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11/02/2024, 14:05 UNINTER

SOCIOLOGIA, EXTENSÃO E
COMUNICAÇÃO RURAL
AULA 2

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11/02/2024, 14:05 UNINTER

Prof. Alexsandro Ribeiro

CONVERSA INICIAL

Uma das principais temáticas da abordagem da sociologia no campo é a ocupação do solo

examinada de uma perspectiva social. Por um lado, sabemos que é fundamental perceber os impactos

da dinâmica econômica e tecnológica na vida dos produtores e, consequentemente, na forma de

organização das cidades. Afinal de contas, o modo como a agropecuária foi se consolidando na

modernidade (não apenas no Brasil) é resultante das demandas e formas de organização das cidades

que, com o aumento da densidade demográfica e o esvaziamento do campo, pressionaram por um

aumento da eficiência do campo. Mas também é importante perceber como a estrutura fundiária (a

ser debatida em outro tópico) é central para a forma como a sociedade rural vem se desenvolvendo

ao longo dos séculos no país. O quadro que se acentua é de uma concentração fundiária e a história

brasileira reúne elementos que nos ajudam a perceber como isso vem ocorrendo com o passar do

tempo e como acentua-se na segunda metade do século XX. Assim, a questão fundiária será um dos

principais pontos que vamos usar como base para abordar as dinâmicas sociais do campo.

Confira abaixo os temas que serão analisados nesta etapa.

1. A questão agrária I
2. A questão agrária e o cenário do neoliberalismo

3. Marcos da modernização agropecuária no Brasil


4. Globalização e os reflexos no campo

5. Ajustes territoriais e produtivos na agropecuária

TEMA 1 – A QUESTÃO AGRÁRIA

O quadro da ocupação das terras no espaço rural no Brasil, resultante de um processo

oligopolista e capitalista, a concentração fundiária no campo e a demanda por reforma agrária são

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elementos que integram o termo conhecido como questão agrária. Ao longo da etapa anterior,

percebemos que existem várias estratégias de marcos temporais para observar o meio rural no Brasil.
Podemos retomar o debate do Brasil colonial ou dos reflexos da política da Lei de Terras de 1850.

Contudo, como o foco neste tópico é nos debruçarmos sobre a questão fundiária, vamos partir de um

cenário agrário nacional após a Segunda Guerra Mundial em um ambiente que denominamos

modernização conservadora da agricultura no país.

Primeiro, é importante destacar o papel fundamental das ligas camponesas nas décadas de 1950

e 1960 como aglutinadoras das pautas pela reforma agrária no país. As ligas camponesas surgem em

1945, com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), sob liderança do então militante do partido e futuro

deputado federal na década de 1960, o pernambucano Francisco Julião (1915-1999). Uma das
principais representações da luta pela reforma agrária no país em meados do século passado, as ligas

camponesas reuniram várias associações e grupos de pequenos produtores e trabalhadores rurais

inicialmente em Pernambuco e, depois, na Paraíba, no Rio de Janeiro, em Goiás, com reflexos em

outros estados (Alves, 2015).

As ligas integram uma primeira etapa de análise sobre a questão agrária no país, que pode ser

identificada na perspectiva indicada por Ramos Filho (2005) no pós-guerra, entre as décadas de 1950

e 1964. Uma segunda fase ou recorte temporal de análise abrange o período da modernização

conservadora do regime militar, entre 1965 e 1982. Por fim, temos um recorte temporal relativo ao
momento do agronegócio e do estado neoliberal, entre 1983 e 2003. Observaremos esse último

período no próximo tópico. Para Ramos Filho (2005, p. 23), a questão agrária, entre 1950 e 1964, terá

como atores centrais no debate relativo à reforma agrária o PCB (principalmente com as ligas

camponesas), os setores reformistas da Igreja Católica, os economistas conservadores e a Comissão


Econômica para a América Latina (Cepal). Cada qual terá uma perspectiva da questão agrária, cujas

leituras nortearão os debates nesse período.

No PCB e, em parte, nas ligas camponesas, a leitura central da questão agrária, influenciada pelo

sociólogo e historiador Caio Prado Júnior, era o "ataque às relações sociais fundiárias e de trabalho no
meio rural brasileiro" (Ramos Filho, 2005, p. 24). Partindo de uma visão marxista e de luta de classes, o

debate, pelas leituras de Caio Prado Júnior e do PCB, centralizava o cenário agrário nacional,
considerado como resultante de uma imposição de condições sub-humanas à maior parte dos

trabalhadores ou à população agrária, decorrente de um quadro de ampla exploração por parte de


uma elite agrária centralizadora da terra e dos meios de produção. Para Prado Júnior, a tendência

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pelo assalariamento da força de trabalho no campo demandaria uma postura legal trabalhista mais

robusta, com vistas a garantir segurança para os trabalhadores rurais. Com isso, as bandeiras de

defesa do PCB e das ligas giravam tanto em torno do combate ao "feudalismo agrário" brasileiro,

resultante do latifúndio, quanto de uma defesa de garantias de direitos para os trabalhadores rurais
assalariados.

A Cepal, com base na predominância da leitura do economista Celso Furtado, parte, nesse
período, de uma perspectiva da questão agrária dentro de um plano econômico nacional, sobretudo

percebendo o campo como subsidiador da demanda urbana e industrial crescente no país (Ramos

Filho, 2005, p. 25). Na sequência, temos a leitura católica. Diante das manifestações pontuais de

alguns bispos ou, ainda, de documentações como as cartas pastorais ou as encíclicas, a Igreja se
posicionava por uma doutrina social em contraste “a uma realidade agrária de grave injustiça social e

exclusão social, então denunciados pelo episcopado” (Delgado, 2005, p. 54). Essa postura também se

tornará evidente futuramente com a Igreja Católica desempenhando papel fundamental na

organização do sindicalismo rural, bem como na adesão às normas do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504,

de 30 de novembro de 1964), que regulava “os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis

rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola”[1] e,

posteriormente, à Constituição Federal de 1988. Como destaca Ramos Filho (2005, p. 27), para a

Igreja, o princípio da função social substituiria a “velha tradição do direito de propriedade,

proveniente da Lei de Terras de 1850, que trata a terra como se fosse simples mercadoria”. Já o

conservadorismo econômico, quarta leitura destacada sobre o período de 1950 a 1964 sobre a

questão agrária, foi marcado pela liderança do economista Delfim Neto, que futuramente assumiria o
cargo de Ministro da Fazenda do governo militar.

Contrária à tese da Cepal, a perspectiva econômica conservadora indicaria como inconsistente a

possibilidade da reforma agrária, negando a existência, portanto, de uma questão agrária,


defendendo que a estrutura agrária daquele momento atenderia as funções agrícolas do

desenvolvimento econômico. Esse desenvolvimento, pelo viés dos economistas conservadores,


deveria atender quatro aspectos (Ramos Filho, 2005):

liberação da mão de obra rural para uso no setor industrial, sem que isso afetasse a produção
de alimentos;

criação de um mercado de produtos industriais;


aumento de exportações e de divisas;

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financiamento de parte da capitalização da economia.

Na sequência, passamos ao contexto de 1965 a 1982 sobre a questão agrária, abarcando a

ditadura militar.

Nesse espaço temporal, o debate da reforma agrária é deixado de lado por parte do governo.

Destaca-se ainda que, nesse momento, a clandestinidade instituída pela ditadura ao PCB também

pressionaria para o arrefecimento das atividades das ligas camponesas. Nesse período, a agricultura
no país passa por um processo de modernização técnica com integração à indústria, inclusão de

maquinário e aprofundamento da produção primária de alimentos e de matérias-primas. Salienta-se

também o “aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o

setor externo, isto tudo fortemente subvencionado pela política agrícola e comercial do período”

(Ramos Filho, 2005, p. 33). É nesse período que temos um grande desenvolvimento capitalista da

agricultura nacional em conexão com a economia industrial e urbana, bem como com o mercado

externo. Essa modernização, contudo, é considerada conservadora, à medida que rompe totalmente

com políticas de inclusão e de reforma agrária.

Como sublinha Ramos Filho (2005, p. 37), o período aprofunda a heterogeneidade da agricultura

e aprimora os indicadores de modernização do setor agrário. Esses indicadores, contudo, são

desiguais em termos geográficos, sendo mais concentrados nas regiões Sul, Sudeste e parte da região

Centro-Oeste. Assim, da mesma forma que o aperfeiçoamento técnico e tecnológico do setor agrário

avança, as distâncias de classes no meio rural aprofundam-se, privilegiando ainda mais o cenário de

concentração de poder e de terras pelas oligarquias. No próximo tópico, retomamos o debate a partir
do recorte temporal após a redemocratização e o cenário do Estado neoliberal.

TEMA 2 – A QUESTÃO AGRÁRIA E O CENÁRIO DO NEOLIBERALISMO

Neste tópico, vamos nos aprofundar no cenário agrícola brasileiro após a redemocratização,

abarcando o período entre 1983 e 2003, dentro da globalização e do neoliberalismo. Para tanto,
vamos antes destacar alguns aspectos sobre o estado neoliberal, conceito vinculado a uma corrente

econômica que pressupõe a liberalização da economia e a abertura para o capital externo. A


acumulação é o elemento central no modo de produção capitalista. Assim, o sistema capitalista é

expansível por sua natureza e busca incessantemente sua ampliação. Essa obrigatória expansão,

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contudo, não surge necessariamente da cobiça do capitalista, mas de forças externas do próprio

capital e da sustentação de seu sistema (Harvey, 2005).

O crescimento econômico é permeado de contradições e crise, sendo acidental um crescimento

harmonioso ou equilibrado. Assim, destaca Harvey (2005, 2011), identifica-se a tensão considerando-
se alguns fatores fundamentais para a expansão da acumulação, como mão de obra excedente,

estímulo ao crescimento populacional, correntes migratórias, inovação que pressiona o desemprego


etc., oferta de meios de produção em quantidade necessária e mercado para consumir as

mercadorias. A crise pode resultar à medida que é encontrada uma barreira em cada um desses

pontos. Contudo, elas podem ser originárias da própria dinâmica do capitalismo. É o que Harvey vai

pontuar quando afirma que “as crises são endêmicas ao processo capitalista de acumulação” (Harvey,
2005, p. 43). Após a Segunda Guerra, sobretudo impulsionado por políticas de intervenção do Estado,

como por exemplo medidas como o Acordo de Bretton Woods, o capitalismo passa por um período

de forte expansão, com crescimento de consumo significativo, baixos índices de desemprego etc.

O milagre econômico, contudo, desencadearia também um processo de superprodução,

pressionando para uma desaceleração produtiva, criando um quadro de queda dos lucros,

considerando que nesse cenário foi o declínio das taxas de juros de todas as “economias capitalistas

avançadas o principal responsável pela projeção da economia mundial de um longo boom num longo

declínio entre 1965 e 1973” (Brenner, 2003, p. 59). É nesse cenário de crise que o neoliberalismo se
consolida como proposta de perpetuação do poder das classes dominantes. Como destacam Duménil

e Lévy (2014), o neoliberalismo é, portanto, um novo estágio do capitalismo resultante da “crise

estrutural da década de 1970. Ele expressa a estratégia das classes capitalistas aliadas aos

administradores de alto escalão, especificamente no setor financeiro, de reforçar sua hegemonia e


expandi-la globalmente” (Duménil; Lévy, 2014, p. 6).

Nesse ambiente do neoliberalismo, destacam Duménil e Lévy (2014), as lógicas econômicas


tendem a se redimensionar para atender aos interesses de uma classe dominante com alta renda,

tensionando ainda mais a concentração de recursos por uma parcela minoritária e acentuando as
distâncias sociais. Como aponta Harvey (2005) e reforçam Duménil e Lévy (2014), a crise que resultou

no neoliberalismo não foi a primeira estrutural na história do capitalismo. As crises são resultantes do
modo de perpetuação do poder no capitalismo, sendo o neoliberalismo, portanto, apenas a mais

recente ordem produzida pelo capitalismo para garantia do poder das classes dominantes, mediante
estratégias de maior acentuação na concentração das riquezas e do poder, retirando a intervenção do

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Estado na garantia de direitos mínimos dos cidadãos, removendo todos os limites de poder de renda

das classes populares. Outro aspecto é a expansão para além das esferas nacionais, dando nova
amplitude à dominação do neoliberalismo, a partir da globalização, com práticas de livre comércio e

circulação de capitais, em detrimento da soberania dos Estados e da garantia de bem-estar social da


população.

É o que Harvey (2011) destacará ao indicar o neoliberalismo como um projeto político da classe
capitalista em resposta à crise e ao sentimento de ameaça política e econômica dessa classe ao seu

poder de domínio. O neoliberalismo e as estratégias de fragilização da classe trabalhadora e do

Estado – reforçadas por ações no polo ideológico e político – foi uma medida de controle da classe

dominante diante do desespero de perda de poder. “É a partir de lá que emergiu o projeto político

que chamarei de neoliberalismo” (Harvey, 2011).

Realizado esse recorte de definição sobre o neoliberalismo, retomamos a questão agrária do

Brasil na década de 1980. De fato, a redemocratização promove um quadro de contradição sobre a

questão agrária, ao passo que após a repressão da ditadura militar aos movimentos pela reforma

agrária, a década de 1980 marca a revitalização desses movimentos e a retomada do debate acerca

da questão agrária e da inclusão no campo. Com essa retomada, temos também a constituição de

novos movimentos sociais que surgem com a demanda da reforma agrária como bandeira mais

evidente. É o caso da Comissão Pastoral da Terra, da CNBB, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), dentre outros. Além disso, a temática também ganha espaço no cenário político,
sobretudo com a promulgação de nova Constituição, de 1988, em que foi debatida a política agrária e

fundiária.

Da mesma forma como o ambiente do debate social fica mais evidente e fortalecido, o quadro
econômico pesou para o outro lado, o de prejudicar o desenvolvimento da questão agrária,

sobretudo com o fim de um grande ciclo de crescimento econômico no início da década de 1980
(Ramos Filho, 2005, p. 38). É o plano econômico que será norteador para a definição do papel do

agronegócio no quadro nacional. Isso pelo fato de que, em meio às aberturas do mercado
internacional e uma economia globalizada, o setor agrícola passa a ser essencial para suprir o

financiamento do déficit no balanço de pagamentos no que diz respeito a divisas internacionais. Ou


seja, para uma balança comercial positiva, a venda de commodities é essencial. Como reforça Ramos

Filho (2005, p. 40), a forma como a economia vai se apropriar do setor agrícola como uma solução do
endividamento externo “reforça a estratégia de concentração e especulação fundiária no mercado de

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terras. O maior sinal disto é a liberalidade com que propicia a apropriação da renda fundiária pelos

grandes proprietários”.

TEMA 3 – MARCOS DA MODERNIZAÇÃO AGROPECUÁRIA NO


BRASIL

Como já vimos anteriormente, os planos de modernização no país são gestados ainda na


primeira metade do século passado, na década de 1930, mediante uma postura de industrialização

capitalista. Como destaca Matos (2011, p. 6), o Estado privilegiou à época políticas públicas e

investimentos amplos com foco em energia, transporte e indústrias para estabelecer uma

modernização e industrialização no país. No cenário agrário, as propostas deveriam seguir alinhadas

às mesmas ações de modernização, pois “elevar o padrão de vida das populações que viviam no meio

rural iria dar a elas maiores possibilidades de consumo”. Porém, reforça Matos (2011), os rumos foram

outros – a modernização privilegiou os latifúndios e promoveu um processo de expulsão das pessoas

do campo para a cidade.

A postura de desenvolvimento adotada foi alinhada ao ideário europeu e estadunidense de

produtividade, em que o desenvolvimento econômico rural era baseado em índices da produção

agrícola e não em elementos de contexto ou de questões sociais. Isso viria com a Revolução Verde,

que foi o processo de encabeçamento estatal da modernização rural no país com uma política de

investimento em maquinário e aumento da produtividade da terra, em aprimoramento das estratégias


de eficiência da produção e ampliação da fronteira agrícola. Isso veio condicionado a aspectos como
esgotamento do solo, em impacto do ecossistema, em redução dos postos de trabalhos remunerados

no campo, em redução das áreas verdes e de preservação e, consequentemente, em priorização do


latifúndio em detrimento da agricultura familiar.

Ao longo da segunda metade do século passado, a postura da modernização na agricultura foi

orientada por quatro pilares (Almeida, 1997). O primeiro é relativo à concepção de crescimento com
base em um desenvolvimento econômico e político. O segundo pilar está vinculado ao fim de uma
autonomia do setor agrário com a abertura técnica e o consequente aumento da heteronomia no

meio rural.

O terceiro pilar é resultante justamente dessa abertura técnica, que pressionou para o aumento
da especialização na área rural e o fim da polivalência, ou seja, o fim de uma produção completa por

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parte do produtor. Essa especialização é associada “ao triplo movimento de especialização da

produção, da dependência a montante e a jusante da produção agrícola e a inter-relação com a


sociedade global” (Almeida, 1997, p. 39). Por fim, o quarto pilar é resultante de uma mudança do

perfil do agricultor, que passa de uma postura de atuação orgânica e comunitária para uma postura
individualista, de competição, “questionando a concepção orgânica de vida social da mentalidade

tradicional” (Almeida, 1997).

Para fins de conceituação, modernização aqui é entendida não com base em um processo

evolutivo inclusivo, mas da perspectiva destacada por Graziano da Silva (1996), como um termo que

denomina um processo de transformação de base “técnica da produção agropecuária no pós-guerra

a partir das importações de tratores e fertilizantes num esforço de aumentar a produtividade”. Dito

isso, a modernização, segundo Graziano da Silva (1996), pode ser organizada no pós-guerra em três

fases.

A fase inicial é a que destaca o próprio conceito de modernização, ou seja, é relativa à base

técnica resultante principalmente do Estado e de empresas estadunidenses. A fase subsequente inicia-

se com o processo de industrialização do setor agrícola. Aqui é importante destacar o surgimento e a

consolidação da indústria de beneficiamento e de produção de alimentos. A terceira fase resulta na

consolidação de complexos agroindustriais (CAIS), sobretudo à medida que o capital financeiro

encabeça um processo de integração de capitais. Com isso e com os CAIS, o setor começa a ganhar
credibilidade e participação no mercado externo e a ampliar o atendimento das demandas internas.

O surgimento dos complexos, na percepção de Graziano da Silva (1996, p. 163), se dá com a


integração de três elementos básicos em uma ótica intersetorial. O primeiro é a indústria que produz

para o setor agrícola. O segundo é a agricultura moderna, com a inclusão de tecnologia no campo. E,
por fim, o terceiro é a constituição de uma agroindústria processadora. Destaca-se que esses três

elementos surgem por meio de fortes incentivos do Estado, com fundos de financiamento para
determinadas culturas, para compra de maquinários e insumos. Dessa forma, para Graziano da Silva

(1996) o ponto-chave da virada para a modernização foi a mudança de foco da produção individual
do produtor para um cenário de produção integrada com a indústria.

TEMA 4 – GLOBALIZAÇÃO E OS REFLEXOS NO CAMPO

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Como vimos no tópico sobre o neoliberalismo, um dos aspectos centrais do capitalismo é a

necessidade de reprodução e ampliação. É preciso novos mercados e novos consumidores para que a

roda do capital gire e amplie a concentração e a desigualdade de capitais distribuídos na sociedade.

Com isso, é preciso gerar divisas para os países e estabelecer um livre comércio que não se restrinja

aos limites nacionais. Em parte, podemos perceber a globalização como uma resposta a essa

dinâmica do capital, que é como percebemos no debate indicado por Harvey (2005, 2011), ao propor

que a geografia e os limites espaciais são resultantes dessas expansões e estratégias de reprodução
do poder das classes dominantes. Nisso, vemos um desenvolvimento econômico desigual que tende

a privilegiar, em um cenário global, o norte do globo, sobretudo os países europeus e os Estados

Unidos.

Podemos também perceber a globalização com base em um mundo que se amplia à medida que

as tecnologias impactam as fronteiras. Aqui estamos pensando na ótica da tecnologia e dos

instrumentos de comunicação como meios de extensão do homem, que é uma das abordagens do

teórico Marshall McLuhan, já na década de 1960, e que ganha espaço nas academias de forma mais

intensa nas décadas de 1970 e 1980. Dentre os conceitos pensados por McLuhan (1964) está o de

aldeia global, cuja leitura do impacto da tecnologia é o encurtamento das distâncias e a promoção de

uma conectividade maior entre os indivíduos para além dos limites do espaço. Essa reconfiguração do

planeta pela tecnologia romperia barreiras culturais, fronteiras e limites nacionais, promovendo uma

aldeia em escala planetária. Nesse aspecto, não é distante pensar que a tecnologia pressionaria por

um mundo globalizado.

Contudo, uma perspectiva da globalização menos focada nas dinâmicas de classes, ou ainda

menos determinista do ponto de vista tecnológico, é o desenhado com base na visão de Giddens
(2005), que sintetiza o fundamentado em um avanço social e tecnológico que pressiona por um ajuste

na estrutura conceitual do distanciamento tempo-espaço. Para o sociólogo, a modernidade percebe


de forma mais evidente o distanciamento tempo-espaço que as sociedades em períodos prévios. Isso

significa que as questões local e internacional vinculam-se de forma mais corriqueira. Assim, reforça
Giddens (1991, p. 78), a globalização tem a ver com esse processo de alongamento dos contatos
sociais ou encurtamento das distâncias espaciais. Dessa forma, a “globalização pode assim ser

definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes
de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de

distância e vice-versa” (Giddens, 1991, p. 78).

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O quadro de relacionamento entre países, nas perspectivas econômicas e sociais, tende a se

reconfigurar com essa mudança global. O mundo da agricultura não seria diferente. Mesmo que não
partindo de um determinismo econômico, é importante reforçar que o mercado global também foi

uma resposta à crise de crescimento econômico da década de 1970 em âmbito mundial, fortalecida
pela crise energética, sobretudo pelo aumento de preço do petróleo pela Organização dos Países

Exportadores de Petróleo (Opep). Como destaca Sales França (2004), nesse cenário, os principais

efeitos da globalização referem-se “à alocação espacial de investimentos e à criação de ambientes

propícios à aquisição e à manutenção de níveis satisfatórios de produção não só em função das

chamadas vantagens comparativas, mas das vantagens competitivas” (Sales França, 2004, p. 16).

A abertura de mercados não apenas estabelece um fluxo de capitais ou ainda nas fronteiras, mas

também opera mudanças na distribuição e descentralização da produção de bens de consumo e na

produção de commodities agrícolas. Considerando o Brasil, é nesse contexto que temos um papel

importante desempenhado pelas redes agroindustriais, ou seja, pelos CAIS, que promovem a

integração entre o campo e a indústria, com fomento à inserção da tecnologia no campo, à

consolidação de uma agroindústria. Como destaca Elias (2006), a globalização no país é identificada

por uma territorialização ou localização do capital, pela oligopolização e por um modelo não apenas

técnico, mas social de produção, que se processa de “forma socialmente excludente e espacialmente

seletiva, acentuando as históricas desigualdades sociais e territoriais do país, além de criar muitas

novas desigualdades, paralelamente à difusão do agronegócio, ocorre uma nova divisão territorial e

social do trabalho agropecuário”. Santos (2000) denomina essa etapa agricultura científica,

caracterizada pelos avanços tecnológicos após a década de 1980, que ampliaram a acumulação do
capital no campo.

Essa reestruturação da agropecuária, na perspectiva de Santos (2000), está alinhada aos demais

setores econômicos nacionais com foco no aumento da lucratividade e competitividade, sobretudo


percebendo o mercado exterior. Assim, uma das características da agricultura científica será a

interdependência dos setores econômicos. Uma outra característica destacada por Santos (2000) e
por Elias (2006) refere-se à atuação da agricultura em uma economia cada vez mais regulada pelo
mercado e pelas dinâmicas de oferta e demanda urbana e industrial. Ora, isso significa maior

preocupação não com cultura produtiva, mas em atendimento a uma lógica de demanda e oferta.

Como aponta Elias (2006), percebendo essa dinâmica, há um fortalecimento de posturas de


produção de mercadorias padronizadas em busca de um consumo de massa, em um cenário

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encabeçado pelas multinacionais. Assim,

reforçam-se as determinações exógenas ao lugar de produção, especialmente no tocante aos

mercados cada vez mais longínquos e competitivos. Fato semelhante ocorre em relação aos preços,
internacionais e nacionais, comandados pelas principais bolsas de mercadorias do mundo, sobre os

quais não há controle local. Da mesma forma, aumentam as distâncias entre os produtores e os
centros de decisão e de pesquisa. (Elias, 2006)

Em meio à busca por um mercado global, com maiores distâncias de amplitude, as empresas
agrícolas também reforçam os padrões alimentares resultantes das dinâmicas de ampliação dos

centros urbanos, como os fast food, ingressando em um mercado vinculado à concepção de linha de

montagem, com intensificação de beneficiamento industrial dos produtos agrícolas antes de alcançar

a mesa do consumidor ou as prateleiras dos supermercados.

TEMA 5 – AJUSTES TERRITORIAIS E PRODUTIVOS NA


AGROPECUÁRIA

Como vimos, a evolução ou o ajuste da agropecuária no Brasil ao longo dos séculos vem cada

vez mais reforçando um quadro de centralização das terras em latifúndios (ou em oligopólios de

produção, quando pensamos em pequenos e médios produtores sob o guarda-chuva de algumas

grandes produtoras de alimentos), com distribuição de culturas e investimentos desproporcionais


pelo território nacional. Com as políticas estatais e com uma postura de produção focada no mercado

externo e na exportação de commodities, o que se percebeu na segunda metade do século passado


foi o acirramento da expansão das dinâmicas capitalistas no campo. Nesse aspecto, tais pressões

foram orientadas por uma lógica que não privilegiou a preservação ambiental, os espaços dos povos
originários ou, ainda, investimento ou respeito ao espaço da agricultura familiar. Como destaca Elias

(2006), essa expansão “promoveu um crescimento econômico cada vez mais desigual, gerador de
desequilíbrios, exclusão e pobreza, e acentuou as históricas desigualdades socioeconômicas e

territoriais brasileiras”.

Retomando os conceitos de Santos (2000), podemos perceber essa territorialização com base em

uma ocupação geográfica da tecnologia e dos investimentos, de forma a criar um mapa da


agricultura. Em uma leitura predominantemente anterior aos anos 1980, as regiões Sul e Sudeste, por

exemplo, como foco da maior parte dos investimentos, consolidam-se na região concentrada. Aqui,
como destaca Elias (2006), é o espaço que se adapta de forma mais progressiva e eficiente ao

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“interesse do capital hegemônico”, ou seja, ao processo de orientação da produção para o mercado.

Temos aqui uma região com maior avanço em termos de mecanização e uso de técnicas modernas de

agropecuária, reunindo assim o maior número de empresas agropecuárias e agroindústrias.

Até a década de 1980, esse seria o quadro de concentração. Contudo, com a globalização e com
os novos ajustes territoriais da agropecuária, outros espaços que não foram foco de investimento no

pós-guerra começam a reunir atenções e a aprimorar sua participação no setor do agro. É o caso da
Região Centro-Oeste (que hoje assume liderança em alguns tipos de produção e cultura), da Região

Norte, com a fronteira agrícola da Amazônia sendo incorporada recentemente à modernização

agrícola, e da Região Nordeste, que se, ao longo do século XX passou como um subsetor arcaico da

agropecuária, nas últimas décadas vem se recolocando como um polo produtivo.

Para Elias (2006), algumas áreas do semiárido, sobretudo vales úmidos, e os cerrados nordestinos,

reúnem atenção do agronegócio, passando a ser um espaço cuja produção é de maior atração para

ingresso na linha produtiva de um mercado globalizado, fazendo com que a região ocupe novo

posicionamento na divisão do trabalho agrícola.

Nessa reconfiguração do espaço da agricultura, as dinâmicas geográficas ficam mais difusas,

ganhando maior espaço e atuação dos grandes conglomerados empresariais do agro, que assumem

parcela significativa não apenas do mercado, mas do processo produtivo (produção, beneficiamento,

comercialização etc.). Outro ponto é a percepção da classificação não por área regionalizada, mas por

posturas de produção agrária, uma delas conservadora, com aposta ainda nos ciclos produtivos
naturais, e outra modernizadora, com postura focada em produtividade e amplo uso de tecnologia
mecânica, digital e biológica.

FINALIZANDO

A organização social do campo é resultante de uma série de dinâmicas econômicas, políticas e

tecnológicas. Percebemos que a centralização em grandes latifundiários sempre foi predominante na


forma de ocupação do solo no campo, com grandes espaços de terras centralizados sob uma parcela

pequena de produtores. Nessa abordagem, a modernização do campo encabeçada pelo Estado


ampliou as desigualdades da organização social, privilegiando os grandes produtores, e com uma

territorialização com foco em investimentos em algumas regiões em detrimento de outras. A


globalização e uma dinâmica de investimento do mercado promoveram um reajuste dessa

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territorialização. Contudo, persiste um dos principais problemas: a reforma agrária e o investimento

na agricultura familiar.

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