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MATRIZES DO

PENSAMENTO III:
PSICOLOGIA
COGNITIVA
Método de pesquisa
na abordagem
cognitiva
Cintya de Abreu Vieira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Descrever o desenvolvimento da pesquisa em psicologia cognitiva no Brasil


e no mundo.
> Identificar os diferentes métodos de pesquisa em psicologia cognitiva.
> Analisar os principais temas de interesse em psicologia cognitiva.

Introdução
Assim como a pesquisa e o experimento têm um papel fundamental na inauguração
da psicologia como ciência, a pesquisa científica está presente nos primeiros
passos da psicologia cognitiva. Aaron Beck é o responsável pelos primórdios
da psicologia cognitiva e de suas pesquisas, que inicialmente eram dedicadas a
pacientes depressivos. A conclusão desses estudos foi fundamental no fundamento
da psicologia cognitiva.
Neste capítulo, você vai estudar como se desenvolveu o campo da pesquisa em
psicologia cognitiva no Brasil e no mundo, seus diferentes métodos de pesquisa
e principais temas.
2 Método de pesquisa na abordagem cognitiva

Pesquisa em psicologia cognitiva no Brasil e


no mundo
A terapia cognitiva nasceu de pesquisas e experimentos, como um sistema
de psicoterapia, na década de 1960. É oriunda das preocupações teóricas
de Aaron Beck, que, embasado na psicologia acadêmica e na metodologia
científica, conduziu estudos empíricos motivado a confirmar princípios psica-
nalíticos, em especial o modelo psicanalítico motivacional da depressão como
agressão retroflexa do indivíduo contra si, em uma tentativa de autopunição.
O resultado dos seus estudos com depressivos moderados e severos foram
negativos e, diferindo de sua expectativa, conduziram à desconfirmação da
proposta psicanalítica para depressão. Então, Beck propôs um novo modelo,
o modelo cognitivo de depressão. Evoluindo em seus aspectos teórico e
aplicado, resultou na proposição de um novo sistema de psicoterapia: a
terapia cognitiva (SERRA, 2007).
A influência mais importante e que deu origem à terapia cognitiva foram os
experimentos e observações clínicas do próprio Beck. Em suas observações
clínicas e experimentais, ele propôs a cognição — e não a emoção — como
fator principal na depressão, definindo-a como transtorno de pensamento
em vez de um transtorno emocional. Ele lança a hipótese de vulnerabilidade
cognitiva como a pedra fundamental do novo modelo de depressão, além
da noção de esquemas cognitivos. Em 1967, esses trabalhos resultaram na
publicação “Causas de tratamento”. Na sequência, surgiu uma série de pu-
blicações expressivas, como “Terapia cognitiva dos transtornos emocionais”,
de 1976, em que a terapia cognitiva é apresentada como um novo sistema de
psicoterapia, além de “Terapia cognitiva da depressão”, de 1979, obra mais
citada na literatura especializada, entre outras obras importantes, algumas
recentes, em que Beck e seus colaboradores desenvolvem e expandem os
limites da terapia cognitiva (SERRA, 2007).
Na Inglaterra, a terapia cognitiva surgiu com Hans Eysenck, que estabeleceu
algumas diretrizes e métodos para a psicologia em seu país, organizados no
livro Usos e abusos da Psicologia, de 1953. Resumidamente, ele acreditava
que a psicologia clínica, ou psicoterapia, deveria basear-se em conhecimento,
métodos e desenvolvimentos gerados pela psicologia acadêmica. Fundou um
programa para psicólogos clínicos, que estudavam, em sua maioria, trans-
tornos de ansiedade, especialmente agorafobia, resultando na publicação
de estudos de caso (SERRA, 2007).
Método de pesquisa na abordagem cognitiva 3

Hans Eysenck é natural de Berlim, Alemanha, mas em dado momento


precisou mudar-se para Londres, onde começou seus estudos em
psicologia e seu trabalho como psicólogo clínico. Destacou-se por suas teorias
da personalidade, tornando-se uma figura conhecida na psicologia moderna.
Entre seus trabalhos de destaque, está o modelo da personalidade psicótico-
-extroversão-neuroticismo, que serviu de base para o desenvolvimento de
testes psicométricos.

Nos Estados Unidos, o modelo mais evidente na psicologia acadêmica


era o de Boulder, Colorado, que enfatizava que o treinamento de psicólogos
clínicos deveria apoiar-se nos departamentos de psicologia acadêmica, por seu
uma sólida formação em psicologia no nível de graduação e um componente
significativo em pesquisa no nível de doutorado. Por outro lado, observava-se
na clínica uma tendência à aceitação não crítica de uma variedade de formas
de psicoterapia praticadas na época e o uso indiscriminado e expressivo de
instrumentos psicométricos, particularmente os testes projetivos, como o
de Rorschach (SERRA, 2007).
O behaviorismo americano, diferentemente do britânico, embasava-se
fundamentalmente nas concepções de Skinner e seus seguidores. Isso fez
com que os problemas psiquiátricos de pacientes severos e crônicos fossem
vistos como problemas de comportamento, cuja solução dependia de um
programa de correção por meio do condicionamento operante. As pesquisas
conduzidas foram importantes, mas não produziram os resultados espera-
dos. Dois outros fatores foram obstáculos. O primeiro foi que o sucesso da
terapia comportamental no tratamento dos transtornos de ansiedade não
foi replicado no tratamento dos transtornos depressivos. O segundo motivo
foi que, por um lado, a teoria da aprendizagem de Hull caiu em descrédito e,
por outro lado, a teoria do condicionamento do medo, que representou um
papel fundamental na proposição inicial da terapia comportamental, dava
claros sinais de que precisava de revisão. Contudo, pode-se afirmar que a
terapia comportamental contribuiu decisivamente para o desenvolvimento
da psicologia clínica e resultou em uma mudança importante na avaliação
de abordagens psicoterápicas, especialmente em relação à expectativa ge-
neralizada de psicoterapias baseadas em evidência, por meio de estudos
controlados de eficácia (SERRA, 2007).
4 Método de pesquisa na abordagem cognitiva

Entre as contribuições que a terapia comportamental ofereceu para


a terapia cognitiva está a ênfase no método científico. Isso porque a
corrente cognitivista adota o positivismo lógico do behaviorismo, medida que
permitiu a investigação da cognição não observável.

Sobre as pesquisas científicas da terapia cognitiva comportamental no


Brasil, Rangé et al. (2011, p. 33) afirmam que:

A Terapia Cognitiva tem sido aplicada, desde finais da década de 1960, para uma
variedade de casos, em diversos contextos, em diferentes populações. Se a proe-
minência de determinada abordagem for definida pelo grau de atenção dada em
publicações, dissertações e referências aos produtos científicos dela, podemos
afirmar que a Terapia Cognitiva tem sustentado uma trajetória ascendente nos
últimos anos. Através da análise do número de publicações, citações e referências
encontradas na literatura psicológica, observa -se um aumento considerável de
informações científicas veiculadas sobre a terapia cognitiva.

Segundo os mesmos autores, no início da prática e da pesquisa da terapia


cognitivo-comportamental no Brasil, a expansão da teoria e das técnicas
dessa abordagem se deu de forma espontânea, principalmente por meio da
literatura especializada traduzida. Os terapeutas brasileiros vinham de outras
abordagens, em sua maioria comportamental, e tinham acesso aos textos em
livros importados e em congressos científicos no exterior. Nesse momento,
adaptações foram necessárias tanto por questões culturais quanto por limi-
tações na formação clínica adequada. Houve um aumento no interesse por
essa abordagem e uma prática consistente com o modelo de Aaron Beck. As
traduções e publicações de livros, além da produção científica em território
nacional, tiveram muita relevância para consolidar a terapia cognitiva no
Brasil. Isso porque a terapia cognitivo-comportamental, de forma consis-
tente, segue um modelo teórico de compreensão do ser humano e de sua
psicopatologia, que abrange um arsenal técnico validado empiricamente. Por
exemplo, o Congresso Mundial de Terapias Comportamentais e Cognitivas,
realizado em Boston em 2010, contou com trabalhos de profissionais de
diferentes lugares do mundo e uma participação importante de brasileiros.
No Brasil, o fortalecimento e a disseminação da abordagem da terapia
cognitivo-comportamental estão relacionados à credibilidade dos resulta-
dos de pesquisa clínica, à divulgação dessa produção científica em revistas
especializadas e à maior visibilidade na mídia com a transmissão dessas in-
formações para os leigos (RANGÉ et al., 2011). Um dos fatores importantes para
a contribuição das pesquisas na área de terapia cognitivo-comportamental
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no Brasil foi o ingresso de profissionais na área acadêmica, em cursos de


mestrado e doutorado, sendo um caminho fundamental para a conquista de
espaço nos programas de pós-graduação strictu sensu, visando à realização
de pesquisas em terapias cognitivas (RANGÉ; FALCONE; SARDINHA, 2007).
A criação da Sociedade Brasileira de Terapias Cognitivas (SBTC) teve
grande importância para a área das pesquisas e para o avanço das terapias
cognitivo-comportamentais no Brasil. Tornou-se referência para os terapeutas
e pesquisadores brasileiros. Entre seus objetivos, desde sua fundação, estão
(NEUFELD et al., 2015):

„ incentivar a realização de pesquisas científicas;


„ incentivar e dar apoio à criação de cursos de pós-graduação lato sensu;
„ inserir as terapias cognitivo-comportamentais nos programas de pós-
-graduação stricto sensu e em cursos de graduação.

O crescimento do ensino de terapia cognitiva facilita o acesso de seus


associados à capacitação, além da organização de eventos científicos e
a publicação da Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. A realização de
eventos científicos é uma das formas de fortalecer a área e favorecer o de-
senvolvimento de conhecimentos cientificamente construídos que difundam
conhecimentos empiricamente embasados e que ofereçam aos profissionais
e estudantes o acesso à produção de conhecimentos atuais e baseados em
evidências.

Até aqui, vimos alguns aspectos importantes das pesquisas em terapia cogni-
tiva no mundo e no Brasil, em sua maioria ligados ao surgimento e ao avanço
dessa área de conhecimento. Agora, vamos estudar os principais métodos
de pesquisa em psicologia cognitiva.

Principais métodos de pesquisa em


psicologia cognitiva
Os objetivos da pesquisa em terapia cognitiva são a coleta de dados, o de-
senvolvimento da teoria, a formulação de hipóteses, a testagem de hipóteses
e, talvez, a aplicação a ambientes fora da pesquisa. A coleta de dados e a
análise estatística ajudam os pesquisadores na descrição dos fenômenos
cognitivos. Porém a maior parte dos psicólogos cognitivos está interessada
em compreender além do “o quê” da cognição; eles querem entender o “como”
e o “porquê” do pensamento. Em outras palavras, os pesquisadores buscam
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formas de explicar a cognição e descrevê-la. Para isso, utilizam a inferência,


avançando em relação àquilo que se observa diretamente (STERNBERG, 2008).
Vamos exemplificar esse processo de inferência. Imagine que você que
estudar um determinado aspecto da cognição — por exemplo, como as pessoas
compreendem informações em livros-textos. De forma geral, parte-se de uma
teoria. Uma teoria é um corpo organizado de princípios explicativos gerais
sobre um fenômeno. A partir da teoria, surgem hipóteses, que são propostas
experimentais sobre as consequências empíricas esperadas de determinada
teoria, tais como os resultados da pesquisa. Na sequência, procura-se testar
a teoria e, portanto, verificar se ela tem a capacidade de predizer certos
aspectos do fenômeno em questão. Isso poderia ser sintetizado na seguinte
frase: “se nossa teoria estiver certa, sempre que x ocorre, o resultado é y”
(STERNBERG, 2008).
São diferentes e diversificados os métodos utilizados pelos psicólogos
sociais para pesquisar como os seres humanos pensam. Sternberg (2008)
cita alguns deles:

„ experimento de laboratórios e outros experimentos controlados;


„ pesquisa psicológica;
„ autoavaliação;
„ estudo de caso;
„ observação naturalista;
„ simulação por computador;
„ inteligência artificial.

Cada método tem suas vantagens e desvantagens. A seguir, vamos estudar


alguns deles.
O nascimento e a formalização da psicologia como disciplina estão liga-
dos à fundação do primeiro laboratório de psicologia por Wundt em 1879.
Seus estudos são conhecidos como precursores da psicologia cognitivo-
-experimental, mas seu método de pesquisa, a introspecção, recebeu muitas
críticas e foi abandonado depois de um tempo. No entanto, é inegável sua
contribuição para as pesquisas com experimentos em laboratório (NEUFELD;
BRUST; STEIN, 2011).
Os experimentos com comportamento humano são estudos que geralmente
acontecem em ambiente de laboratório. Nesse método, há um controle do
maior número possível de aspectos da situação experimental. Há manipulação
das variáveis independentes. Logo, há um controle dos efeitos das variáveis
irrelevantes e uma observação dos efeitos das variáveis dependentes, que são
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os resultados. Nesse tipo de método, o pesquisador deve estar atento para


adotar uma amostra que seja representativa, ter um controle rigoroso nas
condições experimentais e atribuir aleatoriamente participantes às condições
de tratamento e controle. Cumprindo esses requisitos, o experimentador
pode inferir causalidade provável. Essa inferência diz respeito à relação
dos efeitos da variável ou variáveis independentes (o tratamento) sobre a
variável dependente (o resultado). Como vantagem, esse método de pesquisa
apresenta a facilidade de administração, de contagem e de análise estatística,
torna-o relativamente fácil de aplicar em amostras representativas de uma
população. Além disso, esse método permite uma probabilidade relativamente
alta de fazer inferências causais válidas (STERNBERG, 2008).

Como exemplo dessa metodologia de pesquisa, podemos pensar em


um pesquisador que queria verificar a influência do barulho externo
na capacidade de concentração de crianças em suas atividades escolares. O
pesquisador seleciona uma amostra aleatória que seja representativa. Um grupo
de crianças realizaria as tarefas sob condições de ruídos externos, e outro grupo,
em ambiente silencioso sem interferência de ruído externo. Seria medido o grau
de concentração de ambos os grupos de crianças por meio do desempenho em
suas atividades escolares. Esses resultados seriam avaliados estatisticamente.
Seria avaliado se existe diferença estatística significativa entre os dois grupos.
A partir disso, poderiam ser feitas inferências se o barulho externo influencia
ou não a capacidade de concentração das crianças na realização das atividades
escolares.

A pesquisa psicobiológica é um método em que os investigadores estu-


dam a relação entre desempenho cognitivo e eventos e estruturas cerebrais.
As três principais categorias são as técnicas para estudar o cérebro de um
indivíduo depois da morte, as técnicas para estudar imagens que mostrem
estruturas ou atividades no cérebro de um indivíduo que tem um determi-
nado déficit cognitivo e as técnicas para ter informações sobre processos
cerebrais durante o desempenho normal de uma atividade cognitiva. Entre as
vantagens desse método de pesquisa está o fato de proporcionar evidências
brutas das funções cognitivas ao relacioná-las às atividades fisiológicas. Além
disso, permite uma visão alternativa do processo que não está disponível por
outros meios, podendo levar ao tratamento de pessoas que tenham déficits
cognitivos graves (STERNBERG, 2008).
Os experimentos individuais e estudos psicobiológicos, em sua maioria,
baseiam-se na especificação precisa de determinados aspectos da cognição
nos indivíduos. Métodos como autoavaliação, estudo de caso e observação
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naturalista podem ser usados por pesquisadores para obter informações


com mais riqueza de detalhes a respeito de como determinados indivíduos
pensam em uma diversidade de contextos. A autoavaliação, ou autorrelato,
ocorre quando o próprio indivíduo descreve processos cognitivos. Entre as
vantagens, está o acesso aos insights introspectivos pelo ponto de vista dos
participantes, que não poderiam ser acessados por outros meios. No entanto,
a coleta de dados e as lembranças podem influenciar os processos cognitivos
relatados, causando discrepâncias entre cognição real e produtos cognitivos
lembrados. Os estudos de casos, por sua vez, são estudos em profundidade
dos indivíduos. Como vantagem, eles permitem acesso a informações sobre
os indivíduos com mais detalhes e pode levar à aplicação especializada para
grupos de indivíduos excepcionais. A desvantagem seria a dificuldade de
generalização, em virtude do tamanho da amostra, que costuma ser limitada.
Por fim, a observação naturalista envolve estudos em detalhes do desem-
penho cognitivo em situações cotidianas e contextos fora de laboratório. Ela
permite contato com ricas informações que dificilmente estariam disponí-
veis por outros meios. Como desvantagem, porém, destacam-se a falta de
controle experimental e a presença do observador, que podem influenciar
o comportamento naturalista. Estudos de caso e observações naturalistas
também podem ser usados para complementar conclusões provindas de
experimentos de laboratório (STERNBERG, 2008).
Os últimos métodos aqui apresentados são os de simulação por computa-
dor e inteligência artificial. O primeiro se refere a tentativas de fazer com que
os computadores simulem o desempenho cognitivo humano em diferentes
tarefas. Já o segundo consiste na tentativa de fazer com que computado-
res apresentem desempenho cognitivo inteligente, mesmo se o processo
não se assemelhar ao processamento da cognição humana. Esses métodos
possibilitam a exploração de muitas possibilidades de modelar processos
cognitivos e de testar claramente as hipóteses, vendo se elas predizem com
precisão os resultados, levando a diversas aplicações. Como desvantagens,
destacam-se as limitações de hardware e software, além da distinção entre
inteligência humana e inteligência das máquinas, porque, mesmo em si-
mulações sofisticadas, podem ocorrer imperfeições sobre a forma como o
cérebro humano pensa.
Esses diferentes métodos de pesquisa influenciam as abordagens da
cognição humana. Há quatro abordagens principais em psicologia cognitivo-
-comportamental: psicologia cognitiva, neuropsicologia cognitiva, neurociên-
cia cognitiva e ciência cognitiva. Os pesquisadores combinam duas ou até
mais dessas abordagens, pois cada uma tem suas vantagens e desvantagens.
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Confira a seguir as características dessas abordagens segundo Eysenck e


Keane (2017, p. 2):

1. Psicologia cognitiva: envolve a tentativa de compreender a cognição humana por


meio do uso de evidências comportamentais. Como os dados comportamentais
também são de grande importância dentro da neurociência e da neuropsicologia
cognitiva, a influência da psicologia cognitiva é enorme.
2. Neuropsicologia cognitiva: envolve o estudo de pacientes com lesão cerebral
para compreender a cognição humana normal. Originalmente, era bastante vin-
culada à psicologia cognitiva, mas, nos últimos tempos, também se vinculou à
neurociência cognitiva.
3. Neurociência cognitiva: envolve a utilização de evidências provenientes do
comportamento e do cérebro para compreender a cognição humana.
4. Ciência cognitiva computacional: envolve o desenvolvimento de modelos com-
putacionais para aprofundar conhecimento sobre a cognição humana; tais modelos
cada vez mais levam em conta conhecimento sobre o comportamento e o cérebro.

Existem diferenças entre psicologia cognitiva e neurociência cogni-


tiva. A psicologia cognitiva tem por objetivo compreender a cognição
humana estudando o comportamento. Uma definição mais ampla inclui o estudo
da atividade e da estrutura cerebral. Já a neurociência cognitiva tem por objetivo
compreender a cognição humana utilizando a combinação de informações sobre
o comportamento e o cérebro (EYSENCK; KEANE, 2017).

Nessa seção você estudou os principais métodos de pesquisa utilizados


pelos psicólogos cognitivos. A importância do método está alinhada com
os objetivos de pesquisa. Na próxima seção, você vai estudar os principais
temas de interesse da psicologia cognitiva.

Principais temas de interesse da psicologia


cognitiva
Entre os principais temas de interesse da psicologia cognitiva estão as ques-
tões a seguir.

Inato versus adquirido


O que é mais influente na cognição humana: aquilo que é inato ou aquilo
que é adquirido? Se, por um lado, acreditarmos que as características inatas
são as mais importantes da cognição humana, concentraremos estudos
nessas características. O contrário acontecerá se acreditarmos que o am-
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biente cumpre o papel importante na cognição. Atualmente, grande parte


dos estudiosos acredita que os fatores inatos e os adquiridos interagem em
boa parte do que fazemos (STERNBERG, 2008). Otta, Ribeiro e Bussab (2003)
apontam estudos com gêmeos como exemplos dessa temática. Com esses
estudos, conclui-se que, mesmo quando as variações podem ser explicadas
totalmente à luz das questões genéticas, não significa que o ambiente não
importa. Isso porque se relativa o efeito ora do ambiente, ora dos genes. Por
isso, os autores consideram que é melhor manter viva a dicotomia do que, de
forma precipitada e inadequada, descartar qualquer um dos seus opostos.
Além disso, seria melhor aprimorar as concepções sobre os efeitos genéticos
e ambientais, com ruptura genuína das concepções estanques.

Racionalismo versus empirismo


Como descobrir a verdade sobre nós mesmos e o mundo em que vivemos? Isso
dever ser feito tentando raciocinar logicamente baseados no que já sabemos,
ou devemos fazê-lo observando e testando nossas observações sobre o que
percebemos por meio dos nossos sentidos? (STERNBERG, 2008). A influência
do racionalismo crítico na terapia cognitiva não se deu apenas na questão
formal de formulação da teoria. O racionalismo crítico foi fundamental para
embasar, tanto ontológica quanto epistemologicamente, os objetivos da
terapia cognitiva e algumas de suas técnicas (MORENO; WAINER, 2014).

Estruturas versus processos


Devemos estudar as estruturas (conteúdos, atributos e produtos) da mente ou
devemos nos deter nos processos de pensamento humano? (STERNBERG, 2008).

Generalidade de domínio versus especificidade de


domínio
Os processos que observamos são limitados a domínios únicos ou são ge-
rais para uma série de domínios? Além disso, as observações de um domí-
nio se aplicam a todos ou a apenas aos domínios específicos observados?
(STERNBERG, 2008).

Validade das inferências causais versus validade ecológica


Devemos estudar a cognição usando experimentos altamente controlados, que
aumentam a probabilidade de inferências validas com relação à causalidade,
ou devemos utilizar técnicas mais naturalistas, que aumentam a probabilidade
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de chegar a conclusões ecologicamente válidas, mas que possivelmente


custam o controle experimental? (STERNBERG, 2008).

Pesquisa aplicada versus pesquisa básica


Devemos realizar pesquisa sobre processos cognitivos fundamentais, ou
devemos estudar formas de ajudar as pessoas a usar a cognição de modo
eficaz em situações práticas? Será que os dois tipos de pesquisa podem
ser combinados dialeticamente, de modo que a pesquisa básica leve à pes-
quisa aplicada, que leva a mais pesquisas básicas, e assim sucessivamente?
(STERNBERG, 2008).

Métodos biológicos versus métodos comportamentais


Devemos estudar o cérebro e seu funcionamento diretamente, quem sabe
até fazendo escaneamento no cérebro enquanto as pessoas realizam tarefas
cognitivas, ou devemos estudar o comportamento das pessoas em tarefas
cognitivas observando medidas como porcentagem de acertos e tempo de
reação? (STERNBERG, 2008).
As questões levantadas em relação aos temas são apresentadas na forma
excludente “ou, ou”, mas é importante ressaltar que, na maioria das vezes,
uma síntese das concepções ou dos métodos se mostra mais útil do que uma
ou outra posição extrema. Por exemplo, nossas características inatas podem
permitir uma estrutura herdada para nossas características e para nossos
padrões próprios de pensamento e ação, porém o que adquirimos pode moldar
as maneiras específicas como nós desenvolvemos essa estrutura (STERNBERG,
2008). Portanto, conclui-se que podemos usar métodos empíricos para coletar
dados e testar hipóteses, mas podemos utilizar métodos racionalistas para
interpretar os dados, construir teorias e formular hipóteses baseadas em
teorias. Nossa compreensão de cognição se aprofunda quando consideramos
a pesquisa básica sobre os processos cognitivos fundamentais e a pesquisa
aplicada com relação aos usos e efeitos da cognição em ambientes da vida
real. Aquilo que é considerado síntese está evoluindo permanente; logo,
aquilo que hoje pode ser considerado síntese futuramente pode ser visto
como uma posição extrema e vice-versa.
12 Método de pesquisa na abordagem cognitiva

Neste capítulo, você estudou sobre as pesquisas em psicologia cognitiva no


Brasil e no mundo e sua relação com o início desse campo de estudo. Conheceu
as principais metodologias de pesquisa, suas vantagens e desvantagens,
sabendo que elas podem ser usadas de forma combinada e que não existe
um método melhor do que o outro, porque depende do objetivo de pesquisa
e o que se pretende com os resultados. Por fim, você leu sobre os principais
temas de estudo da psicologia cognitiva e a importância de buscar uma
síntese e evitar os extremos.

Referências
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2017.
MORENO, A. L.; WAINER, R. Da gnosiologia à epistemologia: um caminho científico para
uma terapia baseada em evidências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, v. 16, n. 1, p. 41-54, 2014.
NEUFELD, C. B.; BRUST, P. G.; STEIN, L. M. Bases epistemológicas da psicologia cognitiva
experimental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 27, n. 1, p. 103-112, 2011.
NEUFELD, C. B. et al. Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas: uma história em 10
edições. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 11, n. 1, p. 57-63, 2015.
OTTA, E.; RIBEIRO, F. L.; BUSSAB, V. S. R. Inato versus adquirido: a persistência da
dicotomia. Revista de Ciências Humanas, n. 34, p. 283-311, 2003.
RANGÉ, B. et al. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria.
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
RANGÉ, B.; FALCONE, E. M. O.; SARDINHA, A. História e panorama atual das terapias
cognitivas no Brasil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 3, n. 2, 2007.
SERRA, A. M. M. Terapia cognitiva, terapia cognitivo-comportamental e terapia com-
portamental. ITC - Instituto de Terapia Cognitiva, 2007. Disponível em: http://www.
itcbr.com/artigo_drana_tc.shtml. Acesso em: 31 jan. 2022.
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Leituras recomendadas
ANDERSON, J. R. Psicologia cognitiva e suas implicações experimentais. 5. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2004.
BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2021.
MATLIN, M. W. Psicologia cognitiva. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2004.
Método de pesquisa na abordagem cognitiva 13

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