Você está na página 1de 13

ril

Música e Política:
a Nona de Beethoven

N.Cham. 781.5 B918m .Pa 2001


Autor: Buch, Esteban.
Título: Música e política: a nona de

183280302 AC. 347213


Música e Política:
a Nona de Beethoven

Esteban Buch

Tradução
Maria Elena
Ortiz Assumpção

EDUSC
EDUSC
Editora da Universidade do Sagrado Coração

B9193m Buch, Esteban.


Música e Política: a Nona de Beethoven / Esteban Buch ;
tradução: Maria Elena O. Ortiz Assumpção. - - Bauru, SP •
EDUSC, 2001
396 p. ; 21 cm. —(Coleção Filosofia e Política)

ISBN
Inclui bibliografia e índice onomástico.
Traduçãode: La Neuviême de Beethoven: une histoire
politique.

l. Beethoven, Ludwig van, 177()-1827 - Crítica e inter-


pretação.I. Título. II. Série.

CDD. 78().()92

ISBN 2-07-075118-X (original)

e-mail do autor: buch@ehess.fr

Édilions Gallinrard, 1999


Copyrigbt@ de —EI)IJSC,

l)ireilos exclusivos de publicaçào eni língua poltuguesa


para o Brasil adquiridos pela
F.I)I'H DA UNIVERSIDADE SAGRADO CORAÇÃO
Rua Irnrà Arniincla,
CEP 17011-160 Bauni SP
Fone (lá) 235-71II Fax (lá) 235-7219
e-nrail: edusc@usc.br

l.}.IVF.RBITARIA
Sumário

09 Introd ução: Os estados da alegria

17 Primeira Parte: Nascimento das músicas políticas modernas


19 Capítulo l: O Godsavethe Kinge o culto de Haendel
39 Capítulo 2: A Marselhesae o ser supremo
61 Capítulo 3: A Odeà alegria e o Hino ao Imperador
87 Capítulo 4: Beethoven e o Concerto da Europa
113 Capítulo 5: A Nona Sinfonia

139 Segunda Parte: Recepçãopolítica da Odeà alegria


Capítulo 6: O culto dos românticos
i 69 Capítulo 7: A comemoraçãode Bonn de 1845
197 Capítulo 8: A Nona no tempo dos nacionalismos
249 Capítulo 9: O centenário de 1927
277 Capítulo IO: Beethoven Fiihrer
303 Capítulo I l: Do ano zero ao hino europeu
333 Capítulo 12: Do hino do Apartheidà queda do Muro
359 Conclusão:Crítica e futuro de um sonho
365 Bibliografia
383 Indice onomástico
393 Agradecimentos

5
Introdução
Os estados da alegria

Um dos primeiros críticos de Odeà alegria, incomodado por sua


áspera grandeza, dizia que, no fim cle sua vida, para o surdo Beetho-
ven, compor era apenas sonhar. E talvez não estivesse errado. Mas
esse sonho, antes que desvendar uma alienação do compositor em re-
lação à realidade do mundo, era uma espécie de fantasmagoria polí-
tica, o projeto de criar uma obra monumental que constituiria um
discurso sobre o poder ideal ou, ela própria, um ato de poder. E isso
de maneira concreta, técnica, tanto na partitura como na estratégia
de sua apresentação ao mundo. O poema de Schiller An die Frende é
sua primeira marca —o texto que, escrito em 1785, logo se tornou
uma espécie de manifesto da Al(fklãrunge que, ainda muito jovem,
Beethoven quis transformar em música. Mas, ocorre o mesmo no
plano puramente musical. Na Nona Sinfoniaemsi menorop. 125, cria-
da em Viena em 1824, a expansão da forma sinfônica, explorada des-
de a Heróica,encontra-se aliada a uma verdadeira retórica de gêneros
musicais que evoca ora o universo militar, ora o universo religioso,
enfim o ritual do hino, sagrado ou profano, pelo qual os homens ce-
lebram em coro o fato de estarem juntos: "Todos os homens tornam-
se irmãos" diz o verso mais célebre dessa obra em que, pela primei-
ra vez, a voz humana irrompe no seio da música instrumental.
Isso demonstra o conhecimento que Beethoven tinha da heran-
ça barroca que associou o Rei dos céus e o rei deste mundo, e da ex-
periência revolucionária que fez do povo um verdadeiro sujeito líri-
co. De fato, a Noua fói escrita em plena Restauração, no fim de uma
época que viu o nascimento clasmúsicas políticas modernas. No sé-
culo XVIII, o God save lhe King marcou o aparecimento do gênero
"hino nacional", esse canto que permite exprimir a relação subjetiva

9
Pouco depois, inspiradas
com a comunidade nacional. pelosescritos
da França revolucionária
de Rousseau,os rituais fundam uma
nova
do simbólico etn que conva fornva, especialmente
política graçasa I
o mito da voz única de unva nação. Esse
Mctrçci/hdiçe, novo tipo de
explorado pelo Estado austríaco contra-revo_
canto político será logo
lucionário, sob espécie de hino imperial que um funcionário de polí_
cia encornendoua Franz Joseph Ilaydn. Mais tarde, Beethovencom_
binará as vozesdo povo e o sublinne barroco na cantata 0 lustcoue glo-
rioso, escrita em 1814, para o "Concerto da Europa" de Matternich.
Assim, essa retórica serve às vezes para exprimir uma forma de opo-
sição,ou para propagar a revolta ou a revolução; mas ela pode,igual-
mente, contribuir para garantir a legitimidade do poder constituído
e a adesãoda ordem estabelecida, sob a forma de uma músicado Es-
tado —isto é, uma música reconhecida como constituindo um gesto
ou um discursopolítico, cuja produção ou interpretaçãotem lugar
por ação do Estado.
Se, escrevendo a Nona, Beethoven pôde realizar esse sonho mo-
numental, é porque a evolução da linguagem musical lhe permitiu
levar bem longe a sugestão narrativa das formas instrumentais e tam-
bém porque ele conhecia muito bem a música política e a músicado
Estado.E igualmente porque ele sabia o que um grande músicopode
representar na vida das nações. À época em que o hino britânicofaz
sua aparição, a obra de Georg Friedrich Haendel impõe na Inglater-
ra a idéia de que um compositor pode estar associado à identidade de
todo um povo. Escrevendo o hino austríaco, Haydn agiu como o mais
fiel servidordo Imperador, "pai dos súditos", mas ele próprio é tam-
bém honrado como o "pai da harmonia". O Congresso de Viena é esse
momentoem que Beethoven, já reconhecido como o maior composi-
tor de seu tempo, impõe-se junto aos poderosos como uma verdadei-
ra figura pública. No momento da criação da
Nona, ele é objetode
elogiosque lhe conferem um estatuto de herói civil propriamente
metafísico: para seus admiradores,
ele representa a grandeza nacional
de maneiramais autêntica
que os mestres do poder real. Sua morte,
em 26 de março de 1827,
marca sua entrada na imortalidade, istoé,
o relê da apoteose pelas
biografias e comemorações que, todas as ten-
dências políticas confundidas,
dar-lhe-ão o posto de maior músico
dos Tempos modernos.
Isso não ocorre sem algumas reservas.O Congressode Viena,
por exemplo, é lembrado como o instante menos glorioso de sua bio-
grafia, aquele em que compôs as piores obras de sua carreira. E que,
com o declínio da aristocracia, nada pior que a acusação de ser o "mú-
sico oficial" desse ou claquele regime, e o de Matternich, especial-
mente, síntese de tudo o que trava a ascensãoda modernidade. Mais
digno de elogio parecerá o autor de Odeà alegria, composta num pe-
ríodo de sua vida em que os admiradores são menos numerosos e mais
marcadas suas próprias distâncias frente ao poder político. A música
de Estado será relegada às periferias de sua obra enquanto que a Nona
Sinfoniaserá saudada como uma exaltação da liberdade humana em
que qualquer traço do Estado é, por definição, ausente. Esses julga-
mentos de valor são dificilmente contestáveis do ponto de vista esté-
tico, mas é forçoso aí reconhecer também uma ideologia, aquela que
quer que o artista esteja próximo do povo ou da nação, mas afastado
do poder. Isso vale para os Estados reacionáriosou opressores,mas
também para os Estados liberais ou democráticos, eventualmente
saudados como fiadoresda expressãoartística, mas nunca como seus
inspiradores ou seus intérpretes.
A questão das relaçõesde Beethoven com o poder de seu tem-
po prolonga-se, assim, na das relações de sua figura com a posterida-
de. "Tudo o que o Estado toca, ele o mata" escreve Romain Rolland
para criticar a incorporação do compositor à "compostagem oficial da
glória". I Contudo, é precisamente para o suporte de tal discurso que
Beethoven vai ser honrado pelos homens políticos e as instituições
oficiais da era burguesa. Na vida e na obra do grande surdo capaz de
ultrapassar ao mesmo tempo sua enfermidade física e as regras musi-
cais do Antigo Regime, os estados burgueses encontraram e cinzela-
afir-
ram um músico à medida de seu ideal de luta e de progresso, de
universal.
mação da vontade individual e de aspiração à reconciliação
pri-
E, aliás, no diálogo entre uma vocaçãopública e um refúgio na
os
vacidade, simbolizados, respectivamente, pela última sinfonia e
beetho-
últimos quartetos que se constrói a metáfora política da obra
aque-
Vianaem seu conjunto. À vista dessa canonização,poucos são

l. ROLLAND, Romain Beethoven.Les grandes époqnescréatrices


(1966), Paris, Albin Michel, 1980, p. 1327.
les que relembrarão a relação de Beethoven com a música de
Estado.
Thomas Bernhard, por exemplo, que estigmatiza "a estupidez
da
marcha militar até na música de câmara";2ou ainda certos
nazistas
que aí encontrarão,pelo contrário, as melhores razões para
admirá-la
O mais frequente, contudo, fói ignorá-la, talvez para identificar-se
com as multidões e as elites, enn torno de seu pedestal.
A Nona Sinfoniaé, portanto, a obra que mais contribuirá
parao
excepcionalprestígio de seu autor. Contudo, ela não foi semprecon-
siderada a melhor de suas composições. Capturar a alegria é um
dos
maiores desafiosque um artista pode enfrentar e o fracassoo espreita,
mesmo quando o consegue. Em 1885, Richard Wagner escreviaa
Franz Liszt que ele considerava o final a parte mais fracada Nona,as-
sim como o "Paraíso", acrescentava, era a parte menos realizadada Di-
vina Comédia.Isso não o impedirá de construir em torno dessaobra
uma verdadeira teologia musical, à imagem de seus própriossonhos
de redenção. Como ele, outros farão calar suas eventuais restriçõespara
melhor contribuir para o desabrochar do mito. E que, mais alémde
qualquer discussão sobre seu valor estético, Odeà alegria permanece
até então a mais convincente das imagens sonoras da utopia. E a uto-
pia freqüenta tanto as desgraçasprivadas quanto as idéiaspolíticas
que perpassam a recepçãoda Nona, desde sua criação até nossosdias.
Um comentário, uma citação, novas palavras, um arranjo, uma ceri-
mônia, um concerto extraordinário, um ato comemorativo,ou sim-
plesmente algumas notas ao longo de uma biografia ou de uma análi-
se já conhecidas por todos; outras tantas maneiras de apresentar uma
idéia política como a lei última da obra, como o desvelamento de seu
sentido profundo ou a melhor razão para executá-la ou ouvi-la.
Entretanto, também são numerosos aqueles que recusama
"apropriação"ou a "utilização" de uma obra de arte para fins ideoló-
gicos; aqueles que pensam que a música deve estar além ou à margem
da política. Para esses, a música é uma linguagem universalem que

2 RERNI IARD, Thomas. amiens, Paris, Gallimard/F0-


lio, 1985, p. 102.
3. Richard Wagner à Franz Liszt, 7 juin 1855, dans Comespon-
dancede Richard Wagneret de Franz Liszt (1841-1882), Paris,
Gallimard, 1943, p.322.
os homens encontram-se ao abrigo das palavras ou da miséria do mun-
do. E, certamente, a Nona perrnanece uma obra de arte "pura", inte-
grada ao repertório clássico, lá onde o ritual profhnode um concerto
permite a cada um estar, ao mesrno ternpo, só e com os outros, em
nome do princípio que faz da fruição estética um espaço quase sagra-
do de liberdade individual.
Considerernos.Os nnúsicosromânticos fizeram dela um símbo-
Io de sua arte. Bakounin sonhava destruir o mundo burguês, poupan-
do apenas ()dcà a/cgrid da razia. Os nacionalistas alemães admiravam
a potência heróica dessa música, os republicanos franceses reconhece-
ram nela a tríplice divisa de 1789. Os comunistas,o evangelhode
um Inundo sem classes;os católicos, o Evangelho, simplesmente; os
democratas, a democracia. Hitler comemorava seus aniversários com
Odeà alegria, enquanto o rejeitaram com essa música até nos campos
de concentração. A ()deà alegria ressoa regularmente nos jogos olím-
picos, ela ressoava,não faz muito tempo, em Sarajevo.Ela foi o hino
da república racista da Rodésia, ela é hoje o hino da União Européia.
Esta breve enumeração ilustra, talvez, a amplitude do consenso.
Ela também sugere que esse consensopode, ocasionalmente, causar
problema —especialmente um problema moral, que a apropriação da
obra pelos nazistas torna emblemático sem, contudo, esgotá-lo. Num
outro sentido, pode-se indagar sobre o fato de a Nona reaparecer, em
certos casos, sob os traços de uma música de Estado. Certamente, para
muitas pessoas, isso não tem significação especial. Entretanto, quer
seja em nome da autonomiada arte ou em virtude da antinomia en-
tre o Estado e a utopia, a associaçãoda Odeà alegria a toda espécie de
"cultura oficial" pode ser denunciada como um desvio de seu sentido
original, ou uma forma de traição: assim, Agnês Heller, filósofae me-
lômana, para quem "o hino europeu é a morte da Nona Sinfonia".á Não
se trata de um exemplo entre outros porque o hino europeu, perma-
necendo um episódio secundário na recepçãoda obra, concentra bom
número de questões levantadas pela incorporaçãodireta de uma mú-
sica a um projeto político. E isso não apenas porque ela faz da Odeà
alegria uma música de Estado, mas também porque a associa a uma
formade identidade"européia".

4. Comunicação pessoal de Mme Agnàs Heller.


É verdade que, à primeira vista, este último fato não tem nada
pode reivindicar uma longa
de extraordinário.O hino europeu
e a Europa, que ocupa lugar
ciação entre a figura de Beethoven im-
portante no percurso histórico da Nona sem constituir, entretanto
que este livro, seja dito de antemão
o eixo de sua recepçãopolítica
exaustiva. De fato, num primeiro
não pretende percorrer de maneira
tempo, os discursos sobre Beethoven desdobram-se no espaçoconsti_
tuído pela Europa do século XIX. E uma elite cultural européiaque,
em 1845, patrocina a inauguração de seu monumento em Bonn,es-
tabelecendo um desvio na construção de uma memória internacional
associadaà música. E ainda uma elite de maioria européia, incluindo
vários chefesde Estado assim como grandes nomes da vida cultural
que, em 1927, reúne-se em Viena para as festas do centenário de sua
morte. É assim que o vínculo entre Beethoven e uma certa "comuni-
dade européia", já presente em um repertório comum e um conjun-
to de intérpretes ligados ao ritual partilhado do concerto público,en-
contra bases especificamente políticas na prática comemorativa.
Entretanto, esses discursos raramente exaltam o caráter "euro-
peu" do compositor.Na Áustria e na Alemanha, o culto de Beetho-
ven fói sobretudo uma reivindicação nacionalista, muitas vezespro-
movida de maneira política contra a influência de uma arte estran-
geira, isto é, italiana ou trancesa. Ao mesmo tempo, esta dimensão
nacional logo foi colocada corno contraponto de uma outra figura,
não menos decisiva para a modermdade nascente, a saber, a humani-
dade. Bem entendido, esse duplo regime de pertença não concerne
unicamente o autor da Nona. Tanto os franceses sonharão com uma
humanidade cantando os "hinos da liberdade", saídos de uma nação
tida como a encarnaçãodo universal, quanto os alemães louvarãoa
dimensão universal de uma música tida como especificamentenacio-
nal. O mito beethoviano vai se expandir no campo das tensõesinscri-
to entre essesdois pólos. E se esse culto encontra adeptos na maior
parte dos países ocidentais, é sobretudo na Alemanha e na Françaque
a discussãovai se estabelecer. Em Paris, perto do fim do último sé-
culo, chega-se a descrever a Odeà alegria como uma "Marselhesada
humanidade" enquanto que na Alemanha exalta-se de bom grado seu
caráter essencialmentegermânico. Mas a equação apareceráigual-
mente sob fórma invertida, em sua invocação pelos comunistas ale-
mães em nome dos proletários de todo o país ou por ocasiãode epi-
sódios que a associam a um patrimônio histórico francês, tal como a
visita de François Mitterrand ao Panteão, em 1981.
Quanto a esta dupla tradição, nacional e universal, a figura da
Europa é singularmente ausente. Tanto a dimensão européia da reu-
nião de Bonn de 1845 é, ao mesmo tempo, imersa num projeto cos-
mopolita e sabotada por tensões nacionalistas, quanto em Viena, qua-
se um século mais tarde, o alcance mundial do movimento faz trans-
bordar essa dimensão sobre um "mundo civilizado" que acaba de de-
finir a Grande Guerra. Nos dois casos, esses resultados estão de acor-
do com o caráter problemático da "idéia européia" em si mesma, mui-
to diferente da constituição objetiva de um espaço cultural em escala
continental. Associada depois do século das Luzes ao Antigo Regime,
que o arrastão revolucionárioe nacionalistatinha destruído e o Con-
gresso de Viena efemeramente restaurado, essa idéia permaneceu, du-
rante muito tempo, um dado do passado. A Europa, como projeto po-
he-
lítico e ideológico, só se torna uma realidade com o declínio de sua
gemonia mundial e só nos anos vinte deste século que a idéia de um
hino europeu, composto pelo "grande europeu", Beethoven, começa a
ter um sentido. A idéia cristaliza-severdadeiramentecom as institui-
ções criadas depois da Segunda Guerra mundial assim que a "descolo-
a
nização"e a crítica do eurocentrismocultural permitem descobrir
do
Europa como realidade particular e não mais como simples figura
insis-
universal. Ora, a adoção do hino europeu, em 1972, é paralela à
uma Eu-
tência sobre os valores ocidentais que refletem os limites de
A pos-
ropa excluindo, durante a Guerra Fria, toda a Europa do Leste.
sibilidade que a Odeà alegria torne-se um motivo de memória euro-
a
peu permanecerá sujeita às pressões saíclasdesse caráter híbrido,
e de-
meio caminho entre o nacional e o universal, os quais definiram,
finem sempre, a matriz ideológica de sua recepção.
Assim sendo, ao longo de todo o século XIX, essa recepçãoen-
contra-se marcada pelo simples fato que, quanto mais o tempo passa,
lei-
mais a figura e a música de Beethoven afundam-se no passado. As
com
turas políticas de sua obra serão confrontadas permanentemente
seu crescente anacronismo num mundo em evolução vertiginosa.
re-
Nada de espantoso no fato que, mesmo naqueles que reivindicam a
volução, o tom desses discursos seja muitas vezes conservador, sobre-
tudo segundo a perspectiva das elites culturais inspiradas agora pelo
imperativo vanguardista de renovação estética permanente. Na época
romântica, os músicos mais audaciosos fizeram de Beethoven
um
Io e um modelo; no momento do centenário, não são mais eles ído-
que se
encontram na primeira fila da homenagem, mas políticos,
musicólo_
gos e alguns compositores acadêmicos; depois da Segunda
Guerra
mundial, os compositores contemporâneos, quando acontece de
se in-
teressarpor ele, devem constatar que ele representa mais um ícone
da
cultura de massasdo que uma fonte de inspiração para suaspróprias
experiênciasartísticas. Em 1987, Andy Warhol produzirá um Bee_
thoven que, explorando uma imagem, reconhecível por todose
por
toda parte, assinala o fato que o compositor está, por assim dizer,mais
próximo de Marilyn Monroe que de John Cage. Isso ilustra um pro-
cesso de banalização do mito beethoviano que, na realidade, já existia
nos românticos e que, especialmente a partir de Nietzsche, permitiu
manter uma espécie de suspeita contra o próprio compositor.
Ora, o momento de Warhol é o momento presente. Certamen-
te, por mais tempo que as obras de Beethovensejam executadas, o
prazer estético que elas determinam permanece, por definição,con-
temporâneo, como o comprova a experiência cotidiana dos melôma-
nos do mundo inteiro; por outro lado, seu status de ícone da música
clássicapode constituir uma incitação à criação artística e um objeto
de pesquisa histórica. A questão que permanece é se o imortal Bee-
thoven, de uma maneira ou de outra, está menos morto ou em peri-
go de morte. Qualquer que seja a resposta, uma pesquisa sobre as re-
lações da Odeà alegria com a política deve, atualmente, levar em con-
ta essa evolução, se é que ela não quer ser apenas uma repetiçãome-
cânica das idéias recebidas.
Esteban Buch
nasceu na Argentina. Publicou, em
Buenos Aires, um estudo sobre o hino
nacional argentino e, em francês,
Histoire d'un secret. À propos de Ia
"Suite /yrique" d'A/ban Berg (1994).
Pesquisa as relações entre Música e
Política.

Você também pode gostar