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Escola Secundária da Ramada 10.

º Ano

Pragmática e Linguística textual: coesão


Entende-se por coesão um conjunto de processos que, recorrendo a determinados grupos de vocábulos, ou classes de
palavras, permite fazer um texto a partir de um “puzzle” de frases soltas (ou mesmo uma frase a partir de palavras soltas).
Imaginemos um conjunto de 50 cartões, cada um com uma frase simples. Essas frases só constituirão um texto quando, para
além de estarem dispostas segundo uma dada ordem entre si, estiverem articuladas de forma a que umas possam remeter
para outras, construindo uma mensagem uniforme [ou plural, se o objetivo for esse].

Os elementos que contribuem para a coesão de um texto são, em primeira linha, os conectores, ou seja, um conjunto de
palavras de várias classes que estabelecem relações entre palavras (preposições), frases (conjunções), ou blocos de texto
(advérbios).

Contribuem ainda para a coesão textual os pronomes, ao referirem entidades já anteriormente nomeadas (e estamos a
falar de pronomes anafóricos), ou que o serão a seguir (e o processo designa-se por catáfora) ou a concatenação verbal, ou
seja, a articulação correta entre os tempos verbais utilizados, ou mesmo a modalização, ou seja, o uso de uma expressão
verbal que vai suavizar, ou clarificar, a informação veiculada pelo verbo.

Podemos falar de vários tipos de coesão:

Coesão frásica
A coesão frásica resulta da unidade entre os vários elementos de uma frase, através do recurso aos seguintes
mecanismos: Ordem sintática das palavras (normalmente a estabelecida é SVO, ou seja, Sujeito, Verbo, Complementos(i) (no
entanto, pode sofrer alterações); Concordância em género e número(ii); Princípio da regência(iii)

(i) O jornalista contou a novidade aos amigos. (SVO)


* A novidade aos amigos o jornalista contou.
(ii) O Luís comprou o livro.
(iii) O Luís sorriu à Maria.
Coesão interfrásica
A Coesão interfrásica é assegurada por conectores (conjunções e locuções conjuncionais ou advérbios conetivos) que
servem para ligar as frases, os períodos e os parágrafos do texto.

Para… Usa-se, por exemplo:


Articular ideias de contraste ou mas, porém, todavia, contudo, no entanto, apesar de, ainda que, embora,
oposição mesmo que, por mais que, se bem que
Adicionar e agrupar elementos e e, além disso, e ainda, não só...mas também /como ainda, por um lado...por
ideias outro lado, nem...nem (negativa)
Concluir (a partir da ideia principal) pois, portanto, por conseguinte, assim, logo, enfim, concluindo, em conclusão
Resumir, reafirmar por outras palavras, ou seja, em resumo, em suma, melhor
Exemplificar por exemplo, isto é, ou seja, é o caso de, nomeadamente, em particular, a
saber, entre outros
Comparar como, conforme, também, tanto...quanto, tal como, assim como, pela mesma
razão
Indicar uma consequência por tudo isto, de modo que, de tal forma que, daí que, tanto...que, é por isso
que, pela mesma razão, do mesmo modo que
Exprimir uma opinião na minha opinião, a meu ver, em meu entender, parece-me que
Exprimir uma dúvida talvez, provavelmente, é provável que, possivelmente, porventura
Insistir nas ideias já expostas com efeito, efetivamente, na verdade, de facto

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Esclarecer, explicar uma ideia quer isto dizer, isto (não) significa que, por outras palavras, isto é
Organizar as ideias por ordem em primeiro lugar, num primeiro momento, antes de, em seguida,
sequencial (tempo ou espaço) seguidamente, depois de, após, até que, simultaneamente, enquanto, quando,
por fim, finalmente, ao lado, à direita, em cima, no meio, naquele lugar
Apresentar a intenção, o objetivo com o intuito de, para (que), a fim de, com o objetivo de, de forma a
com que se produz o que é descrito
anteriormente
Anunciar uma ideia de causa Pois, pois que, visto que, já que, porque, dado que, uma vez que, por causa
de
Indicar uma hipótese ou condição Se, caso, a menos que, salvo se, exceto se, a não ser que, desde que,
supondo que
Exprimir um facto dado como certo com certeza, naturalmente, é evidente que, certamente, sem dúvida que
Evidenciar ideias alternativas Fosse...fosse, ou...(ou), ora...ora, quer...quer

Coesão temporal
Coesão temporal é conferida pela sequencialização dos enunciados de acordo com uma lógica temporal através de
• Palavras/expressões sequencializadoras
Ex..: Em primeiro lugar, faço o plano do texto; depois, redijo-o; finalmente, procedo à sua correção.
• Advérbios/expressões que apontam para a localização temporal
Ex: Antigamente, a escolaridade era limitada. Atualmente, a realidade é bem diferente.
• Correlação dos tempos verbais (ver o exemplo anterior, cujos verbos estabelecem uma relação temporal com os
advérbios sublinhados).

Coesão referencial

Quando num texto há um ou mais elementos textuais sem referência autónoma cuja interpretação depende de um
referente (expressão que corresponde àquilo de que se fala) apresentado anteriormente (anáfora) ou subsequentemente
(catáfora) estamos perante uma cadeia de referência.

 Anáfora (através do uso de pronomes, advérbios, etc).


Ontem visitei a minha antiga escola. Há muito tempo que não a via. Guardo boas recordações do tempo que lá passei.
Repare que, no exemplo, para o antecedente a minha antiga escola temos dois termos anafóricos: a e lá. Estes dois
termos só são interpretáveis por referência à expressão a minha antiga escola. Os três elementos sublinhados constituem
uma cadeia de referência porque remetem para a mesma entidade.

 Catáfora
Atente, agora, no seguinte exemplo:
Com ele toda a gente se sentia bem. Ninguém lhe queria mal. De facto, o meu avô era uma pessoa especial. Neste caso,
em que os termos anafóricos (ele e lhe) vêm antes da expressão nominal com que se relacionam (o meu avô), falamos de
catáfora.

 Elipse
A elipse é uma categoria vazia cuja interpretação depende em absoluto do antecedente. Ocorre quando, numa cadeia
de referência, o termo anafórico não está lexicalmente realizado.
O Nuno é um aluno aplicado e [O Nuno] tem boas notas.
Neste exemplo, verifica-se a elipse do sujeito da segunda oração. No entanto, esse sujeito continua a ser interpretado
anaforicamente porque retoma o valor referencial do antecedente, O Nuno.

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 Correferência não anafórica


Duas ou mais expressões linguísticas podem identificar o mesmo referente, sem que nenhuma delas seja
referencialmente dependente da outra.
O meu namorado ganhou um prémio internacional. Sempre acreditei que o Daniel chegaria longe.
Só o saber compartilhado entre interlocutores permite afirmar se existe ou não correferência entre as duas expressões.

Coesão lexical
A coesão lexical (relação entre palavras/expressões que remetem para um mesmo referente)
obtém-se por:
• Repetição
Ex.: Ela cumprimentou o rapaz. Mal ela sabia que aquele rapaz lhe mudaria a vida.
• Substituição
- por sinonímia: É uma alegria ver o interesse destes jovens! É uma felicidade saber que estão a interpretar a
mensagem do autor.
- por antonímia: Ele esteve ausente da reunião. Se tivesse estado presente, aquela proposta não teria sido aprovada.
- por hiperonímia/hiponímia: O Simão não larga o brinquedo. Aquele boneco anda sempre com ele.
(hiperónimo/hipónimo).
- por holonímia/meronímia: Ele levou o carro à revisão. O mecânico arranjou o travão e a embraiagem.
(holonímia/meronímia)

EXERCÍCIOS

1. Ao texto que vais ler, foram retirados os conectores da lista. Volta a colocá-los nos respetivos lugares:

Na minha opinião / Bem sabemos que / Por mais ... que (dois espaços) / Porém / muito menos /
/ Em suma / Acredito que / E, certamente / parece-me que / justamente / Depois, e finalmente /
/ Inquestionavelmente, e sem margem para dúvidas

Pena de morte
_________________ hediondo e horrendo _____________ seja o crime e o criminoso, _______________um Estado
não tem o direito de decidir sobre a morte de um indivíduo. Em nenhuma circunstância deveria existir a pena de morte,
_________________na mais civilizada das democracias, que instituiu e mantém em funcionamento, em alguns estados, uma
verdadeira fábrica de execuções.
_________________ , a pena de morte é contra tudo o que nós, portugueses, acreditamos: o princípio do
arrependimento, do humanismo, e da preservação da vida como um bem intocável. Para todos.
__________________ há sempre o argumento das vítimas ou famílias: e se fosse connosco, manteríamos o mesmo
princípio? Por ser __________________um princípio, fundado no nosso humanismo religioso, é que a morte de um criminoso
não faz terminar a culpa e o horror, nem repara o que aconteceu. _________________ , na tragédia global, é mais um morto.
_________________ , sendo uma pena sem remédio, nem possibilidade de voltar atrás, levanta a eterna dúvida –
cada vez mais importante, pelos erros já cometidos – de ser este ou aquele, __________________ , que cometeu o crime
pelo qual paga com a vida. ___________________ , quantos não foram já executados inocentemente, e quantos mais não o
vão ser?
_________________ a grandeza e a nobreza dos Estados, e das suas leis, reside na crença do perdão, absolvição e
arrependimento dos seus cidadãos, sejam eles o que forem, mesmo quando a justiça exige e impõe uma punição máxima
para um crime horrível. ___________________ , uma punição máxima pode ser tudo, menos o direito de o Estado matar.
Luís Delgado, in Diário Digital, 11 de Junho de 2001 ( adaptado)

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2. Identifica os conectores presentes nas frases que se seguem e explica os respetivos valores:

a) O concorrente respondeu sempre acertadamente, por isso ganhou o concurso.


b) Visto que a decisão foi tomada sem nosso consentimento, declinamos toda a responsabilidade.
c) Apesar de ter um aspecto ameaçador, o meu cão é totalmente inofensivo.
d) Embora esteja situada a apenas dez quilómetros da sede do distrito, aquela aldeia ainda não possui
saneamento básico.
e) Se o motor falhar novamente, vendo o carro!
f) Vais ou ficas?
g) Primeiro junta-se leite, depois misturam-se os restantes ingredientes.

3. Lê o excerto:
“Vi nesse mesmo dia a velha que morava nas vizinhanças: perguntei-lhe se alguma vez a afligira o não saber como
era feita a sua alma. Ela nem sequer compreendeu a minha pergunta: nunca na vida dela tinha refletido um único
momento sobre um único dos pontos que atormentavam o brâmane. “
Voltaire, “História de um bom brâmane”

3.1. Procede ao levantamento de todos os elementos que retomam, em termos anafóricos, o referente “a velha”.

3.2. Relê as frases, substituindo todas as anáforas pelo respetivo referente.

3.2.1. Conclui acerca da pertinência da utilização das cadeias anafóricas.

4. Demonstra a existência da catáfora no texto que se segue:

“Ela era muito bonita quando a conheci, com o suave nariz afilado e o lábio superior mais curto da divindade de
camafeu, humanizada por uma covinha que lhe despontava na face sempre que se dizia qualquer coisa com os
atributos externos do humor, sem a sua qualidade intrínseca. Pois a querida senhora era providencialmente
desprovida de humor (…).”
Edith Wharton, “O pelicano”
4.1. Refere o valor expressivo do seu uso em cada um dos casos.

5. Destaca a expressividade do recurso à elipse como mecanismo de coesão nos exemplos que se seguem:

a. – Preciso de rever a matéria para o teste.


– Eu também.

b. A Vanda escolheu a colega de carteira para fazer o trabalho e começaram a prepará-lo de imediato.

6. Seleciona a opção correta:


6.1. O único período em que o demonstrativo é um termo anafórico (e não um deítico) é
a) Dá-me essa asinha de frango.
b) Acho que esta rapariga anda cada vez mais macambúzia!
c) A Laurinda anda a usar o lenço da Teresa e esta não gosta.
d) Ó Zé, não ponhas aquele boné!

6.2. O único caso em que o pronome pessoal é uma catáfora (ou termo catafórico) e não uma anáfora (ou termo
anafórico) é
a) Pedro, olha o João, responde-lhe!
b) Cada vez o admirava mais, Pessoa, poeta fascinante.
c) O salmão também é um peixe saboroso. Prefiro-o ao pargo.

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d) O teu bigode é muito bonito mas o do Joaquim tem mais pinta!

6.3. O hiperónimo não funciona como termo anafórico em


a) O boi morreu, mas os mamíferos não têm asas.
b) Ao chutar, o João Pinto ajeitou a franja. O jogador tem cuidado com a sua imagem.
c) O Benfica vai perder com o Belenenses. O clube da segunda circular tem sido perseguido pela arbitragem.
d) Woody Allen apresentou o seu novo trabalho. O realizador continua ativo!

6.4. Só uma destas frases não infringe a articulação entre tempos verbais (um dos requisitos da coesão temporal):
a) Herman José tinha seis anos quando eu tinha nascido.
b) - Perguntei se fizestes as fichas!
c) O Rui tinha vivido em Bruxelas, até que a polícia o prenda.
d) O Dário tinha estado em Londres, mas antes estará em Paris.

6.5. A correferência implica que haja


a) hipónimos e hiperónimos.
b) pronomes.
c) termo referencial e termo catafórico.
d) uma cadeia de referência.

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SOLUÇÕES

1.
Por mais ... que (dois espaços)
parece-me que
muito menos
Na minha opinião
Bem sabemos que
justamente
Porém
Depois, e finalmente
Inquestionavelmente, e sem margem para dúvidas
Em suma
Acredito que
E, certamente

2. O concorrente respondeu sempre acertadamente, por isso ganhou o concurso. (consequência)


Visto que a decisão foi tomada sem nosso consentimento, declinamos toda a responsabilidade. (causa)
Apesar de ter um aspecto ameaçador, o meu cão é totalmente inofensivo.
Embora esteja situada a apenas dez quilómetros da sede do distrito, aquela aldeia ainda não possui saneamento básico.
(contraste / oposição)
Se o motor falhar novamente, vendo o carro! (condição)
Vais ou ficas? (ideias alternativas)
Primeiro junta-se leite, depois misturam-se os restantes ingredientes. (organizar as ideias por ordem sequencial)

3.1. “que”,” lhe”, “a”, “sua”, “Ela”, “dela”.

3.2. Vi nesse mesmo dia a velha; a velha morava nas vizinhanças: perguntei à velha se alguma vez à velha afligira o não
saber como era feita a alma da velha. A velha nem … na vida da velha tinha refletido … .

3.2.1 Servem para evitar repetições.

4. Os pronomes ela ,a, lhe e o determinante sua aparecem antes do referente senhora.
4.1 Com a catáfora, e o protelamento da identificação do referente, consegue-se despertar e manter o interesse do
interlocutor. (…)

5. a. e b. Com a elipse subentende-se a mesma ideia sem que se sobrecarregue o discurso com a sua
repetição, com as mesmas ou diferentes palavras.

6.1 c)
6.2 b)
6.3 a)
6.4 b)

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6.5 d)

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