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Universidade como espaço de libertação:

conflitos e desafios de uma elite diante das responsabilidades sociais

University as a liberation space:

conflicts and challenges of a elite facing social responsibilities

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Autores:

Fernando Lacerda Júnior 1

Raquel Souza Lobo Guzzo 2

Autor responsável para correspondência:

Raquel Souza Lobo Guzzo

Endereço: Rua Santa Mônica, nº 136, casa 1. Jardim Santa Marcelina

Cidade: Campinas

Estado: São Paulo

CEP: 13094-531

E-mail: rguzzo@mpc.com.br

Telefone: (xx19)3251-4206

Fax: (xx19)3255-1970

1
Estudante da Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
SP.Brasil.
2
Doutora em Psicologia. Docente Titular da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, SP. Brasil.

2
Universidade como espaço de libertação: conflitos e desafios de uma

elite diante de responsabilidades sociais

RESUMO

A universidade brasileira é constituída pela elite social do país, pois seus estudantes
constituem aproximadamente 10% da população brasileira. Tem funcionado como um
espaço de reprodução dos sistemas social e político vigentes. Este processo é mantido pela
ênfase em uma formação tecnicista e acrítica diante da realidade de injustiças e
desigualdade. Esta situação acaba por dar continuidade ao processo de (de)formação
existente no sistema educacional brasileiro. Neste contexto, a universidade torna-se incapaz
de promover a mudança social pela formação de indivíduos que podem atuar em diferentes
áreas da sociedade. O presente texto tem como objetivos refletir sobre o espaço da
universidade como o que pode promover a transformação social, a partir de considerações
relativas ao rompimento com valores do neoliberalismo, como o individualismo e a
competitividade, em favor da solidariedade e do pensamento coletivo. Caminhos sobre
como a universidade pode promover a ruptura com uma maneira de viver que leva à
manutenção das situações sociais e políticas pelas experiências vividas são propostos a
partir dos pensamentos de Buarque, Freire e Martín-Baró. O foco de atenção se restringe à
como estudantes podem perceber o que significa libertar a humanidade por suas propostas
de formação pessoal e profissional. Algumas características desta formação em Instituições
do Ensino Superior foram apresentadas, como separadas da realidade, incapazes de
responder às necessidades da maior parte da população brasileira. As práticas docentes e da
militância em movimentos estudantis foram considerados como possibilidade de ruptura
com a cultura dominante e promotores da construção de um espaço de libertação.

Palavras-chaves: educação superior, libertação, transformação social, Universidade

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University University as a liberation space:

conflicts and challenges of a elite facing social responsibilities

ABSTRACT

The Brazilian university is formed by the social elite of the country, because its students are

nearly 10% of Brazilian population. It has been working as a reproduction’s space of the

mainstream social and political systems. This process is sustained by the emphasis in a

technical and acritical formation facing an unequal and unfair reality. This situation gives

continuity to the existing process of de(formation) inside the Brazilian educational system.

In this context, the university becomes unable for promoting the transformation by social

change by formation of individuals who can act in different areas of the society. The

present text has goals to reflect about the university space as one which can promote the

social transformation, from the considerations related to the breakdown with neoliberalism

values of individualism and competition, in favor of solidarity and collective thinking.

Pathways about how university can promote the rupture with one way of living which

takes to the maintenance of social and political situations are proposed from the thoughts

of Buarque, Freire and Martín-Baró. The focus of attention is limited to how students can

recognize what means to liberate humanity by their proposals of personal and professional

formation. Some of those characteristics of High Education Institutions were presented as

separated from reality, unable to responding to the needs of the major part of Brazilian

population. The teachers and student’s movement practices were considered as possibility

of rupture with dominant culture and promoters of the building of a liberation space.

Keywords: high education, liberation, social transformation, University,

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Universidade como espaço de libertação: conflitos e desafios de uma elite diante das

responsabilidades sociaisi

“A universidade brasileira tem sido um

dos instrumentos de exclusão social ao se

manter alienada do esforço direto de

eliminação da pobreza no país. Seus cursos

são voltados para atender aos próprios desejos

intelectuais de seus professores e aos desejos

de ascensão social dos alunos, orientados para

o mercado da parte incluída da população

brasileira, ignorando os pobres” (Buarque,

1999, p. 81).

“Es mentira que la Universidad haya

estado em alguna parte o em algún tiempo

abierta a todos. En este sentido, es falso que la

Universidad haya sido alguna vez

verdaderamente universal. Y esto porque,

fundamentalmente, el pueblo nunca há tenido

abiertas las puertas de la Universidad. La

Universidad ha sido uma institución elitista, y

es absurdo engañarnos com grandilocuencias

pseudo-democráticas que em el fondo no hacen

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sino recubrir nuestra reticencia a poner la

Universidad al servicio de los oprimidos”

(Martín-Baró, 1998, p. 151)

Por que libertação? Por que Universidade?

Pensar sobre liberdade e libertação é buscar a ruptura com a atual ordem

hegemônica que deificação do mercado às custas e a atual ordem hegemônica dae

exploração de muitos por poucos. a essência do humano. Quando a libertação é concebida

como um processo de conquista, um movimento constante, trata de ela implica em

transformação social, desta forma, liberdade sempre refere-se a um objeto: “liberta-se de” –

superando a realidade dada - e “liberta-se para” – em que o ser humano pode existir como

projeto, não como instrumento infinito (Boff, 2000; Freire & Brito, 1991; Ibañez, 2001).

Concebe-se, como um espaço de libertação como aquele que cria possibilidade de

transformação social. Pensar a Universidade como um espaço de transformação social é

sempre uma tentativa de realimentar a esperança de mudança, já que aqueles que por ela

passam, podem preparar-se para ocupar um papel político e social diferenciado na

diferenciado de influência social e política sobre sua realidade. Para tal reflexão é

necessário pensar, a partir da história, sobre aqueles que constituem a Universidade e a

realidade na qual esta se insere. Constatar a realidade desta maneira, permite a reflexão

sobre a (falta de) liberdade e, a partir daí, impulsionar a humanidade (Ponce, 1995). Assim,

no âmbito da Universidade, pode-se pensar uma reforma que não atinja apenas a

instituição, pois, assim como Morin (1999) aponta, esta é conseqüência da reforma do

pensamento.

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A Universidade cumpre uma importante função nas sociedades e tem sido

responsável direta e indiretamente por grandes realizações da humanidade, por meio de

suas três finalidades: a pesquisa – desenvolvendo novos conhecimentos e seus possíveis

empregos em vários campos sociais;, o ensino - formando recursos humanos para diversas

áreas e difundindo e produzindo ideais éticos, políticos, estéticos, econômicos e culturais; e

a extensão pela realização de ações comunitárias que, integradas ao ensino e a

pesquisaextensão, buscam o desenvolvimento, eae a promoção do bem- estar dosos grupos

que constituem o entorno social da Universidade, isto é, a extensão propicia a integração

com os problemas locais e nacionaisenvolvidos. (Mance, 2002; Menezes, 2000).

Para Menezes (2000), há uma diferença entre Universidade ii e Instituição de Ensino

Superior, sendo a primeira mais específica que a segunda, ou seja, além de se dedicar à

i
Trata-se de versão revisada de trabalho apresentado na mesa redonda “Universidad, liberación y compromiso

social” em novembro de 2002 no V Congreso Internacional de Psicología Social de la Liberación,

Guadalajara, México.
ii
A partir deste ponto, há no presente trabalho fará uma sutil diferenciação entre universidade –

contemplando toda instituição que promove a educação superior – e Universidade – que é mais específica e

transcende o papel de educação superior. Tal distinção mostrou-se necessária para os autores, já que a

distinção apresentada por Menezes (2000) entre Universidade e Instituição de Ensino Superior, não é

homogênea entre os diferentes trabalhos consultados. é feita, diante do fato que a utilização dos termos

universidade e instituição de ensino superior, nas referências utilizadas, se dá de forma diferenciada ou

indiferenciada.Assim, optou-se por manter o uso da palavra universidade, tal como foi encontrada nas

referências consultadas. No entanto, deve-se destacar a necessária discussão sobre o surgimento da atual

confusão entre Instituição de Ensino Superior e Universidade, que será elaborada em um momento posterior

deste mesmo trabalho.

Uma discussão sobre a confusão Instituição de Ensino Superior e Universidade pode ser encontrada em

Menezes (2000).

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educação superior a Universidade é espaço privilegiado para o debate, para a produção de

cultura e para a pesquisa.

No entanto, na realidade brasileira, o papel da Universidade tem sido confundido

com o das Instituições de Ensino Superior, ou se restringindo à reprodução No entanto, na

realidade latino-americana tal papel tem fracassado, funcionando como uma instituição

reprodutora da ideologiaiii que impera na atualidade ou, simplesmente, o alheamento a

qualquer problema pertencente a realidade em que está inserida. Acho que precisa

acrescentar algo aqui....

Brasil e Ensino Superior

O entendimento dos problemas, internos e externos, que vive a Universidade,

demandam a compreensão da realidade em que se insere e de seus movimentos históricos.

De uma maneira superficial pode-se apresentar a realidade brasileira como: uma

sociedade dividida em classes antagônicas caracterizadas pela divisão de favorecidos

economicamente que concentram renda e, como condição inerente a manutenção de tal

concentração, aqueles que sobrevivem na miséria; inserida no processo de globalizaçãoiv;,

reprodutora do modelo neoliberalv posto pelos países hegemônicos;, permeada por relações

verticais, violentas e de dominação e, por fim, pela divisão em classes antagônicas

caracterizadas pela divisão entre favorecidos economicamente que concentram a maior

parte da renda e milhões de explorados que vivem na miséria para que a concentração se

mantenha. pela pobreza (Branco, 1998; Chauí, 2000; Buarque, 1999; Buarque, 2000;

Guareschi, 1996). A pobreza no Brasil , segundo Buarque (1999), trata da exclusão à

iii
Ideologia é entendida como o conjunto de idéias que sustentam ou reproduzem relações assimétricas

(Guareschi, 1996; Sloan, 2002).

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necessidades básicas, tais como alimentação, educação, saúde, moradia com higiene,

transporte, justiça e esperança. Por isso, passa a ser um elemento essencial de sentido na

realidade brasileira.

Neste cenário emerge um sistema educacional problemático, marginalizante,

excludente e perpassado pela violência (Guzzo, 2000). Nota-se que no Brasil, a educação, a

priori, é garantida constitucionalmente a toda população, no entanto, é um dos países do

continente americano com uma das mais baixas taxas de estudantes matriculados no nível

superior, indicando que somente a elite dominante da população consegue ter a chance de

cursar esta etapa de sua formação. Este fato, como Gentili (1996) aponta, desponta sob a

égide do neoliberalismo, em que a educação articula-se com processos que contribuem com

a manutenção do “status quo” e a intensificação de uma realidade de opressão, violência e

injustiças. Além disso, oO autor aponta, que sob tal ideologia, a educação perde o caráter

de direito e torna-se privilégio, sai da dimensão da política e passa a ser regulada pelo

iv
A globalização é concebida por Therborn (2000) como uma tendência de alcance ou impacto universal de

fenômenos sociais multidimensionados. É um processo de diferentes dimensões (política, econômica e

cultural) em que são envolvidos diferentes sistemas e processos de interação. Intensifica-se o fluxo de

capitais, mercadorias, pessoas, idéias, valores, imagens, criminalidade, doenças, informações e

conhecimentos. A globalização constituí-se em uma rede universal de governança e em uma forma

estandartizada de organização territorial da vida política.


v
O neoliberalismo é, para ChauíAnderson (2000) a ideologia que surge na tentativa de revitalizar o

capitalismo. O ideário neoliberal propõe o desmantelamento do estado e a desigualdade enquanto condição de

desenvolvimento, para assim reduzir custos e enfraquecer o movimento operário. O neoliberalismo abrange

procura manter a nova configuração do capitalismo que seria caracterizado principalmente por: “insegurança

(...), dispersão (...), medo, (...) sentimento do efêmero e da destruição da memória objetiva dos espaços (p.

22). Trata-se de reformas políticas, educacionais, econômicas e políticas em conjunto com estratégias

culturais que legitimam ditas reformas em prol do capitalismo avançado (Anderson, 1998; Gentili, 1996).

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mercado. Em outras palavras, a educação passa a reproduzir a cultura da meritocracia e da

competitividade, na qual os bem sucedidos são os “melhores”. No caso brasileiro estes são

“as elites que monopolizam o poder político, econômico e cultural” (Gentili, 1996, p. 41).

O exposto fica evidente ao se analisar a taxa brasileira de matrículas no ensino

superior, que, segundo a UNESCO (2000), em 1996, foi de 14,5%. Sampaio e cols. (1998),

Aapresentando os dados da Pesquisa Nacional de Atendimento Domiciliar de 1997,

Sampaio et al. (1998) caracterizam o Ensino Superiora Universidade como a parte mais

estreita do afunilamento da educação brasileira. Os autores apontam que aproximadamente

90% dos jovens que estavam em idade de cursar o Ensino Superior (entre 18 e 24 anos)

encontravam-se fora da uUniversidade, sendo que aspectos como cor, renda familiar e

gênero influenciam o ingresso no ensino superior, ou seja, os jovens ingressantes no ensino

superior são, em geral, provenientes “de famílias mais ricas do que a média da população,

são mais freqüentemente brancos do que a média da população e são filhos de pais com

mais escolaridade do que a média” (Sampaio et al., 1998, p. 36). Isto significa que, na

pirâmide social, poucos tem acesso ao sistema superior do ensino brasileiro, ficando no

caminho por razões diversas, dentre elas, a necessidade de trabalho e a dificuldade de

concorrer a uma vaga às universidades.

Os dados que a UNESCO (2000) oferece, demonstram que o Ensino Superior não é

restrito apenas no Brasil mas, também, aos países da América Latina e Caribe (19,4%).

Nota-se que as taxas destes países são muito mais baixas do que as taxas de países da

América do Norte (80,7%), da Europa Oeste (50,7%), da Ásia e Oceania (42,1%) e do

Leste Europeu (34%). As grandes diferenças das taxas de escolaridade bruta do Ensino

Superior entre os países latino-americanos e os países do hemisfério norte, ilustram

claramente o imperialismo presente no mundo.

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Deve-se notar que os dados citados anteriormente, referem-se às Instituições de

Ensino Superior, sem a diferenciação entre estas e Universidades ou entre os setores

públicos e privados. Porém, além de apontar que a educação superior é restrita, é essencial

pensar as respostas políticas que tem sido dadas a este problema que tem nuanças

complexas e que no movimento neoliberal estão transformando uma demanda social em

mercadoria.

O mercado e a expansão do privado

As No Brasil, oportunidades de trabalho e de ascensão social, no Brasil, têm uma

característica de grande exigência na formação básica e especializada. Cada vez mais, a

população busca por uma especialidade com formação técnica, que prepara para o exercício

de funções definidas pelas corporações empregadoras e neste contexto, a universidade vi é

confundinda com transforma-se em um espaço de preparação para o mercado - o

conhecimento torna-se dependente deste e distante do cidadão (Chauí, 2000). A educação

passa a ser um assunto empresarial e regulada pelo mercado (Chauí, 2000; Gentili, 1996;

Menezes, 2000; Romano, 1998).

Neste movimento, a confusão entre Universidade e Instituição de Ensino Superior

ganha espaço em prol de interesses econômicos servindo como slogan publicitário e dando

a autonomia didática e pedagógica que os grupos empresariais precisam para atender às

volúveis demandas do mercado (Menezes, 2000). Como discute Ianni (2002), a empresa

privada no comando das universidades brasileiras vai se dedicar a um ensino


vi
A partir deste ponto, o presente trabalho fará uma sutil diferenciação entre universidade – contemplando
toda instituição que promove a educação superior – e Universidade – que é mais específica e transcende o
papel de educação superior. Tal distinção é feita, diante do fato que a utilização dos termos universidade e
instituição de ensino superior, nas referências utilizadas, se dá de forma diferenciada ou indiferenciada.
Uma discussão sobre a confusão Instituição de Ensino Superior e Universidade pode ser encontrada em
Menezes (2000).

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eminentemente prático, pragmático e profissional, deixando de lado, a pesquisa pura, a

pesquisa original, o debate de idéias, as controvérsias sobre perspectivas da sociedade, a

cultura, o humanismo, ou seja, relegando a um âmbito de menor importância, atividades

que propiciem a conscientização de valores importantes para as civilizações, de forma

geral.

Taís características não são “privilégios” da uUniversidade brasileira,

características semelhantes são apontadas por Martín-Baró ao refletir sobre a Uuniversidade

latino-americana: (1) a uUniversidade tem como essência a formação de profissionais,

podendo recair em uma formação acrítica, pragmática e tecnicista; (2) apresenta-se com

uma configuração hierárquica monolítica e vertical, o que dificulta a criação de um espaço

democrático e libertador; (3) e está a serviço da ordem política vigente, pois busca atender à

demanda concreta da sociedade estabelecida ao profissionalizar uma elite, que será o alvo

da profissionalização e a quem os profissionais da universidade servirão (Cabrera, 1990).

A reorientação, pela qual vem passando a universidade brasileira, compromete a

formação do cidadão, o sentido de liberdade e da democracia e acaba tendo uma grande

influeência na dinâmica e no papel desempenhado em seu contexto.

Historicamente, o sistema brasileiro de educação superior viveu uma trajetória de

crescimento acelerado para o atendimento de uma demanda cada vez maior e mais

diversificada, quando o diploma universitário é associado a oportunidade de ascensão

social, isto é, ganha um cunho mercadológico (Crochík, 1985; Chauí????; Megale, 1999;

Menezes, 2000)especialmente, em termos de formação básica e de necessidades e

envolvimento com o trabalho. Este período coincide com a falta estrutural de emprego

causada porelos processos sociais econômicos ela forma de lidar com a economia, que, a

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cada dia mais, situa o homem como escravo da forma hegemônica de organização da

produção material hegemônica. É neste contexto, que se dão as condições para a explosão

do setor privado atendendo a uma demanda que a universidade pública não consegue

atender.

Partindo do exposto, nota-se que para a compreensão sobre o papel da universidade

na formação social brasileira e de sua responsabilidade com a manutenção do sistema atual,

é preciso compreender a relação entre o sistema de educação privada e pública. Esta relação

constitutiva de todo o sistema educacional do país, desde a Educação Infantil até o Ensino

Superior, encontra-se agravada pelas recentes políticas implementadas nos últimos

governos, as quais permitiram a participação na formação superior de grandes fortunas

privadas do país, trazendo idéias que, por exemplo pois a ideologia hegemônica apresentam

a instituição pública como “bagunça” e a privatização como a única solução possível

(Gentili, 1996).

Durante o período de crescimento do setor privado, o sistema educacional, que se

iniciou por Instituições Federais e Estaduais de Ensino, alterou sua composição para um

grande número de iInstituições de Eensino pParticulares, vinculadas juridicamente a

famílias e empresas ou a comunidades confessionais, favorecidas pelo governo federal em

processos de abertura e regularização, pelas corporações transnacionais e pelo Banco

Mundial. Estas instituições acolhem a maioria daqueles que conseguem chegar ao topo da

pirâmide social, mas que ao final, reproduzem o sistema que as conduziu até lá.

Menezes (2000) divide a história da Universidadeo Ensino Superior no Bbrasileira

em quatro períodos. O período entre o início dos 30 e fim dos 40 em que há a integração de

escolas superiores de formação profissional e um redirecionamento destas para as ciências

resultando nas primeiras Universidades Públicas que eram localizadas em centros urbanos.

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Do fim dos 40 ao início dos 70 há o crescimento das Universidades já exisentes e a criação

de Universidades públicas e as comunitárias e confessionais (PUCs) em quase todos os

centros urbanos do país, é neste período que surgem as primeiras instituição privadas que

ofereciam educação superior, mas que no entanto ainda não eram reconhecidas enquanto

universidades. Do fim dos 70 até os dias atuais cresce o número de Universidades estaduais

e há a explosão das instituições de en....sino superior de caráter privado que conquistam o

status de universidade, mesmo sem atividades de pesquisa ou pós-graduação.

Sampaio (2000) apresenta algumas considerações sobre a explosão em seu trabalho

de avaliação ddo Ensino Superior Privado no país, algumas considerações sobre esta

explosão, especialmente, sobre seu caráter misto em que a iniciativa privada se estabelece

ao lado da pública para o atendimento da demanda de estudantes que procuram a formação

nas universidades, tanto quanto em sua dinâmica na integração com o Estado. Para a autora,

estatísticas oficiais de 1994 mostravam que as matrículas oficiais de estudantes no Ensino

Superior ficavam com 54% no setor privado, o qual correspondendoia a 78% das

instituições de ensino superior no país?????. Trata-se, portanto, do setor predominante no

ensino superior, tanto no que concerne ao número de matrículas, quanto ao número de

estabelecimentos de ensino existentes no país. Esta preponderância do ensino privado sobre

o público respondeu à demanda de estudantes para o nível superior de ensino, ao mesmo

tempo pela busca de profissionalização, por meio de um diploma de nível superior. Os

setores privados passam a ser mais dinâmicos em relação ao atendimento das demandas deo

mercado massa e a complementar os setores públicos que são relativamente pequenos, mais

seletivos e voltados para carreiras de eliteinteresses que extrapolam o mercado.

OTal processo de diminuição da parcela de Ensino Superior atendida pela

Universidade pública não é um processo trivialespontâneo. Menezes (2000) caracteriza este

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processo como o cerco territorial da Universidade, isto é, a contínua expansão do setor

privado que chega a ameaçar a existência da Universidade. Dois pontos de análise

utilizados por Menezes (2000) dão um tom dramático a tal processo. O primeiro diz

respeito à indiferenciação entre demanda social e mercado, ou seja a equalização de

necessidades em mercadorias que transformando a educação em mais um produto dentre

tantos outros. Assim, a Universidade perde o caráter de ser instrumento para o

desenvolvimento nacional ou para a produção de cultura e, conseqüentemente, o sentido de

sua existência. O segundo ponto, apresentado pelo autor destaca que todas as grandes

Universidades existentes no mundo não são espaços de acumulação de lucros, mesmo

quando mantidas com recursos privados, o que difere da grande maioria de universidades

privadas existentes no Brasil..

Fatores históricos e conjunturas políticas fizeram deste quadro uma das maiores

distorções presentes no país – um grande número de jovens que não podem estudar em uma

universidade, seja por problemas financeiros, seja por insuficiência de formação básica, têm

dificuldades para concorrer aos níveis mais seletivos de um concurso em escolas públicas.

Mesmo em pequenas proporções, o crescimento das taxas de ingresso no Ensino

Superior está relacionado à visão do diploma universitário, que nasce nos anos 60,

associado à possibilidade de ascensão ou mudança de posição social (Crochík, 1985;

Megale, 1999). A demanda aumenta e cresce o setor privado dentro do sistema educacional

o qual, por um vazio nas políticas públicas para a Educação Superior, torna o rompimento

do ciclo reprodutivo de injustiças sociais cada vez mais difícil e a transformação social cada

vez mais distante de ocorrer.

Na medida em que o setor privado aumenta sua representatividade no sistema

educacional, mais a universidade assume a elite econômica do país e se separa da realidade

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brasileira. A proliferação das Instituições de Ensino Superior trata o processo de formação

em torno de um fim – a concessão e a posse de um diploma, instrumento de ascensão

social. Como o pico de uma pirâmide, cujo funcionamento e características denunciam os

grandes problemas estruturais do país, assim se caracteriza o ensino superior privado.

Ironicamente, uma resposta que surge com o slogan de atender a população que a

Uuniversidade pública não contempla, o que se percebe é que a privatização do ensino

superior apenas vem para sustentar e reproduzir o neoliberalismo, seguindo cartilhas

elaboradas por “experts” ou por agências internacionais e isto é, mantémer a desigualdade e

propõeor a submissão ao mercado. Por fimAlém disso, tal processo, que não trata apenas de

uma expandirsão d o setor privado, mas também dde um projeto de ssucateamento e

privatização do setor público, elimina de vez a possibilidade de qualquer estudante que não

é proveniente da elite econômica de estudar (Menezes, 2000).

??????

Além das questões apresentadas acima é necessário olhar para o funcionamento da

Universidade e refletir o que impede, obstrui ou potencializa uma formação que permita a

Universidade existir enquanto um espaço de libertação. Aqui, o foco não será apenas para o

Ensino Superior, mas para a Universidade, isto é, para uma instituição cujasua ação não se

restringe ao ensino, mas ao debate, à produção de cultura, à crítica, ao pensar e projetar a

realidade. Ttata-se de pensar, em como, mesmo diante da situação atual da Universidade, a

formação em uma Universidade pode contribuir para mudanças sociais necessárias. Pela

vivência em uma Universidade, o jovem pode desenvolver uma visão crítica e

transformadora da sociedade em que está inserido. Para pensar este processoPara isto, serão

apresentadas a seguir algumas críticas e reflexões acerca a Universidade.

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Um conjunto importante de críticas elaboradas à Universidade foi formulado por

Leite (2000) que em seu texto “as sete pragas da universidade brasileira”tece uma crítica

denominada “as sete pragas da universidade brasileira” (2000), denunciando tanto sua

omissão no processo de transformação social quanto, a mercantilização da expansão do

sistema privado que lida com a Educação, como se fosse um produto de mercado,

aacentuando ainda mais seu papel de instituição reprodutora da ordem social estabelecida.

Para ele, a primeira praga estaria relacionada-se ao tipo de vínculo profissional do professor

com a instituição, ou seja, aqueles contratados como horistas (contrato refere-se ao número

de horas aula dadas na semana) ou em regime parcial de trabalho sem tempo de se atualizar

ou se dedicar à pesquisa, ao mesmo tempo em que outros docentes, liberais, movidos por

vaidade e prestígio, nas horas vagas se transformam em professores universitários. A

segunda, ainda em relação aos professores, referiu-se ao caráter vitalício de suas funções e

o conseqüente imobilismo dos pesquisadores. Neste sentido, a uUniversidade, sem

mecanismos de avaliação docente, permitiria uma estagnação ou a possibilidade de se

desvirtuar de seu projeto pedagógico em função de um corpo docente estagnado, do ponto

de vista intelectual e de compromissos sociais. A terceira praga considerada pelo autor, diz

respeito ao isolamento, ou seja, a uUniversidade em conseqüência do imobilismo de seus

pesquisadores isola-se em si mesmao deixando de interagir com outras comunidades

nacionais ou estrangeiras. A quarta refere-se à burocracia e seu rito institucionalizado nos

diferentes segmentos da uUniversidade sufocando qualquer iniciativa de crescimento ou

alternativas de vida universitária. A quinta, diz respeito a uma tendência crescente a criação

de compartimentos reduzindo a uUniversidade a uma seqüência de pequenas células que

não se comunicam e, portanto, não são capazes de dar organicidade ao projeto institucional.

Como sexto infortúnio da uUniversidade brasileira, o autor aponta o gigantismo que

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complica as relações cotidianas e não resulta em uma formação de caráter humanista e

libertador. Relações impessoais “vendem” a formação universitária como produto de

mercado. A sétima praga refere-se àfoi considerada a falta de autonomia universitária

assegurada pelo excesso de corporativismo interno e mecanismos estruturais autoritários.

Fica claro, nestas considerações, que, por força das estruturas internas da

universidade, o quadro docente diferenciado por regime de trabalho, qualificações

acadêmicas e políticas, diferencia-se também em suas ações internas na universidade -

pesquisadores se alienam e aqueles que se envolvem apenas com atividades de sala de aula,

dominam pelo corporativismo as ações cotidianas impedindo um processo amplo de

renovação pessoal e institucional. Aqui acho que dá pra acrescentar algo mais... hj nós

vemos que o corporativismo tem conseqüências bem piores do que poderíamos dizer.Além

disso, nota-se, o distanciamento entre universidade e realidade que torna o saber

fragmentado e frágil, um saber que não denuncia a realidade e deste modo, impede sua

transformação (Megale, 1999).

Diante desta situação, agravada pela difícil situação no ensino básico do país, a

formação em uma uUniversidade pode revestir-se em esperança para as mudanças

necessárias em todas as áreas de conhecimento e profissão. Pela vivência em uma

Uuniversidade, o jovem pode desenvolver uma visão crítica e transformadora da sociedade

em que está inserido, se este espaço for institucionalizado para além das atividades de sala

de aula.

Dois segmentos da comunidade devem ser alvo de atenção em qualquer exercício de

reflexão para a mudança da Universidade: Reflexões desenvolvidas a partir dos

pensamentos de Ignacio Martín-Baró, Cristovam Buarque e Paulo Freire, apontam para o

fato de que algumas características institucionais só podem ser modificadas, se dois

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segmentos da comunidade forem alvo de atenção - o corpo de professores e o corpo de

estudantes. Destes segmentos podem surgir movimentos de resistência e que caminhem

para dependem a autonomia e a libertação da Uuniversidade brasileira. para que seja

espaço de uma formação libertadora.

Para se tornar um espaço de libertação e transformação social, demanda-se uma

uUniversidade deve se estruturarda de forma a promover a conscientização de toda a sua

comunidade interna e externa, por meio de sua ação pautada em um projeto institucional

que evidencie seus objetivos e metas. Para isso, sua organização deve contar com

mecanismos especiais para assegurarem sua dinâmica e funcionamento.

Martín-Baró (1998) destaca dois conjuntos de mecanismos que sustentam a

organização universitária: os estruturais e os complementares. Os primeiros são

considerados pelo autor a coluna vertebral da universidade, ou seja, são responsáveis pelo

desenvolvimento das suas ações em diferentes âmbitos e o cumprimento de seus objetivos.

Tais mecanismos, revelam o horizonte que a Universidade almeja para a realidade em que

está inserida. voltados para a finalidade conscientizadora. Os complementares são, aqueles

que surgem para suprirem vazios dos mecanismos estruturais no cumprimento dos

objetivos visados pela Uuniversidade,e, assim, asseguram uma maior flexibilidade e

inovação às atividades e projetos desenvolvidos no interior da instituição.

Martín-Baró (1998) aponta como mecanismos estruturais: o planejamento, a política

de pessoal, a metodologia pedagógica e o sistema de avaliação. Em todos eles, a

Universidade faz uma opção, consciente ou não, para atingir ou não um fim

conscientizador. A pretensão universalista de um pluralismo apriori em uma instituição que

se insere em uma realidade permeada pela luta de classes é apenas um mecanismo de

dominação. Para o autor: “quando nossas Universidades pretendem ser universais, de fato

19
não são mais que simples instrumentos nas mãos dos poderosos” (Martín-Baró, 1998,

p.148).

Ao abordar a questão do planejamentoDos mecanismos estruturais, o autor, aponta

as políticas e o planejamento de ações e recursos destinados às diferentes atividades

desenvolvidas no projeto institucionalpolítico pedagógico, chamando a atenção para a

necessidade de existir um grupo de pessoas que assumem funções e papéis importantes

nestas ações, cujas características devem favorecer o entendimento e o desenvolvimento d

ser definidas, a partir dos fins almejados pela Universidade.as ações na direção do sentido

comunitário da instituição, oOu seja, quando a Universidade faz uma opção clara pelo

povo, as pessoas que devem desempenhar tais papéis não devem ser aqueles, que Gentili

(1996) chama de “experts” ou “sabichões”, os que apenas buscam atender as demandas do

mercado, por meio de Planejamentos Estratégicos formulados para a Universidade tal como

empresas com fins mercadológicos, mas sim ospessoas capazes de entender e traduzir a

realidade social e toda sua problemática, tal como se configura no país. A compreensão da

realidade social é fundamental para a constituição da missão da Universidade evitando, que

esta se encastele e deste modo possa contribuir para a transformação social (Martín-Baró,

1998).

Diante disso, a política de seleção de pessoal, tanto docente como discente, e o

planejamento dos cursos devem estabelecer critérios que se coadunem com os objetivos

institucionais, caso contrário não há como a universidade cumprir sua missãoconcretizando

a missão da Universidade enquanto espaço conscientizador ou não.

O autor aponta como critérios para adentrar na Universidade qualidade científica e

pedagógica, opção ideológica e ideologia e opção vitalvii. Novamente, estes critérios surgem

muito mais para explicitar a real opção da Universidade, ao invés, de falácias universalistas,

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principalmente, quando se fala de um espaço tão elitista quanto a Universidade. Martín-

Baró (1998) destaca, ainda, a importância da avaliação em todo o âmbito institucional

como única forma de conhecer o impacto da ação transformadora e conscientizadora da

universidade.

Martín-Baró (1998) dá grande valor à metodologia pedagógica dentro da

universidade, pois esta, implícita ou explicitamente, leva à transmissão de valores e

atitudes, devendo portanto, desenvolver-se de acordo com as seguintes características:

ativa, em lugar de passiva; crítica, em lugar de “bancária” viii; comunitária, ao invés de

individualista e, por fim, dialética, ao invés de idealista.

Por fim, o autor destaca, a importância da avaliação em todo o âmbito institucional

como única forma de conhecer o impacto da ação transformadora e conscientizadora da

Universidade. Não se trata de uma avaliação coisificada que hoje existe enquanto sistema

de controle, mas sim de mais um elemento de conscientização.

Em relação aos mecanismos complementares – aqueles que visam suprir demandas

não previstas ou contempladas pelos mecanismos estruturais -– pode-se citar as disciplinas

específicas, o serviço social enquanto requisito para o estudante graduar-se e as atividades

extra-curriculares (congressos, publicações movimento estudantil, etc.). mais relacionados,

no Brasil, às atividades de extensão ou de movimentos estudantis e docentes Tais

mecanismos o autor considera que podem ser oportunidades inequívocas de se criar na


vii
Para uma ética da transformação social revolucionária um indivíduo deve se servir dos sonhos que tem de

um mundo a construir e viver a energia dos verdadeiros valores – fazer uma opção de vida (Boff, Betto &

Bogo, 2000).
viii
Educação bancária é a concepção na qual o processo educativo se faz pelo depósito de conteúdo – ato em

que o depositante é sempre o educador e o depositário é o educando, cuja consciência vazia deve ser

preenchida (Freire, 1973).

21
estrutura universitárias espaços de reflexões alternativas, mas, no entanto, correm o risco de

serem mecanismos para a manutenção da situação impedindo reformas dentro da instituição

(Martín-Baró, 1998).

Martín-Baró (1998) dá grande valor à metodologia pedagógica dentro da

universidade, pois esta, implícita ou explicitamente, leva à transmissão de valores e

atitudes, devendo portanto, desenvolver-se de acordo com as seguintes características:

ativa, em lugar de passiva; crítica, em lugar de “bancária” ix; comunitária, ao invés de

individualista e, por fim, dialética, ao invés de idealista.

A uUniversidade, portanto, como espaço de libertação deve estabelecer

mecanismos para que o processo de conscientização se instale pela docência, pela

investigação e pelos trabalhos comunitários e se expresse nas formas de relacionamentos e

de atividades curriculares. O horizonte conscientizador para a Universidade não é apenas

um fim distante e abstrato, mas um fim pelo qual se inicia e deve permear todos os espaços

da Universidade. Estes espaços poderiam assegurar um amplo processo de libertação. Um

processo que, no plano pessoal, é fundamentalmente um processo de conversão e que no

plano histórico, um processo de transformação, quando não de revolução (Ellacuría, 1993).

Dentro de uma Uuniversidade, tanto o processo pessoal, quanto histórico dependem da

revigoração e renovação de seus quadros e de seus currículos para que algo novo possa

trazer ao cotidiano, especialmente por possibilidades de relacionamentos interpessoais

capazes de promover a conscientização, meio pelo qual se obtém a libertação (Boufleuer,

1991).

ix
Educação bancária é a concepção na qual o processo educativo se faz pelo depósito de conteúdo – ato em

que o depositante é sempre o educador e o depositário é o educando, cuja consciência vazia deve ser

preenchida (Freire, 1973).

22
???????????

Estudos em áreas especificas, como as de sociologia, economia, política, psicologia

social e outras apontam a instituição educacional – a Uuniversidade - enquanto espaço

multi-determinado. no contexto de múltiplas relações. Os princípios da dialética e os

conceitos de ideologia e reprodução ajudaram a critica ao pensamento pedagógico liberal.

A educação reflete uma sociedade marcada por conflitos de classe e interesses antagônicos

– a uUniversidade não está imune ao que ocorre nem outras instâncias da realidade e o

projeto educacional se vincula intimamente ao projeto político, social e econômico de uma

nação. Assim, a questão que hoje se coloca para a Universidade é se ela vai se constituir

enquanto espaço apenas de satisfação da ordem mercadológica, um mecanismo de

reprodução do neoliberalismo.

Por isso, a abordagem crítica permite uma concepção mais realista quanto aos

problemas relacionados com a uUniversidade e a ruptura com os mesmos. O pessimismo

educacional, no entanto reflete tanto a ingenuidade de educadores quanto o

desmoronamento de ideais constituídos fundamentados em concepções liberais. Professores

que se alienam e se fragmentam da realidade, estudantes que estranham a realidade e não

conseguem pensar em soluções para as diferentes situações vividas no cotidiano

universitário, são , por excelência, as circunstâncias necessárias para que o espaço

universitário não seja um espaço transformador – são . As dificuldades em desenvolver

propostas transformadoras na universidade esbarram nas dificuldades de mobilização

docente e discente em direção a uma revolução no pensamento.

Buarque (1993), discute a Educação como um novo indicador de riqueza das

populações, pois permite a todos a inclusão em um projeto de futuro, e, dentro deste projeto

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a uUniversidade deve buscar superar os problemas básicos de toda a população, abolindo o

apartheid social atual na realidade brasileira. Desta forma, a saída da crise deve passar,

necessariamente, por revigorar na Uuniversidade o sentimento e o gosto pela utopia. Pensar

o espaço universitário nesta direção é apostar no sucesso institucional de tornar a

Universidade o espaço universidade em uma proposta de VIDA.

O pensamento de Freire (1973) sobre educação libertadora, relaciona a metodologia

ou a prática do processo educativo com a concepção que se tem de Homem - se o Homem é

concebido como um ser em adaptação ao mundo sua ação educativa devem se adequar a

esta concepção, ou seja, a educação é opressora e bancária. Mas se a concepção de homem

é a de um ser transformador do mundo, seu “quefazer” educativo segue um outro caminho.

Se o homem é “coisa” a educação é mecanicista e domesticadora. Mas, ao contrário se o

Homem é “pessoa”, a educação é libertadora.

Branco (1998) a partir do pensamento de Freire, reflete que o compromisso de

qualquer profissional é com a sociedade e sua transformação, já que esta se encontra em

situação de miséria. A partir daí, pode-se apontar para a responsabilidade que este

compromisso inaugura. Sendo um compromisso, uma decisão de causa, de missão e de

finalidade assumidas por uma pessoa, um grupo ou uma instituição, as responsabilidades

sociais decorrentes daí, referem-se, propriamente, à obrigação de responder por este

compromisso assumido. Dito de outra forma, as responsabilidades sociais da elite

universitária são de caráter ético e moral referindo-se à obrigação de responder pelas ações

e suas conseqüências relativas aos compromissos assumidos pela uUniversidade. Daí, os

conflitos e os desafios que este espaço de formação propicia – ou liberta ou acorrenta na

alienação e na manutenção do que está imposto.

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Pensando a universidade como espaço de libertação, pode-se esperar que alunos e

professores sejam considerados como pessoas em um cotidiano de atividades diferenciadas,

como seres no mundo e com o mundo, articulados no tempo e no espaço, cujas

consciências captam e transcendem. O processo de transformação se inicia no processo de

mudança do homem coisa para homem sujeito. “Na medida em que os que estão proibidos

de ser são seres para outro, os que assim o proíbem são falsos seres para si. Por isso não

podem ser autênticos sujeitos. Ninguém é, se proíbe que o outro seja” (Freire, 1973, p. 9).

Por isso, uUma uUniversidade libertadora se diferencia por seus docentes e suas

atividades curriculares, seu sistema de avaliação e suas estruturas para o envolvimento de

alunos e professores. Cuida das relações, cria espaços para o processo conscientizador. A

participação docente e discente neste processo tem acontecido no interior de movimentos e

associações representativas destes dois segmentos da instituição universitária.

Heller (1982) aponta que todo movimento social, mesmo que de maneira

distorcida, sempre remete à necessidades de uma comunidade. Portanto ao refletir-se sobre

a constituição da Universidade como espaço de libertação deve-se atentar aos movimentos

que emergem dentro desta. Deste o movimento estudantil, para Martín-Baró (1998),

constitui-se em um dos mais marginalizados mecanismos complementares da Universidade.

Um relato de experiência com o movimento estudantil aponta aspectos que apareceram

discutidos acima, tais como:

1. o movimento como garantia de um vínculo diferenciado com a instituição

2. o centro acadêmico como espaço capaz de responder a insatisfação com a dinâmica

universitária, como um espaço onde pode ser deflagrado o processo de conscientização e,

portanto de libertação.

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3. espaço de denúncia da ordem social estabelecida, de inconsistências e práticas

corporativas por parte de administradores e docentes.

4. apesar disto, o movimento estudantil ainda está longe de atingir níveis ideais de

envolvimento com a realidade.

5. mesmo nos movimentos estudantis há uma inversão na atitude do estudante que é fruto

de uma classe dominante, os movimentos não se envolvem em conscientização e libertação.

6. movimento serve mais para busca na qualidade da formação por meio da luta política na

instituição contrapondo-se aos valores do individualismo e do trabalho em grupo.

7. Os objetivos, que o movimento estudantil deve buscar, devem ser os mesmos da

universidade: a libertação. Se o objetivo do movimento estudantil for apenas

aprimoramento da formação, este na realidade não serve a libertação e não alcança a crítica

(ponto de ruptura necessário para início do processo). Portanto, este movimento, em todo o

momento, não deve esquecer do outro.

Essa descoberta abre um leque de possibilidades ao indivíduo, que se constitui ao

participar deste movimento: enxergar o não-eu e buscar a libertação em um processo

comunitário, em comunhão. A partir do outro cresce a crítica necessária para que o

movimento possa atingir seus objetivos, para que o movimento se constitua como o outro

da universidade.

???

Este trabalho, de forma tímida apresenta aspectos necessários para uma reflexão

sobre como a Universidade pode tornar-se um espaço de libertação e a necessidade desta

assumir . Para que a universidade brasileira torne-se um espaço que propicie libertação,

deve ter como objetivo fundamental, aquele apresentado por Martín-Baró (1998), a busca

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da conscientização sócio-políticax das maiorias populares, fazendo uma opção clara à quem

a Uuniversidade irá servir, rompendo com o falso discurso universalizante nela presente.

A opção pelos oprimidos em uma sociedade dividida é, para Dussel, (1977) uma

opção prática política que busca a libertação da dialética dominação-dominado, na qual “a

práxis libertadora deve aniquilar a dialética de dominação em vista de um novo tipo de

homem histórico onde a dominação coisica ou coisificante seja superada numa fraternidade

humanizante” (p. 192). Desta forma, Dussel aponta que o critério de verdade do

conhecimento é o oprimido, isto é dizer, que o conhecimento é determinado por contextos

históricos, sociais e culturais, nos quais o profissional deve atuar (Martín-Baró, 1998).

A universidade libertadora se diferenciará em suas atividades curriculares, nos

sistemas de avaliação e nas estruturas de envolvimento de estudantes e professores em

espaços de diálogos e construções conjuntas. Será “um espaço de cultura e de criação, do

exercício da liberdade de pensar e de agir, de entender a realidade e de produzir

conhecimento” (Fait Gorchacov, Lacerda Jr. & Guzzo, 2002, p. 61). Além disso, esta

Universidade deve propiciar a participação de estudantes e professores em movimentos e

associações representativas tanto interna quanto externas a ela. Para atingir seus fins, tonar-

se necessária uma reforma, que para Morin (1999) deve ter implicações existenciais, éticas

e cívicas e permita a formação do “espírito vivo”. Uma reforma que vise estas

conseqüências converge com aquela que busca a libertação e é muito maior que uma

reforma técnica, pois um projeto de libertação é, antes de mais nada, um projeto moral
x
A conscientização sócio-política para Martín Baró (1998), que fundamenta-se em Freire, trata-se de um

movimento dialético, pessoal e comunitário frente a realidade histórica que leva ao movimento, a um projeto

histórico e libertador e, conseqüentemente ao conflito. É um processo mais social que psicológico, porém que

envolve a ambos. “Conscientización debe ser liberadora como que toda liberación es conscientizadora” (pág.

142).

27
(Ibañez, 2001), no qual o objetivo conscientizador da universidade deve levar em conta as

seguintes questões: Como a universidade pode contribuir nos processos de libertação

individual e social latino-americana? Como formar um profissional para a busca de

libertação, individual e coletiva?

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