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Faculdade de Educação

Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social

Victor Gabriel Nogueira Brito

Projetos de Correção de Fluxo: Um estudo das relações sócio


educativas em escola do Vale do Jequitinhonha.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade


de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial para obtenção de título de
especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade
Social.

Belo Horizonte
2016
Faculdade de Educação
Curso de Especialização Educação, pobreza e Desigualdade Social

Victor Gabriel Nogueira Brito

Projetos de Correção de Fluxo: Um estudo das relações sócio


educativas em escola do Vale do Jequitinhonha.

Trabalho de conclusão de curso aprovado, Com


recomendação de publicação em ___ de ________ de
2016, pela banca examinadora constituída pelos
professores:

Nome do professor (a)

Nome do professor (a)

Nome do Professor (a)


RESUMO

Esta pesquisa busca analisar as classes de correção de fluxo em escola


estadual de município da região do Vale do Jequitinhonha, compreendendo de
que forma projetos como o “Projeto Acelerar para Vencer” (PAV) e o “Projeto
Elevação da Escolaridade – Metodologia Telessala Minas Gerais” afetaram o
fluxo de permanência e/ou evasão escolar de alunos em situação de distorção
idade/série. Através de pesquisa bibliográfica e documental, questionários,
entrevistas e análise de dados, pôde-se indicar os principais motivos de evasão
e as relações existentes entre os projetos, o ambiente escolar, o programa
Bolsa Família e o contexto social da comunidade. O trabalho procurou também,
apontar problemas e opiniões sobre os projetos de correção de fluxo da rede
estadual, as relações entre eles, suas diferenças e seus resultados.
Apresentou-se as dificuldades encontradas e a efetividade dos dois projetos
através da comparação dos dados dos anos 2013 a 2016, respondendo como
os projetos foram vistos na comunidade escolar e em que medida a
implementação destes pode ou não ser considerada como satisfatória.

PALAVRAS-CHAVE
Fluxo Escolar – Elevação da Escolaridade – Programa Bolsa Família

ABSTRACT
This research aims to analyze the classes of flow correction in a state school of
the municipality of the Jequitinhonha Valley region, including how projects such
as the "Accelerate to Win Project" (PAV) and the "Higher Schooling Project -
Telessala Minas Gerais Methodology "Affected the flow of permanence and / or
school dropout of students in situation of age / series distortion. Through
bibliographic and documentary research, questionnaires, interviews and data
analysis, it was possible to indicate the main reasons for evasion, and the
relationships between the projects, the school environment, the Bolsa Família
program and the social context of the community. The work also sought to point
out problems and opinions about the projects of correction of flow of the state
network, the relations between them, their differences and their results. The
difficulties encountered and the effectiveness of the two projects were
presented by comparing the data from the years 2013 to 2016, answering how
the projects were seen in the school community and to what extent the
implementation of these projects may or may not be considered satisfactory.

KEYWORDS
School flow - Higher education– Bolsa Família program

2
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Taxa de Rendimento do Município Pesquisado (2015) ..................15


Tabela 2 – Taxa de Rendimento de Sabará/MG (2015) .................................. 15
Tabela 3 – Motivos de Evasão Escolar .............................................................18
Tabela 4 - Taxas de Reprovação e Abandono (2013 a 2015) .........................21

3
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Acolhimento no ambiente escolar ................................................. 23


Gráfico 2 – Apoio Familiar ............................................................................... 24
Gráfico 3 – Motivos de Evasão Escolar ............................................................26

4
SUMÁRIO

Projetos de Correção de Fluxo: Um estudo das relações sócio educativas em


escola do Vale do Jequitinhonha.

1. INTRODUÇÃO 6
2. Os Programas de Correção de Fluxo 11
2.1 – O PAV: Projeto Acelerar Para Vencer 12
2.2 – Projeto Elevação de Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais 14
2.3 – Os programas de Correção de Fluxo enquanto instrumentos para mudança 16
3. Correção de Fluxo: relações sócio educativas. 20
4. Considerações Finais 29
5. REFERÊNCIAS 30

5
Projetos de Correção de Fluxo: Um estudo das relações sócio
educativas em escola do Vale do Jequitinhonha.

1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que é preciso compreender, cada dia mais, a importância da
educação na transformação social e histórica dos indivíduos de uma sociedade. De
fato, necessita-se de um engajamento escolar e familiar neste processo, que,
diversas vezes é interrompido por questões diversas. Quando se fala de evasão ou
abandono escolar, comumente volta-se à questões extraescolares que permeiam
este problema, e cabe, pois, à escola e às políticas públicas muitas vezes o papel de
intensificar os trabalhos no combate ao mesmo e na responsabilidade de garantir de
forma igualitária as melhores condições para que haja qualidade e continuidade na
vida escolar dos alunos. Considerando a norma prescrita, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº9394/96 assegura a formação e ressalta a questão
do processo de aprendizagem, através dos seus artigos 22 e 23:

A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-


lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. A
educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar. (LDB, 1996, p.25)

Sendo assim, levando em consideração não só as obrigações legais, mas


também a realidade de uma escola estadual em um município no Vale do
Jequitinhonha, o presente trabalho procura evidenciar as alternativas construídas
através de programas de correção de fluxo no município atentando ao fato da sua
realidade social e econômica e ao número existente de educandos que permanecem
com distorções idade-série.
Justifica-se a importância deste trabalho na medida em que o mesmo poderá
ser capaz de constituir análise interna da relação existente entre a evasão escolar e
o público atingido, em sua maioria, inserido em contextos de vulnerabilidade social
e/ou beneficiários diretos de programas de transferência de renda. Da mesma forma,
pretende-se que o presente trabalho possa ajudar a construir a visão crítica a
6
respeito da relação direta entre Bolsa Família e os programas implantados,
verificando a efetividade de estratégias utilizadas na inserção social do aluno e suas
implicações no ensino-aprendizagem. De modo geral, procura-se compreender
como os projetos de correção de fluxo numa instituição estadual em um município
do Vale do Jequitinhonha, podem ter afetado ao fluxo de permanência e ou evasão
escolar de alunos em distorção que estão inseridos, neste caso, em meio
social/econômico desfavorável.

Compreende-se que a distribuição de renda é um fator que está diretamente


ligado a questões que permeiam o ambiente escolar e a comunidade, e por vezes
acaba por interferir na vida escolar dos estudantes, segundo Setubal (2000):

No caso brasileiro, a questão central da desigualdade reflete-se na


distribuição de renda e na má qualidade dos serviços públicos. Viabilizar o
espaço público como espaço de todos, tomando como eixo a equidade
significa ajustar a política econômica à necessidades sociais, para construir
um novo modelo em que a produtividade, condição essencial do mundo
moderno, seja norteada por uma ética de maior justiça social e
solidariedade (SETUBAL, 2000, p. 10).

Nos anos 90 compreendeu-se ainda mais a importância de combater os


níveis de distorção idade-série e os níveis de abandono que foram apontados por
índices educacionais, como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) e neste sentido o país intensificou os trabalhos na busca por uma educação
que pudesse, de fato, atender com qualidade a população. Os programas de
correção de fluxo surgem como ferramenta direta na correção das defasagens
idade-série e para enfrentamento de um problema que, visto profundamente,
mantinha raízes históricas. Segundo César Benjamin:

A proposta de dar educação formal a toda a população é uma extravagância


das sociedades contemporâneas, quando comparadas às que existiram na
pré-modernidade. Nenhuma sociedade anterior havia disseminado essa
prática, nem mesmo a Grécia clássica, cuja herança cultural nos marcou tão
profundamente. A educação formal sempre foi restrita a pequenas elites ou
a grupos fechados, especialmente os religiosos. (BENJAMIN,2016, p.9.)

Dessa forma, pode-se inferir que, sendo a educação historicamente um


privilégio para poucos, mesmo atualmente sendo um direito de todos, a utilização de
projetos que visem a permanência e a correção de atrasos escolares, principalmente
dos menos favorecidos, faz com que a educação tente atingir o patamar de direito
que não exclua ou diferencie aqueles que não se encontram dentro do “padrão”

7
estabelecido. Ainda segundo Setubal (2000), a utilização destes projetos faz-se
efetiva no momento em que busquem:
(...) o alcance de uma educação de qualidade para todos, ou seja, o
desenvolvimento de projetos que visem eliminar ou reduzir as
desigualdades que permeiam o sistema educacional brasileiro. Tal
movimento implica mudanças na forma de agir e conceber a ação política.
(SETUBAL, 2000.p.15)

É neste aspecto e sobre esta base que se encontra o principal ponto que os
programas de correção de fluxo deveriam atingir: uma verdadeira e democrática
inclusão social no ambiente escolar.
A região onde esta pesquisa é construída, o Vale do Jequitinhonha, é situada
no nordeste de Minas Gerais e ocupa cerca de 14,5% da área do estado
(CODEVALE, 1986). Muitas vezes chamado de “Vale da miséria” esta região
apresenta de fato números elevados de pobreza e mantinha, no início dos anos 90,
índice elevado de alunos desistentes e/ou fora da escola. (BARBOSA, 2010.)
Quanto às questões sociais, ficam nítidas as dificuldades do município pesquisado
quando observados os dados sobre o PIB (Produto Interno Bruto), os mesmos
demonstram um PIB per capta de 9.123,07 bem inferior, por exemplo, ao valor do
estado que chega a 23.646,21. (IBGE, 2015).
No município pesquisado destacam-se dois principais projetos de correção de
fluxo da rede estadual: O PAV (Projeto Acelerar para Vencer) 1 e o projeto “Elevação
de Escolaridade” – Metodologia Telessala Minas Gerais. O primeiro permaneceu por
7 anos implementado nas escolas estaduais do município dando lugar ao segundo
projeto no início de 2016. De toda forma, ambos representam instrumento de análise
na construção desta pesquisa.
O Projeto Acelerar para Vencer (PAV), foi implementado no ano de 2008 pelo
Governo Federal (Gestão 2003 - 2010) através da SEE/MG (Secretaria de Estado de
Educação de Minas Gerais), e prevê a possibilidade de aceleração para alunos com
atraso escolar e a correção do fluxo escolar como uma estratégia para atender aos
alunos do Ensino Fundamental (EF), com pelo menos dois anos ou mais de
distorção da idade em relação ao ano de escolaridade adequada. Seus principais
objetivos são aumentar a proficiência média do aluno e reduzir a distorção idade/ano
de escolaridade. Sendo assim:

1
Centro de Referência Virtual do Professor, http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.aspx?
id_projeto=27&ID_OBJETO=102055&tipo=ob&cp=000000&cb (Acesso em: 13/12/2016)
8
O PAV se configura como uma política pública necessária na tentativa de
correção de fluxo nas escolas estaduais, devido aos prejuízos causados
pelas repetidas reprovações em sua trajetória escolar; sendo compreendido
também, como uma política de equidade destinada a um determinado
público escolar, com vistas a garantir resultados mais igualitários, bem como
uma possibilidade de inclusão social e resgate da autoestima dos alunos.
(LIMA &RODRIGUEZ, 2008, p. 56)

Nesta mesma linha de trabalho, foi implementado no início de 2016 o Projeto


“Elevação de Escolaridade” – Metodologia Telessala Minas Gerais 2, o mesmo,
legalizado pela resolução 2957/2016, procura atender estudantes dos anos finais do
Ensino Fundamental. Conforme o documento, o projeto tem o objetivo de:
Reduzir progressivamente as taxas de distorção idade/ano de escolaridade;
fortalecer a autoestima dos estudantes; elevar a escolaridade dos
estudantes do Ensino Fundamental na idade de 15 a 17 anos; ampliar
tempos, espaços, e ofertas de atividades diversificadas, contemplando
todas as dimensões formativas dos estudantes; promover a aquisição de
competências e habilidades básicas indispensáveis ao sucesso do
estudante na vida e na escola. (MINAS GERAIS, 2016, p.1)

Assim sendo, ambos os projetos, embora tenham atividades diferenciadas e,


muito em decorrência de questões políticas, tenham se alternado, procuram não
apenas a correção das distorções, mas a devida inclusão e promoção dos alunos
atendidos em seu contexto social e econômico.
O trabalho foi realizado através de visitas periódicas à escola pesquisada no
município e que possui implantado o programa da correção do fluxo escolar, utilizou-
se também de pesquisas quantitativas, na formulação de tabelas, gráficos e
entrevistas diretas com os profissionais e alunos relacionados com o projeto de
correção de fluxo no ambiente escolar. Neste aspecto, foi utilizado o estudo de caso
embasado em autores como: Magda Maria Ventura e sua obra, O Estudo de caso
como modalidade de pesquisa; e o autor Howard Becker com a obra: Métodos de
Pesquisa em Ciências Sociais.
Tendo sido professor em instituição estadual durante os primeiros meses do
ano da pesquisa pude ter contato, ainda que superficialmente, com os professores e
turmas dos projetos de correção de fluxo. O curso de especialização já tratava,

2
Em parceria com a Fundação Roberto Marinho, o projeto procura oferecer outra alternativa de
formação para alunos que estão em defasagem ou não concluíram o fluxo escolar. Essa alternativa
estrutura-se em ações como: a organização de turmas de elevação, na utilização de aulas
presenciais e em vídeos (Telessalas) e o desenvolvimento de Circuitos de Aprendizagem,
https://www.educacao.mg.gov.br/component/gmg/story/8305-metodologia-diferenciada-auxilia-
estudantes-em-distorcao-idade-ano-na-aprendizagem-e-na-conclusao-do-ensino-fundamental
(Acesso em 30/09/2016)

9
desde o seu início, sobre questões de fluxo escolar e diversos trabalhos me
instigaram a compreender a fundo as características dos projetos de correção
estaduais. O contato com aspectos como a frequência e permanência no ambiente
escolar devido à minha função como coordenador do Programa Bolsa Família na
educação, também contribuíram decididamente para a escolha do tema e
construção desta pesquisa.
Inicialmente busquei auxílio junto á Superintendência Regional de Ensino,
mais especificamente com a coordenadora do projeto de correção de fluxo vigente.
Logo após, procurei a direção da escola escolhida para a pesquisa, dados dos anos
anteriores e a opinião da supervisão do projeto. Observei o andamento de
atividades, li planos de aulas e com as demais visitas ao ambiente escolar foram
expostos os caminhos necessários para a escrita do trabalho.
Entre os dias 18 e 22 de Julho de 2016 observei as aulas e realizei
entrevistas com os professores das classes de correção. Também foram utilizados
questionários que tiveram como referência os disponibilizados por Tânia Maria
Menezes Farias (2013) em tese de mestrado para a Universidade Federal de Juiz de
Fora.
No mês de agosto de 2016 recolhi dados estatísticos junto à
Superintendência Regional de Ensino e em 23 de agosto realizei entrevista com a
coordenadora do projeto “Elevação de Escolaridade – Metodologia Telessala Minas
Gerais”. Entre os dias 18 e 23 de setembro foram realizadas entrevistas com os
alunos das classes pesquisadas e os resultados obtidos foram comparados a outras
pesquisas e trabalhos anteriormente lidos. Entre eles os estudos de César Benjamin
em Educação e Projeto Nacional (2016); Miguel Arroyo em Para Além do Fracasso
Escolar (2001) e Marcelo Cortês Neri (2009) em Motivos da Evasão Escolar. Desta
forma, através da análise das respostas dos professores, coordenador, supervisor,
alunos e da comparação com dados estatísticos a observação da realidade das
classes foi realizada e o estudo pôde ser construído. Pode-se destacar, segundo
Ventura, que:

Os estudos de caso têm várias aplicações. Assim, é apropriado para


pesquisadores individuais, pois dá a oportunidade para que um aspecto de
um problema seja estudado em profundidade dentro de um período de
tempo limitado. Além disso, parece ser apropriado para investigação de
fenômenos quando há uma grande variedade de fatores e relacionamentos

10
que podem ser diretamente observados e não existem leis básicas para
determinar quais são importantes. (VENTURA, 2007, p.3)

Assim, poderemos inferir e/ou responder, mediante esta observação,


questões que surgem ao decorrer da análise documental.
No primeiro capítulo serão apresentados os pontos principais sobre os
projetos de aceleração, suas características e um levantamento prévio de questões
indicadas na pesquisa. No segundo capítulo do trabalho serão apresentadas as
conclusões e os dados retirados do trabalho de investigação no município e
principalmente na instituição de ensino através dos questionários, observação e
análise dos dados.

2. Os Programas de Correção de Fluxo

Tendo em vista o problema levantado, seus questionamentos, bem como o


intuito desta pesquisa, elegeu-se como já citado anteriormente, um município da
região do Vale do Jequitinhonha e uma de suas escolas estaduais como referência
para o estudo. O município, pertencente ao chamado “Baixo Jequitinhonha”, possui
cerca de 41.296 habitantes segundo o Censo Demográfico (IBGE 2015) e destes,
5.760 alunos estão inscritos em 2016 no Programa Bolsa Família e recebem o
benefício segundo dados do “Sistema Presença”3 do Governo Federal. Sabe-se que,
ainda existem famílias cadastradas que não recebem o benefício, não havendo
assim observância da frequência escolar dos filhos destas. Ainda segundo o IBGE,
em 2015 o município possuía 8.735 alunos matriculados, sendo 6.227 no Ensino
Fundamental.
Foram utilizados dois meios para a construção da pesquisa, a análise
documental e estatística e entrevistas/questionários com os atuais professores,
supervisor, diretor, coordenador e alunos das turmas de correção de fluxo da escola
no ano de 2016. Quanto à análise documental e estatística, os dados serviram como
base de entendimento dos anos anteriores de turmas de aceleração e seus
resultados e desafios futuros.

3
Plataforma Web do Governo Federal de acompanhamento e lançamento dos dados da frequência
escolar dos alunos beneficiários do Programa Bolsa Família. Acessado pelo endereço:
http://frequenciaescolarpbf.mec.gov.br/

11
Para uma melhor compreensão, iniciaremos esta explanação para entender
melhor os programas de correção de fluxo já apontados anteriormente, buscando
também demonstrar as pesquisas já realizadas por outros autores, principalmente
em relação ao PAV e à relação entre o Sistema Educacional, questões sociais e os
Programas de Transferência de renda.

2.1 – O PAV: Projeto Acelerar Para Vencer

O PAV, implementado pela Secretaria Estadual de Educação de Minas


Gerais, veio como instrumento de tentativa de correção do fluxo nas regiões do
Estado que mantinham no início do ano de 2008 os piores índices educacionais
relacionados às questões de frequência e permanência no ambiente escolar. Sendo
assim, embora tenha sido implementado na região metropolitana da capital (Belo
Horizonte) ainda no ano de 2009, veio com o intuito de atender principalmente
regiões como a que se introduz esta pesquisa. Segundo o documento base do
projeto:
A Secretaria de Estado da Educação, alicerçada no compromisso com os
mais de 90% dos alunos matriculados na escola pública e nas metas
estabelecidas para este segundo tempo de gestão, definiu como um de
seus Projetos Estruturadores o de “Aceleração da Aprendizagem e Melhoria
do Desempenho do Aluno”, a ser implementado no Norte de Minas e nos
vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Rio Doce, regiões que concentram
as maiores taxas de distorção idade-ano de escolaridade no Estado e que,
historicamente, apresentam baixa qualidade dos seus indicadores sócio-
econômicos. O Projeto integra a agenda do Governo de Minas para a
superação da pobreza crônica das novas gerações, por meio da melhoria da
educação das crianças, adolescentes e jovens. (MINAS GERAIS, 2008, p.4)

Importante destacar que, parece-nos claro que o PAV não se preocupou


apenas em corrigir e melhorar índices educacionais mas trouxe à tona e em seu
escopo de trabalho a necessidade de se respeitar ou compreender toda uma
realidade extraclasse que contribui para alunos que estejam fora da escola ou não
tenham conseguido, principalmente por questões financeiras e sociais, chegar ao fim
do ano letivo. Segundo o documento:
(...) o próprio aluno acaba sendo percebido como o principal responsável
pelo seu fracasso escolar, quando na realidade é muito mais uma vítima,
pelas em geral precárias condições em que vive com a família. Esta
percepção, disseminada em boa parte das escolas, tem interferido
negativamente na relação pedagógica e é indispensável que ela seja
superada e que em seu lugar a Escola assuma a ideia de que são
justamente estes os alunos que mais precisam de uma boa formação, de
um ensino que se constitua em instrumental básico de sobrevivência na
prática social. Estes alunos deverão ser percebidos como crianças,

12
adolescentes e jovens que têm direito a um ensino mais produtivo e
significativo, para que resgatem a auto-estima e a confiança em si e em
suas potencialidades. (MINAS GERAIS, 2008, p.5)

Percebe-se que, através do PAV, o Governo Federal procurava suscitar


melhorias não apenas relacionadas aos problemas de fluxo escolar, mas também a
questões sociais dos alunos, questões de fato muito visadas pelo governo.
O projeto foi dividido em “Aceleração I” e “Aceleração II”, o primeiro para
alunos com dois ou mais anos de distorção idade/ano de escolaridade nos anos
inicias e o segundo nos anos finais. Nesta pesquisa foram utilizados dados a partir
do ano de 2013 em que apenas turmas do “Aceleração II” existiam no município.
Assim sendo, nestas turmas os alunos concluiriam 2 anos em apenas 1 ano,
podendo ser incluídos nas turmas regulares no ano seguinte. Ainda segundo o
Documento Base:
Nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, o trabalho será
desenvolvido de forma global, dentro dos 200 dias letivos anuais e da carga
horária de 800 horas, desenvolvendo os conteúdos da Base Nacional
Comum e construindo as capacidades e habilidades necessárias aos
avanços dos alunos dia a dia. A conclusão de cada projeto deve ser motivo
de comemoração por todos, alunos e professores. Será exigida a frequência
legal obrigatória e serão garantidos estudos de enriquecimento curricular e
recuperação da aprendizagem, ao longo de todo o processo, aos alunos
que apresentarem dificuldades. (MINAS GERAIS, 2008, p.10)

Com o objetivo de aumentar a proficiência média dos alunos do Ensino


Fundamental, o Projeto Acelerar Para Vencer constitui-se também como um meio
que pudesse, de fato, incluir o aluno em defasagem em seu meio social, pois
também necessitava-se recuperar a autoestima destes alunos. Neste aspecto, a
SEE/MG estabeleceu como objetivos específicos:
Capacitar os técnicos das SRE, Supervisores Pedagógicos e Professores
na metodologia e operacionalização das ações do Projeto. Desenvolver
alternativa pedagógica de aceleração da aprendizagem, fundamentada em
aprendizagens significativas, a partir do currículo básico e do fortalecimento
da autoestima. Fortalecer e desenvolver o autoconceito e a auto-estima dos
alunos. Contribuir para que os professores envolvidos no Projeto construam
referências pedagógicas de melhoria da prática docente e do processo
ensino-aprendizagem. Erradicar a cultura da repetência no Ensino
Fundamental com a implementação da pedagogia do sucesso. Garantir a
aprendizagem do aluno para que seja promovido, ao final de cada ano
letivo, para o ano escolar adequado à sua idade. Estabelecer parcerias com
as prefeituras municipais para inclusão das ações do projeto nas escolas de
sua rede. Promover uma nova cultura baseada no sucesso do aluno.
(MINAS GERAIS, 2008, p.6)

Nos anos de 2013 a 2015, no município avaliado, foram matriculados


335 alunos em turmas do PAV, destes, 165 na escola pesquisada.

13
(SEEMG/SI/SIE/Diretoria de Informações Educacionais. 2016). No ano de 2015,
apenas duas turmas com um total de 70 alunos existiam no município, uma queda
de quase 50% no número de matriculados se comparado ao ano anterior, onde
foram 136 matriculados. (CENSO ESCOLAR, 2015)
Algumas pesquisas foram realizadas de forma mais abrangente sobre o PAV
e foram utilizadas como referência também para este trabalho. De modo geral,
compreender a aplicação do projeto em anos anteriores e em outras regiões faz-nos
observar pontos que podem e devem ser ressaltados nesta pesquisa. Os trabalhos
de Liliane Cecília de Miranda Barbosa (2010) e de Tânia Maria Menezes Farias
Barbosa (2013) foram utilizados e se destacam na medida em que caracterizam o
projeto bem como demonstram visão ampla dos aspectos educacionais do estado
de Minas Gerais e aspectos sociais das turmas na primeira década do século XXI.
Segundo Tânia:
O Projeto Acelerar Para Vencer (PAV) foi pensado pela SEE/MG como uma
estratégia de intervenção pedagógica, com o objetivo de sanar lacunas da
aprendizagem e melhorar o desempenho dos alunos por meio de uma
metodologia alternativa e adequada a esse público, possibilitando a todos a
recuperação do tempo perdido ao longo de sua trajetória escolar. A
SEE/MG deixa explícito no Documento Base do projeto que a consequência
que se espera com os resultados das ações previstas é a correção da
distorção com a superação da questão do fracasso escolar, justificando que
este tem raízes tanto na desigualdade social, quanto em mecanismos
internos à escola. (BARBOSA, 2013, p.32)

Importante também destacar a análise e o trabalho realizado por Márcia


Helena Manso (2013), no artigo a autora destaca o estudo do projeto enquanto
ferramenta de inclusão social, e a visão da escola como grande responsável neste
sentido, já que, a mesma é vista como instituição capaz de elevar a capacidade
produtiva e a competitividade dos indivíduos, o que resultaria em desenvolvimento
econômico e na consequente superação da “pobreza crônica” (MANSO,2013). Deste
modo, a pesquisa de Manso (2013) muito contribui na atual pesquisa na medida em
que aqui se busca correlacionar os projetos de correção de fluxo ao contexto escolar
e social dos alunos pesquisados.

2.2 – Projeto Elevação de Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais

Instituído pela Resolução SEE/MG nº 2957 de 20 de abril de 2016 o Projeto


Elevação de Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais procura atender
estudantes maiores de 14 anos e menores de 18 e que apresentem 2 (dois) anos de

14
distorção idade/ano de escolaridade e estudos parciais nos anos finais do Ensino
Fundamental. Assim como o PAV, além da correção do fluxo escolar, o projeto
Elevação de Escolaridade procura aumentar a autoestima dos alunos promovendo
competências para que permaneçam na escola e encontrem sucesso futuro na vida
social.
Segundo dados do INEP/2014 cerca de 22,7% 4dos estudantes do estado de
Minas Gerais do 6º ao 9º ano permaneciam em distorções idade/ano de
escolaridade. Assim sendo, o projeto veio como instrumento para atender estes
estudantes na tentativa de mudança deste quadro. De forma geral, o projeto
Elevação de Escolaridade tem como foco principal a formação de cidadãos com
conhecimento de seu tempo e espaço, capazes de tomarem decisões para melhoria
de sua condição de vida. (MINAS GERAIS, 2016)
Diferentemente de outros projetos de correção de fluxo implementados e
desenvolvidos pelas Secretaria de Educação do Estado, o Projeto Elevação de
Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais não apresenta componentes
curriculares iguais aos das classes regulares dividindo-se assim em 3 eixos
temáticos modulares:

Módulo I – Eixo: O ser humano e sua expressão, com os componentes


curriculares: Língua Portuguesa, Ciências e Educação Física. Módulo II –
Eixo: O ser humano interagindo com o espaço, com os componentes
curriculares: Geografia, Matemática e Ensino Religioso. Módulo III – Eixo: O
ser humano em ação e sua participação social, com os componentes:
História, Língua Estrangeira Moderna Inglês e Arte. (MINAS GERAIS,
2016.p.4)

Além disso, ao término do ano letivo de estudos, o estudante concluirá toda a etapa
do Ensino Fundamental Final (6º ao 9º ano), diferente do PAV, neste programa o
aluno concluiria em 2 (dois) anos.
O projeto “Elevação de Escolaridade” possui ainda diversas peculiaridades,
entre elas: as vídeo-aulas disponibilizadas pela Fundação Roberto Marinho, o fato
de só haver 1 (um) professor para cada turma, e a constante utilização de trabalhos
em grupos onde os alunos são influenciados ao respeito mútuo e vida em
sociedade.
Destaca-se também o “Memorial”, caderno individual em que cada estudante
pode anotar assuntos cotidianos, sejam eles dos assuntos e aprendizados das aulas

4
Disponível em http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais
15
ou da sua vida pessoal, construindo assim, um rico relato que caracteriza o
ambiente onde vive, suas dificuldades e aprendizados.
No município pesquisado estão matriculados 96 alunos no Projeto Elevação
da Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais e na escola pesquisada
existem duas turmas com 25 alunos cada. Compõem o quadro do projeto na escola:
2 professores, 1 supervisor e 1 coordenador junto à Superintendência Regional de
Ensino.

2.3 – Os programas de Correção de Fluxo enquanto instrumentos para


mudança

Não se pode falar em correção de fluxo escolar sem discutir sobre os


possíveis e reais motivos que podem fazer com que crianças e adolescentes se
distanciem ou evadam da escola. De fato, algumas regiões como as de primeira
abrangência dos programas citados anteriormente, apresentam os maiores índices
de evasão escolar do país, muito relacionados a questões sociais e financeiras.
Observemos as tabelas abaixo em que as taxas de rendimento escolar do ano de
2015 no Ensino Fundamental são apontadas em dois municípios distintos. Foi
escolhido para a comparação um município próximo à capital, Belo Horizonte, e que
apresenta, segundo conhecimento prévio, melhores resultados educacionais.

Taxa de Rendimento 2015 – Município pesquisado do Vale do Jequitinhonha.

Etapa Escolar Reprovação Abandono Aprovação

Anos Iniciais 3,7% 125 reprovações 2,2% 74 abandonos 94,2% 3.203 aprovações

Anos Finais 13,8% 395 reprovações 7,9% 227 abandonos 78,3% 2.244 aprovações

Taxa de Rendimento 2015 – Município de Sabará/MG

Etapa Escolar Reprovação Abandono Aprovação

Anos Iniciais 4,9% 433 reprovações 0,4% 35 abandonos 94,7% 8.281 aprovações

Anos Finais 13,8% 1.006 reprovações 2,6% 188 abandonos 83,7% 6.116 aprovações

16
Fonte: INEP/2015
No município do Vale do Jequitinhonha as taxas de abandono são bem
superiores às taxas do município de Sabará, localizado próximo à capital, Belo
Horizonte. Percebe-se claramente através deste exemplo as disparidades
educacionais entre as regiões e a possível relação entre as diferenças sociais e os
índices educacionais. Em termos absolutos e relativos, Sabará é bem melhor. Cabe
ainda salientar que, o número de matriculados no município de Sabará é maior que
o número de matriculados no município do Baixo Jequitinhonha, ainda assim, o
número de alunos que abandonaram a escola no ano de 2015 no município do Vale
chega a 301 contra 223 no município vizinho à capital do estado. Segundo Maria
Alice Setubal (2000), as taxas de rendimento do país variam consideravelmente,
pois:
Dada a diversidade e as desigualdades regionais e sociais no País, estas
taxas devem estar relacionadas com uma multiplicidade de fatores que vão
desde a problemática social da sobrevivência, atitudes de rebeldia ao
sistema como um todo, ou falta de perspectiva de emprego, até questões
internas à escola; (SETUBAL, 2000.p.10)

Dessa forma, é possível compreender que os programas de correção de fluxo


tornam-se cada vez mais importantes quando levados em consideração critérios
sociais que dificultam, impedem ou colaboram para que muitos adolescentes e
crianças estejam hoje ainda fora das escolas. No Vale do Jequitinhonha, embora
este quadro se modifique ano após ano, os índices ainda permanecem maiores que
nas demais regiões do país. Segundo Graziela Valadares Gomes de Mello Vianna
(2014):
A região do Vale do Jequitinhonha situada no nordeste do Estado de Minas
Gerais ocupa uma área de 79 mil quilômetros quadrados. Em termos
socioeconômicos, a região constituída por 75 municípios caracteriza-se por
baixa taxa de urbanização, por uma base industrial precária e um intenso
fluxo migratório. Seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponde a menos de
2,0% do PIB de Minas Gerais. (VIANNA, in. Revista de Estudos da
Comunicação, 2014, p.258)

É fácil inferir que, devido a diversas questões, sejam elas sociais ou


econômicas, no Vale do Jequitinhonha os alunos encontram maiores dificuldades
que atrapalham a permanência no ambiente escolar, bem como a falta deum meio
social que os incentive enquanto estudantes e cidadãos com plenas condições de
mudarem sua realidade.
Assim, os programas de correção de fluxo deveriam contribuir para que
alunos em defasagem pudessem, não apenas corrigir sua vida escolar, mas
17
adentrarem a vida social, tornarem-se profissionais habilitados no futuro,
modificando assim a realidade em que vivem. Não obstante, os projetos descritos
anteriormente demonstrem claro objetivo de construir uma nova visão dos alunos
sobre si mesmos e sobre o futuro escolar e profissional.
Os estudos sobre classes de correção de fluxo relacionam na sua maioria a
temática à questões sociais. Destaca-se, porém, que os projetos de aceleração da
aprendizagem podem, ao contrário de incluir alunos defasados ao ambiente escolar,
acabar por construir ainda mais um ambiente de exclusão. A visão que se tem sobre
estas classes contribui para que ao adentrarem as classes regulares os alunos ainda
permaneçam distantes dos demais alunos quanto à aprendizagem. Por este fato,
acabariam sendo ainda mais afastados do “Ideal” nível de conhecimentos exigidos e
entendidos sempre como alunos atrasados. Segundo Norinês Panicacci Bahia
(2002) a proposta da aceleração da aprendizagem:
Provoca indagações sobre seu objetivo: promover a inclusão e efetivamente
corrigir o fluxo idade-série entre os alunos defasados ou contribuir apenas
para o mascaramento de uma situação de “reclusão de excluídos”? Apesar
de garantir a permanência na escola de alguns alunos estigmatizados pelo
fracasso, parece não estar garantindo a qualidade da aprendizagem.
(BAHIA, 2002, p.4)

Pode-se perceber que, ao serem incluídos em uma mesma classe alunos com
defasagem escolar, a própria homogeneização da turma contribui para que a mesma
seja vista como “classe problema”. Tendo em vista os reais objetivos das classes de
correção de fluxo, até mesmo a ideia construída sobre os projetos contrariaria os
mesmos objetivos, dificultando uma “política educacional orientada para a formação
da cidadania” como propõe Maria Alice Setubal (2000).
Levando em consideração todos estes problemas, dentro ou fora do ambiente
escolar é que buscamos compreender a importância de projetos que objetivam
manter crianças e jovens na escola. Compreender os motivos reais pelos quais os
jovens abandonam a escola, bem como o valor dado à escola por eles é
fundamental. É preciso que os alunos encontrem fora e dentro da escola condições
que contribuam para uma verdadeira transformação pela educação. Neste aspecto,
as escolas públicas parecem assumir uma maior responsabilidade, já que
recebemos público na sua maioria, da classe pobre deste país. Segundo Benjamin:
Formar cidadãos, não consumidores passivos e frustrados, continua a ser o
insubstituível papel da rede pública de educação. Mas ela não conseguirá
renascer sozinha, pelos próprios esforços, independentemente de quanto
dinheiro se gaste. Filha de um projeto nacional, ela depende dele para

18
recuperar sua razão de ser. A falta de projeto é mais angustiante que a de
dinheiro. (BENJAMIN, 2016, p.18)

Ainda no mesmo enfoque, pelas diversas dificuldades encontradas nas salas


dos projetos de correção de fluxo os alunos acabam não conseguindo prosseguir
nos estudos, nem tão pouco atingir o nível dos demais alunos das turmas regulares.
A coordenadora do projeto Elevação de Escolaridade no município ao ser
questionada sobre as diferenças entre o projeto vigente no momento e o PAV
explicou que:
Os professores não gostavam muito das turmas do PAV, quer dizer, porque
tinham muitos alunos com dificuldades e com problemas assim de respeito
ao professor, então a escola não via com bons olhos e o material não era
suficiente pra fazer um bom trabalho (...) O Elevação ainda está começando
aqui, mas parece que é melhor, os alunos gostam mais, o material está todo
ai e tem tido bons resultados por enquanto. (Entrevista concedida em
23/08/2016)

Através desta fala é possível compreender muitos dos problemas já


apontados anteriormente. Muitas vezes, o aluno acaba sendo culpado também pelas
próprias dificuldades e professores desmotivados contribuem para que um projeto
como este, com função de integração, exclua ainda mais estudantes com histórico
social desfavorável. Segundo Beatriz Bittencourt Collere Hanff em pesquisa sobre as
classes de aceleração no estado de Santa Catarina, o trabalho em turmas de
correção de fluxo pode apontar para:
(...) uma prática que tem ocultado o fenômeno social da exclusão escolar,
centrando os problemas educacionais nos recursos pedagógicos e na
pessoa do aluno. Se, de um lado, as políticas nacionais como a das Classes
de Aceleração têm tratado os problemas educacionais como endemias,
cujas medidas remediativas têm o intuito de eliminar “a doença” da evasão e
da reprovação, de outro serviram para desvelar as contradições existentes
no ensino brasileiro. (HANFF, 2002, p.39)

Assim, os projetos de correção de fluxo devem, bem como os professores e


todo o corpo escolar, favorecer a verdadeira inclusão de jovens e crianças que
haviam perdido o vínculo com a escola. Muitas vezes, o aluno defasado é visto
como um “aluno problema” que não possui expectativa de melhora e o ensino é
muitas vezes passado de forma descompromissada, favorecendo ainda mais que os
alunos, pela desmotivação, evadam do ambiente escolar. Sabe-se que, devido aos
constantes incentivos para que não haja alunos reprovados ou retidos, muitos
acabam terminando o ano letivo, mas atingem a série superior com diversas
dificuldades que os farão carregar o fardo da defasagem pelo resto da vida escolar.

19
Através da pesquisa realizada por Marcelo Neri para a Fundação Getúlio
Vargas no ano de 2009, pudemos observar os principais motivos para a evasão
escolar, principalmente dos jovens nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio,
observemos os dados disponibilizados na pesquisa:

Motivos da Evasão Escolar


Demanda: Renda/Trabalho 27,1%
Oferta: Falta de Escola 10,9%
Demanda: Falta de Interesse 40,3%
Outros Motivos 21,7%
Fonte: Fundação Getúlio Vargas 2009

Pode-se perceber que, as questões financeiras (renda e trabalho) e a falta de


interesse dos estudantes são os 2(dois) maiores índices que os motivam a
abandonarem a escola. A falta de interesse caracteriza a desvalorização dada pelo
aluno à escola, bem como a falta de incentivo da escola e da própria família.
Quando se propõe, portanto, que alunos que evadiram retornem ao ambiente
escolar, é necessário que os projetos instalados para este fim possibilitem aos
alunos, ensino de qualidade e a retomada da confiança, fazendo com que se sintam
acolhidos e os conscientize, bem como suas famílias, da importância da frequência
e da permanência na instituição de ensino.

3. Correção de Fluxo: relações sócio educativas.


Quando se propõem relacionar os projetos de correção de fluxo com as
questões sociais e educativas da comunidade e de seus membros, tratamos de
contemplar diversos pontos já debatidos por muitas outras pesquisas, que vão,
desde Paulo Freire e sua Pedagogia do Oprimido (1974) até trabalhos mais atuais
voltados a questões de atendimento aos excluídos como os propostos por Miguel
Arroyo já neste século. Segundo o autor:
“(...) a marginalidade, a pobreza e a miséria estão aí afetando os setores
populares, os trabalhadores, a infância e a adolescência de nossas escolas.
Estamos num momento sensível às velhas realidades: as desigualdades e
os múltiplos processos de exclusão e marginalização. O fracasso escolar
20
volta, ou melhor, nunca nos abandonou. As motivações para tanta
sensibilidade são diversas, desde o medo dos conflitos sociais, da violência
dos meninos de rua, até os velhos ideais de uma escola igualitária, passado
pela redução dos custos na administração dos reprovados - repetentes. ”
(ARROYO, 2001, p.12)

Percebe-se que, é preciso compreender de que forma o atendimento ao


público mais carente está sendo realizado no espaço da escola, e perceber os reais
motivos que dificultam não só a aprendizagem efetiva, mas como enfoque neste
trabalho, a frequência e permanência dos estudantes. É importante construir este
quadro quando tratamos de tema tão profundo como a desigualdade social e a sua
relação com a educação.
Durante a pesquisa realizada na escola pode-se perceber que, o corpo
pedagógico possui um certo distanciamento das questões sociais dos alunos,
principalmente daqueles em que a família é ausente. Este fato dificulta
consideravelmente o desenvolvimento do aluno que se encontra envolto nos
contextos de marginalidade, pobreza e miséria apontados por Arroyo (2001). Nos
parece positivo no Projeto Elevação de Escolaridade - Metodologia Telessala Minas
Gerais, a utilização do caderno de “Memorial” dos alunos, pois, através deles os
professores podem verificar diversas questões que permeiam a vida cotidiana dos
estudantes e que influenciam a sua aprendizagem. Um dos professores declarou
que:
Tem alunos que já viveram coisas demais, situações assim muito
marcantes. Uma das minhas alunas teve um filho com 15 anos, já perdeu o
pai, e não mora com o pai do filho. Algumas vezes ela nem vem na escola,
ou fica toda desatenta nas aulas, não dá pra cobrar muito assim, é
complicado. (Entrevista concedida em 20/07/2016)

Talvez aí se encontre um dos grandes problemas do Projeto “Acelerar para


Vencer” que existiu até o ano de 2015, diferentemente do projeto vigente, ele
favorecia muito este distanciamento entre a comunidade escolar e o aluno, de modo
que, a aprendizagem muitas vezes era considerada um desafio sem solução e os
alunos eram culpados por seu próprio fracasso.
Além disso, muitas eram as reclamações relacionadas ao currículo e livros
didáticos utilizados. Os professores utilizavam os mesmos livros das classes
regulares o que acarretava diversos empecilhos já que os alunos não dispunham do
mesmo tempo das classes regulares para verem todos os conteúdos, isso fazia com
que os mesmos fossem muitas vezes passados de forma rápida e desconexa e/ou

21
minimizada. Na pesquisa realizada sobre o PAV por Tânia Maria Meneses Farias
Barbosa, a autora afirma que:
(...) parece haver um equívoco no entendimento do significado do que seja
ensinar o básico que, para esses professores corresponde à minimização
dos conteúdos e não ao fundamental, ou seja, a seleção dos conteúdos que
constituema base da aprendizagem dos alunos. Este básico é entendido por
alguns professores como atividades de pouca complexidade acadêmica -
assistir a um filme; realizar trabalhos manuais; entre outras atividades
semelhantes, desconectados de um objetivo pedagógico. É o que se
comprova na fala de um dos professores entrevistados: “Pro PAV não dá
pra exigir muito, eles não dão conta, tem que ser o básico mesmo. O
problema é quando chega no ensino médio” (BARBOSA, 2011, p. 92/93)

Os mesmos problemas com o PAV foram encontrados na atual pesquisa;


como já explanado anteriormente, sempre houve certa resistência dos profissionais
quanto ao projeto, além disso, durante o estudo, verificou-se que 12 alunos do atual
projeto de correção de fluxo já haviam sido alunos do PAV. Ao serem questionados
sobre os motivos de não haverem concluído o ano escolar no projeto anterior,
declararam achar as aulas “ruins” e “sem firmeza”, um deles afirmou não “ter
vontade de ir pra aula e estudar” e que “tinha muita bagunça” (Aluno B, em
18/09/2016),dessa forma, ao menos para este grupo de alunos repetentes, o PAV
parece não ter atingido os objetivos planejados. Não só a permanência dos
estudantes no ambiente escolar foi relativamente ruim, quanto as reclamações dos
alunos advindos das classes de aceleração que adentraram nas classes regulares
são cada vez mais constantes, por estes, não “estarem no mesmo nível dos outros”.
(Professor II em 20/07/2016). Os dados abaixo sobre a aprovação, reprovação e
abandono nas turmas do PAV do município entre os anos de 2013 a 2015
evidenciam este fato:

Ano Total de Aprovados Reprovados Abandonos


Matrículas
2013 129 62 33 31
2014 136 71 12 44
2015 70 35 10 25

Fonte: Censo Escolar 2013 a 2015 SEEMG/SI/SIE

Pode-se perceber que, nos anos de 2014 e 2015 o número de alunos que
abandonou o Projeto Acelerar Para Vencer foi superior ao número de alunos
reprovados. Outro dado importante é que, sendo o projeto um facilitador para que os
22
alunos adentrassem as turmas regulares, os alunos reprovados o foram quase que
em totalidade pelo número de faltas superior ao permitido (75% de frequência). Na
escola pesquisada, dos 165 alunos matriculados nas turmas do PAV entre os anos
de 2013 e 2015, 62 abandonaram o projeto ou foram reprovados por frequência. Só
no ano de 2015, dos 70 alunos matriculados no PAV, foram 25 abandonos, ou seja,
35,71% da turma evadiu.
Ficam evidentes as falhas do PAV enquanto projeto de correção de fluxo na
medida em que as taxas de evasão continuaram altíssimas, sendo assim, parece
claro que os alunos não conseguiram ver no projeto uma saída efetiva para a
situação em que se encontravam.
Opinião diferente parece existir em relação ao Projeto Elevação de
Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais, embora ainda não existam
dados estatísticos e nem resultados finais das turmas, através da pesquisa
verificamos maior aceitação do novo projeto de correção de fluxo pela sua
metodologia, valorização e incentivo aos estudantes.
Através dos questionários respondidos pelos professores a opinião em
relação à metodologia do novo projeto e sua efetividade enquanto influenciador para
que os alunos permaneçam no ambiente escolar pôde ser verificada. Foi
perguntado: Além de corrigir o fluxo escolar, o (a) senhor (a) considera que o projeto
Elevação da Escolaridade - Metodologia Telessala Minas Gerais garante o resgate
da autoestima do aluno? De que forma?
O professor I declarou acreditar que o projeto resgate a autoestima do aluno e
respondeu:
Acredito que sim, possibilitando que ele seja construtor e protagonista de
sua aprendizagem, construindo através da metodologia vínculos
significativos, vivenciando experiências que incorporam novas atitudes de
cidadania. Aqui a gente vê assim, que existem dificuldades de
aprendizagem sim, mas eu procuro sanar atendendo de forma adequada
cada um, e há um respeito, e não há desigualdades porque a própria
metodologia trabalha a confiança de todos. (PROFESSOR I, em
20/07/2016)

Da mesma forma, o professor II informou que:


O projeto é muito voltado pras questões sociais, pro mundo lá fora. Eles
vendo que têm espaço pra isso, com o memorial por exemplo, isso motiva
eles. O material também é sempre visto em grupo, de forma que eles
podem interagir uns com os outros. Isso é muito bom para o aluno e a
metodologia diferenciada também me agrada, já que a gente fica muito
acostumada com aquela velha forma de ensinar. (PROFESSOR II, em
20/07/2016)

23
Da mesma forma, embora tenha existido, segundo os professores, um certo
estranhamento no início da implementação do projeto, os alunos em sua totalidade o
avaliam de forma positiva, inclusive demonstrando o desejo de que o mesmo fosse
incorporado às turmas regulares nos anos seguintes. Quando questionados sobre
situações de preconceito com a classe de aceleração dentro do ambiente escolar,
uma aluna informou que:
A gente não sente preconceito aqui por estar atrasado, tipo, eles tem
vontade de saber como é que é que a gente faz, as coisas e tal, mas tudo
normal. Às vezes tem umas brincadeiras, eles falam que somos crianças,
que é sala de criança. Mas é que a gente faz muitas coisas e cartazes e tem
um professor só, aí eles falam, mas não é preconceito, eu acho mais inveja
(risos) (Aluna C - Entrevista concedida em 19/09/2016)

Ainda assim, os projetos de correção de fluxo das escolas públicas


permanecem com diversos desafios muito relacionados às questões sociais dos
alunos e a sua relação com o meio em que vivem, dentro e fora do ambiente
escolar, segundo o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas educacionais – INEP
em 2015a taxa de abandono nas escolas públicas do país chegou a 3,7%, bem
superior à taxa das escolas privadas que foi de apenas 0,2%. Os dados sobre a
reprovação também representam estes desafios; 12,2% dos alunos do Ensino
Fundamental Final (6º ao 9º ano) séries de abrangência das turmas de correção de
fluxo, foram reprovados, enquanto no ensino privado os índices chegaram a 4,5%
(INEP, 2015).
Através destes dados compreende-se que o problema da evasão necessita
ser avaliado enquanto consequência de um meio desfavorável e de um ensino que
encontra dificuldades também na qualidade e na inserção igualitária dos alunos. O
gráfico abaixo demonstra a porcentagem das respostas de pergunta feita a 42 dos
alunos participantes das classes de aceleração do Projeto Elevação de Escolaridade
– Metodologia Telessala Minas Gerais na escola fonte desta pesquisa:

24
A escola (direção, professores, colegas...) o acolhe
de forma igualitária se comparado a um aluno de
uma turma regular?

Sim Não Razoavelmente

38% 36%

26%

Elaborado pelo autor, entrevista em 20/09/2016

Pôde-se averiguar que cerca de 64% (27 dos 42 alunos questionados)


demonstraram não se sentirem inteiramente acolhidos no ambiente escolar ao
responderem “Não” ou “Razoavelmente”. Da mesma forma, o apoio e incentivo
familiar atingiu resultados parecidos como se pode perceber no gráfico abaixo:

Como é o apoio familiar que você recebe em relação à


permanência e continuidade dos estudos?
Ótimo Bom Razoavel Ruim

14%
19%

29%

38%

Elaborado pelo autor, entrevista em 20/09/2016

25
Apenas 14% dos alunos informaram que o apoio familiar é “ótimo” e apenas
29% concluíram como “Bom”. Se somados os dados da pesquisa, cerca de 57% dos
alunos declararam que o apoio em seu ambiente familiar é razoável ou ruim. De fato,
todos estes aspectos influenciam diretamente na aprendizagem dos estudantes e
em relação as turmas de correção de distorções os mesmos aspectos tornam-se
ainda mais importantes.
Durante a pesquisa, quando questionados se o Sistema Educacional
compreendia claramente as razões que podem causar o abandono ou evasão
escolar, os professores informaram que compreendiam, enquanto o diretor, o
coordenador do projeto na Superintendência Regional de Ensino e o Supervisor do
projeto na escola informaram que compreendiam parcialmente estas razões,
demonstrando que, ainda são necessários esforços da comunidade escolar, como
um todo, como forma de melhor resolução dos problemas.
Estas dificuldades do meio social puderam ser facilmente percebidas na
leitura de alguns dos memoriais de alunos do projeto Elevação de Escolaridade, em
um deles lê-se:
Em casa estou passando muita raiva e tento ficar “queta” na minha “mais”
sempre aparece alguma coisa pra me atrapalhar. Além disso eu tento fazer
a coisa certa e meu irmão fala que eu sou uma mãe desnaturada. Minha
mãe não ia entender mesmo, porque ela não gosta de mim, porque se ela
gostasse ia tentar me entender. (Aluna H - Memorial)

Muito ainda pôde ser compreendido de relatos como o da aluna acima ao se


observarem as repostas dos professores à questão: Que características do
ambiente escolar ou da comunidade interferem no projeto?
Em sua resposta, o professor I demonstrou perceber diversas relações entre
o meio social e sala de aula, segundo ele:
Existem situações na família, em casa que eles trazem pra sala de aula,
percebemos nos debates, nas discussões, as influências que eles sofrem
até mesmo da televisão, dos aprendizados da rua. A escola recebe muito o
público da periferia e a sociedade no geral, não só aqui dentro da escola,
não vê com bons olhos. Por um lado isso é bom, eles conseguirem se
manifestar, debater, mas por outro é ruim por muitas vezes os alunos não
conseguirem “se desligar” dos problemas, das coisas que eles querem
porque agora falta e isso fica mais urgente que estudar. (PROFESSOR I em
20/07/2016).

O professor II, embora tenha exposto em sua resposta muito da falta de


interesse dos alunos, não deixou de demonstrar os mesmos pontos expressos na
fala do outro docente, segundo ele:

26
A comunidade tem uma grande parte com renda baixa, pessoas em
situação desfavorável socialmente. A região não é tão pobre, mas o público
é carente ou com famílias desestruturadas que até já passaram por
situações fortes de violência. Acho que o que mais atrapalha é ainda a falta
de interesse, por eles verem que lá fora é mais divertido ou se consegue as
coisas sem estudo. Outro problema é também a falta de recursos de
qualidade na escola, nem sempre tem tudo que eles querem. Mas acredito
que os problemas familiares e a falta de recursos financeiros também
atrapalham.

As respostas dos professores deixam claras as diversas dificuldades


encontradas pelos alunos. Estas, como já tratadas anteriormente, não apenas
dificultam a valorização da escola pelos alunos como contribuem para as situações
de evasão. Assim como na pesquisa realizada por Marcelo Neri (2009) exposta
anteriormente, os alunos foram questionados sobre os motivos que o fizeram
abandonar os estudos e estarem no momento em uma turma de correção de fluxo.
O gráfico abaixo demonstra dos resultados obtidos:

Por qual motivo você abandonou os estudos ou se encon-


tra hoje matriculado em uma turma de correção de fluxo?

11.9

28.57

4.7
54.76

Questões de renda ou trabalho Falta de escola acessível


Desmotivação própria Falta de apoio familiar
Elaborado pelo autor, entrevista em 20/09/2016

Através da pesquisa comprovou-se que 23 alunos (54,7%) dos 42


entrevistados abandonaram os estudos por desmotivação pessoal. Outro ponto
importante foi o de que quase 30% dos entrevistados evadiram por questões de
renda ou trabalho, ou seja, situações econômicas desfavoráveis e muito vistas em
regiões mais pobres como o Vale do Jequitinhonha.

27
Neste aspecto, buscou-se compreender outro enfoque deste trabalho, a
importância de programas de transferência de renda como o Bolsa Família nos
contextos educacionais. Atendendo mais de 13 milhões de famílias e sendo o maior
programa de transferência de renda condicionada do mundo (FELICETTI;
TREVISOL, 2002.) O mesmo relaciona-se diretamente com questões primordiais do
sistema educacional, sabe-se que:
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa federal de transferência de
renda condicionada instituído pela Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004,
regulamentado pelo Decreto nº 5.209, 17 de setembro de 2004. Essa
legislação prevê condicionalidades, ou seja, a família, ao tornar-se
beneficiária do Programa, e o poder público, assumem compromissos nas
áreas de saúde e de educação. Esse Decreto, em seu Artigo 11, estabelece
que “a execução e gestão do Programa Bolsa Família dar-se-á de forma
descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes
federados, observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o
controle social”. (BRASIL, 2013, p.1)

Entre as condicionalidades exigidas pelo programa está a frequência e a


permanência dos alunos beneficiários na escola. Desta forma, o programa induz à
diminuição real dos índices de evasão dos alunos carentes.
Devido à condicionalidade da frequência escolar, o Ministério do
Desenvolvimento Social desenvolveu mecanismos que têm como principal
fundamento averiguar e controlar os índices de frequência. O “Sistema Presença” é
o principal deles sendo uma plataforma virtual onde bimestralmente os alunos
beneficiários têm suas frequências enviadas ao Governo Federal. O
acompanhamento tem constituído e fortalecido as políticas educacionais e
contribuído na articulação de famílias, comunidade escolar e instituições. (BRASIL,
2013) Segundo Fahel:
A análise da correlação entre a inclusão escolar e o incentivo seletivo
proporcionado pela transferência de renda do Programa Bolsa Família
ganha relevância na agenda das políticas sociais, apesar da propalada
universalização do ensino fundamental no Brasil. O que ocorre é que
crianças e jovens que se encontram fora das escolas ou com dificuldades
de permanência compõem os estratos populacionais mais vulneráveis em
função da sua condição socioeconômica de extrema pobreza, constituindo-
se como o público-alvo preferencial dos programas sociais focalizados como
o Bolsa Família. (FAHEL, 2011, p.2)

Parece nítida a relação existente entre programas de correção de fluxo e o


Bolsa Família, já que, ambos têm em sua base questões como a evasão e a
frequência escolar de alunos carentes. Segundo Miguel Arroyo:
Na maioria das escolas, os professores e gestores já devem ter percebido
que muitos alunos vivem na pobreza ou na pobreza extrema, visto que a
extensa quantidade de dados gerados pelo Programa Bolsa Família nos
28
permite saber a quantidade de alunos e alunas menores de 17 anos que,
por serem de famílias cuja renda per capita é menor que o valor da linha de
pobreza, participam do PBF. Do total de alunos e alunas matriculados nas
escolas públicas brasileiras de Educação Básica, mais de 45% são
participantes do programa. (ARROYO, 2016, p.4.)
Na pesquisa realizada no município do Vale do Jequitinhonha, nas classes
do Projeto de correção de fluxo, 84,3% dos alunos informaram receber o benefício
(81 em 96 matriculados), na escola pesquisada, dos 50 alunos matriculados no
Projeto Elevação de Escolaridade, 44 recebem o benefício. Nas turmas do PAV dos
anos anteriores este número era bem menor, apenas 26 alunos no ano de 2015 dos
70 matriculados e apenas 19 dos 66 matriculados na escola em 2014 recebiam o
benefício segundo a análise das fichas de matrícula. Podemos, pelo número de
evadidos das classes os Projeto Acelerar para Vencer compreender que, o fato de
não receberem o benefício era mais um ponto que prejudicava a permanência dos
alunos no ambiente escolar.
Quando questionados sobre as possíveis ações com o público atendido
pelo Bolsa Família, a direção informou que, embora todos os alunos sejam tratados
da mesma forma, os alunos que recebem o Bolsa Família costumam ser mais
cobrados em relação à frequência e por este fato possuem um número de faltas
menor se comparados aos alunos que não recebem o benefício.
Dessa forma, o registro da frequência escolar dos estudantes beneficiários do
Bolsa Família tem representado, de certa maneira, uma estratégia para a inclusão
social, por meio do acesso e da permanência, nas escolas, de crianças e jovens, na
faixa etária de 06 a 17 anos de idade, em situação de vulnerabilidade social.

4. Considerações Finais
Em detrimento da pesquisa pode-se compreender, por meio de um estudo de
caso, como projetos de aceleração da aprendizagem podem afetar o fluxo direto de
permanência de alunos nas escolas públicas. Contudo, é necessário que se perceba
a estrita relação existente entre estes projetos e diversas outras características.
Impossível desconsiderar os constantes desafios dentro do ambiente escolar,
os empecilhos externos e os problemas sociais de uma comunidade ao nos
preocuparmos com a efetiva disponibilidade dos serviços e de uma educação de
qualidade a todos. De fato, o público mais vulnerável precisa ser atendido levando-

29
se em consideração uma extensa gama de situações que vão desde as dificuldades
de autoestima a questões econômicas e sociais.
Projetos como o “Acelerar para Vencer” parecem ter pecado no município do
Vale do Jequitinhonha quando se preocuparam em corrigir o fluxo escolar de forma,
muitas vezes, pouco efetiva, sem que os estudantes compreendessem a real
importância da educação, dos conteúdos e de si próprios como cidadãos em
formação.
Contudo, ainda que esteja no primeiro ano de instauração, o projeto Elevação
de Escolaridade – Metodologia Telessala Minas Gerais, muito em detrimento da
nova metodologia, da constante relação com outros programas como o Bolsa
Família, e através das opiniões dos alunos, coordenação e docentes, pareceu-nos
constituir-se em nova esperança para que algumas lacunas relacionadas ao fluxo
escolar sejam sanadas, elevando a autoestima dos participantes. Uma aluna
entrevistada demonstra este aspecto quando expressa em seu memorial:
Meu sonho hoje em dia é terminar meus estudos, me formar, fazer uma
faculdade, ter uma profissão e com essa profissão poder dar tudo que eu
mais sonho na minha vida...que é ter uma casa, minhas coisas, comprar
tudo de bom e do melhor para o meu filho. (Aluna L – Memorial)

Ao nos depararmos com falas como as da Aluna L, compreendemos o real


papel da educação em todas as suas esferas (social, econômica, psicológica...)
neste aspecto é preciso que as políticas públicas estejam constantemente
engajadas em projetos de aceleração como os tratados nesta pesquisa, fazendo
com que os mesmos sejam instrumentos reais de mudança e inclusão social. Para
isso é necessário muito mais que a garantia da frequência escolar, pois, os
conteúdos curriculares por si só não são capazes de transformarem a realidade
daqueles a quem são passados, segundo Miguel Arroyo (2016) é necessário um
verdadeiro engajamento social dentro da escola, em que os alunos mais pobres, ou
neste caso, em defasagem escolar, compreendam-se e tenham espaço dentro da
escola. Segundo o autor:
Como professores(as), educadores(as) e gestores(as), assumimos nosso
dever profissional de garantir o direito dos(as) alunos(as) ao conhecimento.
O primeiro conhecimento a que todo ser humano tem direito é compreender-
se no mundo, na sociedade, na história. O saber-se pobre é o discernimento
mais persistente nas vidas, no passado e presente das famílias e
comunidades empobrecidas. Se esse é o saber mais premente, o direito a
ser garantido, na escola e nos currículos, não será a conhecimentos que
aprofundem, sistematizem, alarguem esse saber-se pobre? (ARROYO,
2016, p.19)

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Assim sendo, a permanência das crianças e jovens no ambiente escolar é um
passo importantíssimo para que as situações de vulnerabilidade social que
encontramos no país sejam minimizadas e os esforços para que a escola se torne
atrativa e igualitária jamais podem ser colocados em segundo plano, devendo
também ser trabalhadas envoltas na realidade social da comunidade escolar,
principalmente para alunos que já abandonaram a escola devido a problemas
externos.

5. REFERÊNCIAS

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