Você está na página 1de 7

· Quem são os quilombolas?

A palavra quilombo origina-se do termo kilombo, presente no idioma dos povos Bantu, originários de
Angola, e significa local de pouso ou acampamento. Os povos da África Ocidental eram, antes da
chegada dos colonizadores europeus, essencialmente nômades, e os locais de acampamento eram
utilizados para repouso em longas viagens. No Brasil Colonial, a palavra foi adaptada para designar o
local de refúgio dos escravos fugitivos. Quilombola é a pessoa que habita o quilombo.

Os povos quilombolas não se agrupam em uma região específica ou vieram de um lugar específico. A
origem em comum dos remanescentes de quilombos é a ancestralidade africana de negros escravizados
que fugiram da crueldade da escravidão e refugiaram-se nas matas. Com o passar do tempo, vários
desses fugitivos aglomeravam-se em determinados locais, formando tribos. Mais adiante, brancos,
índios e mestiços também passaram a habitar os quilombos, somando, porém, menor número da
população.

Ao longo da história brasileira, vários quilombos foram registrados, alguns com grande número de
habitantes. O Quilombo dos Palmares, por exemplo, que na verdade era formado por um conjunto de 10
quilombos próximos, chegou a ter uma população estimada em 20 mil habitantes no século XVII.

Ainda hoje existem comunidades quilombolas que resistem à urbanização e tentam manter seu modo de
vida simples e em contanto com a natureza, vivendo, porém, muitas vezes em condições precárias
devido à falta de recursos naturais e à difícil integração à vida urbana e não tribal.

Há uma dificuldade, por exemplo, de acesso à saúde e à educação. Devido a isso, desde o início dos anos
2000, há uma tentativa governamental de demarcar as terras quilombolas para que elas não sejam
tomadas por fazendeiros, madeireiros e grileiros e para que haja maior garantia de sobrevivência das
comunidades que vivem nelas.

A extinta Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), criada em 2003 e
extinta em 2015, acompanhava e rastreava as comunidades quilombolas. O Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), pelo Decreto n. 4.887 de 2003, é o órgão federal responsável pela
demarcação e titulação das terras quilombolas no país.

Além dessas entidades, a Fundação Cultural Palmares, um órgão público vinculado ao extinto Ministério
da Cultura (incorporado ao Ministério da Cidadania), é responsável pela manutenção e preservação do
patrimônio cultural quilombola."

· Tradição das comunidades quilombolas

É difícil apontar uma tradição quilombola única, visto que os quilombos formaram-se e organizaram-se
das mais diversas maneiras. Em primeiro lugar, não foram apenas descendentes de africanos que
povoaram os quilombos. Além de povos negros (que são predominantes hoje na composição étnica das
áreas de quilombos), existe uma significativa presença de descendentes de indígenas e europeus.

As organizações formadas por quilombos também foram as mais diversas. Houve nelas uma
predominância do modo de vida tribal, mas muitos quilombos desenvolveram sistemas de comércio e
alguns até estabeleceram sistemas políticos internos, como reinados e repúblicas.

É o caso do Quilombo de Mola, liderado, por um tempo, pela líder resistente Felipa Maria Aranha. Esse
quilombo, situado onde hoje é o sul do estado de Tocantins, organizou-se temporariamente como uma
verdadeira república, tendo um código civil, um exército e um sistema de voto democrático.

Apesar da diversidade de origens culturais, alguns traços gerais da cultura africana estão presentes nos
quilombos, além do sincretismo religioso das religiões afro-brasileiras, que misturam o tradicional culto
aos orixás com o catolicismo, e a culinária, com vários elementos indígenas. Os quilombolas em geral
gostam muito de música, canto, dança e festas tradicionais.

O município paraense de Oriximiná, por exemplo, fica em uma região que abriga vários quilombos. Por
lá, há uma imensa diversidade cultural. No dia 6 de janeiro, há a tradicional Aiuê a São Benedito, uma
festa em celebração ao padroeiro da comunidade Jauari, São Benedito. Nessa comunidade é comum a
prática do futebol como esporte favorito dos homens e das mulheres. As danças vão desde ritmos
africanos, como o lundum e a mazurca, até um tradicional ritmo europeu, a valsa. A chamada música
“brega”, bastante ouvida no Pará, também é favorita no município de Oriximiná.

O município de São Bento do Sapucaí, a 185 quilômetros da cidade de São Paulo, na Serra da
Mantiqueira, também abriga uma comunidade quilombola. O artesanato produzido lá é referência em
arte quilombola e mantém viva a tradição cultural dos povos ancestrais do quilombo daquela região.
Utilizando palha de bananeira, milho e outros elementos naturais, os artesãos produzem suas peças para
a comercialização no complexo turístico da cidade.

Essa comunidade também celebra, há mais de 50 anos, a tradicional Festa do Quilombo, mantida viva
por Luzia Maria da Cruz, de 86 anos de idade (mais conhecida por lá como Dona Luzia, a matriarca). A
festa é celebrada no dia 13 de maio, data em que foi sancionada a abolição da escravatura no Brasil.

As comidas típicas dos quilombos são mais determinadas pela região onde eles estão do que por uma
unidade étnica. Nos quilombos baianos, por exemplo, o acarajé é uma iguaria típica. No nordeste em
geral, come-se muito cuscuz, não sendo diferente nessas comunidades. A tapioca e a garapa (o
tradicional caldo de cana) também são apreciados em vários quilombos pelo país.

Já quanto à religião cultuada nas regiões quilombolas, não há uma específica. Os quilombos têm várias
matrizes religiosas, sendo predominante o candomblé, o catolicismo e o protestantismo. Neles o
sincretismo entre elementos católicos e candomblecistas também é muito presente.

· Direitos

Para aprofundar reflexões sobre temas relevantes para a vida das comunidades, tivemos durante o
encontro cinco Grupos de Trabalho que discutiram sobre os problemas que as comunidades têm
enfrentado e quais são as perspectivas, as estratégias que têm sido construídas:

1) Meio ambiente e Agroecologia

O meio ambiente é muito importante para nossas vidas. Se nós não cuidamos do nosso próprio ar, como
vamos sobreviver? Não podemos esquecer os conhecimentos que nos foram repassados pelas nossas
mães e pais sobre as formas de nos relacionar com a natureza. Consideramos que é importante
fortalecer a agroecologia e incentivar o trabalho nos quintais com diversidade de plantas que servem
para ornamentar, alimentar e medicar. Através dos quintais, podemos ter uma melhor qualidade de vida,
evitando vários tipos de doenças. O trabalho das mulheres nos quintais deve ser valorizado, pois elas
têm uma grande contribuição para a renda das famílias. É fundamental a força de vontade para ajudar
às/aos outras/os, sendo o nosso dever cuidar da natureza

2) Identidade Cultural

As identidades são os nossos costumes, nosso jeito de falar, de comer, de rezar, de nos relacionar, de nos
expressar. Identidade é cultura, é tudo que está ligado à história humana. Um povo sem cultura é um
povo inexistente! Quando se quer destruir um povo, o caminho tem sido destruir sua identidade e isso
foi feito com o nosso povo negro, arrancando nossa alma, tratando-nos como animais. A nossa maior
escravidão foi a catequese. É hora do povo negro recuperar o que é nosso, hora de pegar a caneta e
(re)escrever nossa história. Precisamos recuperar nossa identidade indígena e quilombola trazendo as
indumentárias e os elementos que estão ligadas às duas raças, como esteira nesse caminho. O Brasil é
um filho da África e devemos defender nossa história e nossa identidade cultural. Gritamos juntas/os:
“Não ao genocídio do povo negro!”.

O papel do Estado e das políticas públicas deve ser o de valorizar, reconhecer e a apoiar a cultura negra e
a luta contra toda forma de racismo, sobretudo, o institucional.

3) Juventude e Comunicação

Todas as comunidades quilombolas possuem muitas/os jovens, porém, a juventude não tem tido apoio
para fortalecer sua participação nas questões relacionadas à comunidade. Sabemos que a juventude é
responsável por perpetuar nossos saberes tradicionais e culturais nas comunidades, por isso, é preciso
realizar um trabalho diferenciado com a juventude. Em uma era digital, de tecnologias e redes sociais,
as/os jovens seguem excluídas do mundo do trabalho; temos poucos pontos de culturas e projetos que
fortaleçam nossas ações, trabalhos e atividades culturais. Queremos que o dia da consciência negra seja
apoiado e fortalecido. Para dar mais apoio à juventude reivindicamos que:

As ações de comunicação realizada por jovens que fazem parte da comunidade sejam valorizadas e
apoiadas;

Sejam realizadas trocas de conhecimentos, intercâmbios e construção de parcerias entre as


comunidades;

Haja incentivo às festas culturais dentro das comunidades;

Aumentem as ações que possibilitem o acesso das/os jovens ao ensino superior, a exemplo de bolsas
permanentes para remanescentes de quilombo, resultado da luta do movimento quilombola;

Incentivo à participação social e política da juventude nos espaços institucionais

4) Mulheres Quilombolas

“Nós somos iguais, as mulheres têm os mesmos direitos que os homens”. Com este sentimento de
igualdade, as mulheres quilombolas têm pautado sua organização nos espaços de poder e decisão nas
Associações Quilombolas. Nesse sentido, é importante que as mulheres continuem se fortalecendo e
construindo espaços de reflexão, de diálogo, de troca de saberes para sua auto-organização social e
política nas comunidades. É necessário ainda trazer para a roda nossos companheiros (maridos, filhos)
para apoiar nossa luta. Para fortalecer as mulheres quilombolas, é importante:

Fortalecer e a apoiar as mobilizações e reuniões das mulheres, em encontros periódicos, em suas ações
e diálogos cotidianos;

Criar e fortalecer momentos e espaços de poder e decisão para as mulheres;

Realizar intercâmbios com grupos liderados por mulheres, com o objetivo de trocar de experiências
exitosas entre as comunidades;

Realizar atividades onde os homens também possam dialogar sobre temas como violência contra as
mulheres e desigualdade de gênero;

Apoio e parceria da Defensoria Pública Federal nas ações/atividades nas comunidades quilombolas.

Que o movimento quilombola continue realizando o Encontro Estadual das Mulheres Quilombolas do
Piauí.

5) ATER Quilombola

As/os participantes destacaram a necessidade de que as organizações que realizam assistência técnica
tenham um olhar diferenciado para as comunidades quilombolas, reconhecendo nossas especificidades,
entendendo e valorizando nossa identidade, práticas culturais, religiosas, artísticas. Para isso é
necessário:

A retomada de diálogo do Governo do Estado e com a FAO para o retorno do Projeto ATER Quilombola,
através do EMATER-PI;

Pautar com o Governo do Estado maior apoio ao EMATER-PI e outras executoras de ATER em relação ao
aumento do custeio, investimento, aumento de técnicas/os extensionistas, assim como, valorização
salarial da categoria;

Ao retomar o diálogo, bem como o Projeto ATER Quilombola, resgatar o papel das/os Educadoras/es
Populares, assim como, o seu reconhecimento com o apoio financeiro para subsidiar esse trabalho tão
importante;

Que a EMATER-PI e executoras de ATER coloquem em seus planejamentos estratégicos ações de ATER
para comunidades quilombolas em determinados territórios com condições estruturais e financeiras;

O movimento quilombola deve fazer o levantamento de experiências produtivas exitosas (saberes


tradicionais) para serem utilizadas em processos internos de ATER, através de trocas de experiências
entre os jovens e griôs (mais velhos), a ser apresentado ao Governo com vistas ao fomento de futuras
políticas públicas;

É importante o envolvimento de jovens quilombolas com formação técnica, bem como o fomento às
experiências locais de comercialização, produção agroecológica, comunicação, abrangendo discussões
como as de “novas” ruralidades;

Deve haver um processo de formação interno das equipes junto com o movimento quilombola antes de
irem para as comunidades, para que haja um nivelamento das informações acerca dos
projetos/programas, com a utilização de metodologias participativas e um olhar diferenciado voltado
para social.

Um dos direitos mais importantes dos Povos quilombolas é o direito a terra. Essas comunidades têm o
direito de ocupar e utilizar as terras que tradicionalmente ocupam, de acordo com suas práticas culturais
e de subsistência. Essa garantia é fundamental para a preservação de sua identidade e modo de vida.

Além disso, os Povos quilombolas têm direito ao acesso a serviços básicos, como saúde, educação e
saneamento. É responsabilidade do Estado garantir que essas comunidades tenham acesso igualitário a
esses serviços, levando em consideração suas necessidades específicas.

Outro direito importante é o direito à participação política. Os Povos quilombolas têm o direito de
participar ativamente das decisões que afetam suas vidas e comunidades. Isso inclui o direito de serem
consultados em projetos de desenvolvimento que possam impactar suas terras e recursos naturais.

A proteção dos direitos dos Povos quilombolas também está relacionada à preservação do meio
ambiente. Essas comunidades têm um profundo conhecimento tradicional sobre a natureza e são
guardiãs de territórios ricos em biodiversidade. É fundamental garantir que suas terras sejam
preservadas e que eles tenham o direito de continuar a utilizar seus recursos naturais de maneira
sustentável.

Infelizmente, os direitos dos Povos quilombolas muitas vezes são violados. Eles enfrentam desafios como
a falta de demarcação de suas terras, conflitos com empresas e invasões ilegais. Essas violações não
apenas afetam as comunidades quilombolas, mas também representam uma perda para toda a
sociedade, pois privam a todos nós de uma rica diversidade cultural e conhecimento ancestral.
Portanto, é necessário que todos os setores da sociedade se unam na defesa dos direitos dos Povos
quilombolas. O Estado deve cumprir seu papel de garantir a demarcação e regularização das terras
quilombolas, além de promover políticas públicas que atendam às necessidades dessas comunidades.

A sociedade civil também tem um papel fundamental nessa luta. É importante apoiar e fortalecer as
organizações quilombolas, ouvindo suas demandas e ampliando a conscientização sobre a importância
da preservação dessas comunidades.

Em suma, os direitos dos Povos quilombolas são essenciais para a construção de uma sociedade mais
justa e igualitária. Reconhecer e proteger esses direitos são um dever de todos nós. A diversidade
cultural e o conhecimento ancestral dessas comunidades são um patrimônio que deve ser valorizado e
preservado.

· Conclusão

A conclusão deste artigo destaca a importância da proteção dos direitos dos ex-escravos fugitivos na
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nomeadamente, estes direitos incluem o acesso à
terra, serviços básicos como saúde e educação, participação política e protecção ambiental.

Embora as comunidades de ex-escravos fugitivos enfrentem desafios como a falta de demarcação de


terras e conflitos com empresas e invasores, enfatizamos que a defesa desses direitos é responsabilidade
de toda a sociedade. Além de promover políticas públicas que atendam às suas necessidades específicas,
o Estado deve garantir a demarcação e regularização de antigas terras fugitivas.

A sociedade civil também é chamada a juntar-se à luta, apoiar e fortalecer as organizações quilombolas e
sensibilizar para a importância de proteger estas comunidades e o seu rico património cultural e
conhecimentos ancestrais.

Reconhecer e proteger os direitos dos ex-fugitivos é, portanto, crucial para promover a justiça social e
valorizar a diversidade cultural que enriquece a sociedade brasileira.

Você também pode gostar