TEXTO - 3 - SILVA, A. C., BRAIT, B. A Pontuação No Livro Didático

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XIII Mostra de Pós-graduação


VII Seminário de Extensão
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16 a 20 de outubro de 2012

INCLUSÃO VERDE: Ciência, Tecnologia e


Inovação para o Desenvolvimento Sustentável

MCH0031

A PONTUAÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO: ANÁLISE ENUNCIATIVO-


DISCURSIVA

ANDERSON CRISTIANO DA SILVA


andcs23@ig.com.br
LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

ORIENTADOR(A)
BETH BRAIT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
A PONTUAÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO: ANÁLISE ENUNCIATIVO-
DISCURSIVA1

Anderson Cristiano da Silva2


Orientadora: Profa. Dra. Beth Brait3
Resumo
Esta de pesquisa objetiva especificamente analisar os textos que abordam a pontuação
(parte teórica e exercícios) nos volumes do 6º ao 9º ano de uma coleção didática:
Português: uma proposta para o letramento, de Magda Soares. A motivação deste
trabalho surgiu da preocupação que temos sobre como os sinais de pontuação são
abordados nos livros didáticos do Ensino Fundamental (Anos Finais) utilizados nas
escolas públicas e distribuídos por meio do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). Para alicerçar nossa investigação, a pesquisa terá como arcabouço teórico as
contribuições da Análise Dialógica do Discurso (ADD), tendo como aporte os principais
conceitos-chave desenvolvidos por Bakhtin e os demais membros do Círculo. Da
perspectiva metodológica, seguiremos o seguinte percurso: (a) analisar os volumes
didáticos elencados a partir das características que cada um apresenta sobre as propostas
de ensino da pontuação; (b) levantar a tradição prescritivo-normativa sobre os sinais de
pontuação em duas gramáticas normativas contemporâneas, tendo como critério uma
visão diacrônica e sincrônica contrastiva vislumbrando estabelecer parâmetros críticos
para análise do nosso corpus. Alguns resultados preliminares apontam para um número
ainda reduzido de exercícios em comparação a outros assuntos gramaticais, além disso,
percebe-se que a proposta de ensino enfatiza apenas atividades orais, deixando de
explorar exercícios escritos sobre o emprego da pontuação.

Palavras-chave: Sinais de pontuação; Livro didático; Análise dialógica do discurso.

PUNTUACTION MARKS IN A TEXTBOOK: ENUNCIATIVE-DISCURSIVE


ANALYSIS
Abstract
This research aims specifically to analyze the texts that discuss the puntuaction marks
(theory and exercises) in the textbooks of the 6th to 9th grade of a teaching collection:
Português: uma proposta para o letramento by Magda Soares. The motivation for this
work arose from the concern we have about how punctuation are covered in textbooks
of elementary school used in public schools and distributed by Programa Nacional do
Livro Didático. To support our investigation, the research will be based on theoretical
contributions of Dialogic Discourse Analysis, having as input the main key concepts
developed by Bakhtin and other members of the Circle. From the methodological
perspective, we used the following steps: (a) analyze the textbooks listed from the
characteristics that each one has on the proposed teaching puntuaction marks, (b) raise
the prescriptive-normative tradition about the punctuation in two contemporary
normative grammars, having as a criteria a contrastive diachronic and synchronic view
to establish critical parameters for our corpus’ analysis. Some preliminary results point,
to a number of exercises low compared to other grammatical matters, besides, we

1
MPG – Mostra de Pós-graduação
2
Doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP). Mestre em Linguística
Aplicada (UNITAU). Professor de Língua Portuguesa (SEESP). andcs23@ig.com.br
3
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
realized that the teaching proposal emphasizes only oral activities, not exploring writing
exercises in the use of punctuation.

Keywords: Puntuaction marks; Textbook; Dialogic discourse analysis.

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo geral problematizar a maneira como a


pontuação é apresentada nos livros didáticos de Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental aprovados pelo governo por meio do Programa Nacional do Livro
Didático - PNLD/2011. Dessa forma, objetivamos especificamente analisar os textos
que abordam a pontuação (parte teórica e exercícios) nos volumes do 6º ao 9º ano da
coleção didática: Português: uma proposta para o letramento, de Magda Soares. A
delimitação desse corpus deu-se por ocasião da troca dos livros didáticos na escola em
que atuo, onde houve uma decisão unânime entre os docentes em trabalharem com a
coleção elencada, optando assim pelos livros didáticos de Magda Soares, por
acreditarem na qualidade e na proposta para o ensino de língua materna aí presentes.
A motivação para este trabalho surgiu da preocupação sobre como os sinais de
pontuação são abordados nos atuais livros didáticos do Ensino Fundamental (Anos
Finais) distribuídos nas escolas públicas por meio do Programa Nacional do Livro
Didático (BRASIL, 2010). Acreditamos que a reflexão a respeito desse assunto seja
pertinente para o aprimoramento das práticas de ensino, revelando-se uma forma de
questionar as propostas para o ensino da pontuação em voga.
Com isso, esperamos observar como são arquitetadas as propostas existentes nos
livros didáticos elencados, ratificando nosso intuito de construir um trabalho teórico que
contribua para a qualidade da aprendizagem, estabelecendo parâmetros críticos para o
ensino desse conteúdo. Esse escopo só será possível se houver subsídios que possam
problematizar as perspectivas adotadas nos materiais didáticos, possibilitando uma
abertura para outras abordagens, pois como o conteúdo sobre a pontuação nos livros
didáticos não é questionado, o ensino fica muitas vezes norteado pela reprodução do
tradicionalismo, que por sua vez pode não apresentar alternativas para o aprimoramento
da aprendizagem.
Na realidade da educação brasileira, por diversos fatores já conhecidos (como a
expansão da educação superior), uma grande parcela dos cursos de licenciatura acaba
formando profissionais com noções superficiais sobre conteúdos importantes para o
ofício docente em suas respectivas disciplinas, o que chamamos atenção em nosso
trabalho para o ensino da pontuação, no caso de professores de língua materna. Dessa
maneira, esses professores, por não terem um conhecimento aprofundado e domínio
sobre o conteúdo, acabam se pautando unicamente pelas recomendações dos livros
didáticos, deixando de ter uma visão crítica sobre possíveis falhas que essas coleções
didáticas apresentam sobre determinado conteúdo e que não conseguem dar conta.
Sendo assim, observa-se que muitos professores utilizam os livros didáticos como única
estratégia de ensino, sem nenhum tipo de complementação para as lacunas deixadas por
esses materiais.
A partir da vivência no ambiente escolar da rede pública do Ensino Básico,
percebemos que a temática sobre os sinais de pontuação ainda é pouco explorada nos
materiais didáticos em comparação a outros conteúdos gramaticais. Convém enfatizar
que em nosso percurso acadêmico (nas áreas de Letras, Linguística ou Linguística
Aplicada), ainda não encontramos na literatura vigente, por meio de uma busca
sincrônica, muitos trabalhos específicos que discutam as propostas de ensino sobre a
pontuação, o que há são materiais que tratam dessa temática de maneira prescritiva ou
alguns trabalhos acadêmicos com outras abordagens que ainda não têm uma ampla
divulgação entre os docentes de língua materna do ensino regular.
Este trabalho justifica-se, portanto, pela necessidade de refletirmos a respeito do
assunto com vistas ao aprimoramento das práticas de ensino, revelando-se uma forma
de questionar as propostas de ensino em uso, permitindo também novos olhares sobre o
conteúdo da pontuação, cujos resultados possam contribuir para expansão do assunto no
campo da Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
Em consonância com tais colocações, esta pesquisa justifica-se também pelo
pouco espaço que a pontuação ainda ocupa nos materiais escolares, o que está ligada a
outra realidade, as propostas de ensino sobre esse recurso da língua. Com efeito, as
pessoas geralmente percebem as nuanças de entoações na fala, conseguindo assim
distinguir os efeitos de sentido a partir das pausas na oralidade, no entanto, isso deixa de
ocorrer na transposição para a escrita, uma vez que ao longo do processo de
aprendizagem sobre os sinais de pontuação, percebem-se falhas no ensino desse
conteúdo.
Dessa maneira, propostas de ensino sobre a pontuação vinculadas apenas por
preceitos de ordem sintática podem não ser o único meio para uma efetiva
aprendizagem desse conteúdo. Além disso, em decorrência dessa problemática,
verificamos por meio de um conhecimento empírico adquirido nas aulas de língua
materna e superior que na maioria das vezes os educandos não têm noção da
importância dos sinais de pontuação em suas produções escritas, utilizando-se de
justificativas pouco convencionais para o emprego desses recursos, como exemplo:
intuição ou respiração.
Nesse ponto, cabe uma pequena ressalva: em nenhum momento queremos
diminuir a importância que a gramática normativa exerce no ensino e aprendizagem de
uma língua, nem ignorar o papel fundamental que a sintaxe tem na estruturação dos
conteúdos gramaticais.
Dessa forma, a partir desses questionamentos, almejamos chamar atenção para
um assunto que ainda permanece pouco discutido no âmbito específico do ensino da
língua materna.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Ao vislumbrarmos a problematização do ensino tradicional da língua materna,


mais especificamente as propostas de ensino sobre a pontuação encontradas nos
materiais didáticos distribuídos para as escolas públicas por meio do PNLD (BRASIL,
2010), apoiamo-nos nas ideias de Faraco e Castro (2000) sobre as fragilidades das
abordagens prescritivo-normativas, das quais têm sido objeto de interesse não só da
linguística, mas também de especialistas das mais diversas áreas.
Dentro desse contexto, percebe-se que sempre houve uma preocupação mais no
aspecto prático do que teórico sobre a problemática, por outro lado, Faraco e Castro
defendem a ideia de uma teoria linguística que fundamente o ensino de língua materna a
partir do arcabouço teórico desenvolvido pelo Círculo bakhtiniano, propondo uma
articulação entre o conceito de enunciado e a prática de ensino de língua materna.
Partindo de alguns textos de referência do Círculo, como Marxismo e Filosofia
da Linguagem (1999) e Problemas da Poética de Dostoiévski (2010a), observa-se a
discussão sobre questões fundamentais a respeito da língua, em confluência com tais
questões, também no artigo Dialogic Origin and Dialogic Pedagogy of Grammar
(Stylistics in Teaching Russian Language) (2004), perceber-se um apoio teórico a partir
da ideia esboçada por um Bakhtin também professor, quando esse escreveu sobre os
problemas do ensino da gramática nas escolas secundárias, na Rússia de seu tempo.
Muito embora essas discussões tenham sido engendradas há décadas, parecem mais
atuais do que nunca, uma vez que seus pensamentos trazem-nos a reflexão sobre algo
tão contemporâneo que é o repensar o ensino tradicional da língua materna.
Com efeito, as ideias de Mikhail Bakhtin influenciaram a concepção de
linguagem nas últimas décadas do século XX e hoje são consideradas precursoras de
uma nova abordagem teórica, a Análise Dialógica do Discurso (ADD), fundamentada
no princípio dialógico da linguagem. Além disso, as contribuições bakhtinianas vieram
proporcionar uma nova maneira de fazer pesquisa nas ciências humanas (AMORIM,
2003, 2004), pois não desvinculam o homem desse processo, tampouco a relação entre
os (inter)locutores do discurso.
Diante disso, a partir de uma maneira específica de entender a linguagem, temos
como fundamento teórico-metodológico a Teoria/Análise Dialógica do Discurso
(ADD), que possui o seu objeto de investigação nos textos e nos discursos.
Correlacionando com essa ideia, nossa proposta de trabalho tem como intuito analisar
os discursos que permeiam o ensino da pontuação nos livros didáticos de língua
portuguesa, assim “temos o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e
viva” (BAKHTIN, 2010a, p.207).
Ao apresentarmos o arcabouço teórico dessa pesquisa, elencaremos alguns
conceitos que subsidiarão nossas análises naquilo que possam corroborar na defesa ou
refutação da hipótese, buscando também responder nossos questionamentos de
pesquisa, nesse sentido, a análise enunciativo-discursiva que proporemos pautar-se-á
pela concepção de: enunciado concreto, texto, discurso, autor/autoria, estilo e gênero
discursivo, bem como outros possíveis conceitos que possam corroborar em nossas
discussões.
Isso posto, partiremos primeiramente da concepção de texto, não como unidade
autônoma, mas como sistema da língua em uso para observamos os diferentes discursos
que formam a parte teórica e os exercícios sobre pontuação encontrados em nosso
corpus.
Tendo consciência da existência dos diferentes pontos de vista, na análise do
material de pesquisa, teremos então a interação entre enunciados (em sua dimensão
semiótica e ideológica). No que diz respeito ao caráter semiótico, podemos
compreender como a materialidade existente, na qual as interações com o leitor e o
contexto estabelecem o criado, ou seja, uma nova constituição de sentido. A respeito da
dimensão ideológica, percebemos questões de ordem valorativa, o que significa tensão a
partir do movimento vivo da língua que estabelecem aí as diferentes relações dialógicas.
Assim, temos que ter em mente também a questão do dialogismo, conceito
amplo e complexo, referente ao papel da alteridade na constituição do sujeito, da
interação, dos textos e dos discursos; em resumo, precisamos compreender esse
conceito como um guarda-chuva epistemológico, sem o qual não se pode pensar a
relação sujeito/linguagem. Nesse sentido, precisamos compreender da mesma maneira o
sujeito, dentro da teoria dialógica, a partir da sua dimensão histórica e social, definido
na relação com os outros: reais, imaginários, personificados ou indefinidos.
Desse modo, além de termos como referência nossa constituição subjetiva
enquanto professor de língua materna da rede pública de ensino e também como
pesquisador da área da Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, ao mesmo tempo,
teremos que considerar a perspectiva de nosso objeto de investigação, no caso, os livros
didáticos em si, que possuem autor/autoria, pertencem a uma editora, que por sua vez
apresenta uma função pedagógica e mercadológica.
À guisa de ilustração, ao escrever o locutor tem dentro de si a imagem de seus
prováveis interlocutores e por isso escolhe determinadas palavras e até mesmo o tipo de
pontuação de acordo com os efeitos de sentido desejados. Esse processo só é possível
pela existência do acabamento enunciativo, pois ao construir o seu discurso, o sujeito
pauta-se pela presença de um outro e sua provável atitude responsiva (BAKHTIN,
2003).
No que tange às marcas visíveis (e invisíveis) de nosso corpus, precisaremos
considerar, além da relação entre os (inter)locutores, a subjetividade dos autores nos
livros didáticos, estudaremos a dimensão textual e discursiva desses materiais. Isso
implica pensarmos no conceito-chave de estilo, o que nos remete, do mesmo modo, às
questões da alteridade e das múltiplas vozes que se defrontam para constituir a
singularidade de um enunciado.
Dentro da teoria dialógica, o conceito de estilo estrutura-se a partir da relação
entre as dimensões textuais e discursivas. Ademais, a acepção do termo é definida por
“um modo individual de seleção, apropriação e uso das formas sociais da linguagem”
(ARÁN, 2006, p.106). Falar de estilo pelo viés bakhtiniano implica compreendermos a
importância desse conceito para observarmos a formas do ser na linguagem, deixando
vislumbrar suas particularidades e peculiaridades.
Mesmo tendo a percepção das características comuns que os materiais didáticos
possuem e que esses também trabalham quase sempre com os mesmos conteúdos, cada
coleção acaba se diferenciando pelo enfoque do(s) autor(es), constituindo assim seu
estilo a partir da relação com os interlocutores. Desse modo, problematizaremos o estilo
sobre o conteúdo da pontuação em cada volume didático, tentando esmiuçar as
singularidades desses materiais. Tentaremos também revelar o tom valorativo que cada
autor coloca em suas obras, vislumbrando em primeiro plano verificar as possíveis
divergências e convergências da herança tradicionalista (de natureza sintática e
prescritiva) que esses livros possam apresentar, além de verificar até que ponto há um
distanciamento dessa perspectiva por meio de outras propostas de ensino.
Considerando que o corpus desse projeto é constituído por livros didáticos de
língua materna, tomamos esses como enunciados concretos, contrapondo uma
diversidade de acepções que existem para esse termo em diferentes teorias. Neste
trabalho a perspectiva teórica adotada partirá da concepção bakhtiniana que concebe o
conceito de enunciado (BAKHTIN, 2003, 2010; VOLOSHINOV, 1993) como unidades
reais de comunicação, sendo considerados eventos irrepetíveis, com juízos de valor e
emoções, além de possuir um acabamento específico que permite respostas.
A concepção de enunciado dentro da arquitetônica bakhtiniana não se dá em
uma única obra, pois como os demais conceitos, o termo foi sendo construído longo das
obras de Bakhtin e os demais membros do Círculo. Assim, um dos primeiros textos que
prenunciava a preocupação sobre o termo aparece em Por uma filosofia do ato
responsável (2010b), onde mostra sua preocupação com o todo, com a palavra
completa. Sobre o aspecto da palavra, Voloshinov discorre sobre o enunciado cotidiano
no ensaio O discurso na vida e o discurso na arte (s.d.), ademais, em Marxismo e
Filosofia da Linguagem (1999), obra assinada por Bakhtin/Voloshinov, encontramos a
discussão sobre o enunciado em “seus mais variados aspectos: signo ideológico,
palavra, enunciado interior, enunciado dialógico/monológico e enunciado de outrem”.
(SOUZA, 1999, p.85)
Além de apresentarmos brevemente algumas das balizas teóricas que subsidiarão
esta pesquisa, ao tentarmos questionar a maneira como o conteúdo da pontuação é
tratado nos volumes didáticos, queremos chamar atenção para perspectivas teóricas
contemporâneas sobre a temática. Dessa maneira, acreditamos ser producente um breve
esboço de algumas ideias que circulam no meio acadêmico sobre a conceituação do
assunto, objeto principal da nossa proposta de tese e que iremos discorrer de maneira
aprofundada no decorrer da estruturação do trabalho.
Tendo como ponto de partida algumas pesquisas de Dahlet (1995,1998, 2006),
reconhecida especialista sobre a temática da pontuação no meio acadêmico, apoiamo-
nos em suas ideias para discorremos sobre aspectos da definição, utilização e efeitos de
sentido a partir do emprego das pontuações.
Dahlet (1995) explicita que a homogeneização da pontuação acorreu pela
contribuição dos acadêmicos, já no século XX, que passaram a usar os sinais de
pontuação de acordo com as gramáticas; mas o que ocorria e ainda ocorre, é que os
manuais de gramática trazem um conteúdo mínimo sobre pontuação, não conseguindo
abarcar a complexidade e funcionalidade desses recursos no uso social.
Uma das ideias, de comum entendimento entre estudiosos do assunto, é a
maneira como a pontuação é apresentada pela gramática normativa. De acordo com
Dahlet, há diferenças constantes entre uma gramática e outra e não há consenso entre
esses materiais sobre sua definição e utilização. Com isso, o que podemos notar é que a
autora coloca como centro de seu estudo não as regras dos manuais, mas sua análise
tenta não dissociar a pontuação dos atos de comunicação.
Segundo essa especialista, a problemática dos sinais de pontuação está na
origem de sua função, dada sua multiplicidade no âmbito da escrita, entre suas
pesquisas, Dahlet discute a pontuação em nível de frase, no qual afirma que os sinais de
pontuação são paradoxais, pois “provém justamente de não pertencer a pontuação à
ordem alfabética, ainda que faça parte da linguagem e desempenhe um papel na
construção do sentido”(1995, p. 337).
Numa abordagem diferente do viés normativo-prescritivo, Dahlet divide a
maneira de pontuar em duas categorias: sintagmática e polifônica, adicionando uma
terceira denominação, a pontuação textual (união das duas formas denominadas e na
qual define sua função em relação ao enunciado).
A autora explicita o que propõe como pontuação sintagmática (na qual podemos
associar a uma função sintática), uma vez que o deslocamento da pontuação dentro dos
sintagmas pode ocasionar nuanças na recepção dos enunciados, além disso, dependendo
da pontuação utilizada, pode-se também modificar os efeitos de sentido.
Quanto à pontuação polifônica, Dahlet compreende-a como o “conjunto de
sinais que indicam uma interrupção enunciativa, quer seja através de marcas do discurso
citado, de marcadores expressivos, de hierarquizadores discursivos; ou de marcadores
de interrupção enunciativa” (1998, p. 467). À guisa de ilustração, a autora usa a
pergunta Ele está aí? para afirmar que o enunciado está completo na perspectiva
sintática, mas como a especialista afirma, há um pedido de resposta no qual possa dar-se
a completude comunicativa.
Ao observarmos a distinção entre a pontuação sintagmática e polifônica, a autora
vislumbra o entendimento dessas duas abordagens na qual denominou de pontuação
textual. Com efeito, também nos mostra as ações da pontuação dentro do enunciado e,
com isso, ratificamos a contribuição de suas ideias sobre a interação das pontuações
com os signos linguísticos, sendo um dos recursos com os quais atribuímos sentido à
materialidade linguística.
Em outro enfoque, constatou-se que a pontuação é um recurso gráfico por meio
do qual conseguimos perceber a fragmentação em unidades rítmicas. De acordo com
Chacon, “a pontuação pode revelar de que modo o ritmo mostra uma organização do
heterogêneo da linguagem” (1998, p. 22). Ao ressaltar a separação do fluxo enunciativo,
o autor chama-nos atenção para a importância que o leitor (implícito) tem no
engendramento da escrita, pois por meio das pausas reformula-se o dizer pela
preocupação que o escritor tem com a presença do outro em seu discurso.
O envolvimento subjetivo do locutor com a sua produção escrita pode revelar-se
através de várias maneiras, mas acreditamos que entre as várias marcas utilizadas na
construção do discurso, também a pontuação exerça um papel de destaque. Vê-se que
existem diferentes abordagens que afloram no meio acadêmico sobre a temática da
pontuação, mas ainda precisamos verificar se essas discussões teóricas já estão
disseminadas nos materiais didáticos ou se ainda persiste a herança da perspectiva
prescritivo-normativa apregoada pelas gramáticas.

3 METODOLOGIA

Delimitação do Corpus

Em decorrência do número de coleções aprovadas pelo Programa Nacional do


Livro Didático (PNLD/2011), 16 no total (resultando em 64 livros), e também para que
haja um aprofundamento na qualidade de nossas análises, resolvemos restringir nosso
material de análise para uma coleção (04 livros), assim teremos uma amostragem por
meio da qual estudaremos minuciosamente as propostas de ensino apresentadas sobre os
sinais de pontuação.
Com base na teoria bakhtiniana que considera as particularidades discursivas e o
extralinguístico, nossa investigação será de base qualitativa, consistindo na análise dos
enunciados sobre pontuação encontrados nos volumes da coleção: Português: uma
proposta para o letramento (1ª edição), de Magda Soares.
Segundo a descrição dos avaliadores (PNLD/2011) sobre essa coleção adotada
(SOARES, 2002), as propostas da coletânea envolvem variados gêneros que
contextualizam a prática de escrita em seu universo. Além disso, o trabalho como os
conhecimentos linguísticos é voltado para a análise e reflexão sobre a língua em uso,
com o objetivo de propiciar uma compreensão dos objetos linguísticos em situações de
oralidade e de escrita, das variedades da língua e de seus registros; sendo apontado
como um dos pontos fortes pela resenha apresentada aos professores a articulação entre
leitura, produção de textos e exploração dos conhecimentos linguísticos.
Ao delinearmos o corpus principal da pesquisa, acreditamos ser pertinente um
breve esboço contrastivo para distinguir o que se entende por perspectiva normativo-
prescritiva mencionada como herança do ensino tradicionalista da língua materna, para
podermos assim distinguir de outras propostas que se distanciam desse viés.

A pontuação na gramática

Para termos parâmetros de análise com relação às propostas de ensino da


pontuação nos livros didáticos, estabelecemos fazer uma comparação com o que é
proposto nas gramáticas e como essas tratam o assunto. Dessa maneira, faremos uma
análise diacrônico-sincrônica em duas gramáticas do português contemporâneo
estabelecendo nossos critérios de análise.
Para tanto, acreditamos ser relevante a explicitação do que se entende por
perspectiva sincrônica e diacrônica, no qual recorremos ao campo da linguística por
meio das ideias desenvolvidas por Ferdinand de Saussure (2006). Em um dos capítulos
do célebre Curso de linguística geral o autor discorreu a respeito da linguística estática
e evolutiva, no qual falou sobre o fator tempo e as dualidades desse elemento nas
diversas ciências.

É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa


ciência, diacrônico tudo que diz respeito às evoluções. Do mesmo
modo, sincronia e diacronia designarão respectivamente um estado de
língua e uma fase de evolução. (SAUSSURE, 2006, p. 96)

Explicitado resumidamente o que entendemos sobre a perspectiva sincrônica e


diacrônica, tomamos como critério delimitar uma mesma gramática utilizada em alguns
cursos de graduação, tendo como busca as ementas e suas respectivas referências
bibliográficas. Desse modo, encontramos duas específicas: Nova gramática do
português contemporâneo e a Novíssima gramática da língua portuguesa.
Fazendo uma comparação entre a 16ª e a 46ª edição da Novíssima Gramática da
Língua Portuguesa (CEGALLA, 1977, 2005), compreendendo um período de quase
trinta anos, observamos que não houve praticamente nenhuma mudança sobre a
abordagem dos sinais de pontuação.
A escolha desse material deu-se pela aceitação por parte de professores e
estudantes da língua, dado comprovado pelas inúmeras reedições dessa gramática. Entre
suas características positivas, segundo o autor, está entre a quantidade de exemplos e
exercícios como ferramenta de ensino e aprendizagem. Sobre os sinais de pontuação, o
autor afirma:

Tríplice é a finalidade dos sinais de pontuação:


1º ) assinalar as pausas e as inflexões da voz (a entoação) na leitura;
2º ) separar palavras, expressões e orações que devem ser destacadas;
3º ) esclarecer o sentido da frase, afastando qualquer ambiguidade.
Não há uniformidade entre os escritores, quanto ao emprego dos sinais
de pontuação. Não sendo possível traçar regras absolutas sobre a
matéria, daremos aqui apenas as que o uso geral vem sancionando, na
atual língua escrita (CEGALLA, p. 38, 1977).

Em consonância com tais afirmações, o próprio autor admite que não há


consenso entre os escritores sobre o emprego da pontuação, não podendo assim abarcar
todos os usos desse recurso textual na língua escrita. Nesse sentimos, constatamos que é
preciso haver outros materiais que auxiliem a suprir essa lacuna, o que acreditamos seja
o papel do livro didático, pois consegue alcançar um número muito mais elevado de
educandos.
Por conta do espaço restrito neste artigo, resolvemos colocar de forma breve
sobre a definição da pontuação na obra de Cegalla e destinar um espaço maior para a
outra gramática escolhida, na qual discorreremos com maiores detalhes os aspectos da
pontuação, conforme veremos na sequência.
A Nova gramática do português contemporâneo de Cunha e Cintra (1985) tem
sido, desde as primeiras edições, muito utilizada em nosso meio escolar e acadêmico,
pois em sua segunda edição em 1985, já estava em sua vigésima quarta impressão, o
que demonstra o aceite pelos leitores em geral e profissionais da área.
Segundo os autores, esta gramática foi idealizada a partir da necessidade de um
material que abordasse o português contemporâneo conforme as nuanças linguísticas
decorrentes dos diversos fatores sociais, históricos e geográficos, além disso,
configurando-se também como um material de referência, sobretudo sobre aspectos da
expressão escrita.
A parceria dos dois autores veio em decorrência de obras lançadas por um deles,
Celso Cunha, em que sucessivamente teve seus trabalhos anteriores reeditados. Esta
obra, com mais de setecentas páginas, é dividida por 22 capítulos, nos quais dedicam
um capítulo exclusivo para a pontuação, reservando cerca de 11 páginas para o assunto.
Apenas por essa distinção, apesar de reservarem um espaço específico para a pontuação,
acreditamos que ainda é bem menor que muitos conteúdos abordados ao longo da
gramática.
Especificamente sobre a temática da pontuação, os autores dividem o assunto
em sinais pausais e sinais melódicos, fazendo uma ressalva de que a distinção colocada
por ambos, embora didaticamente cômoda, não é, no entanto rígida.

A língua escrita não dispõe dos inumeráveis recursos rítmicos e


melódicos da língua falada. Para suprir esta carência, ou melhor, para
reconstituir aproximadamente o movimento vivo da elocução oral,
serve-se da PONTUAÇÃO (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 625).

A partir dessa definição, os autores explicitam a classificação dos sinais de


pontuação em dois grupos. Os Sinais Pausais (compreendidos pela vírgula, o ponto e o
ponto-e-vírgula) destinam-se a marcar as pausas no discurso. O segundo grupo,
denominado como Sinais Melódicos, seriam destinados a abarcar a entoação, o que
estaria compreendido pelos seguintes sinais: dois pontos; ponto de interrogação; ponto
de exclamação; reticências; aspas; parênteses; colchetes; travessão. No entanto, os
próprios autores afirmam em uma das primeiras observações sobre o assunto que “em
geral, os sinais de pontuação indicam, ao mesmo tempo, a pausa e a melodia”
(CUNHA; CINTRA, 1985, p.625).
Sobre os sinais que marcam sobretudo as pausas, os autores iniciam a discussão
a partir da definição sobre a vírgula, afirmando que são sinais que marcam “uma pausa
de pequena duração. Emprega-se não só para separar elementos de uma oração, mas
também orações de um só período” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 626).
Metodologicamente, eles discorrem sobre a vírgula no interior da oração e entre
orações, nesses dois casos há uma subdivisão em que percebemos inúmeros casos
relacionados diretamente com as nomenclaturas sintáticas, totalizando cerca de
dezesseis ao todo. Nesses casos, os autores colocam sempre exemplos a partir de
pequenos excertos retirados de clássicos literários de escritores portugueses, brasileiros
e africanos a partir do Romantismo, como, por exemplo: Machado de Assis, Alcântara
Machado, José Saramago, entre outros.
Ao longo da discussão sobre o assunto da vírgula, os autores fazem uso de
pequenos excertos retirados das obras desses autores, ademais, percebem-se algumas
observações sobre o uso dessa pontuação que acabam aumentando as peculiaridades da
temática, como também os critérios para sua colocação.
Nesse ponto, vê-se que explicitamente os autores deixam marcas discursivas que
comprovam que não conseguem abarcar todas as possibilidades do uso desse sinal, pois
em apenas uma das observações eles afirmam:

Quando os adjuntos adverbiais são de pequeno corpo (um


advérbio, por exemplo), costuma-se dispensar a VÍRGULA. A
VÍRGULA é, porém, de regra quando se pretende realçá-los
(CUNHA; CINTRA, 1985, p. 628).

Nesse excerto, verificamos a utilização das nomenclaturas sintáticas, fato


comum e inerente numa gramática normativo-prescritiva, porém ao discorrer sobre um
uso específico da vírgula, os locutores (d)enunciam que existe uma regra no uso das
vírgulas junto aos adjuntos adverbiais quando pretende realçá-los. Nesse ponto,
perguntamo-nos que regra seria essa, uma vez que para o realce de determinado termo
da oração isso se dá pelo estilo, pelo querer dizer do enunciador, o que se configura algo
muito subjetivo.
Em suas considerações finais sobre a definição e uso das vírgulas, os autores
acentuam três aspectos relacionados à oração e aos termos essenciais e integrantes da
oração. Nos primeiros dois aspectos, ressaltam que toda oração com um tom explicativo
pronunciam-se entre pausas e, portanto, são isoladas por vírgulas, ademais, os termos
essenciais e integrantes da oração unem-se sem pausa, não precisando assim ser
separadas por vírgulas.
No entanto, deixam explicitar em sua última observação que a divisão dada por
eles nem sempre consegue abarcar todos os casos da língua, pois afirmam que “há uns
poucos casos em que o emprego da vírgula não corresponde a uma pausa real na fala; é
o que se observa, por exemplo, em respostas rápidas do tipo: Sim, senhor. Não, senhor”
(CUNHA; CINTRA, 1985, p. 632).
Nesse ponto, ratifica-se a ideia de que nem sempre a pausa pode ser um critério
genuinamente fixo para assegurar o emprego das vírgulas, pois dependerá muito da
entoação do sujeito e seu grau de consciência sobre a transposição do discurso da língua
oral para a língua escrita.
Continuando nossa análise sobre outro sinal das pausas, discorreremos agora
sobre o ponto. Os autores definem e explicitam sobre o emprego desse sinal por meio de
quatro definições. Num primeiro momento, eles afirmam que “O PONTO assinala a
pausa máxima da voz depois de um grupo fônico de final descendente” (CUNHA;
CINTRA, 1985, p. 632).
Verificamos a explicitação sobre o ponto atrelado a nomes específicos podem
não fazer parte do vocabulário do usuário comum da língua, pois se pensarmos que o
material serve de guia para especialistas e também para muitos leigos no assunto, ao
atrelar essa definição à questão de nomes como grupo fônico de final descendente,
quem conseguirá garantir que um número grande de leitores consiga identificar o
significado dessa prescrição. Ademais, a pausa pode ser diferente de um falante para o
outro, uma vez que os sons da língua variam de um falante para outro.
Sob outro aspecto, os mesmo elencam que o ponto serve para indicar o término
de uma oração declarativa, diferenciando a função do ponto quando esses marcam
períodos simples e compostos. “Quando os períodos (simples ou compostos) se
encadeiam pelos pensamentos que expressam, sucedem-se uns aos outros na mesma
linha. Diz-se, neste caso, que estão separados por um PONTO SIMPLES” (CUNHA;
CINTRA, 1985, p.632).
Parece ser uma diferença muito sutil entre o ponto e o ponto simples, conforme
verificamos. Muito embora seja um livro para consulta e prescrição, essas sutilezas
podem deixar o leitor sem um aporte mais consistente, uma vez que se não estiver
familiarizado com as nomenclaturas, não saberá identificar essas nuanças sobre esse
sinal específico.

O PONTO tem sido utilizado pelos escritores modernos onde os


antigos poriam PONTO-E-VÍRGULA, ou mesmo VÍRGULA. Trata-
se de um eficiente recurso estilístico, quando usado adequada e
sobriamente. Com a segmentação de períodos compostos em orações
absolutas, ou com a transformação de termos destas em novas orações,
obriga-se o leitor a ampliar as pausas entre os grupos fônicos de
determinado texto, com o que lhe modifica a entoação e,
consequentemente, o próprio sentido. As orações assim criadas
adquirem um realce particular; ganham em efetividade e, não raro,
passam a insinuar ideias e sentimentos, inexprimíveis numa pontuação
normal e lógica (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 632-633).

Percebe-se que a questão do estilo é claramente aceita como critério de


colocação do ponto, mas afirmam que precisa ser usado com parcimônia. No entanto,
como podemos ver essa justificativa é dada a partir da utilização de escritores modernos
que tem uma larga experiência na leitura e escrita, que servem de modelo para os
falantes de uma língua na contemporaneidade.
Especificando ainda mais as funções do ponto, os autores afirmam que “quando
se passa de um grupo a outro de ideias, costuma-se marcar a transposição como um
maior repouso da voz, o que na escrita, se representa pelo PONTO-PARÁGRAFO”
(CUNHA; CINTRA, 1985, p. 633).Em decorrência dessa definição, verificamos que os
autores ratificam que o ponto-parágrafo é justificado quando se finaliza a escrita de um
determinado grupo ideológico. Essa justificativa para a colocação desse sinal dá
margem a considerarmos a subjetividade, pois o ideológico está atrelado a cada
interlocutor e ao seu grau de articulação entre a língua oral e a língua escrita.
Em sua última diferenciação, os autores afirmam: “Ao ponto que encerra um
enunciado escrito dá-se o nome de PONTO-FINAL” (CUNHA; CINTRA, 1985, p.
633). A única justificativa apresentada por eles para diferenciação foi dada no excerto
colocado anteriormente, o que nos parece insuficiente.
O que podemos notar é que o ponto-final para esses autores está ligado ao
encerramento do enunciado, mas eles não dão pista sobre qual perspectiva teórica estão
adotando para a noção de enunciado. Talvez pudéssemos cogitar que poderiam pensar
no sentido amplo do termo, o que encontramos nos verbetes de dicionário com o sentido
de proposição ou exposição.
A vinculação do ponto-final ao enunciado parece não ser um critério tão sólido
para distinguir, entre os falantes leigos, a concepção de ponto, ponto simples e ponto-
final, pois se não houver uma explicação mais explícita sobre os elementos que
diferenciam a definição dada, isso ficará vago para os usuários da língua em geral.
Para finalizar a explanação sobre os sinais que marcam a pausa, geralmente as
pessoas pensam que o ponto é um dos mais simples com relação a sua definição e
emprego, porém verificamos que na perspectiva colocada pelos autores isso vai muito
além da simples compreensão de ponto-final apreendida no uso cotidiano, pois
observamos a diferenciação entre ponto, ponto simples, ponto-parágrafo e ponto-final,
segundo ideia proposta pelos autores nessa gramática.
Com relação ao último sinal que marca a pausa, os autores discorrem sobre o
ponto-e-vírgula, dando duas explicações gerais, acentuando o caráter subjetivo.

1. Como o próprio nome indica, este sinal serve de intermediário entre


o PONTO e a VÍRGULA, podendo aproximar-se ora mais daquele,
ora mais desta, segundo os valores pausais e melódicos que representa
no texto. No primeiro caso, equivale a uma espécie de PONTO
reduzido; no segundo, assemelha-se a uma VÍRGULA alongada.
2. Esta imprecisão do PONTO-E-VÍRGULA faz que o seu emprego
dependa substancialmente do contexto (CUNHA; CINTRA, 1985, p.
634).

Como podemos perceber, ao delinear o ponto-e-vírgula como um sinal


intermediário que pode aproximar-se conforme os valores pausais e melódicos no texto,
acreditamos que essa valoração é de ordem subjetiva, pois dependerá da constituição
dos enunciadores no momento de engendramento do enunciado, além disso, ratificando
esse caráter subjetivo os autores também admitem que a imprecisão no emprego desse
sinal dependerá muito do contexto, confirmando assim a dificuldade que muitos têm
para a colocação do ponto-e-vírgula.
A partir das explicitações para o uso e definição do ponto-e-vírgula, os autores
subdividem em três princípios. No primeiro caso, justifica-se pela separação de orações
da mesma natureza que tenham certa expansão, ademais, para segmentar parte de um
período, dos quais um pelo menos esteja subdividido por vírgula. No último caso, para
separar os diversos componentes de enunciados enumerativos.
Desse modo, vê-se que a transposição das pausas para escrita é necessariamente
feita por esses sinais que, em geral, são escolhidos conforme o grau de domínio do
falante da língua, o que implica muitas vezes dúvidas sobre qual ponto mais adequado
para ser colocado no momento da escrita.
Após um período de mais de vinte anos, a partir da quarta edição da Nova
gramática do português contemporâneo (CUNHA; CINTRA, 2007), percebe-se que
não houve praticamente nenhuma mudança na estruturação metodológica sobre o
assunto da pontuação, uma vez que até o número do capítulo permanece igual. Mesmo
com mudança de editora e do passar dos anos, percebe-se apenas uma leve mudança no
tipo de letra e na posição dos títulos, ademais, fazendo um estudo comparativo, nem os
exemplos foram mudados, permanecendo frases retiradas de autores literários
brasileiros e também autores estrangeiros da língua portuguesa.

Análise do corpus

A presente análise aborda a questão dos sinais de pontuação em uma unidade (6º
ano, antiga 5ª série) do livro didático Português: uma proposta para o letramento de
Magda Soares. Segundo os pontos fortes elencados sobre a coletânea (PNLD/2011), os
livros têm o letramento como fundamento e como finalidade do ensino, isto é, visam ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento de práticas de interação, orais e escritas. Além
disso, concebe a língua como processo de interação entre sujeitos em que se constroem
sentidos e significados, segundo o contexto social em que ocorre a interlocução.
Sobre as áreas estabelecidas para fins exclusivamente metodológicos dessa
coleção, os livros são divididos em quatro unidades bimestrais segmentados por seis
seções comuns para cada unidade: Leitura; Produção de Texto; Língua oral; Língua oral
– Língua escrita; Vocabulário e Reflexão sobre a língua. A respeito da pontuação no
conjunto da coleção (6º ao 9º ano), encontramos apenas referência ao assunto da
pontuação nos livros indicados para o 6º e 7º ano, no qual nos restringimos nesta análise
piloto as atividades encontradas no livro do 6º ano.
Nesse primeiro volume, nota-se pela observação do sumário que o conteúdo da
pontuação foi distribuído na unidade 2 e 3, dentro da seção Língua Oral – Língua
Escrita, onde abordam respectivamente sobre os sinais de pontuação no final de frase e
na outra unidade, tratam mais especificamente do sinal de reticências. Neste ponto, cabe
ressaltar que nos delimitamos a discorrer apenas sobre as atividades da unidade 2
devido ao espaço da análise piloto neste projeto.
A primeira apresentação do conteúdo sobre a pontuação dá-se por meio de
exercícios (unidade 2, p.78-79) em que os alunos são estimulados a responder apenas
oralmente. Para explicitar melhor, segue abaixo a reprodução digitalizada dos sete
exercícios, tomando como referência o livro do professor:
Figura 1 – Atividades sobre pontuação (volume 6º ano).

Trata-se de atividades relacionadas com a leitura prévia feita a partir da seção


Leitura Oral, na qual os educandos tinham que ouvir a leitura do professor sobre a
crônica Menino, de Fernando Sabino. Esse texto é composto de uma enumeração de
frases que as mães falam com frequência aos filhos, são frases em registro coloquial em
que a entoação é importante para as atividades engendradas sobre a pontuação.
Segundo a autora, o objetivo desses exercícios é levar o educando a identificar o
papel dos sinais de pontuação no fim de frases: ponto final, interrogação e exclamação,
muito embora se perceba que não há indicação no título ou referência direta sobre esse
escopo para o aluno.
Na execução dessas atividades é que percebemos quais são as pontuações
privilegiadas, o que dá margem a pensarmos sobre questões relacionadas ao estilo, pois
o conteúdo, embora tenha que aparecer em todas as coleções didáticas, precisa se
adequar aos editais de concorrência do governo, ao mesmo tempo, precisa também
diferenciar-se das demais coleções para serem escolhidas pelos docentes das escolas
públicas por meio do PNLD.
Tomando como referência o conjunto dos exercícios elencados, percebe-se a
presença de verbos no imperativo no início das atividades, tais como: recorde, veja,
imagine, fale, compare. Além disso, essas prescrições apontam para uma possível
lacuna na estrutura da sequência, pois se o título da seção é Língua Oral – Língua
Escrita observa-se que as comandas pedem aos alunos apenas respostas de cunho
pessoal no âmbito da oralidade, deixando de estimular a prática escrita sobre esses
recursos.
Estabelecendo o critério de comparação entre a perspectiva normativo-
prescritiva adotada nas gramáticas, percebe-se que a Novíssima Gramática da Língua
Portuguesa (CEGALLA, 1977) inicia sua abordagem sobre o assunto definindo ser
tríplice a finalidade dos sinais de pontuação: (1) assinalar as pausas e as inflexões da
voz (a entoação) na leitura; (2) separar palavras, expressões e orações que devem ser
destacadas; (3) esclarecer o sentido da frase, afastando qualquer ambiguidade. Na
sequência, apresentam-se diversos exemplos do emprego dos sinais de pontuação,
terminando o capítulo com alguns exercícios. Nesse ponto, o autor colocou apenas
atividades focando o emprego da vírgula deixando de lado outras pontuações, além
disso, notam-se também na estrutura inicial de cada atividade verbos no imperativo, tais
como: assinale, ponha, empregue.
Em uma gramática mais atualizada, Nova Gramática do Português
Contemporâneo (CUNHA; CINTRA, 1985, 2007), observamos que há um
detalhamento teórico mais aprofundado sobre os sinais de pontuação, onde os autores
classificam os sinais de pontuação em dois grupos: sinais pausais e sinais melódicos.
Numa definição geral, esses autores afirmam que para suprir a falta de recursos rítmicos
e melódicos na língua escrita, faz-se uso da pontuação na tentativa de reconstituir
aproximadamente o movimento vivo da elocução oral. Apesar de haver um
aprofundamento sobre o conteúdo, com diversos exemplos e um número considerável
de páginas, não encontramos nenhum exercício que faça referência ao assunto nesse
material.
A partir de uma visão contrastiva, percebe-se que mesmo tendo um
distanciamento de quase três décadas, tanto a gramática (CEGALLA, 1977) quanto o
livro didático (SOARES, 2002) são materiais que apresentam em sua organização
atividades que se estruturam a partir de verbos no imperativo, não havendo diferença na
proposta de exercícios, pelo menos nesse quesito. No entanto, a gramática foca a
utilização escrita dos sinais de pontuação e o livro didático estimula a reflexão sobre a
pontuação apenas a partir da oralidade.
Contrastando as atividades do livro didático com a gramática mais
contemporânea (CUNHA; CINTRA, 2007), vê-se que a gramática traz apenas teoria,
sem nenhum tipo de exercício, já o livro didático tem apenas atividades de reflexão
sobre o uso da pontuação no âmbito da oralidade, deixando de lado qualquer tipo de
explicitação teórica sobre a temática.
Tendo consciência que a proposta do material didático é o letramento do aluno,
os exercícios não diferem muito de gramáticas mais antigas, pois além de apresentar um
número reduzido de exercícios, sua estrutura também acaba tendo como ponto de
partida os verbos no imperativo, fazendo o enfoque apenas na oralidade, deixando de
trabalhar com os educandos a função dos sinais de pontuação na escrita.
Como sabemos, os alunos geralmente não têm problemas com relação aos
efeitos de sentido a partir das entoações na fala, mas a transposição para a escrita gera
sempre equívocos. A unidade parece começar bem sua proposta para o ensino dos sinais
de pontuação, iniciando o trabalho a partir da oralidade, porém deixa de explorar
atividades escritas, uma das finalidades principais do contexto escolar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em uma primeira consideração, para que pudéssemos fazer uma análise


contrastiva, nos restringimos ao estudo de duas gramáticas por meio de um estudo
sincrônico e diacrônico. Dessa maneira, observamos que entre as gramáticas e a
proposta de atividades sobre a pontuação no livro didático, mesmo distanciadas por
algumas décadas, ainda sim há uma aproximação com poucas diferenças entre esses
dois tipos de materiais.
Sob outro aspecto, também verificamos que ao tentar diferenciar-se das
propostas de ensino da pontuação pelo viés prescritivo-normativo, o livro didático
analisado deixou de trabalhar aspectos importantes como atividades escritas sobre a
temática, o que a nosso ver precisaria ser repensado, uma vez que é na transposição para
a escrita que aparecem as dificuldades no emprego dos sinais de pontuação.
Muito embora a coleção tenha um projeto positivo de trabalhar a reflexão sobre
a língua, mais especificamente sobre os efeitos de sentido da pontuação, acreditamos
seja necessário um trabalho conjunto tanto na oralidade quanto na escrita, para poder
dosar ambas as habilidades. Nesse sentido, queremos ressaltar que nossas análises são
de cunho teórico, precisando assim ser aplicada em sala de aula para uma afirmação
mais categórica sobre a questão levantada.
Ademais, o número de exercícios também é passível de questionamentos, pois
em quantidades maiores talvez pudessem ser mais producentes na efetiva aprendizagem
dos educandos. Também nos perguntamos sobre os critérios para a escolha do tipo de
sinal e a ordem de serem abordados em cada volume e também nas diferentes coleções
didáticas existentes.
Enfim, esperamos que nossas discussões possam corroborar para o
aprimoramento das propostas de ensino da pontuação nos livros didáticos, bem como a
visão crítica por parte dos docentes de língua materna do ensino básico. Para tanto,
temos consciência que nossas discussões são apenas uma fagulha para despertar uma
discussão mais aprofundada entre o mundo acadêmico e escola de ensino regular.

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