Você está na página 1de 32

Anna Rachel Machado [coordenação]

Eliane Lousada
Lília Santos Abreu-Tardelli

Planejar
gêneros
acadêmicos
escrita científica - texto acadêmico - diário de pesquisa - metodologia
Editor: Marcos Marcionilo
Capa e Projeto GrAfico: Andreia Custódio
Conselho Editorial
Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Gilvan Muller de Oliveira [UFSC, Ipol]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]
Kanavillil Rajagopalan [Unicamp]
Marcos Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre [UFES]
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP]
Salma Tannus Muchail [PUC-SP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

M773

Machado, Anna Rachel, 1943-


Planejar gêneros acadêmicos/ Anna Rachel Machado (coordenação),
Eliane Gouvêa Lousada, Lília Santos Abreu-Ta rdelli. - São Paulo: Parábola
Editorial, 2005

(Leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos; 3)

ISBN 978-85-88456-43-3

1. Pesquisa - Metodologia. 2. Redação Técnica. 3. Relatórios-Redação.


I. Machado, Anna Rachel, 1943. II. Série.

05-2877 CD0001.42

CDU 001.81

Direitos reservados à
PARÁBOLA EDITORIAL
Rua Sussuarana, 216 | Alto do Ipiranga
04281-070 São Paulo, SP
pabx: [11] 5061-9262 | fax: [11] 5061-8075
home page: www.parabolaeditorial.com.br
e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br

Textos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida
ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrónico ou me­
cânico, induindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-88456-43-3

4* edição: setembro de 2009

e do texto: Anna Rachel Machado, Eliane Lousada, Lília Santos Abreu-Tardelli


C da edição: Parábola Editorial, São Paulo, SP, outubro de 2005
SEÇÃO 1

A preparação inicial para a


escrita acadêmica/científica

Para começar a conversa...

objetivo maior deste material é ajudá-lo a produzir textos acadêmicos/

O
científicos que possam ser considerados bons pelos seus professores e
pela comunidade científica. Para isso, vamos iniciar discutindo alguns
textos que mostram as dificuldades desses trabalhos e algumas das
ideias que você tem sobre esses gêneros acadêmicos/científicos.

1. Em primeiro lugar, leia o texto abaixo:

UMA TESE É UMA TESE


Mario Prata
Quarta-feira, 7 de outubro de 1998 Caderno2
Estado de S. Paulo

Sabe tese, de faculdade? Aquela


que defendem? Com unhas e den­
tes? E dessa tese que eu estou fa­
lando. Você deve conhecer pelo
menos uma pessoa que já defen­
deu uma tese. Ou esteja defenden­
do. Sim, uma tese é defendida. Ela
é feita para ser atacada pela ban­
ca, que são aquelas pessoas que
gostam de botar banca.
As teses são todas maravilhosas.
Em tese. Você acompanha uma
pessoa meses, anos, séculos, de-

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS


fendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que
acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte.
O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas,
intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio.
Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre — sempre — uma decepção. Em tese.
Impossível ler uma tese de cabo a rabo.
São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julga­
mento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?
Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são
inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da
história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não
parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.
Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O
mundo para, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido
que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do
mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.
E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da
tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze,
logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é
quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em
tese, na prática mesmo.
Orientados e orientandos (que nomes atuais!)são unânimes em afirmar que
toda tese tem de ser — tem de ser! — daquele jeito. É pra não entender, mesmo.
Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra
também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290.
Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática.
Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento
teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós,
pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto.
Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que
nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou
tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que
conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando
não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?
Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese.
Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada.
Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para
quem? Que exaltação, que encómio é isso?

18 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza.

Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações,


pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é
mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.

Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um,
uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:

— Não vou mais estudar! Não vou mais na escola.

Os dois pararam — momentaneamente — de pensar nas teses.


— O quê? Pirou?

— Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida.
E só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente
não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese.
Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar
mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham
mesmo que eu vou deletar a tese de vocês?

Pensando bem, até que não é uma má ideia!

Quando é que alguém vai ter a prática ideia de escrever uma tese sobre a tese?
Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história?
Acho que seria uma tesão.
(http://www.marioprataonline.com.br, último acesso em 06/08/2005)

2. Responda as perguntas abaixo e/ou discuta suas respostas com seu co­
lega ou professor:

a) Que críticas negativas o autor faz sobre as teses e a quem escreve teses?

b) Que comentários positivos o autor faz?

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 19


c) A que conclusão se chega depois de ler o texto?

d) Você concorda ou discorda de Mario Prata em algum aspecto? Justifique.

3. Observe a lista de gêneros de textos acadêmicos abaixo e assinale com


um (X) os que você conhece e com um (/) os que você já escreveu.
Acrescente outros que você conheça.
( ) artigo
( ) monografia
( ) dissertação
( ) tese
( ) trabalho de conclusão de curso
( ) projeto de pesquisa
( ) outros: ________________________________________________________

4. Escreva e/ou discuta com um colega as questões abaixo:


a) O que você sabe sobre os textos da atividade anterior? Que dificuldades/
facilidades você teve para escrevê-los?

b) Como foi o processo de escrevê-los? Quais foram as fases que você seguiu?

c) Você acha que é importante pesquisar? Por quê?

20 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


d) Você acha que é importante escrever para si mesmo (resumos de textos, notas
para serem lidas depois etc.) durante o decorrer da pesquisa?

e) Por que se deve escrever um texto na forma desejada pela academia?

f) Como você acha que o leitor de um texto acadêmico deseja que esse texto seja?

Concluindo... -------------------------------------------------------------
Complete as frases abaixo e discuta suas respostas com um colega ou com
seu professor:

Já escrevi os seguintes textos acadêmicos:_________________________________

Eu me senti:___________________________________________________________

Achei fácil:___________________________________________________________ _

Achei difícil:_________________________ __________________________________

Tive os seguintes problemas:_____________________________________________

Acho que um texto acadêmico deve:_____________________________________

Para continuar a conversa...

Busque textos acadêmicos que você já escreveu e releia-os. O que você achou deles?
Você mudaria alguma coisa? Por quê?

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 21


--------------------------------------------------------------------------------------------- SEÇÃO 2

A elaboração e manutenção
de um diário de pesquisa

Para começar a conversa...

e você for procurar biografias de grandes pensadores e escritores, dificil­


mente encontrará algum que não tenha mantido um “diário” ou um
“diário de pesquisa”. É o caso, por exemplo, de Malinowski, Leiris, Morin,
Ferenczi e Wittgenstein, Virgínia Wolff, Elias Canetti e tantos outros. Há
até um livro que fala só sobre isso (Le journal de recherche, Lourau, 1988).

Assim, consideramos que é indispensável que, desde o início de seu trabalho, você
comece a redigir o seu diário de pesquisa.

1. Você pode escolher vários suportes para escrever seu diário de pesquisa:
caderno, fichas, arquivos no computador, weblogs etc., dependendo de
seu objetivo e de sua facilidade maior ou menor para usar um ou outro
desses suportes. Reflita sobre a relação que pode haver entre o tipo de
suporte e o seu objetivo para escrevê-lo, colocando a letra corresponden­
te ao suporte no objetivo correspondente:
(a) caderno
(b) fichas
(c) arquivos no computador
(d) weblogs

( ) fazer o diário como um instrumento para si mesmo.

( ) fazer o diário como um instrumento para si mesma


também como instrumento de discussão com outras pessoas.

2. Leia os trechos de blogs de diário de pesquisa que seguem abaixo e


verifique se os autores concordam ou discordam de sua resposta ôo
exercício 1. Assinale os trechos que justifiquem sua resposta.

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 23


O BLOG A
“Domingo, Junho 27, 2004
Blog Diário de Pesquisa

Esse blog começou hoje e tem como objetivo acompanhar o dia a dia, o
andamento das minhas pesquisas acadêmicas. Até onde conheço sobre blogs,
• ele é o primeiro do gênero. Já ouvi falar, e li a respeito, de diários íntimos, •
• diários coletivos, warblogs, babyblogs, blogs temáticos, blogs jornalísticos, blogs •
• metajornalísticos, blogs crítico-culturais, anéis de blogs (rings), blogs híbridos, *
• moblogs. Contudo, blog diário de pesquisa, pelo que sei, é algo novo. Espero •
• que seja uma oportunidade de conectar e compartilhar descobertas, inquieta- •
• ções e benefícios que só uma inteligência coletiva pode proporcionar.” •

• (Júlio Valentin, http://www.smartmobsecibercidades.blogspot.com/) •


•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••a**

*••••••••••••••••••••••••••••••••
0 •
• “O objetivo era criar um fórum público sobre o assunto sobre o qual eu estou •
trabalhando que toca uma questão bastante atual, a memória da escravidão” *
(Ana Lúcia Araújo, http://arte.typepad.com/memoire_esdavage). •

3. Leia os dois trechos abaixo: o primeiro é de um diário de pesquisa feito em


um caderno e o segundo é de um blog. De acordo com sua leitura, responda
o exercício 4.

6/10/92 — É preciso recomeçar o diário. De uma nova maneira. Com uma nova
entrega. Vendo-o caminhar diante de mim, como caminham meu dia, minha
vida, minha morte. Registrar o cotidiano e a alma. Os medos e as esperanças.
Grandes providências foram tomadas hoje. Fui à Cúria, falei com várias pessoas,
agi. Selecionei os questionários para levar para o Antônio Carlos bater. Preciso
refletir sobre o diário. O que ele faz comigo? Reelabora o tempo passado,
reconstrói, dá-lhe uma macroestrutura talvez. Tenho de preparar um workshop
sobre ele. O que dizer? Como passar uma experiência que é mais vida do que
teoria? Algumas ideias talvez: falar sobre o diário de forma geral? Não. Isso
talvez para a mesa-redonda. Dizer o que é o diário de leitura? Dar exemplos dos
dados? Falar sobre o diário como instrumento do pesquisador? Melhor talvez
dizer sobre as duas coisas. Acho interessante ver o que os diaristas de P. Lejeune
falam da releitura do diário, porque é isso que o pesquisador vai ter de fazer ao
examinar suas reflexões. Acho que sou muito atrevida. Na verdade, pouco sei

24 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


teoricamente sobre o diário. ( ) Relendo esse diário de hoje, vi que não disse
uma coisa importante. Ele reelabora o passado, mas essa reelaboração permite
o planejamento do futuro. Há unificação temporal? Existe isso? Saco! Errei
alguma coisa no computador e comi uma frase inteira. Onde ela estará? Preciso
aprender a sublinhar direito. Bem, chega por hoje. Estou cansada. O que eu
comi: O diário é instrumento de coleta de dados que vêm diretamente dos
sujeitos da pesquisa, mas é também o instrumento de coleta e de reflexão do
próprio pesquisador. Tem função dupla.
9/10/92 — Consegui achar o diário. O que me irrita é que não sei como. Acho
que descobri. Acho que aprendi a mexer na caixa de diálogo de SAVE AS. Precisa
clicar o drive, o nome do diretório com 2 cliques e dar nome. Acho que é esse
o problema. OK! Preciso pensar na mesa-redonda. Falar sobre diário. Por onde
começar? para quem falar? Vamos às possibilidades.
18/10/92 — Estou muito cansada. Não consegui terminar o projeto em fran­
cês. O que está acontecendo com essa barra de espaço? Está comendo coisas.
Por quê? Por quê? Por quê? A ignorância me mata (Anna Rachel Machado,
diário de pesquisa para a tese O diário de leituras: a introdução de um novo
instrumento na escola).

O BLOG •••••••••••••••••••••••••••••••••••

• 27.6.05 •
• Bibliografia... bibliografia... bibliografia??? — parte 2 •

• Pois é, as coisas ainda estão bagunçadas aqui pelo quartinho de estudo... No a


• final de semana dei uma parada com as arrumações e agora, na maldita *
• segunda-feira, sigo em frente! De qualquer forma, organizados ou não, os •
• textos a serem lidos primeiro serão os referentes ao meu trabalho de final de •
a disciplina p/ a cadeira do Prof. Rivair. Estive pensando sobre possíveis temas, a
• e o mais provável — que tem mais a ver com meu trabalho — vai ser algo sobre *
• o valor cavaleiresco por excelência: a honra. Achei bem interessante um texto •
• que apresentei p/ esta cadeira sobre a perda da honra, mas não somente •
a sobre isso, mas sobre o direito de primeira noite [ius primae noctis] que o senhor a
• tinha em relação aos seus vassalos e como a percepção sobre este ritual foi *
• mudando ao longo do final da Idade Média, por um lado por causa de uma •
• revolta maior dos vassalos contra os senhores, mas também por causa do •
a sentimento de honra de família e tal. Ainda me falta um bocado de biblio- •
• grafia p/ eu poder fazer um trabalho legal... Por enquanto, dei uma olhada a
• em algumas obras da época que retratam isso e que são chamados “dramas •
• de honor”. *

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 25


* Sinto que só vou começar a escrever como deveria mesmo depois deste tra- *
* balho. Antes, só [re]leituras, ideias e rascunhos... Só espero que dê tempo. •
* (Luciana Lopes dos Santos, http://diariodepesquisa.blogspot.com/) *
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

4. Dentre as opções abaixo, coloque um (X) na alternativa que mostra o


que você encontrou (ou que poderia ter encontrado) nos dois trechos
dos diários de pesquisa lidos.
( ) dúvidas do diarista sobre questões teóricas
( ) dúvidas sobre questões práticas
( ) reflexões pessoais sobre o tema
( ) síntese de leituras feitas
( ) comentários sobre as leituras
( ) relacionamento entre as leituras feitas e a pesquisa
( ) relacionamento de um texto lido com outros textos
( ) relacionamento de um texto lido com experiências pessoais
( ) discordância com o autor do texto lido
( ) problemas que enfrenta para prosseguir o trabalho
( ) busca de resolução dos problemas por qualquer meio
( ) planejamento de etapas do trabalho
( ) sentimentos sobre o trabalho
( ) descoberta de alguma ideia nova
( ) referências bibliográficas completas
( ) indicação de algum ponto a ser investigado posteriormente ou de uma
outra leitura a ser feita
( ) relatos de discussões com o professor, com os colegas ou com outras pessoas
( ) indicação de modificação da forma de pensar sobre o tema e/ou a pesquisa

5. Você encontrou nos diários outras coisas que não mencionamos no exer­
cício 4? Quais?

6. A partir da leitura dos trechos de diários de pesquisa, você pensa que o


diário de pesquisa deve ser:
( ) um diário íntimo, em que se contam os acontecimentos do dia vividos pelo
diarista e seus sentimentos diante deles.

26 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


( ) um diário de bordo, em que se relata o que o pesquisador fez no decorrer
da pesquisa, passo a passo, como o diário de bordo de um capitão de navio
(“a tal hora, no dia X, eu fiz uma pesquisa na biblioteca; depois, discuti
com o professor” etc.).
( ) uma agenda, em que se assinalam as fases da pesquisa a serem desenvolvi­
das, o trabalho a ser feito etc.
( ) um diário sobre as leituras feitas e os conhecimentos adquiridos que são
importantes para a pesquisa.
( ) um diário de reflexões construídas e registradas sobre o tema, sobre as
questões de pesquisa, sobre os procedimentos metodológicos etc., do modo
como elas forem surgindo no decorrer da pesquisa.
( ) tudo isso ao mesmo tempo.

7. De acordo com o suporte que você escolher para o seu diário de pesqui­
sa, de acordo com seu objetivo, algumas características textuais poderão
ser mais comuns em um ou outro diário. Quais serão as características
citadas abaixo que poderão ser encontradas em um texto escrito em um
caderno, só para você, e um texto escrito em um blog, em que se procure
discutir com outras pessoas?
Coloque (C) na alternativa que corresponde mais provavelmente a uma caracte-
rística do texto do caderno e (B) na que corresponde ao texto do blog:

( ) maior liberdade quanto à forma e quanto ao conteúdo


( ) maior preocupação com a forma e com o conteúdo
( ) maior correção
( ) menor exposição de experiências pessoais fora as da pesquisa
( ) menor preocupação em exprimir dúvidas
( ) frases mais elípticas

8. Leia o trecho de diário de pesquisa abaixo:

REFLEXÕES DE LEITURA (WELLS)


“Numa tal comunidade, os papéis de professor e alunos são intercambiáveis,
pois todos estão aprendendo e, ao mesmo tempo, ajudando outros a aprender”
(WELLS, G.). Confirmação! Penso igual, mas é difícil, quando estamos mais ou

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 27


menos sozinhos, há resistências de todos os lados. Só o entusiasmo, a crença
pessoal em determinados objetivos podem fãzer-nos encontrar meios para quebrá-
las (Anna Rachel Machado, diário de pesquisa de doutorado).

a) Em quantas partes esse trecho pode ser dividido?

b) Qual é a diferença entre essas partes?

9. Copie as duas formas de menção ao autor do texto que a diarista utiliza:


a) no início:___________________________ _______________________________
b) depois da citação entre aspas:______________ __________________________

10. Embora esse diário tenha sido escrito só para a pesquisadora-diarista,


qual é o problema que essas formas de citar o autor poderão trazer a ela
no foturo, quando for redigir o trabalho definitivo?

Concluindo... ------------------------------------------------------------
1. Complete uma das alternativas abaixo:
Estou convencido de que devo manter um diário de pesquisa, sobretudo porque

Não estou convencido de que devo manter um diário de pesquisa porque

2. Discuta sua opção do exercício anterior com um colega ou com seu professor.

CONSELHO ÚTIL
Como você viu, antes de mais nada, acostume-se a escrever o má­
ximo que puder, livremente, à medida que desenvolve sua pesquisa.
Procure dominar o tema que você escolher e refletir sobre todas as
fases de sua pesquisa. Não se limite a xerocar textos e sublinhar
palavras ou frases: escreva diários de leitura, resumos, críticas,
perguntas, dúvidas, faça esquemas, gráficos etc.

ANNA RACHEL MACHADO ELIANE LOUSADA I LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


Para continuar a conversa.

1. Escreva uma primeira parte de seu diário de pesquisa, com a máxima liberdade
possível, mas não se esqueça de colocar as referências bibliográficas completas
dos textos que você for lendo (autor, título da obra, data da publicação, página)
e de colocar aspas para marcar as frases que você copiar do autor.
Se tiver dificuldade para começar o diário, você pode se servir de algumas das
questões abaixo:

a) O que aprendi até agora sobre a atividade de fazer pesquisa?


b) O que aprendi tem alguma relação com a minha vida pessoal?
c) O que achei mais interessante e o mais desinteressante?
d) Que facilidades e dificuldades estou encontrando?
e) O que posso fazer para superar as dificuldades?
f) Que leituras estou fazendo que têm me ajudado? Por quê?
g) Quais são minhas dúvidas?
h) O que posso fazer para vencê-las?
i) Com quem vou conversar sobre tudo isso?
j) Como estou me sentindo diante de tudo isso?

2. Se quiser, troque o seu diário com o de um colega e façam comentários sobre eles.

3. Procure blogs de pesquisa na Internet e procure levantar neles aspectos interes­


santes que auxiliem você a produzir o seu diário de pesquisa.

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 29 '


SEÇÃO 6

Construção da situação
de produção

Para começar a conversa.

odò texto, acadêmico ou não, é escrito tendo em vista um leitor/destina­


tário potencial. Além disso, sempre há um autor que tem um determinado
objetivo a alcançar com a produção do texto (isto é, ele sempre quer
produzir um efeito qualquer sobre seu destinatário). Esse autor se guia pela
imagem que tem de seu leitor/destinatário privilegiado (persona), pela imagem que
quer passar de si mesmo (persona do autor), o veículo em que circulará e a situação
em que é produzido etc. Nesta seção, analisaremos algumas situações de produção de
alguns textos acadêmicos/científicos e veremos como elas influenciam os textos
produzidos.

Para começar, trabalharemos a questão da imagem que o autor passa de si mesmo


(persona) e a imagem que parece ter de seu destinatário (persona do destinatário). O
autor, por exemplo, pode querer passar a imagem de alguém extremamente bem
informado, de alguém humilde, de alguém superior aos demais, de um cientista sério
etc. O mesmo se dá em relação ao destinatário. Normalmente, pelo próprio texto,
podemos captar essas imagens ou personas.

1. Leia o projeto de pesquisa na página seguinte, de autoria de Luzia Bueno1.

1. Este projeto foi apresentado ao programa de doutorado de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da
PUC/SP em 2005 para candidatura à bolsa CAPES de estudos no exterior.

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 55


O GÊNERO PROJETO DE
INTERVENÇÃO E A FORMAÇÃO
DO APRENDIZ DE PROFESSOR
DE PORTUGUÊS

Projeto de tese de doutorado apresenta­


do para candidatura à bolsa CAPES do
PDEE - Programa de Doutorado no País com
Estágio no Exterior.
Aluna: Luzia Bueno
Orientadora no Brasil: Profa. Dra. Anna
Rachel Machado.
Co-orientador na Suíça: Prof. Dr. Jean-
Paul Bronckart

Período de estudos no exterior:


de 1o de setembro de 2005 a
31 de agosto de 2006.
1. Introdução e justificativa

Este projeto está vinculado, de forma direta, ao projeto integrado de pesquisa


do Grupo ALTER, “Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Rela­
ções”, coordenado pela ProP. Dra. Anna Rachel Machado, que integra projetos
de pesquisa de doutorandos e mestrandos do Programa do LAEL-PUC/SP, na
linha de pesquisa Linguagem e Trabalho desse programa. Acordo interinstitucional
existente entre a PUC-SP e a Universidade de Genebra tem permitido, há mais
de dez anos, uma estreita colaboração entre os pesquisadores do Grupo ALTER
e os do grupo LAF — Langage, Action, Formation, da Universidade de Genebra,
coordenado pelo Prof. Dr. Jean-Paul Bronckart, com o desenvolvimento de
pesquisas similares e complementares. Exemplos da produtividade desse vínculo
são, dentre muitos outros, os artigos Bronckart e & Machado (2004) e Bronckart
& Machado (no prelo).
O problema central do grupo ALTER é “o estudo de diferentes práticas de
linguagem no e sobre o trabalho educacional, buscando identificar as relações
que existem entre essas práticas e a influência delas sobre as ações de traba­
lhadores do ensino”. Já o seu objetivo geral é “desenvolver um aprofundamento
teórico-metodológico sobre as relações entre linguagem/trabalho educacional
tomadas no quadro da problemática maior das relações entre discursos, ativi­
dades sociais e ações”2.
Nesse quadro, a contribuição do projeto aqui apresentado está no estudo de
uma dessas práticas sobre o trabalho educacional, que se desenvolve no campo
da formação inicial de professores na universidade, por meio da análise dos
chamados “projetos de intervenção”, que são produzidos por alunos de licencia­
tura para a disciplina de estágio supervisionado em língua portuguesa, em um
curso de graduação em letras, na Universidade São Francisco. Com isso, espe­
ramos colaborar para uma melhor compreensão dos discursos que se desenvol­
vem sobre o trabalho do professor no contexto específico dessa atividade de
formação, desenvolvendo categorias e procedimentos de análise discursivos.
Além disso, de uma forma mais ampla, visamos desenvolver uma reflexão sobre
os instrumentos utilizados na realização de estágios e sobre sua contribuição
efetiva na formação de professores.
No curso de graduação enfocado, os projetos de intervenção são textos que os
aprendizes de professor, os estagiários, produzem durante estágio em escolas de
ensino fundamental e médio, para garantir aprovação na disciplina de estágio
supervisionado. Para produzir esse texto, o aprendiz de professor deve assistir a
algumas aulas de um professor, observando o trabalho que é desenvolvido. Durante
essa observação, o aprendiz deve selecionar um “problema” em relação à leitura ou

2. Cf. Machado (2003).


à análise linguística, ou à produção escrita ou oral, e fazer uma proposta de cinco
aulas, planejando atividades que poderia desenvolver na sala de aula observada, a
fim de amenizar o problema encontrado, baseando-se em leituras e discussões feitas
na disciplina de estágio supervisionado. Após esse planejamento, ele deve escrever
o projeto de intervenção, que deve seguir o piano geral que lhe é fornecido, cons­
tituído pelas seguintes partes: — introdução, em que deve apresentar as justificativas
de sua intervenção e a pergunta/hipótese que espera ver respondida/confirmada; —
fundamentação teórica, na qual deve expor seus pressupostos teóricos; — metodologia,
em que detalha para quem e como serão as suas aulas de intervenção para resolver
o problema identificado; e as referências bibliográficas.
Como se pode ver, idealmente, o projeto de intervenção deve ser um texto que
propicie a análise e a avaliação do trabalho de um profissional em exercício, ao
mesmo tempo que funcione como instrumento para a formação de um profis­
sional iniciante. Logo, acreditamos que seu estudo possa permitir uma melhor
compreensão das interpretações e avaliações que são construídas nesses textos
sobre o agir do professor em situação de trabalho em sala de aula. A partir daí,
e com um suporte teórico consistente sobre o trabalho efetivo do professor,
poderemos desenvolver uma reflexão sobre o papel da eficácia (ou da não
eficácia) desses textos na formação inicial.
Considerando a importância da análise de textos para a compreensão da rela­
ção linguagem e trabalho e assumindo o projeto de intervenção como objeto de
pesquisa, procuraremos responder às seguintes perguntas:
1. Que elementos constitutivos do agir do professor são tematizados e avaliados
pelos aprendizes de professor?
2. Que elementos constitutivos do agir do professor são considerados na fase
de autoprescrição ou planificação do projeto, quando o estagiário descreve
o que fará com a sala observada para que o problema selecionado seja
amenizado?
Trabalhadas essas questões e levantados os elementos constitutivos do agir do
professor tratados pelos aprendizes de professor (estagiários), procuraremos
refletir sobre a validade do uso do projeto de intervenção como instrumento
mediador da formação inicial, uma vez que os elementos levantados podem nos
mostrar se o projeto de intervenção está se constituindo como um espaço em
que o trabalho do professor e sua complexidade podem ser contemplados, ou
ao contrário, se o projeto é só mais um texto em que predomina uma visão do
senso comum sobre o professor.
Essa reflexão é bastante relevante já que, como constatou Amigues et al. (2002)
em um estudo sobre “le mémoire professionnel” (o gênero usado como trabalho
final em um curso de formação de professores), o fato de introduzir um instru­
mento que parece bom para a formação profissional não nos garante que ele
funcionará efetivamente como uma ferramenta na formação dos professores.
Dessa forma, será muito importante na análise refletir sobre a validade mesma
do uso desse projeto de intervenção na disciplina de estágio supervisionado.

2. Fundamentação teórica

Segundo Bronckart & Machado (2004), a análise dos textos sobre a relação
linguagem e trabalho pode trazer nova compreensão do trabalho do professor
tanto em relação a seu agir concreto quanto em relação a alguns aspectos das
interpretações/representações/avaliações que socialmente se constroem sobre
eles. No caso dos estagiários, tal análise se torna mais relevante, ao considerar­
mos que essas interpretações/representações/avaliações, ao serem apropriadas
e interiorizadas pelos indivíduos, tornam-se uma espécie de “guia”, um modelo
para seu agir futuro (Bronckart & Machado, 2004). Dessa forma, em um curso
de formação de professores, o conhecimento dessas interpretações/representa­
ções/avaliações torna-se essencial, se quisermos, por um lado, evitar a manu­
tenção de ideias ou comportamentos que pouco ajudarão no desenvolvimento
do trabalho do professor e, por outro, incentivar a propagação daquelas que
contribuem para um trabalho que satisfaça o professor e a sociedade.
Além disso, de modo geral, a maioria dos trabalhos que tomam como objeto
o trabalho do professor acabam dando ênfase maior à forma como deveria ser
esse trabalho e não ao que ele efetivamente é. Ao contrário, acreditamos que,
ao analisarmos textos produzidos por futuros professores sobre esse trabalho,
como são os projetos de intervenção, poderemos buscar o que é realmente esse
trabalho, pelo menos, para esses aprendizes. Essa compreensão certamente
dará nova orientação para a organização, se não dos cursos de formação de
professores, ao menos das disciplinas específicas de estágio supervisionado.
Segundo Saujat (2004, 2003), existe uma tradição de pesquisa sobre o profes­
sor, mas não sobre o seu trabalho. Dessa forma, em uma revisão de vários
trabalhos, ele constatou que, devido às escolhas teóricas, metodológicas e
epistemológicas, o professor apresenta-se sob múltiplas figuras: como profissio­
nal eficaz nos estudos centrados na relação processo-produto; como ator racio­
nal nos estudos da década de 1970; depois como sujeito cognitivo que tem
representações; em seguida, como sujeito singular tomado no fluxo de um viver
subjetivo; e finalmente, o professor aparece como um profissional reflexivo,
atualmente. No Brasil, as pesquisas seguiram, de certa forma, o mesmo cami­
nho e também vemos hoje muitas discussões sobre o professor reflexivo, como
em Magalhães (2004) e em muitas teses de mestrado e doutorado do Programa
de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL - na PUC-SP.
Entretanto, nos últimos anos, têm aparecido estudos que colocam que é preciso
“construir um ponto de vista mais integrativo, interacionista, capaz de melhor
apreender a complexidade e a multidimensionalidade das práticas educacionais”
(Saujat, 2004: 19). Tais estudos, segundo Saujat (2004), ajudam a corroborar a
ideia de que é preciso uma confrontação com outras disciplinas, a fim de se
compreender melhor a prática do professor. Afinal, como coloca Saujat (2003: 18),
estamos ante um paradoxo: o ensino é, sem dúvida, o trabalho mais estudado hoje
em dia, como se pode ver pelo número de pesquisas que lhe são consagradas, mas
quase nada sabemos do ensino como um trabalho em si mesmo.
Na verdade, conforme o autor, esse paradoxo é só aparente, uma vez que os
estudos sobre o trabalho do professor foram feitos sem levar em conta as
disciplinas que fazem o estudo do trabalho. Dessa forma, cada disciplina nor­
malmente acaba estudando o aspecto do professor que lhe diz respeito e, assim,
constrói uma visão redutora que não dá conta do trabalho do professor.
Fazendo uma análise de base ergonómica, mas já aliado a profissionais de
diferentes áreas, Amigues (2002, 2004) mostra que o trabalho do professor é
bem mais complexo, indo além de uma mera relação só com o aluno ou só com
um conteúdo a ser transmitido. Na verdade, ao olhar a organização escolar e
o trabalho de ensino, nota-se que o professor é: “Ao mesmo tempo, um pro­
fissional que prescreve tarefas dirigidas aos alunos e a si mesmo; um organizador
do trabalho dos alunos, que ele deve regular ao mesmo tempo em que os
mobiliza coletivamente para a própria organização da tarefa; um planejador,
que deve reconceber as situações futuras em função da ação conjunta conduzida
por ele e por seus alunos, em função dos avanços realizados e das prescrições”
(Amigues, 2004: 49).

Além disso, o professor se encontra em um momento em que o seu papel


também não está claro nem para a sociedade nem para si mesmo. Afinal, ele
não deve ser mais o transmissor de conhecimento, pois a Internet e os demais
meios de comunicação dariam conta disso. Ele deve, segundo os documentos
oficiais, atender às necessidades dos alunos, mas também a necessidades econó­
micas e políticas do momento. Contudo, diz-se que ele não tem condições para isso,
daí a necessidade de atualizar-se. Mas atualizar-se em relação a quê, se os conteú­
dos não são claros e se nem fica muito claro o que se espera que ele faça pelos
alunos, quando há, atualmente, um mundo mais atraente retratado insistentemen­
te pela mídia, fora da escola, também marcando a formação dos alunos?

Essa complexidade do trabalho do professor nos faz novamente voltar ao nosso


objeto de pesquisa, o gênero projeto de intervenção, e nos perguntar: se esse
trabalho do professor é tão complexo, será que a análise de textos pertencentes
ao projeto de intervenção pode nos ajudar a compreender alguns de seus aspec­
tos? Acreditamos que a resposta será positiva de acordo com a nossa opção
teórica, que passamos a expor a seguir.
Consideramos que os projetos de intervenção poderão nos ajudar, em primeiro
lugar, a compreender o trabalho do professor, uma vez que apresentarão indí­
cios de interpretações, representações, avaliações, do agir deste profissional; em
segundo lugar, a compreensão dessas interpretações/representações/avaliações,
ainda que indiciais, pode nos possibilitar a ajudar os alunos a reverem, a
discutirem ou a reafirmarem-nas. Dito de outro modo: estamos dizendo que
textos (e não palavras ou frases soltas!), são tanto o meio de produção de
interpretações/representações/avaliações individuais ou coletivas quanto tam­
bém o meio de regulá-las ou transformá-las. Assim, compreender textos é com­
preender também um pouco do processo do agir humano. Logo, para estudar
esses textos, é preciso recorrer a uma teoria ou a um quadro teórico que nos
possibilite compreender essa relação entre os textos e o agir no processo do
desenvolvimento humano.
Ao verificarmos as teorias que subjazem aos estudos que consideram a relação
linguagem e trabalho, notamos que existe uma boa discussão sobre o contexto do
trabalho e suas prescrições (Amigues, 2002, 2004), sobre os gêneros profissionais/
da atividade que são gerados em cada situação de trabalho (Faíta, 2004) ou sobre
o desenvolvimento do trabalhador durante o trabalho (Clot, 2004b). Contudo
constatamos também que nesses estudos não há um modelo claro de como
analisar a linguagem3 relacionando-a ao trabalho e, simultaneamente, ao desen­
volvimento humano, ainda que ela seja utilizada em vários métodos de coleta de
dados, como a instrução ao sósia, a autoconfrontação simples e a cruzada (Clot
& Faíta, 2001). Isso cria um risco muito grande de acabarmos tratando-a como
transparente e a-histórica, menosprezando o fato de que aquilo que diz o traba­
lhador é atravessado por sua vivência e também por seu grupo social, além de ter
impregnadas todas as representações já construídas sobre o uso de determinados
gêneros em determinadas situações com determinadas pessoas. Nesse sentido, é
preciso estar muito atento ao modo como analisar a linguagem.
Assim, apesar de vermos nessas teorias vários pontos relevantes que, quando
pertinentes, serão retomados em nossa análise, preferimos trabalhar com o
quadro teórico do interacionismo sociodiscursivo (isd), uma vez que ele nos
fornece uma visão clara da importância da linguagem verbal — usada nos textos,
pertencentes aos gêneros textuais — no desenvolvimento e na interação humana,
e também nos apresenta um modelo de análise de textos e uma semiologia do
agir em situações de trabalho.
Por essa razão, o estágio no exterior sob orientação do Prof. Dr. Jean-Paul
Bronckart será importante, pois este é um dos principais formuladores dessa

3. A necessidade de um modelo eficaz de análise de linguagem foi ressaltada por Clot durante comu­
nicação oral em discussão sobre os trabalhos do grupo ALTER. LAEL, PUC-SP, 22/09/2004.
perspectiva teórica que se convencionou chamar de interacionismo sociodiscursivo
(isd). Essa perspectiva procura compreender o papel da linguagem no agir e,
simultaneamente, no desenvolvimento humano.

Tendo em Vygotsky (1925ss.) sua fonte de referência maior para as questões da


psicologia e alguns dos conceitos de Bakhtin/Voloshinov (1929-1930), de Bakhtin
(1992) e de Coseriu (Bronckart, 2004) para a concepção de linguagem, o isd
assume princípios gerais do interacionismo social. Dentre eles, encontramos o pres­
suposto de que qualquer fato social, linguístico, psicológico etc. se constrói com
base nas práticas, conhecimentos e valores provenientes de gerações anteriores e que
são portadoras das significações elaboradas por elas, isto é, esses fatos baseiam-
se nos chamados “pré-construtos humanos”, ou seja, ao agir, estamos retomando
uma língua, ideias, posturas, gêneros textuais etc. que já se encontram à nossa
disposição, elaborados e fornecidos pelo meio social em que nos encontramos.
Outro princípio essencial é o de que o desenvolvimento do psiquismo e da práxis
humana efetua-se nas atividades sociais. Assim, a atividade social e os produtos
dessa atividade seriam os princípios explicativos das ações individuais.
Além desses princípios gerais do interacionismo social, há um princípio específico,
que o isd reivindica para si e que lhe permite assumir o adjetivo “discursivo”, o
princípio de que a linguagem desempenha um papel fundamental no desenvolvi­
mento, dado que contribui decisivamente para codificar esses pré-construtos e que
organiza, comenta e regula as ações e as interações humanas, “papel esse que
decorre do fato de ela ser, sobretudo, uma atividade, uma prática, do fato de ela
ser da ordem do que habitualmente se chama de discurso” (Bronckart, 2004).
O ISD assume, então, como questão fundamental a ser elucidada, a problemá­
tica das relações entre as condutas observáveis, o agir e os conhecimentos.
Alguns princípios dirigem a busca da resolução dessa problemática. Um dos mais
importantes é o princípio de que a delimitação das ações, ou das intenções e
motivações das condutas individuais, não pode ser apreendida diretamente das
condutas efetivas, mas só por meio de interpretações (principalmente verbais) que
delas fornecem os próprios actantes e aqueles que observam o seu agir. Assim,
segundo Bronckart (2004): “L’agir n’existe que dans les processus interprétatifs”.
Ao agir, o agente desenvolve condutas observáveis que, por si mesmas, exibem
pretensões à validade em relação aos pré-construtos humanos, isto é, ao agir,
procuramos ver se o que fazemos é verdadeiro em relação às representações sobre
o mundo físico, válido em relação às normas sociais, às nossas crenças, ao que se
faz normalmente naquele tipo de situação e sincero em relação ao mundo subjetivo.
Mas, sempre, quando o trabalhador ou um observador externo vão discorrer sobre
esse agir, surgem as interpretações, avaliações ou reformulações de alguns aspectos
do agir. Por exemplo: se pedirmos a um professor para contar como foi a aula em
certa sala, ele vai recortar alguns momentos, resumindo alguns, detalhando outros,
enfatizando o que lhe parecer relevante etc. Ele nos contará, então, a sua interpre­
tação do que foi a aula e do que foi o seu agir nessa aula. Ao mesmo tempo,
quando pedimos ao estagiário para observar uma aula e depois nos contar o que
ele viu, ele também nos apresentará a sua interpretação, pois, como o professor,
fará recortes, resumos, ampliações, dará ênfase a um ouro aspecto observado etc.
Nessa interpretação do agir, o agente ou o observador, segundo Bronckart
(2004) provavelmente podem se centrar em alguns (ou em todos) os elemen­
tos constitutivos do agir, tais como as razões que levam alguém a agir de uma
forma, razões que podem ser externas (determinantes externos como os docu­
mentos oficiais — LDB, PCNs — que regem o trabalho do professor, por exemplo)
ou internas (os motivos pessoais para um professor selecionar um dado texto).
Além das razões, um outro elemento pode ser o da intencionalidade do agir, ou
seja, com que finalidades um determinado coletivo age ou com que intenções
alguém age. Os recursos, as fontes do agir também poderão aparecer na
interpretação, uma vez que podemos falar dos instrumentos usados no agir (no
caso do professor, o giz, os textos, o retroprojetor etc.) e das capacidades
internas (inteligência, domínio dos aparelhos etc.) que o agente tem para fazer
esse agir. É na interpretação também que se distingue se um agir é coletivo, em
que um grupo tem finalidades a ser alcançadas, constituindo, neste caso, a
atividade, ou se é um agir individual, guiado por motivos e intenções e que
constitui a ação. Assim, pode-se considerar que em relação aos seres humanos
envolvidos em diferentes formas de agir expressas em um texto, podemos distin­
guir os actantes em geral (aqueles que produzem alguma modificação no
mundo), antes de qualquer interpretação mais cuidadosa. Esses actantes po­
dem ser vistos como agentes, quando são apresentados no texto como actantes
que não têm intenções, motivos, capacidades, e, portanto, não têm uma res­
ponsabilidade própria sobre o agir (por exemplo: “Os professores, como tiveram
uma formação ruim, precisam de ajuda dos especialistas para poderem realizar
o seu trabalho”); ou, ao contrário, como atores, com intenções, motivos,
capacidades e responsabilidades (por exemplo: “O professor, de acordo com
determinações da delegacia de ensino e também conforme os seus estudos
pessoais, decidiu que mudará o programa de ensino desse semestre”).
Segundo Bronckart (2004), essas interpretações aparecerão, sobretudo, em
textos sobre o trabalho, produzidos pelos próprios actantes ou por prescritores
ou observadores de seu trabalho. Assim, esses textos podem ser prescritivos, ou
seja, dizer como deve ser o agir de um dado profissional ou textos autoprescritivos,
quando o próprio profissional coloca como deve ser o seu trabalho em textos
de planificação; textos (auto)interpretativos/avaliativos, em que o próprio actante
ou um observador externo expõem a sua interpretação/avaliação do trabalho de
alguém após a sua realização.
Para Bronckart (1997), é a negociação contínua (conflituosa, frequentemente)
entre as interpretações do indivíduo sobre seu agir e as interpretações/avaliaçôes
do outro, que se desenvolve de forma dialógica, na e pela linguagem, que propicia
a transformação contínua dos indivíduos e, consequente e dialeticamente, da
própria atividade social. Podemos constatar, assim, que, nesse quadro teórico,
a linguagem desempenha um papel central no agir e, portanto, do ponto de vista
metodológico, a análise de textos — orais e escritos — que se constroem na e
sobre45determinada atividade é central. Daí também a relevância que essa aná­
lise assume em nossa pesquisa, em especial dos discursos produzidos sobre o
trabalho educacional, que circulam no contexto educacional.
Para analisar os textos, Bronckart (1997, 2004) coloca a necessidade de que se
considerem as condições de produção de um texto e sua arquitetura interna, na
qual se distinguem três níveis: o da infraestrutura textual (tipos de discurso e
tipos de sequências), o dos mecanismos de textualização (coesão verbal, coesão
nominal e conexão) e o dos mecanismos enunciativos^ (modalização e vozes).
Afinal, ao produzir um texto, o actante se encontra em uma situação que pode
ser descrita por um conjunto de parâmetros físicos (emissor, receptor, espaço-
tempo do ato de produção) e um conjunto de parâmetros sociossubjetivos (tipo
de interação social, finalidades possíveis, papéis atribuídos aos protagonistas da
interação). Tais parâmetros permitem definir o tipo de agir verbal a que corresponderá
o texto produzido. Nesta situação de comunicação, incluem-se também os conhe­
cimentos temáticos que vão ser expressos no texto, tais como eles são disponíveis
e organizados em uma macroestrutura na memória do actante.
A efetiva produção verbal procederia, de uma parte, da adoção de um gênero textual
que seja adequado à situação, adequação sócio-historicamente marcada; de outra
parte, da adaptação desse gênero às características particulares da situação em que
se encontra o agente. Assim, o texto produzido terá sempre determinadas caracte­
rísticas genéricas, mas também características individuais ou estilísticas.
Contudo, nem sempre o actante será livre para escolher o seu gênero. No caso
do projeto de intervenção, por exemplo, o gênero já é predeterminado pelo
professor, que inclusive prescreve o plano global; em outras situações, o actante
pode se encontrar em uma situação mais livre de restrições ou, em outras, pode

4. A relação trabalho/linguagem configura-se em 3 modalidades, segundo Lacoste (1995 apud


Nouroudine 2002): a linguagem sobre o trabalho; a linguagem no trabalho e a linguagem como
trabalho. Segundo Nouroudine (2002), “enquanto a linguagem como trabalho é expressa pelo ator/
e ou coletivo dentro da atividade, em tempo e lugar reais, a linguagem no trabalho seria, antes,
uma das realidades constitutivas da situação de trabalho global na qual se desenrola a atividade”.
E a linguagem sobre o trabalho é aquela produzida tanto por pesquisadores quanto por trabalha­
dores que podem comentar, discutir sobre o seu trabalho, interpretando-o.
5. Para maiores explicações ver Bronckart (1997 e 2004).
não saber qual é o gênero adequado à situação em que se encontra por não
ter conhecimento de um bom repertório de gêneros, daí se justificando a neces­
sidade de ensiná-los na escola, durante o processo de formação.

3. Metodologia

3.1. Contexto da pesquisa


Esta pesquisa, como já foi dito, será desenvolvida usando os projetos de inter­
venção dos alunos do curso de letras de uma universidade particular — Univer­
sidade São Francisco — na cidade de Itatiba, interior do estado de São Paulo.
Esse texto é produzido na disciplina de estágio supervisionado em língua portu­
guesa após observarem, por cerca de 15 horas/aula, as aulas de um professor
em classes do ensino fundamental ou médio. Nesse texto, o aluno deve escolher
algum “problema” que tenha verificado nas aulas observadas e propor uma
solução para ele. Há uma recomendação de que o aluno levante junto com o
professor da sala observada tanto os problemas quanto as possíveis soluções.
No total, nessa universidade, o aluno deverá fazer 4 disciplinas de estágio
supervisionado em língua portuguesa (I, II, III, IV), ou seja, uma por semestre
a partir do 2o ano do curso. Para cada uma dessas disciplinas também deverá
elaborar um respectivo projeto de intervenção.
De acordo com o regulamento interno da Faculdade de Letras, esse projeto de
intervenção, que receberá uma nota, deve ser constituído das seguintes partes:
introdução, fundamentação teórica, metodologia, referências bibliográficas e
anexos (quando houver). Como se pode perceber, há muita semelhança entre
esse projeto de intervenção e um projeto normal de pesquisa. A diferença reside
no fato de que, no projeto de intervenção, necessariamente o aluno deverá
avaliar/interpretar o que observa na sala de aula e propor alguma intervenção,
autoprescrevendo-se algumas atividades, na seção de metodologia, para fazer
durante 5 aulas práticas com os alunos da sala observada.

3.2. Coleta e seleção dos dados


Nosso corpus é formado por 10 projetos de intervenção elaborados pelos alunos
de letras no primeiro semestre de 2004 na disciplina de estágio supervisionado
em língua portuguesa III.
A escolha dos projetos se deve a duas razões: como é o terceiro que produzem,
eles supostamente já devem ter um domínio desse gênero maior do que os
alunos iniciantes; além disso, como são alunos do 3o e último ano do curso de
letras, poderemos ver mais cristalizadas algumas de suas crenças, já trazidas de
fora da faculdade ou lá adquiridas, que provavelmente levarão para sua vida
profissional. Nesse sentido, esses projetos parecem ser os mais adequados para
nos ajudar a responder nossas questões de pesquisa.
3.3. Procedimentos de análise
De modo geral, em princípio, os procedimentos a serem utilizados são inspirados
nos que foram propostos pelo Groupe LAF (Bronckart, 2004) e Bronckart &
Machado (2004), além de noções e categorias de outros autores compatíveis
com nosso quadro teórico para a análise dos textos, como Bakhtin (1929:30ss.),
ou para a detecção de representações sociais neles expressas, sempre que ne­
cessário. Dentre esses procedimentos, temos os seguintes:
• Análise do contexto sociointeracional de produção
Levantamento de informações “externas” sobre o projeto de intervenção, por
meio da busca e da leitura de documentos existentes e levantamento da
história do documento analisado, de seu contexto empírico de produção e
de seu uso por alunos em cursos de letras.
• Análise das características globais dos textos
Nessa fase, buscaremos identificar o tipo de suporte(s) em que o texto é
veiculado, sua configuração global, com o exame da capa, do título, das
divisões maiores, do tamanho, dos elementos paratextuais que o circundam
etc. Ainda aqui efetuaremos uma identificação inicial do gênero que o texto
mobiliza, explicita ou implicitamente, identificação essa que poderá ser revista
após a realização das análises mais propriamente enunciativo-discursivas.
• Análise da arquitetura interna dos textos
Para a análise de aspectos da infraestrutura textual será desenvolvida a
identificação do plano global de texto, dos tipos de discurso que o consti­
tuem, das sequências, dos valores assumidos pelas unidades dêiticas. Para
a análise dos mecanismos de textualização, procuraremos ver como se dá
a conexão, coesão nominal e verbal. Para a análise dos mecanismos
enunciativos, centraremos nas modalizações e vozes colocadas nos textos.
• Análise do agir interpretado/avaliado nos textos
O agir interpretado/avaliado nos textos será analisado, usando-se como cate­
gorias de análise os elementos constitutivos do agir (razões, intencionalidade,
recursos/fontes, atividade/ação, actante/agente/ator), já descritos, que apare­
cem ou que deixam de ser mencionados no texto. Para isso, analisaremos um
conjunto de unidades ou estruturas linguísticas que podem indicar elementos
da agentitividade, tais como as relações predicativas existentes nas orações, os
sintagmas nominais que indicam os protagonistas centrais postos em cena
pelo texto e a função sintático-semântica desses sintagmas, de acordo com o
modelo proposto por Bronckart & Machado (2004).
Queremos ressaltar ainda que, durante a análise, poderemos ampliar ou reduzir
os procedimentos e as categorias de análise de acordo com o que nossos dados
nos mostrarem.
4. Cronograma de atividades relativas à pesquisa
______
ANO 1° SEMESTRE 2° SEMESTRE

2004 - redação do projeto de pesquisa; - redação do projeto dé pesquisa;


[ - realização das disciplinas: teoria linguística: - realização das disciplinas: tópicos em
introdução à pragmática; teoria linguística: linguística aplicada: interacionismo socio-
trabalho e formação de professores: uma abor­ discursivo, linguagem, educação e traba­
dagem ergonómica; tópicos em linguística apli­ lho; tópicos em linguística aplicada: discur­
cada: análise de discurso, trabalho e educação. so e trabalho; e do minicurso teoria lin­
guística: uma psicologia histórico-cultural
para a compreensão d práticas educativas;
- finalização de todos osforéditos obri-
i gatórios e eletivos.

2005 ' - realização do 1o exame de qualificação; - estágio no exterior;


- estudos sobre a formação do professor no Brasil; - estudo das categorias de análise;
- estudos sobre o estágio e os gêneros textuais usados - análise dos dados.
nos cursos de formação de professores no Brasil.

2006 - estágio no exterior; - retorno ao Brasil;


- análise dos dados; - realização do 2o exame de qualificação;
- revisão do capítulo teórico e construção do - preparação do texto final da tese.
capítulo de análise.

2007 - preparação do texto finaf da tese - realização do 3° exame de qualificação

2008 Até 28 de fevereiro: defesa da tese

5. Plano de atividades no exterior6


Prazo de vigência da bolsa: 1o setembro de 2005 a 31 de agosto de 2006. I...]

6. Referências bibliográficas7

Amigues, R. (2002). L’enseignement comme travail. In: P. Bressoux (ed.) (2002).


Les stratéges d’enseignement en situation d’interaction. Note de synthèse pour Cognitive:
Programme Ecole et Sciences Cognitives: 243-262.
[,..J

6 Essa pane do projeto foi retirada pois não será trabalhada neste livra
’ Uma parte das referências bibliográficas será reproduzida na seção 10.

2. Que qualidades você atribuiria à persona construída pelo próprio pesquisa­


dor sobre si mesmo no projeto de pesquisa de doutorado de Luzia Bueno?

3. Que qualidades você atribuiria à persona do leitor desse projeto?

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 67


4. Complete a tabela abaixo com o que você sabe sobre a situação de produção
de textos acadêmicos/científicos, de acordo com o exemplo dado na coluna 4.

Situação de 1. Dissertação 2. Artigo 3. Tese de 4. Trabalho de conclusão 5. Projeto


produção de mestrado científico doutorado de curso ou monografia de pesquisa

Autor (nome)

Papel social Aluno de graduação


do autor
A persona ou Autor/pesquisador
imagem de si Alguém que tem uma
que o autor informação importante a
quer passar passar ao destinatário

Papel social Professor, prioritariamente


do(s) Eventualmente, outros
destinatário(s) alunos, outros
professores

A persona do Leitor interessado


destinatário naquilo que o autor diz

Efeito que o Que aproveitou o curso


autor quer Que sabe pesquisar
produzir no Que sabe expor um texto
destinatário em de modo científico
relação à sua
própria imagem
Instituição Instituição escolar/
social em que o acadêmica
texto vai cir­ Oral ou escrito ou
cular e/ou meio digital
no qual possi­
velmente o texto
circulará
Momento Final do curso de
possível da graduação
produção
Efeito que o — Que compreendam os
autor do texto pontos principais de
quer produzir seu trabalho
sobre o(s) — Que compreendam co­
destinatário(s) mo você chegou a eles
— Que julguem interes­
santes as questões que
você levanta
— Que o conhecimento
deles sobre o tema
seja aumentado
— Que eles se convençam
da verdade de suas afir­
mação e da tese central
que você defende

68 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


5. Observe a tabela e discuta com um colega as diferenças e semelhanças
entre as situações de produção desses textos.

6. Leia algumas características dos possíveis destinatários diretos de textos


acadêmicos/científicos. Numere-as segundo o número correspondente a*
cada texto do exercício 4.
( ) é apenas o seu professor/orientador
( ) é um número restrito de representantes de uma comunidade científica que
podem se constituir em uma banca julgadora
( ) é um número restrito de representantes que podem ser pertencentes à co­
missão editorial de uma revista
( ) podem compartilhar as mesmas teorias e pontos de vista que você
( ) não necessariamente compartilham as mesmas teorias que você e podem
apoiar pontos de vista completamente diferentes
( ) devem, no final da leitura, estar convencidos da validade do trabalho
( ) não precisam estar convencidos da validade de suas conclusões
( ) é um número restrito de representantes de uma comunidade científica
pertencentes a um determinado programa e/ou linha de pesquisa
( ) _______________________________________________________________

7. O que você observou sobre o destinatário desses textos? Quais são as


implicações desse destinatário em potencial para o seu texto?

CONSELHO ÚTIL
Como você deve ter percebido, as imagens que você constrói sobre
seu(s) destinatário(s), antes mesmo de começar a escrever seu texto
de forma definitiva, serão fundamentais para que ele seja adequado
à situação e que seja bem avaliado. Quanto mais próximas essas
imagens estiverem da realidade, melhor será.

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 69


8. Pense no seu texto e responda as questões abaixo6:
a) O que imagino que meus destinatários sabem sobre o que vou escrever? Qual
é o grau de seu conhecimento?

b) Qual é o grau de interesse que o seu problema e a solução encontrada pode


ter para eles? Você acha que pode despertar esse interesse? Como?

c) Todos eles conhecem bem a linha teórica que você assume ou não?

d) O que seus destinatários esperam de você no seu trabalho?

e) O que eu espero que o meu(s) destinatário(s) diga(m), depois de ler meu texto?

9. Nas atividades anteriores, vimos que, antes de mais nada, você deve
seduzir o leitor para que ele tenha vontade de ler o seu texto. Agora leia
os dois inícios de resumo a seguir e identifique o que parece mais fácil
de ler para a maioria das pessoas.
a) A presente investigação fornece material empírico atinente à congruência pessoa-organização,
no domínio dos climas éticos, satisfazendo critérios de comensurabilidade para as duas entidades
do binómio. [...]
(Rego, A. 2001. Climas éticos organizacionais: validação do constructo a dois níveis de

análise. In: Psicologia: organizações e trabalho)

b) As mudanças recentes do mundo do trabalho alimentam dúvidas sobre quais crenças persistem
entre as pessoas. Um estudo americano identificou empiricamente a persistência de cinco
sistemas: ética do trabalho, crenças organizacionais, crenças marxistas, crenças humanistas e ética
do lazer, e o fortalecimento do último. [...]
(Borges, L. de O. 2001. Crenças no trabalho: diferenças entre acadêmicos e dirigentes de

empresas. In: Psicologia: organizações e trabalho)

Trecho mais fácil de ler:__________

6. Essas perguntas foram baseadas em Carmo-Neto, 1996.

70 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI


10. Associe as características abaixo com o primeiro (a), o segundo (b), ou
os dois (a/b) inícios de resuma
( ) texto pomposo
( ) texto claro
( ) texto muito teórico
( ) texto sem exemplos e sem explicações
( ) texto bem escrito (claro e gramaticalmente correto)
( ) texto que parte de uma situação conhecida ou facilmente identificável pelo leitor
( ) texto hermético

11. Qual texto você gostaria de ler. Por quê?

CONSELHOS ÚTEIS
a) Em todas as fases de seu trabalho, depois de deixar seu texto
“dormir um pouco na gaveta”, coloque-se na posição de um de
seus leitores. O texto está claro? As ideias estão bem relaciona­
das umas às outras? Elas estão bem sustentadas? Estão bem
apoiadas em autores reconhecidos no campo?
b) Depois, releia, colocando-se na posição de outro leitor. Faça as
mesmas perguntas.

Concluindo... -------------------------------------------------------------
Leia as dicas abaixo e acrescente outras, baseando-se em suas conclusões sobre a
situação de produção de um texto acadêmico.

• Lembre-se sempre de que você não está escrevendo apenas para seu orientador/
professor, mas, em primeiro lugar, para uma banca, representante de uma comu­
nidade científica ampla, que não compartilha das mesmas teorias.
• Você deve passar a imagem de alguém que conhece a teoria com a qual trabalha,
que sabe trabalhar cientificamente, que observa a lógica científica, que escreve
bem, que é claro etc.

PLANEJAR GÊNEROS ACADÊMICOS 71


• Uma dica para ser claro: experimente imaginar que, na sua banca, há um colega seu
de trabalho ou do pós, que é inteligente, mas que não conhece o que você conhece.

• ________________________________________ ______________________________

Para continuar a conversa...

Procure três textos quaisquer que você tenha escrito e verifique se, pela leitura deles,
você pode detectar as imagens que tinha sobre os destinatários desses textos.

72 ANNA RACHEL MACHADO | ELIANE LOUSADA | LÍLIA SANTOS ABREU-TARDELLI

Você também pode gostar