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PSICANÁLISE: UMA PRÁTICA

BASEADA EM EVIDÊNCIAS?

Desde meados de 2010 há um crescente número de publi-


cações que corroboram com o fato de que a Psicanálise e as te-
rapias de base psicanalíticas são eficazes para diversos transtor-
nos mentais. Para além da comprovação que temos a partir de
nossa experiência clínica, talvez tenha sido Shedler (2010) o gran-
de responsável por revelar ao mundo de uma forma contunden-
te que existem pesquisas que comprovam a eficácia da Psicaná-
lise. Em um belíssimo artigo publicado por ele, foi revelado que
existem muitas pesquisas publicadas em revistas internacionais,
em sua maioria revisada por pares e de grande relevância no
campo da saúde mental que verificavam a eficácia e a eficiência
da psicanálise para uma série de transtornos mentais.

Em 2014, quatro anos após a publicação de Shedler, Leichsenring


(2014), publicou os resultados de sua pesquisa de meta-análise
para verificar a eficácia do tratamento psicanalítico. Especifica-
mente neste artigo, os autores chegam a afirmar que os estudos
contidos no mesmo desmentem a falácia de que não existem
pesquisas s para avaliar e evidenciar os tratamentos psicanalíti-
cos.

Ressaltarmos essas pesquisas citadas pra que, diante de um ce-


nário tão falacioso por desconhecimento ou por ocultar a verda-
de, os profissionais no campo da saúde mental não caiam no en-
godo de crer que apenas uma outra modalidade de tratamento
é baseada em evidências. Dentre muitas outras pesquisas, desta-
camos também a realizada por Gaskin (2016) que, mais uma vez,
apresentou diversas evidências de que a Psicanálise e os mode-
los nela baseados alcançam efeitos que permanecem mesmo
após o fim do tratamento.

Este é um dado muito importante visto que boa parte dos profis-
sionais em saúde mental tem enfatizado que o tratamento neste
campo deveria ser por toda uma vida. Outro aspecto importante
é com relação às recidivas que inúmeros pacientes experimen-
tam mesmo após a “alta” quando são tratados por psicoterapeu-
tas que apostam, contra as evidências empíricas, que um trata-
mento breve geralmente é o suficiente para a maioria dos casos.

Em artigo intitulado “Effectiveness of psychoanalytic psycho-


therapies”, Chrzan-Dętkoś e Kalita (2017) confirmaram a eficácia
empírica do tratamento psicanalítico para diversos transtornos
mentais citando estudos controlados aleatorizados (RCT, na sigla
em inglês), bem como meta análises que corroboram os achados
nestes estudos.

Já em 2019, Leuzinger-Bohleber et all (2019) em pesquisa publi-


cada no Canadian Journal of Psychiatry, afirmaram que não fo-
ram encontradas diferenças significativas entre os tratamentos
psicanalíticos e cognitivos comportamentais a longo prazo. Em
2020 Abass et all em artigo intitulado “Psychodynamic therapy
in Canada in the era of evidence-based practice” ressaltaram que
a psicoterapia psicodinâmica deveria ser incluída na lista de tera-
pias consideradas com evidências empíricas de eficácia e, ainda,
que os pacientes que não tiverem resultados satisfatórios com
outros tratamentos já tidos como “empiricamente comprovados”
deveriam poder escolher o tratamento psicanalítico subsidiado
pelo Medcare. Isso nos leva ao trabalho publicado em 2015 pelo
Tavstock Research Centre (2012) em que pacientes que não obti-
veram melhoras sendo acompanhados principalmente por psi-
coterapia cognitivo comportamental e psicofármaco, ao serem
tratados com psicanálise, após 18 meses 44% destes pacientes
não podiam serem inseridos no diagnóstico de depressão, já no
grupo controle, apenas 10%. Este estudo concluiu também que
as chances de um paciente se beneficiar do tratamento psica-
nalítico é 40% maior do que aqueles que recebiam o tratamento
usual.

Recentemente, em 2023, Lilliengren (2023) da Universidade de


Estocolmo publicou uma pesquisa revelando que desde 1967 até
2022 existiam mais de 200 estudos randomizados controlados
envolvendo a psicanálise. Em seu trabalho ele aponta que mais
de 120 artigos provenientes de pesquisas randomizadas contro-
ladas foram publicadas apenas nos últimos 10 anos.

Diante de todos estes dados, um grupo de pesquisadores li-


derado por Leichsenring (2023) publicou no jornal mundial de
psiquiatria, uma das maiores referências na área da psiquiatria,
uma pesquisa que buscou referendar a ideia de que existem
evidências para que a Psicanálise continue sendo aplicada em
todo o mundo como um tratamento no campo da saúde mental.
Segundo os autores, utilizando-se dos novos parâmetros para va-
lidar ou não um tratamento que procure ser reconhecido como
empiricamente válido, a psicanálise e alguns tratamentos deriva-
dos dela tem eficácia comprovada, é possível mensurar e, espe-
cialmente nos dias atuais, ela é um tratamento com evidências
de eficácia para uma série de transtornos mentais.

A partir destes dados é possível estabelecer a validade da Psica-


nálise como tratamento no campo da saúde mental, mas isso
não é tudo. Na verdade, esses parâmetros analisados atestam
aquilo que outras práticas no campo da saúde mental já alcan-
çam. Alguns tratamentos com maior índice de eficácia, outros
menos, mas de alguma maneira as evidências existem para uma
série de tratamentos disponíveis no mercado. O que estes dados
não revelam é aquilo que escutamos da boca de cada paciente
que passa por um percurso de análise.

Passar por um tratamento psicanalítico pode trazer como efei-


to a cura de um quadro de depressão, pânico, ansiedade, TDAH,
etc. No entanto, estes não são os efeitos que os analistas espe-
ram diretamente do tratamento ofertado. Que existam efeitos
terapêuticos, isso já estava estabelecido desde Freud (1890) que
escreveu “O tratamento anímico” e reafirmou que a o tratamen-
to anímico alcança efeitos sensíveis no corpo e na alma. Lacan
também reafirmou essa posição em “Do trieb de Freud e do de-
sejo do psicanalista”. Há no tratamento psicanalítico, aquilo que
podemos nomear de ganhos secundários, estes seriam os efei-
tos terapêuticos positivos que podemos mensurar utilizando a
mesma métrica que se utiliza para verificar a eficácia de outros
tratamentos, como já discutimos neste breve texto. No entanto, a
psicanálise se orienta para um outro ponto, o efeito analítico.

Sobre o efeito analítico, que teoricamente podemos afirmar ter


uma relação com os efeitos terapêuticos, Freud, no decorrer de
sua obra vai dizendo que estes efeitos são observáveis na fala
dos pacientes e, principalmente, em algumas mudanças signi-
ficativas na vida dos pacientes, na sintomatologia e na forma
como estes se colocam na relação com o outro e consigo mes-
mos.

Freud, e todos os psicanalistas depois dele concordam que a psi-


canálise é um tratamento. No decorrer da história este tratamen-
to que visa o inconsciente, foi mudando de objetivos agregando
novos efeitos observáveis a partir da mudança do manejo da téc-
nica e da evolução da teoria psicanalítica.

Se no início, a psicanálise servia a um grupo muito específico da


população, como jovens e adultos que sofriam de alguma neu-
rose de histeria ou de neurose obsessiva, conforme recomenda-
ções de Freud, aos poucos, com o aumento de demanda para
tratamento psicanalítico, muitas outras pessoas acabavam sen-
do tratadas pelos psicanalistas. Isso teve um impacto também
na teoria que, ao receber mais pacientes e trabalhar com outras
modalidades de sofrimento, os psicanalistas precisaram avan-
çar modificando posições já estabelecidas sobre determinado
conceito e que, ao final, modificaria também o objetivo do trata-
mento.

Se no início a idéia de Freud era fazer com que o paciente recor-


dasse de vivências, em um de seus últimos textos “Construções
em análise” ele afirma categoricamente que existem vãos entre
as memórias que não podem serem lembradas, mas que pode-
mos construir ali, diante do vazio de sentido, um sentido muito
próprio na vida do paciente que o estabilize. Esta construção só
é possível uma vez que se alcança o objetivo da análise que seria,
com suas palavras “a suspensão do recalque”. Este objetivo per-
mite que o paciente fale mais livremente possível e faça as asso-
ciações entre elementos de sua vida, de sua história, de seus an-
seios que até então pareciam totalmente desconexos.

Podemos, enfim, dizer, que a psicanálise como tratamento do


sujeito permite uma cura na medida em que alcançamos os ob-
jetivos da análise e, as inibições, sintomas e angústias oriundas
de determinações inconscientes, ao serem bem tratadas, produ-
zem efeitos terapêuticos mensuráveis.

Texto estabelecido por Marco Correa Leite


Referências

Abbass, A., Giorgio A. Tasca, Helen-Maria Vasiliadis, Jessica


Spagnolo, David Kealy, Paul L. Hewitt, Catherine Hébert, Martin
Drapeau & Norman Doidge (2020) Psychodynamic therapy in
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Kalita, Lech & Chrzan-Dętkoś, Magdalena. (2017). Effectiveness of


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Leichsenring, F. & Klein, S. (2014) Evidence for psychodyna-


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20141265.

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