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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

O RENASCIMENTO N°6

O Renascimento é a era dos Descobrimentos, de uma visão nova do mundo, um


mundo em que o homem determina o seu próprio destino.

Todos os pensamentos confluem para a arte, para a busca e para


a experiência.

Traçam-se novos caminhos em todos os campos.

A descrição naturalista da Natureza e do Homem é o principal objetivo dos


artistas do Renascimento.

O Homem descobre a sua humanidade e unicidade.

Os rostos desta época irradiam uma sensação de segurança que superou os


temores medievais da retribuição divina e do Juízo Final.

Florença é o berço da nova época.

Nela, nos finais da Idade Média, emerge uma nova imagem do Homem, uma
atitude mental a que chamamos Humanismo, porque coloca o Homem no centro
de todas as suas ideias.

A história do Renascimento é a história das cidades independentes de


Itália.

Florença, a cidade dos Médicis, era uma das mais ricas e poderosas.

A nova sensação de segurança e a nova riqueza desenvolveram-se bertamente


e sem timidez nas artes.

Num torneio celebrado na cidade de Iarno em 1469, o jovem Lourenço


de Médicis surgiu com a frase: “Retorna o tempo”.

Esta frase expressava a aspiração suprema da época, o regresso de uma era


ideal.

O desejo de renovação e de rejuvenescimento deu a esta época o seu nome:


Renascimento.

Durante muito tempo, a ideia de uma renovação tinha-se espalhado por


Itália.

Nunca se tinha esquecido que Roma tinha sido o centro do mundo.

A arquitetura nas cidades-estado italianas tinha sido sempre


especialmente concebida para se transformar no símbolo das ideias da
cidade.
Como em Florença, a reconstrução da antiga catedral iria ser coroada com
uma cúpula de enorme altura e largura.

Contudo, os arquitetos da época, por volta de 1420, estavam no limite


das suas possibilidades.

As dificuldades técnicas pareciam insuperáveis.

A técnica da edificação com abóbadas, herdada da alta idade Média, tinha


caído no esquecimento.

Apenas um homem sabia o que devia fazer.

Chamava-se Filippo Brunelleschi, o brilhante arquiteto que imaginou a


solução.

Desenvolveu um método para erguer grandes abóbadas sem suportes


temporais.

Com a criação desta obra-prima, deu a Florença um emblema visível


de todos os horizontes.

O espírito audaz do Renascimento levou a cabo a tarefa legada pela idade


Média como sendo um problema insolúvel.

A cúpula da catedral florentina tornou-se a expressão visível das novas


aspirações da época.

O homem não desenvolveu, na idade Média tardia, em mais nenhum local, um


sentido tão elevado de autoconfiança como na próspera cidade mercantil
de Florença.

Também residiam aqui os artistas capazes de expressar esta nova atitude.

Um dos mais importantes foi Donatello.

Por volta de 1 41 5, o Grémio de Armeiros, encomendou-lhe o trabalho


de uma estátua em mármore em honra do seu santo padroeiro,
São Jorge.

Os armeiros desejavam ver o seu ofício representado na armadura do


cavaleiro cristão e receberam muito mais: a primeira escultura de tamanho
natural, desde a Antiguidade.

Aqui está ela, apoiada em si própria, segura e completa.

Esta Concepção da figura humana era totalmente nova.

A vivacidade da escultura é acentuada pela clareza e simplicidade


dos seus contornos.
Miguel Ângelo afirmou uma vez que seria possível atirar uma boa escultura
por uma ladeira abaixo, sem que se partisse nenhuma das suas partes.

No São Jorge de Donatello, esta ideia tinha-se tornado realidade.

A autoconfiança irradiada por esta escultura caracteriza o homem e não


apenas na arte, mas também na sociedade.

A classe social de um indivíduo já não era determinada pelo nascimento e


origem, mas sim, em grande parte, pelos seus feitos pessoais, realizados
na infinita variedade das atividades humanas: políticas, militares,
mercantis ou artísticas.

A competência era decisiva.

Surgiu uma elite de homens hábeis, de líderes militares, como Francesco


Sforza, em Milão, que também correspondiam a estas qualidades.

Os Médicis, em Florença, lideravam a banca internacional mais próspera.

O círculo de amigos de Lourenço, o Magnífico, incluía artistas, poetas e


estudiosos, de todos os estratos sociais.

Na idade Média, o indivíduo considerava-se sobretudo membro de uma


população, de uma paróquia, de um grupo social, de uma família, parte de
uma coletividade.

Em Itália, nesta época, o indivíduo liberta-se desses laços.

O Homem começa a estar consciente de si próprio como indivíduo, com


personalidade própria.

Na idade Média, o povo tinha orgulho nos seus santos, cujas relíquias
veneravam nas igrejas.

No Renascimento, as pessoas começam a ter orgulho nos contemporâneos:


artistas, poetas e chefes militares.

Os artistas assinam abertamente as suas obras, libertam-se das restrições


dos Grémios e transformam-se em particulares que aceitam encomendas.

Surge um novo culto da fama.

O único objetivo dos monumentos é enaltecer a memória de uma


pessoa e das suas façanhas, algo que surge pela primeira vez,
desde a Antiguidade.

Até a República de Veneza, que reservava zelosamente as suas honras aos


seus próprios súbditos, insistiu na construção de um monumento equestre
para um líder de tropas mercenárias.
A encomenda foi feita a um escultor experiente, o florentino Andrea
Verrochio.

O General Bartolomeu Colleoni chega à batalha montado no seu cavalo,


destacando-se na Praça de São João e Paulo.

No Renascimento, o ressurgimento social do artista era uma condição


essencial para o florescimento de novas ideias.

Os poetas do Renascimento descobriram a beleza das paisagens, e os


cidadãos a beleza das suas cidades.

Em 1401, os fiandeiros, um dos Grémios mais poderosos que, com a sua


riqueza, tinha uma enorme influência na vida de Florença, convocaram
um concurso artístico.

Ao vencedor seria encomendada a nova porta de bronze do batistério.

Conservou-se o trabalho dos dois concorrentes.

Os dois baixos-relevos descrevem o sacrifício de Isaac.

O prémio foi ganho pelo ourives Lorenzo Ghiberti.

No “Sacrifício de Isaac”, misturam-se a delicadeza das linhas do gótico


antigo com o ideal antigo da beleza física.

Mais tarde, Ghiberti foi encarregado de fazer outra porta para o


batistério.

O escultor de bronze esforçou-se por imitar as possibilidades da pintura.

No baixo-relevo, modelou não apenas formas arquitetónicos interiores, mas


também paisagens.

Numa impercetível graduação, das figuras tridimensionais â mais delicadas


elevações do fundo, o escultor evoca a profundidade do espaço e sua
atmosfera.

Nos painéis da porta, narram-se histórias do Antigo Testamento, histórias


de Abraão, Caim e Abel e José.

Nestes painéis, Ghiberti juntou vários episódios da Bíblia, misturando-os


em sequências pictóricas.

Com o controlo do espaço, a sua arte cria uma nova unidade, na


diversidade de motivos.

Em Ghiberti, a combinação entre espaço e figura foi uma conquista


fundamental para a arte de composição do Renascimento.
Miguel Ângelo achou esta porta tão bela que afirmou ser digna de adornar
as portas do Paraíso.

Desde então, é conhecida como Porta do Paraíso.

Nestes baixos-relevos, Ghiberti aproveitou uma das invenções mais


importantes da época, em Florença, a invenção da perspetiva.

Como é natural, os pintores da Antiguidade e da idade Média sabiam que,


quanto maior a distância, mais pequenos pareciam os objetos, e que é a
posição do objeto em relação ao olhar do observador que determina a sua
aparência, em termos de dimensão.

Contudo, as tentativas careciam de uma abordagem sistemática.

A lei da perspetiva foi descoberta pelo brilhante arquiteto florentino


Filippo Brunelleschi.

Uma das primeiras pinturas monumentais feitas de acordo com o novo


sistema de leis ópticas e matemáticas, é o fresco mural da igreja
florentina de Santa Maria Novella.

O fresco mural de Masaccio pinta a Santíssima Trindade, com Maria e João.

É uma igreja simples, com uma abóbada abombada, que se abre a meio de uma
estrutura de colunas e pilares.

Nesse ponto, a parede do corredor da igreja parece que se rasga e que


é possível penetrar nela.

Pela primeira vez, era possível representar o mundo tal como o homem o
via.

Nas pinturas feitas com perspetiva, tudo é visto do ponto de vista do


observador.

Nunca antes se tinha considerado tanto o ser humano individual.

No claustro da igreja franciscana de Florença, Filippo Brunelleschi


construiu uma capela que os monges utilizavam como sala capitular.

Atualmente, é conhecida pelo nome dos seus doadores, a abastada família


Pacci.

O segredo de Brunelleschi reside na simplicidade do efeito de conjunto


que faz destacar todos os elementos individuais arquitetónicos, elevando-
os a uma grande dignidade formal.

No interior, tudo se estende, da pedra cinzenta às superfícies brancas da


parede.

Nenhum mural é comparável a esta beleza de uma dignidade autossuficiente.


O espaço assenta nele próprio.

As suas proporções, claras e simples, o limite ininterrupto do


entablamento, a pureza dos arcos em semicírculo, as abóbadas de canhão
e a recorrência das superfícies geométricas criam uma harmonia
excepcional.

É preciso recordar os anéis góticos nas alturas, numa época imediatamente


anterior, para valorizar a ruptura dramática que representa este novo
estilo de arquitetura.

Na Loggia dos inocentes, construída em Florença, a partir de 1 41 9,


Brunelleschi eleva o motivo dos arcos com colunas a uma expressão
dominante.

Tinha sido uma prática comum em Itália fazer as fachadas dos hospitais
como átrios abertos.

Estas ”loggias” eram zonas de recreio para os convalescentes.

Brunelleschi aproveitou-se desse costume, apesar não existir aqui nada


que recorde a origem medieval do motivo.

A Loggia expressa a simetria pura das proporções clássicas.

Nos tímpanos das arcadas, encontramos os famosos medalhões com crianças


do estudo de Della Robbia, informando o visitante, desta forma tão
elaborada, da finalidade caritativa do edifício.

Conta-se que Brunelleschi viajou para Roma para estudar as ruínas dos
edifícios antigos.

Quando começou escavar no meio das ruínas, como um arqueólogo em busca


das fundações e dos vestígios decorativos dos edifícios, tomaram-no por
alguém que procurava ouro.

O arquiteto fazia essa investigação para medir e tirar as escalas


das proporções.

A intenção não era apenas copiar as construções, pois desejava criar um


estilo arquitetónico novo, em que elementos clássicos como colunas,
pilares, arcos, entablamentos, perfis estruturais de portas e janelas se
misturassem numa nova harmonia com o novo estilo da época.

A tarefa mais ilustre da arquitetura civil foi a construção do Palazzo,


o palácio familiar urbano da nobreza e dos burgueses ricos.

Leon Battista Alberti, um homem de educação universal e o teórico de


arquitetura mais eminente do Sec. XV, desenhou este palácio urbano para a
família de comerciantes Rucellai, em Florença.
Os seus três pisos estão divididos por uma trama delicada de pilastras,
vigas e silhares.

Aqui, as pilastras seguem as ordens dórica, jónica e coríntia.

Alberti tinha observado esta sequência em edifícios romanos, como o


Coliseu.

No Palácio Rucellai, todos os motivos arquitetónicos estão aplicados


apenas como finos relevos, sob a forma de ornamento, na parede lisa.

As pilastras e as vigas não suportam pesos reais, como acontece no


Coliseu.

Alberti, ao copiar o edifício antigo, tinha aproveitado uma das suas


ideias essenciais, insinuando-a, mas esvaziando-a de conteúdo.

A forma medieval do palácio urbano florentino surge com uma


monumentalidade refinada pela antiguidade.

Os arquitetos desta época enfrentavam tarefas totalmente novas, devido


aos homens ambiciosos do planeamento urbano.

Quando Enea Silvio Piccolomini sobe â sede apostólica, em 1458, como Papa
Pio II, ordena imediatamente a reconstrução da sua cidade natal,
Corsignano, dando-lhe o novo nome de Pienza.

Constrói-se uma nova catedral e um novo palácio para o Papa, para o bispo
e para a Câmara.

Em redor de uma praça vulgar em forma de retângulo, Pienza é o primeiro


exemplo de planeamento urbano unitário do Renascimento.

Um dos conceitos preferidos dos arquitetos do Renascimento foi a


construção da planta centralizada cuja forma básica era um círculo
ou um polígono regular.

Leonardo da Vinci, o génio universal, também demonstrou, nos seus


desenhos, um apaixonado interesse por estas soluções ideais.

Como é evidente, na idade Média, já existiam edifícios deste tipo.

Muitos baptistérios, como o de Florença, eram edifícios de planta


centralizada.

O Renascimento apropriou-se desta construção e enriqueceu-a.

Até o jovem Rafael abraça claramente a ideia da perfeição de um templo


redondo, na sua pintura do matrimónio da Virgem, no Museu de Brera.

Aberto por todos os lados, a simetria deste templo ultrapassa os seus


contornos.
A arquitetura torna o espaço mais nobre.

Em 1502, a Donato Bramante, o arquiteto lombardo e amigo de Rafael, foi


encomendado um monumento para o pátio do claustro romano de San Pietro,
em Montorio.

Tinha de ser construído no local em que, de acordo com a tradição,


Pedro, o príncipe dos apóstolos tinha sofrido o martírio.

Bramante construiu um templeto, um templo pequeno, assente


numa base circular.

O desenho deste edifício, totalmente construído de acordo com elementos


antigos, é simultaneamente rico e simples.

As colunas limitam um anel em forma de cilindro, colocado por cima de um


pódio com escada.

Pertencem ao dórico e fazem referência às virtudes heroicas do mártir.

A balaustrada do entablamento suaviza o peso e o lado patético contido


da substrutura.

Tal riqueza de expressão, com elementos tão simples, era a expressão da


linguagem redescoberta e sempre nova do classicismo.

Não foi de estranhar que o Papa Júlio II tenha feito a Bramante a


encomenda arquitetónica mais importante do Ocidente.

Naturalmente, Bramante também desejava construir São Pedro, a principal


igreja da cristandade, como um edifício de planta centralizada, embora
muito mais complicado do que o templeto.

No Século XVI, os arquitetos já não se contentavam em realizar a planta


centralizada apenas nas igrejas.

A famosa Villa Rotonda de Andrea Palladio, próximo de Vicenza, é uma casa


de campo com quatro lados iguais.

Os quatro vestíbulos com colunas, em forma de fachada de templo,


enobrecem o edifício central, apenas cubicular.

Dos quatros lados, vislumbra-se uma panorâmica das férteis colinas da


paisagem.

vislumbra-se uma panorâmica das férteis colinas da paisagem.

Não é propriamente uma casa residencial, mas sim um símbolo da vida livre
no campo.
Com os seus motivos sacros de fachada de templo e cúpula, Villa Rotonda
parece um edifício de culto de uma harmonia ideal e utópica com a
Natureza, apenas possível aqui,longe do bulício da cidade.

O que é que faz com que esta arquitetura do Renascimento seja tão
diferente da anterior?

A medida e a proporção.

Os críticos de arte e os teóricos desta época indicaram constantemente


as analogias entre arquitetura e figura humana.

O capitel de uma coluna é comparado com a cabeça,a estrutura com o corpo


e a base com os pés.

Todas as ideias dos artistas do Renascimento centram-se num só tema:


a figura humana.

Leonardo explorou os segredos do corpo humano e dos seus órgãos internos,


dissecando mais de 30 corpos, e exibiu os seus conhecimentos em
magníficos desenhos de Anatomia.

Leonardo comparou a estrutura do corpo humano com a estrutura da terra.

A estrutura óssea, a carne e a circulação do sangue nas veias com as


montanhas, a terra e a água que flui nos rios.

O homem podia ser considerado como a imagem e o centro do macrocosmos.

Um instrumento exato da perspetiva linear tornou possível colocar as


artes visuais ao serviço de um conhecimento científico do mundo.

No famoso livro do Conde de Castiglione, defendia-se que o desenho ajuda


a avaliar a perfeição das esculturas antigas e modernas e a medir a
simetria no homem e em todos os seres vivos.

Para os artistas do Renascimento, o corpo humano era a quinta-essência


da beleza, uma beleza que, agora, vê a luz do dia, pela primeira vez,
desde a glorificação do homem na Antiguidade.

Um corpo nu era visto como o reflexo do esplendor e da perfeição divina.

No ”Nascimento de Vénus”, de Botticelli, em que esta sai da espuma do


mar, esta ideia assume a sua mais bela expressão.

A deusa do amor saiu do mar numa concha.

Os zéfiros empurram a concha, no meio de uma chuva de flores, para a


praia, onde uma ninfa se dirige rapidamente para ela, com um manto de
púrpura.
Para a escolha deste tema, Botticelli e os seus aprendizes da casa dos
Médicis inspiraram-se em poetas como Poliziano que, por sua vez, se
inspirou nos poetas da Antiguidade.

Botticelli sentia a beleza como uma unidade em que o espírito e a


sensualidade eram inseparáveis.

Uma sensação de sonho e de forma rítmica flui através da famosa


”Primavera”, cujo nome se deve â figura primaveril da Primavera, vestida
com uma túnica de flores.

Com a mão, espalha as pétalas cheirosas das flores.

Boticelli, com uma graça e beleza desconhecidas até então, transformou a


Primavera em alegoria poética do Renascimento.

Os véus ondulantes, o movimento gracioso dos corpos, as linhas flutuantes


das dobras e a paisagem mágica, revelam uma noção de beleza extremamente
requintada.

A filosofia do Renascimento foi repetidamente acusada de secularização e,


ainda pior, de neopaganismo.

Não foram poucas as vozes contemporâneas que fustigaram a secularização


geral.

Jerónimo Savonarola transformou-se no mais feroz acusador do espírito do


tempo.

Entre 1 492 e 1 498, data em que foi queimado como herege, dominou
Florença com os seus sermões morais e políticos.

Pedia expiação e penitência pela luxúria e pela sensualidade.

Contudo, Savonarola não conseguiu deter o desenvolvimento das atitudes


humanistas nas ideias e na arte da nova época.

Esta estátua marcou a época.

Trata-se de um David em bronze, de Donatello.

Criada por volta de 1430, foi a primeira escultura nua, em tamanho


natural, desde a Antiguidade.

Aquilo que a distingue dos nus medievais não é apenas a sensualidade


viva dos seus membros e da sua pele, mas o redescobrir das leis naturais
do movimento.

Donatello tinha descoberto o contraponto das figuras antigas.

Uma perna sustém o corpo, enquanto que a outra está livre e ligeiramente
dobrada.
Todas as partes do corpo possuem este ritmo de suporte e flexibilidade.

Surge uma nova linguagem corporal de repouso e movimento.

É a expressão da superação da suavidade e da abertura ao mundo.

É uma busca de pergunta e resposta.

Quando Miguel Ângelo recebeu, setenta anos depois, a encomenda feita


pelo Conselho de Florença para criar outra estátua de David, desta vez
feita com um bloco gigantesco de mármore, aplicou a mesma lei de
contraposição, para ganhar dramatismo.

Atualmente, existe uma cópia do Gigante em frente do Palazzo Vecchio.

O lindo original de Miguel Ângelo continua na sala da cúpula


da Academia, a salvo dos danos causados pelo vento e pelo clima.

Este David não tem a postura de vencedor sobre o derrotado.

Está à espera de uma batalha e os olhos procuram o adversário.

Os músculos estão tensos, em alerta, à defesa.

Com esta estátua, Florença desejava demonstrar a sua força e vontade na


batalha contra os inimigos de todos os tempos.

Por volta de 1475, o versátil Andrea Verrochio, o escultor do Colleoni


de Veneza, recebeu a encomenda de pintar um quadro sobre o batismo de
Cristo no rio Jordão.

A estrutura óssea e musculosa das figuras masculinas revelam o realismo


anatómico e a precisão gráfica de que se orgulhavam os artistas
florentinos.

Só há uma figura que já não se acomoda a este ideal estático.

É o anjo, agachado â esquerda, para o qual o companheiro da direita olha


com admiração e tem toda as razões para admirá-lo, porque este anjo foi
criado, não por Verocchio, mas sim pela mão de um artista diferente, pelo
seu genial discípulo Leonardo da Vinci.

Na maravilhosa graciosidade da forma como vira a cabeça, na delicadeza do


perfil, no brilho dourado do cabelo, este anjo parece mesmo vindo de
outro mundo.

Conta-se que, ao aperceber-se de que o aprendiz o tinha superado,


Verrochio nunca mais pegou num pincel.
A figura única de Leonardo personifica, na sua forma mais pura, o homem
do Renascimento, um espírito cultural e intelectual conhecido como homem
universal.

É o ideal de um homem educado universalmente e dotado de talento criativo


em todas as artes, com um controlo perfeito do seu próprio corpo.

As poucas pinturas que começou e as ainda menos que terminou foram


conservadas num estado ruinoso ou falsificadas.

Contudo, aquilo que permanece da sua famosa Última Ceia ainda emociona.

Leonardo abre a parede da sala de jantar.

Surge diante de nós uma divisão profunda.

Mas o observador renascentista ficou muito mais impressionado com a


apresentação que Leonardo fez de um clímax dramático que imprimiu à
narração bíblica.

Escolheu o momento em que Cristo anuncia que um dos seus discípulos vai
trai-lo.

Surgem reações opostas e tumultuosas.

Alguns ficam rígidos de espanto, outros enfurecem-se, cheios de


indignação, impotentes e raivosos.

Um discípulo pergunta se é ele que vai trair o mestre.

O vizinho afirma a sua inocência.

Apenas Judas permanece sentado, inclinado para a frente, imóvel.

Da silhueta escura do seu perfil, observa o homem que vai trair.

Nunca se tinha expressado, numa única pintura, tal misto de emoções


e paixões humanas.

Nenhum artista anterior tinha sido capaz de retratar os sentimentos


íntimos do homem com tanta clareza e vivacidade, em movimentos e gestos
corporais.

Finalmente, o objetivo do estudo constante da perspetiva e da anatomia,


encontrava a sua realização.

O poder de convicção e a transmissão intelectual de mensagens espirituais


na pintura dependia da empatia conseguida nos gestos corporais e da
credibilidade do ambiente descrito.

No Século XV, a velha tradição das pinturas murais profanas


reviveu e teve um novo amanhecer.
Andrea Mantegna iria embelezar com frescos as paredes da chamada Câmara
dos Esposos, em Mântua.

Era o salão de honra do Palácio Ducal, onde os nobres celebravam


as suas bodas.

Os frescos tinham por tema a glória alcançada pelo Duce Gonzaga e


família.

O enorme fresco mostra o Duce rodeado pela família e pelos seus


cortesãos.

Observamos os rostos orgulhosos e enfatuados de homens ambiciosos.

O pintor tinha proposto a si próprio não ocultar nada, pintar as


personagens como eram realmente, belas ou feias, o mais aproximado
possível da imagem real.

Desejava modelá-las numa corporalidade tridimensional tal que o


espectador lhes sentisse a presença viva.

Tecnicamente, os frescos de Mantegna possuem uma grande perfeição.


O observador é atraído pelas características individuais das figuras.

Contudo, essas mesmas figuras não possuem a qualidade que os discípulos


de Leonardo, apesar do estado ruinoso da pintura, conservam até hoje.

A vida íntima, a misteriosa unidade de corpo e alma que foi descoberta


pelo alto Renascimento...

Miguel Ângelo estava destinado a dar a grande forma simbólica a essa


unidade, no momento supremo da história da criação.

O raio divino faz surgir, do nada, a figura de Adão.

Deus pai, suportado por anjos, infunde o seu espírito divino no primeiro
homem criado â sua imagem.

Antes de Miguel Ângelo, nenhum pintor se tinha atrevido a pintar este


momento supremo do Génesis apenas â base de olhares e de gestos.

No Homem, o espírito divino era a fonte de inspiração humanista do


Renascimento.

Não podemos esquecer que este maravilhoso trabalho foi realizado no meio
de angústias e tormentos mentais.

Ninguém expressou isso com mais intensidade do que o próprio, quando


disse: ”A minha única alegria é a minha tristeza, o meu único descanso
é o duro trabalho.”
Na mesma época em que Miguel Ângelo terminava a Capela Sistina, Júlio II
empregou outro pintor, Rafael, de uma natureza e de um temperamento
totalmente opostos aos de Miguel Ângelo.

Em Roma, contava-se um incidente que caracteriza os dois pintores.

Um dia, Rafael, rodeado pelos seus discípulos e admiradores, encontrou-se


com Miguel Ângelo, que Lhe disse, com desprezo: ”Pareces um príncipe, a
desfilar com os teus cortesãos.”

Rafael respondeu: ”E tu, pareces tão só como um enforcado.”

Com os seus desenhos de Madonas, Rafael criou uma imagem totalmente nova
da mãe de Deus.

Desejava conseguir o máximo de pureza e simplicidade.

Rafael acentuou a humanidade e o encanto natural da relação maternal.

Contudo, essa simplicidade é resultado de grandes estudos, e de muitas


tentativas.

Tal como Miguel Ângelo, Rafael era um artista com uma enorme capacidade
de trabalho mas, ao contrário dos trabalhos artísticos de Miguel Ângelo,
as pinturas produzem a sensação de terem sido criadas sem qualquer
esforço.

A época do Renascimento inspirava-se na ideia da unificação de Itália.

Durante séculos, os territórios da nação tinham estado divididos pelas


rivalidades entre as cidades-estado e os tiranos.

Os papas romanos tentaram o objetivo da unificação, com todos os meios


políticos e espirituais ao seu alcance.

Júlio II, um papa que era mais soldado do que sacerdote, empregou todos
os seus esforços militares na extensão e defesa dos estados pontifícios
e conseguiu fazer de Roma o centro artístico de Itália.

Júlio II encomendou a Rafael a decoração dos aposentos papais, que se


reduziam a três divisões no piso superior do palácio do Vaticano.

Rafael realizou esse trabalho entre 1509 e 1517, ajudado pelos seus
discípulos.

Os frescos destas divisões, relativamente pequenas, constituem os maiores


feitos da arte renascentista.

Em cada parede, uma única composição, centrada num só tema.

O tema dos murais pretendia glorificar a igreja católica e a autoridade


do papa.
Cada uma das pinturas revela o desejo mais profundo e o objetivo mais
procurado do Renascimento: a reconciliação do Cristianismo com a cultura
antiga.

Na disputa do sacramento, a Santíssima Trindade surge rodeada pela


multidão celestial de patriarcas e santos, por cima da hóstia do altar.

Os pais da igreja, os papas, os laicos e os contemporâneos de Rafael


discutem os insondáveis segredos da morte expiatória de Cristo.

Este triunfo da Eucaristia é confrontado com o triunfo da Filosofia,


na escola de Atenas.

A pintura assume o nome dos dois homens que atravessam a ampla divisão de
abóbada a discutirem entre si.

Platão...

...e Aristóteles. Os pensadores pagãos da Antiguidade que maior


influência tiveram na filosofia ocidental.

Os seus discípulos reúnem-se de ambos os lados, a discutir com seriedade,


como bons alunos.
Nesta pintura, Rafael também estabeleceu uma união com o seu próprio
tempo, através dos retratos dos seus contemporâneos.

Apresenta o seu mecenas, o Papa Leão X, da casa dos Médicis, na companhia


de dois cardeais.

O Papa é facilmente identificável pela sua sensualidade e corpulência,


tal como foi descrito pelos contemporâneos.

Na mão, tem uma lupa para contemplar as miniaturas de um manuscrito


precioso, uma alusão aos afãs humanistas de Leão.

O rosto inchado não foi retocado nem envelhecido, mas Rafael não expõe
as fraquezas deste homem.

Clemente VII foi o segundo Médici que ocupou o trono de São Pedro e pediu
logo a Miguel Ângelo que decorasse a nova sacristia de São Lourenço, em
Florença, como uma capela mortuária.

O espaço não era muito amplo, mas tinha uma grande altura e podia
acomodar túmulos em três lados.

O quarto estava reservado ao altar.

Miguel Ângelo desenhou nas paredes uma arquitetura de nichos em três


níveis, com um baixo-relevo finamente estruturado e esculpido com
nitidez.
Nos nichos do meio, colocou os Médicis falecidos, os Duces Juliano e
Lourenço.

Neste caso, Miguel Ângelo não estava interessado em que os retratos


fossem semelhantes aos originais e afirmou: ”Daqui a mil anos, quem
quererá saber como eram?”

As figuras jovens, sublimes como governantes, estão entronizadas por cima


dos sarcófagos que têm aos pés, onde estão colocadas as personificações
das horas do dia: a aurora, o crepúsculo, o dia e a noite.

Os seus membros caem, pesados, devido à sonolência e ao torpor.

O significado profundo desta composição fúnebre é a imobilização do tempo


e o triunfo dos mortos que, na outra vida, são sublimes, sobre todas as
coisas temporais.

Com Giambologna, o renascimento atinge o auge do seu virtuosismo.

Se recordarmos o poder e a força das esculturas de Miguel Ângelo, então o


”Mercúrio a Voar” parece ser exatamente o oposto.

Vestido apenas com as sandálias e o elmo alados, o mensageiro dos céus


eleva-se ao céu com o seu caduceu, mas está a descer ou a subir para o
céu?

Esta obra-prima do equilíbrio, tem uma imagem igualmente atraente sob


todos os aspetos.

O autor estava profundamente interessado na forma e na solução


virtuosista das mais extremas dificuldades.

Na sua escultura do ”Rapto das Sabinas”, o problema consistia em misturar


as três figuras nos seus movimentos ascendentes.

É uma composição em que as figuras parecem mover-se em espiral.

Seja qual for o ângulo, produz um novo fascínio.

O Maneirismo é a última fase do Renascimento e transforma-se num fim


em si próprio. Até então, o corpo humano era uma alegoria e um símbolo
das ideias centrais do Renascimento.

Agora, transformou-se numa personificação da arte.

Durante séculos, a poderosa república de Veneza tinha seguido o seu


próprio caminho, no campo da arte.

Os arquitetos e pintores venezianos sempre procuraram mais inspiração em


Bizâncio do que na arte ocidental.

Isso não significa que Veneza tenha ignorado os feitos do Renascimento.


Desde o início do Século XV que os artistas florentinos tinham sido
convidados para trabalhar em Veneza, mas os resultados foram muito
diferentes dos da Toscana.

Os venezianos foram capazes de fazer oposição à fama dos florentinos e


dos romanos com uma arte na qual não tinham rival: a arte da cor.

Até em Florença tiveram de admitir, embora a contragosto, que a suavidade


sensual e a marcação das cores das Madonas venezianas tinham uma classe
insuperável.

Em 1488, Giovanni Bellini pintou o tríptico de Madonas, na sacristia da


igreja dos Frari.

O veneziano usa a luz para criar uma atmosfera suave e esbatida, um


claro-escuro que suaviza os contornos e dá às cores uma tonalidade de
base, quente e uniforme.

Bellini era dono de uma loja de arte, onde aprenderam o ofício pintores
importantes como Giorgione e Tiziano.

Ambos seguiram Bellini na sua busca da harmonia cromática.

Uma pequena pintura de Giorgione, intitulada ”Tempestade”, é,


provavelmente, a pintura mais misteriosa e controversa da História da
Arte.

É certamente uma das grandes criações da arte europeia.

Tudo nela está concebido como uma unidade de luz, ar e cor.

Uma harmonia, poeticamente desenhada, entre o homem e a Natureza, que


nunca antes tinha sido sentida ou vista deste modo.

O lirismo de Giorgione exerceu uma grande influência no seu discípulo e


companheiro-aprendiz, Tiziano.

Tiziano chegou a ser o grande mestre dramático da cor na pintura


veneziana. Quem tiver visto a sua ”Assunção”, nunca esquecerá este
milagre artístico, este enorme triunfo da cor e esta explosão de luz.

O sonho dos artistas do Renascimento, representar a beleza sensual


terrena como o reflexo da imagem de Deus no homem, realizou-se na obra-
prima de Tiziano. Mais ainda, na época do Renascimento, ”A Assunção”
anuncia uma ideia central do barroco que se aproxima: a apoteose, a
deificação corporal do Homem no esplendor da imortalidade.

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