Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH IV/JACOBINA


CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
REBECA SILVA SANTOS DE SOUZA
COMPONENTE CURRICULAR: BRASIL COLÔNIA E TEORIA E MÉTODO DA
HISTÓRIA

A XIII Semana de História surgiu de uma partida dos discentes e professores como uma
forma de trazer para a universidade ainda mais conhecimento e reaflorar o seu senso de
comunidade, que foi bastante perdido como uma das consequências da pandemia, com
base em um interesse em comum: a história e suas diversas vertentes que podem
contribuir para a formação dos interessados mediante mesas discursivas, minicursos,
simpósios e apresentações culturais regionais e jacobinenses, que além de oferecer esse
conhecimento, é dada a oportunidade para que alguns discentes possam nessa ocasião
ter a chance de apresentar e desenvolver as suas pesquisas. É de extrema importância
que eventos semelhantes ocorram nas universidades, ressaltando o campus IX, onde,
depois de uma pandemia que gerou essa dispersão para tais eventualidades e deixou
frágil as relações interpessoais entre os próprios alunos e seus professores, que
consequentemente gerou uma carência dessas relações.

A semana de história se iniciou com uma grande manifestação cultural da cidade de


Jacobina: A marujada. Sendo a marujada uma festa tradicional em algumas regiões do
interior do Brasil, incluindo Jacobina, que mesmo que tivesse tido como objetivo quase
exclusivo ser uma forma oral de ser repassada as histórias da derrota dos mouros para
os portugueses e das viagens ultra marinhas, aqui em Jacobina essa tradição foi bastante
abraçada pela comunidade negra e parda onde encontravam espaço para cultuar a São
Benedito, um santo católico de origem etíope caracterizado por ser o protetor dos
negros.

A marujada conta com trajes característicos de marinheiros, instrumentos percussivos


como pandeiros e castanholas, cantos de exaltação, homenagem ou de vínculo espiritual
que geralmente roga pela proteção de seu santo de devoção nas viagens ultra marinhas
realizadas pelos portugueses. Nesses trajes é possível observar que os chamados
“coronéis” levam consigo objetos como bengala ou espada como forma de
hierarquização e poderio sobre os outros marujos.

1
Também como uma dessemelhança entre as outras marujadas, na região de Jacobina, as
mulheres não fazem parte dessa celebração de forma direta, fato que, se diferencia de
outras regiões as quais as mulheres são consideradas como fatores essenciais para tal
comemoração, trazendo a dança como uma ferramenta de imersão cultural. Mesmo que
as mulheres não tenham uma participação tão visível como os homens, na marujada
jacobinense temos um personagem que fica nos bastidores que é a chamada madrinha,
aquela que organiza tudo o que antecede os eventos, como roupas, instrumentos, ensaios,
etc.
Logo após a marujada se deu início a mesa de abertura onde contou com presenças
ilustres como Izabel de Fátima ministrando sobre a história do cinema negra no Brasil,
Vércio Gonçalvez retratando sobre as musicalidades brasileiras e os elementos de
origem negra que colaboraram para suas formações, e por último, Reginaldo Carvalho,
falando sobre a arte circense como ferramenta de colaboração racista e colonial.

Na primeira apresentação, de Izabel de Fátima, nos foi trazida a busca da


representatividade de mulheres negras no cinema brasileira e como elas trazem uma
ruptura do “novo” estabelecido na escola dos Annales, já que, essas mulheres trazem
para esse cinema uma visão de dentro para fora da comunidade negra, feminina,
maioria pobre e brasileira, se desprendendo dos padrões eurocêntricos de produção.

Izabel, em sua apresentação, nos convida a fazer uma reflexão ainda mais ampliada e
para fora do cinema sobre a necessidade que urge do reposicionamento da arte
audiovisual feminina e negra e de seu reconhecimento como ferramenta historiográfica
que por muitas vezes é desqualificada nas academias. Como uma das principais vastas
figuras desse cinema, foi mencionada Adélia Sampaio, a primeira mulher negra a
produzir uma longa-metragem nos anos 80, fruto de uma longa caminhada de
sequenciais rupturas racistas e muito pouco reconhecida.

Já no final dessa apresentação, foi passado um curta-metragem produzido por Safira


Moreira chamado Travessia, onde trata a travessia geracional de apagamento das
mulheres negras como um elemento essencial para construção da sociedade colonial
brasileira e faz a tentativa de trazer essas mulheres para o primeiro plano dessa história
não apenas como elementos, mas como mulheres, mães, filhas e avós, portadoras de
histórias, sentimentos e vozes que por muito tempo foi (e ainda é) inviabilizada por um
discurso racista.

Logo após foi dada início aà apresentação de Vércio Gonçalvez que falo acerca do
embranquecimento das músicas de raiz preta onde seus ritmos foram “roubados”,
perdendo seu lugar como forma de repassar histórias para algo generalizado e vazia no
2
quesito ancestralidade da própria cultura que a originou. A música para os povos
ancestrais era considerada como algo essencial como uma forma de culto e de
socialização, proporcionando um sentimento de enraizamento e coletividade com seu
povo e cultura.

Com a escravização desses povos, a música passou a ter mais uma característica, que
era, e é, de resistência,. Ela foi tirada de um lugar de comemoração e festividade para
um lugar onde esses povos pudessem trazer suas histórias de forma oral, de lembrança
de suas terras e costumes, uma forma de desabafo e libertação do ser onde pudessem ser
“teletransportados” para outra realidade livre de tanta dor e sofrimento.

Já para os dias mais atuais, foi mostrada parte da musicalização preta pós-anos 60 que
trouxe uma verticalização, atualmente, para poderem ser feitos debates trazendo esses
elementos como uma forma de interpretar o cenário musical atualmente e como isso
reflete no povo brasileiro que por muitas vezes deixa passar despercebido todos os
elementos a musicalidade negra em outros ritmos que por muitas das vezes parecem não
ter relação alguma. Aqui na Bahia existe um bloco carnavalesco chamado Ilê Aiyê que
tem bem forte seu posicionamento acerca da ancestralidade e nos foi trazido uma
reflexão do porquê esse bloco não ser permissivo quanto a integração pessoas brancas
nesse bloco, já que em sua grande maioria tem uma visão do carnaval como uma
festividade avulsa a deixando isenta de toda sua representatividade para o povo negro
baiano e sua religiosidade que ainda hoje sofre com a pressão e discriminação por parte
da dominante cultura cristã brasileira. Nomes como o de Clementina de Jesus foi trazido
como uma das principais percussoras da música como um registo de narrativas.

Por último contemplamos a apresentação de Reginaldo Carvalho que falou sobre a arte
circense como ela foi usada como uma ferramenta colonial racista, onde nos foram
apresentadas imagens onde as pessoas escravizadas eram colocadas como atrações
juntamente dos animais, descaracterizando-os como seres humanos, despidos de direitos
e relacionados com a anormalidade. Tema o qual eu desconhecia e trouxe novas
perspectivas acerca da colonização.

Também nessa mesa palestra guiada por Reginaldo Carvalho, foi apresentada a arte
circense e o teatro negro no interior nordestino, onde era possível por meio de
palhaçadarias, ensinar de forma pedagógica para as crianças sobre histórias do povo
negro, conscientização social no tempo presente e a possibilidade de esperança da
melhora ou até mesmo a extinção do quadro das raízes coloniais que ainda persistem e
formam as relações individuais, coletivas, trabalhistas no sistema capitalista atual. No
segundo dia de evento, pela manhã, foi ofertado aos estudantes diversos minicursos,
dentre eles, me interessou o de transcrição de registros de batismo da região de Morro

3
do Chapéu, onde para além do escutar, pudemos praticar o transcrever e conseguir
diferenciar as suas organizações de escritura. Tais escrituras por vezes eram escritas por
mais de uma pessoa quando tinham a impossibilidade da continuação desse singular
escritor que geralmente acorria pela troca de padres, consequentemente afetando a
caligrafia e a estruturação documental.

Foi possível observar que nas igrejas podiam ser feitos batismos de pessoas escravizadas
partindo do fundamentalismo católico da redenção e purificação das almas, utilizada
como ferramenta de evangelização forçada no desde o Brasil colonial. Nos foi trazida
também a importância das figuras dos padrinhos e madrinhas para a formação naquela
criança batizada, onde através dessa escolha, os pais da criança ou a própria criança
poderia obter benefícios em caso de desavenças ou até mesmo tentativas de venda dos
corpos negros infantis por parte dos senhores

Ainda nesses segundo dia, pela parte daà noite, tivemos outra mesa discursiva composta
por duas professoras sobre o ensino da história negra e indígena na região de Jacobina,
onde foi tratada com mais profundidade as leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que torna
obrigatório o ensino de histórias e culturas afro centradas e indígenas na educação
básica. Foi mais uma vez firmemente feita a colocação acerca da importância do olhar
interno tais culturas, fugindo dessa narrativa eurocêntrica, trazendo como exemplo o
movimento negro e o seu papel de educador e conscientizador para fora dos ambientes
escolares. Para dentro desses projetos escolares que partem da prerrogativa dessas leis,
foi mencionada o Projeto Afro Memória que busca recuperar, disseminar e preservar a
memória negra através dos estudos acadêmicos sobre o ativismo negro.

Ainda no segundo dia só me foi possível presenciar a última apresentação musical


regional de samba, o Licuri Samba Coco, com um papel fundamental na disseminação
do samba quanto como uma ferramenta cultural oral, retratando assim histórias que
foram repassadas relacionando-as com nossas vivências no tempo presente. Também foi
possível observar que em seu repertório se faz em maioria presente cantores e
compositores negros. Tais apresentações de diferentes personalidades e diferentes temas
nos proporciona a ampliação de conhecimento que por muitas das vezes não é possível
que a tenhamos no nosso campus e deixa em nós alunos o desejo de participar e de
organizar mais eventos semelhantes a esse.
Diante disso, ressalto novamente a importância de tal evento para que nós discentes,
veja diversas formas de retratar e “reinventar” a história, as suas diferentes correntes
de pesquisa e pensamentos que alimentou não apenas em nós calouros, mas toda a
universidade um senso de coletividade e comunidade que caminha para além do
conhecimento apenas como estudo, mas como um conhecimento humanizado nos
permitindo a simpatização com os mais diversos temas e comunidades as quais,
infelizmente, não nos seria acessado de outra maneira.

Você também pode gostar