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Como num jogo das partes – e Daniel No diálogo Górgias de Platão encontra-

Lopes, em sua apresentação, acentua a mos, pela primeira vez, a palavra “retórica”.
importância do teatro na construção deste Górgias é o segundo volume dedicado a Platão que Górgias, sofista e orador, revelará quais são
GÓRGIAS

GÓRGIAS DE PLATÃO
texto –, acabamos por olhar não mais para a editora Perspectiva traz ao leitor brasileiro em sua suas vantagens: “a liberdade para os homens
Górgias, mas para Sócrates, e do ponto de coleção Textos (depois da República). Traduzido dire- e o domínio sobre os outros na própria cida-
vista de um de seus críticos mais ferozes,
Cálicles. A cada linha, lembramo-nos do
tamente do grego por Daniel Lopes, autor das notas e do
ensaio introdutório, este diálogo aparece no catálogo de DE PLATÃO de”. O comediógrafo Aristófanes zomba do
“bárbaro” Górgias – na realidade, um grego
Diógenes Laércio (séc. ii d.C.) e nos manuscritos medie- •
destino do filósofo, de sua condenação à da Sicília, um estrangeiro em Atenas –, di-
morte, e de sua própria “arte da palavra”.
vais com o subtítulo “Sobre Retórica”. Todavia, o leitor obras ii zendo que pertence à “raça astuta que enche
que se aventura pelos caminhos dialógicos percorridos
Essa discussão violenta conclui o diálogo, pelos interlocutores logo constata que a discussão vai a barriga com a língua”. Comparando essa
em páginas destinadas a marcar o caminho raça a um animal, refere a prática ateniense
da reflexão política e filosófica de épocas
além da tentativa de definir o que é essa arte, ou mesmo
se ela é verdadeiramente uma arte. À medida que o exa-
DANIEL R.N. LOPES de cortar as línguas das vítimas nos sacrifí-
sucessivas. me conduzido por Sócrates passa de uma personagem a
tradução, ensaio introdutório e notas cios. Xenofonte e Platão mencionam alguns
Paulo Butti de Lima outra, emerge a questão fundamental que é a do melhor dos discípulos do orador, todos caracteriza-
modo de se viver: será a vida política da democracia dos pela ambição de poder e pelo desejo de
Professor da Universidade de Bari
ateniense, da qual a retórica é parte imanente, ou a filo-
e responsável científico da Scuola Superiore riquezas. Comentava-se a riqueza do próprio
di Studi Storici di San Marino sófica, na imagem de Sócrates construída por Platão? O
Górgias e sua excentricidade: dizia-se que
desafio socrático é persuadir de que a justiça é superior
à injustiça e que a felicidade humana está na vida virtuo- aparecia em público vestido de púrpura.
sa. Nesse viés moral, a pergunta é: qual a utilidade da A esse “mestre de retórica” e a sua ati-
retórica? Concebida por Górgias, Polo e Cálicles como vidade, Platão dedica o diálogo, que agora
meio de alcançar uma existência afortunada através do lemos na nova tradução em língua portu-
poder e da liberdade, ela é, para Sócrates, instrumento guesa de Daniel Lopes, acompanhada de

DANIEL R. N. LOPES
daniel rossi nunes lopes é doutor em para a prática da injustiça no âmbito político. O debate um amplo comentário. “Quem és?”: como
grego clássico pela Universidade Estadual de aponta, portanto, para uma crítica mais ampla de Platão
em uma cena homérica, Sócrates quer in-
Campinas (Unicamp) e professor de língua à democracia, uma vez que dela se gera o antípoda do textos 19 terrogar Górgias em sua identidade, mas é
filósofo, o tirano, como se lê na República.
e literatura gregas da Faculdade de Filosofia, o filósofo que, aos poucos, por meio de uma
Letras e Ciências Humanas da Universida- constante interrogação, vai traçar a figura
de de São Paulo (fflch-usp). É autor do duradoura do “artífice de persuasão”. Atra-
livro Xenófanes de Cólofon: Fragmentos vés da sucessão das personagens do diálogo,
(Olavobrás, 2003) e colaborou com a edi- Górgias, Polo e Cálicles, percebemos que
ção de A República de Platão (Perspectiva, para entender a arte da palavra é necessário,
2006). Tem se dedicado prioritariamente à por um lado, considerar a vida dos homens
tradução de diálogos de Platão, e aos estu- em comunidade e o exercício do poder; por
dos sobre filosofia antiga, historiografia e outro, perscrutar o que cada um possui de
oratória gregas. mais íntimo, observando cada indivíduo
como este seria observado pelos deuses.
Paradoxalmente, é por meio das artes da
culinária, das vestimentas e da retórica que
vamos compreender o homem em sua saú-
de, em sua nudez e no interior de sua alma.

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GÓRGIAS

de platão

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Coleção Textos

Dirigida por:
João Alexandre Barbosa (-)
Roberto Romano
Celso Lafer
Trajano Vieira
João Roberto Faria
J. Guinsburg 

Equipe de realização – Preparação de texto: Jonathan Busato; Revisão: Marcio Honorio de


Godoy; Ilustração: Sergio Kon; Projeto de capa: Adriana Garcia; Produção: Ricardo W.
Neves, Sergio KonF Luiz Henrique Soares

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GÓRGIAS
DE PLATÃO

obras ii

daniel r. n. lopes
j. guinsburg
tradução, ensaio introdutório e notas
Organização, Tradução e Notas

roberto romano
Introdução

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cip-Brasil. Catalogação na Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj

p777g

Platão, 427-347 a.C.


Górgias / Platão; Daniel R. N. Lopes tradução, ensaio
introdutório e notas. – São Paulo: Perspeciva, 2016.
(Textos; 19)

2. reimp. da 1 ed. revista de 2011


Inclui bibliografia e apêndice
isbn 978-85-273-0910-3

1. Ética – Obras anteriores a 1800. 2. Ciência política –


Obras anteriores a 1800. i. Lopes, Daniel R. N. ii. Título.

11-1979. cdd: 170


cdu: 17

08.04.11 11.04.11 025655

1a edição revista – 2a reimpressão


<PPD>

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SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

Ensaio Introdutório:
Tragédia e Comédia no Górgias de Platão
Introdução: Platão e o Teatro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
A Comédia no Diálogo: o Caso Polo. . . . . . . . . . . . . . .41
A Tragédia no Diálogo: o Caso Cálicles . . . . . . . . . . . .81
A Tragicidade do Discurso Socrático . . . . . . . . . . . . .117
As Causas da Recalcitrância de Cálicles . . . . . . . . . . .139
Sócrates: Aquiles ou Odisseu? . . . . . . . . . . . . . . . . . . .149

Górgias, de Platão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .461

Anexo 1: Anônimo Jâmblico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .470


Anexo 2: Antifonte Sofista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .472

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