandono, uma vez que sua
família é originada pela miscigenação de um homem branco, filho do dono de fazendas e uma
mulher preta, escrava, que ao engravidar, foi abandonada e renegada pelo pai de seus filhos,
dando origem a uma família vítima da exclusão.
Reflexão essa, também trazida para a obra “A Imensidão do Mar de Cor”, tendo em
vista a procura das protagonistas em se entenderem perante um mundo racista, no qual o
apagamento de si, é fruto de um aspecto colonial ainda latente, visando completar o plano de
embranquecimento da população, planejado desde os primórdios de formação de um Estado
Nacional.
Voltando para a contemporaneidade, o curta-metragem documental, visa não somente
uma reflexão social envolvendo questões raciais, mas também oferecer ao telespectador uma
sensação/ comoção, utilizando-se principalmente o aspecto lírico e artístico presente no íntimo
de ambas as personagens. Assim, seja mediante da poesia, escrita por “Murena” - modo de
tentar descrever em palavras a sensação de se sentir perdida, envolta por uma comunidade, mas
não se identificar perante a ela, explorando a solidão da busca pela ancestralidade - ou seja
através das obras visuais e vídeos performances de “Raki Lopes” - forma de expressão,
atribuindo a si o desejo pela própria identidade, utilizando-se de vídeos para retratar aspectos de
pertencimento e a sensação de ser a primeira geração negra de sua família. Com isso, permitindo,
mesmo minimamente, que o telespectador viva e sinta parte do dilema, compreendendo o vazio
da não identificação, se comovendo para o entendimento, de uma existência que extrapola seu
íntimo e de realidade, independendo de sua raça e relação com ancestralidade.
Ademais, aspecto sensorial também presente nos momentos de interação com o projetor,
no qual é refletido na pele das duas personagens, vídeos de sua infância, gerando um sentimento
nostálgico. Assim, não sendo esses arquivos somente objetos de puro questionamento, mas
também, documentos de memória sobre experiências e aprendizados, visando criar no
telespectador, um apelo pessoal para sua própria infância, modo como lidou com o crescimento e
o processo de autoconhecimento seja ele parte da comunidade negra ou não.
Nesse âmbito, ao retratar sobre os materiais de arquivo, vale citar a obra “Cinema
Contemporâneo” (2019) de Felipe André Silva, que de forma muito única, utiliza somente uma
fotografia para retratar uma experiência traumática de sua vida, enquanto gradualmente revela
cada vez mais sobre seu agressor, sem ao menos mostrar seu rosto. Assim, construindo uma
narrativa que abrange um aspecto nostálgico, ao mesmo tempo que denuncia um abuso que
sofreu durante a infância. Sendo esse, uma das principais referências para a utilização de
imagens de arquivo, que dialoga diretamente com a ideia de contemporaneidade, usando
principalmente o sensorial.
Ainda na questão fotográfica, é de suma importância trazer o filme “Rebu” (2021) de
Mayara Santana, uma vez que assim como a proposta do curta “A Imensidão do Mar de Cor”,
a produção visa retratar aspectos do real mediante fotografias de arquivos e relatos. Entretanto,
diferentemente da proposta documental estudantil, a obra se aprofunda na investigação da
diretora, dentro de sua própria vivência lésbica, sobre suas performances de masculinidade, ao
mesmo tempo que traz personagens significativos para sua jornada, como seu pai. Com isso,
retratando a temática de irresponsabilidade afetiva, deboche, falsas verdades, impulsividade e
romance, criando um retrato geracional, cultural e de gênero com o embate entre seu progenitor.
Desse modo, apesar de utilizar estratégias similares para a abordagem documental, o
curta-metragem “A Imensidão do Mar de Cor”, procura em sua essência a criação de algo
único, que se difere completamente de outras produções com a temática racial e que abordam a
nostalgia. Isso não só pelo tema “Colorismo”, algo pouco falado e medido na sociedade, tendo
em vista a utilização de extremos (Ou a pessoa é branca, ou a pessoa é negra, sem meios
termos.), mas também pela própria experiência de Murena e Raki Lopes, que se diferem muito da
experiência racial de outras pessoas com a pele mais retinta. Nesse sentido, isso se deve
principalmente por serem adotas por famílias brancas, logo, o âmbito social em que vivem, se
difere muito da ideia de “preto periférico” comumente tratado nas abordagens artísticas.
Ademais, a produção visa buscar o íntimo das protagonistas, mediante uma sensação de
“autoconhecimento” e retorno para suas raízes, outro aspecto que pouco se fala mediante aos
demais preconceitos sofridos por essa comunidade marginalizada. Assim, utilizando da arte
performática como modo de extrair o sentimento ofuscado por ambas, durante tempos, devido o
modo que tiveram que lidar com a sensação de não pertencimento caladas, tendo em vista que ao
seu redor, não havia pessoas que viveram as mesmas experiências.
Portanto, o curta-metragem documental “A Imensidão do Mar de Cor” nasce de uma
necessidade externalizar a solidão que ambas as protagonistas sentiram durante sua infância,
devido sua diferença ao observar outras crianças do seu meio social. Bem como, é uma
verdadeira busca pela identidade, ao reconhecer que o autoconhecimento é um processo ainda
em andamento, valorizando a “matamorfobilidade” de suas experiências e retratos. Com isso,
para além de tudo, é uma necessidade de mostrar para o mundo que vivências como as das
personagens são reais, e que elas precisam ser ouvidas, assim como diversas outras pessoas que
passam pelo mesmo processo de “questionamento racial” e não possuem um ponto de escape
para se basear, ou não conheçam outros com quem podem comentar sobre. Sendo exatamente
esse sentimento de não pertencimento, desencaixe e sufoco, experiências vividas pela diretora,
observando assim a necessidade de criar algo para mostrar que outras pessoas que são iguais a
ela, não estão sozinhas, bem como aqueles que são diferentes, possam compreender esse
processo, com um olhar externo da materialidade, simultaneamente, se sensibilizando e
descolonizando o saber, atingindo o processo contemporâneo do cinema brasileiro.
UMA TEORIA DE CINEASTAS:
Antes da existência do Cinema e da Fotografia, era trabalho da pintura esboçar um
conceito de real/ natural. Isso é, diferente do que representa a ideia de arte hoje em dia, tal forma
de expressão se mantinha majoritariamente na busca pela perfeição da representação do mundo e
da natureza. Assim, diversos movimentos artísticos surgem vangloriando o uso de simetria,
estudo do corpo humano, profundidade e outros, visando uma representação o mais realista
possível, como, por exemplo, o Renascimento com pinturas/ esculturas.
Entretanto, com o surgimento da câmera fotográfica e suas habilidades de congelar o
espaço-tempo em apenas alguns segundos, as representações artísticas (pintura) se libertaram, de
modo a proporcionar um questionamento de sua existência, bem como um aprofundamento nos
sentimentos do autor, não buscando uma representação fidedigna. Aspecto esse absorvido pela
fotografia e futuramente pelo Cinema, que se apresentou como um “embalsamador” do tempo,
tendo em vista o aspecto preservacionista proporcionado pela câmera.
Nesse sentido, se antes as representações eram realizadas demonstrando um “Instante
Pregnante” (Algum momento congelado que representa toda uma ação/ história, a exemplo do
quadro de Dom Pedro nas margens do rio Ipiranga gritando “Independência ou Morte”) agora,
com o surgimento do Cinema, pela primeira vez era possível o registro de uma ação por
completo bem como o seu arredor. Assim, surgindo com os irmãos Loumiére um novo conceito
que futuramente seria visto como supremacia artística, e como todos os bens de reflexão, ponto
de partida para teóricos desenvolverem seu ser pensante, utilizando-se do meio para a explorar os
diferentes modos de representação do ser.
Nesse contexto, diversos cineastas surgem com ideias que se tornam teorias para a
criação, cada um utilizando-se de um método para explorar a mensagem que se deseja passar
para o telespectador, a exemplo do George Méliès que utiliza da mágica no qual estava tão
acostumado para atribuir ao conceito cinematográfico o contexto ilusionista. Assim,
desenvolvendo outro âmbito para esse meio artístico que antes tinha características
especificamente documentais. Possibilitando assim a existência de diversas produções e do
empenho “Hollywoodiano” em suas filmagens performáticas e envolta de efeitos especiais, todas
elas com um certo “quê” e essência da obra “Viagem à Lua” (1902).
Entretanto, voltando para o âmbito documental, formato utilizado para o curta-metragem
universitário de 5° semestre, é possível realizar uma reflexão sobre os métodos a serem
utilizados pela equipe da obra “A imensidão do Mar de Cor” a fim de atingir seu principal
objetivo. Isso é: A Conscientização/ Exploração do tema “Colorismo”, essencialmente voltando
para o processo de autoconhecimento de duas personagens negras de classe média/alta, adotadas
por famílias brancas e criadas em um contexto majoritariamente embranquecido, em busca de
suas identidades/ ancestralidades, demonstrando ao telespectador que pode (ou não) estar
passando pelo mesmo processo, que ele não está só, ao mesmo tempo que levanta uma pauta
com menos protagonismo sobre outras questões sociais.
Sendo assim, a abordagem documental, diferente do que se espera ao retratar tal contexto,
visa um ponto de vista lírico ao mesmo tempo que nostálgico, explorando a memória das
protagonistas “Raki Lopes” - uma artista visual de 22 anos em processo de graduação na FAAP,
adotada por uma família branca quando criança e presente em um contexto majoritariamente
embranquecido até se entender como negra com seus 15 anos, com a ajuda de dois professores
pretos - e “Angela Murena” - uma cineasta de 20 anos, também graduanda pela FAAP e adotada
por uma família branca, ainda sobre processo de autoconhecimento.
Assim, o âmbito lírico é refletido mediante dois métodos distintos, o primeiro, mediante
um poema escrito pela protagonista e diretora do projeto “Angela Murena”, com o nome título da
concepção documental “A Imensidão do Mar de Cor”. Esse, no qual reflete seu processo de
autodescoberta como uma pessoa parda perante o contexto social, explicitando a solidão vivida
ao longo da jornada, bem como o não reconhecimento das próprias raízes e a dificuldade de
pertencimento em um meio social embranquecido. Assim, servido de material a ser lido/
dialogado entre as duas meninas, cada uma utilizando sua entonação vocal a fim de retratar suas
experiências mediante um texto pronto (como a atividade do ator, que busca em seu íntimo,
razões e vivências para trazer o personagem a tona em frente a uma câmera).
Em segundo lugar, há também o espaço para as obras visuais/ performances da
protagonista “Raki Lopes” projetadas no corpo/pele de ambas as personagens em um estúdio de
fundo infinito, sendo utilizado como método de transparecer experiências mediante um fator que
as une - sua negritude. Obras essas que possuem um alto cunho identitário, retratando vivências
negras, como a existência das tranças, aspecto aclamado pela comunidade negra por conta de seu
fator histórico, bem como a religião de matriz africana, que possui significativa importância para
o autoconhecimento e senso de comunidade. Algo explorado também na obra “Pontes sobre
Abismos” (2017), vista como principal referência de cunho identitário para a realização da
proposta documental, em que a autora, Aline Motta, revisita o passado em busca de vestígios
sobre sua ancestralidade mediante um contexto de opressão
Além disso, não só obras de artes são projetadas, mas também, vídeos de arquivo de
ambas as personagens quando criança, crescendo em um ambiente majoritariamente branco.
Imagens essas utilizadas como método de oferecer um aspecto real e concreto para as
protagonistas comentarem sobre suas experiências e descobertas. Desse modo, ambas são
instigadas a relembrarem da infância mediante fotos de arquivo, como antigos álbuns de família,
álbuns de escola e outros, buscando refletir “como elas se lembram de se sentir naquelas
situações, sendo muitas vezes as únicas crianças negras? E qual a reflexão que elas trazem hoje
em dia com um olhar amadurecido sobre elas?”.
Com isso, o fio condutor da conversa é puramente as fotografias de infância de ambas as
garotas, imagens essas escolhidas por elas, e que trazem algum aspecto significativo para sua
história. Assim, não utilizando de uma abordagem com um olhar distante com hierarquias
pré-estabelecidas, como a ideia de entrevistador/ entrevistado que principalmente era utilizado
durante a primeira fase do Cinema Novo, em que os personagens eram meras marionetes nas
mãos dos teóricos, servindo apenas como modo de comprovar alguma hipótese. No contexto do
projeto documental, ambas as protagonistas estão no mesmo patamar, mesmo que uma delas seja
a diretora. Dessa forma, sem a existência de perguntas pré-estabelecidas ou indagações que
forçam ambas a retratarem sobre o tema.
Nesse sentido, o método é a utilização das imagens como ditadoras dos acontecimentos,
essas que instigam as memórias e a sensação de nostalgia, visando assim, a presença de relatos
reais e experiências concretas em relação a uma sensação vivida. Com isso, fazendo com que
aspectos de autoconhecimento sejam tratados instintivamente, longe de artificialidades trazidas
por outros projetos documentais.
Vale ressaltar que a utilização de fotos de infância, retratam a presença quase que oculta
do cineasta “Felipe André Silva” e seu curta-metragem “Cinema Contemporâneo” (2019).
Esse, utilizado como referência para a concepção ideológica das fotografias de infância ao longo
da obra para auxiliar a contar alguma história/ experiência, algo que realiza com maestria em seu
projeto, retratando uma narrativa forte e pesada de abuso, somente com a utilização de pequenos
fragmentos de imagem que gradualmente se completam, oferecendo um panorama ao final da
história ao telespectador, que compreende sua vivência, mesmo que pessoal, por estar imerso em
suas questões. Bem como, outro curta similar chamado “Rebu” (2021) e “Mayara Santana”,
que também se utiliza de fotografias como fio condutor de uma narrativa, além de explorar o uso
de relatos em prol da construção documental em primeira pessoa a respeito das vivências
lésbicas da diretora e os pequenos resquícios de masculinidade em seus relacionamentos.
Outro aspecto a ser considerado para a Teoria Documental da obra “A Imensidão do Mar
de Cor” é sua Misé-èn-Scéne com a presença de uma câmera viva, em que apesar de tentar
subtrair sua existência, ainda sim, está presente no contexto e, portanto, admite a não
naturalidade por completo das ações de ambas as personagens. Essas que, involuntariamente,
estão performando, instigadas pelas fotografias a contar seus processos de autoconhecimento,
explicitando assim o contexto de “auto misé-én-scéne”, em que, não só os personagens são
responsáveis mesmo que se refira a eles, mas também a presença de uma filmadora que altera a
realidade existente. Bem como também a ideia de cenário, um dos objetos de reflexão do
documentário que é participativamente ativo na idealização artística e de presença fílmica, tendo
em vista que os ambientes escolhidos são altamente representativos para os personagens que lá
habitam. A exemplo do quarto da protagonista “Raki Lopes”, cheio de pinturas e obras de arte
que fazem parte da sua jornada de descoberta como pessoa preta. Ou, até mesmo, do estúdio de
fundo branco, com projeções de vídeos significativos sobre a pele de ambas as meninas com a
interpolação do poema e da performance.
Com isso, fazendo o uso de estratégias visando o intimismo, seja ela proveniente da
direção da conversa, ou de outros setores técnicos, como a Direção de Arte, que procura refletir
em suas modificações, o conforto dos personagens, os deixando livres para se vestir como bem
entendem, oferecendo seus relatos em suas próprias casas e ambientes de seu cotidiano.
Ademais, como a Direção de Som e Direção de Foto, buscando evitar interrupções pelo bem de
uma imagem ou contexto sonoro perfeitos, servindo somente como um meio de amplificar a voz
das protagonistas, e não o ponto essencial da construção, por mais que sua mera existência já
altere a concepção de real.
Portanto, o curta-documental “A Imensidão do Mar de Cor”, utiliza como principal
método de abordagem, relatos provenientes de uma conversa franca entre duas meninas pretas,
guiado essencialmente por fotos/ vídeos de arquivo, além de performances e poemas, instigando
o retrato e experiências, sejam elas desafiadoras ou simples de serem lembradas, de forma
intimista. Desse modo, buscando refletir para o público externo, um sentimento único de
autoconhecimento, auxiliando outras pessoas que passam pelo mesmo processo a encontrarem
sua ancestralidade e sua identidade para além dos preconceitos que afetam a comunidade. Assim,
produção essa que em suas bases artísticas, mesmo que de modo completamente diferente,
relembra os primeiros ideais documentais explorados pelos irmãos LUMIÈRE, imergindo o
expectador em sua narrativa, de modo a encantá-lo, explorando a temática de forma que a pintura
ou qualquer outro formato seria incapaz de fazer, assim como observado por “George Méliès”,
em sua observação a respeito das ações naturais, como o movimento das árvores, nas primeiras
películas cinematográficas.

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