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Documentos de apoio ao ensino prático da

Neurologia

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PREFÁCIO

Há 53 anos – em 1965 - quando a regência da Cadeira de Neurologia e a


respectiva Direcção da então Clínica Neurológica dos Hospitais da Universidade
de Coimbra é entregue ao Prof. Doutor António Nunes Vicente (apesar de
estarmos na segunda metade do séc. XX), o ensino pré-graduado de Neurologia
e a própria assistência médica eram praticamente inexistentes.
Dizia então o Professor que encontrou no Serviço um martelo de reflexos, um
oftalmoscópio quase pré-histórico, agulhas de punção lombar; e para um
conjunto de leitos ocupados por doentes institucionalizados, havia um Assistente
em formação e enfermeiros desmotivados. Foi um trabalho hercúleo, com um
projecto desenhado muito à semelhança da escola anglo-saxónica,.com a
formação de uma equipa multidisciplinar que, em 5 anos, consegue dar corpo a
um Serviço e dotá-lo das suas múltiplas valências, para além do ensino da
Neurologia.
Neste contexto, surgiu a necessidade de arranjar um conjunto de textos de apoio
em conteúdos e técnicas semiológicas. Em 1972 foi apresentada a primeira
versão deste material – “A Sebenta do Professor Nunes Vicente” – que ajudou a
formar várias gerações de alunos e neurologistas.
A semiologia neurológica é praticamente a mesma de há um século atrás, bem
como o seu objectivo primordial – localizar a patologia no sistema nervoso - mas
a evolução fulgurante do conhecimento e principalmente da tecnologia aplicada
ao diagnóstico, exigem um ensino de pendor mais prático e estimulante.
Ao longo das últimas décadas o documento original sofreu naturalmente
alterações de conteúdo e de forma, mas mantendo a marca inicial do seu
“criador”. Mais uma vez se vai tentar modernizá-lo. Mantendo a matriz do
raciocínio e do pensamento neurológico, pretendemos torná-lo mais prático
(reduzindo a explicação por vezes demasiado densa da parte neurofisiológica),
de acesso intuitivo e com vídeos de apoio dirigidos a este nível de formação.

Coimbra, 10 de setembro de 2018

Pedro Nunes Vicente


Isabel Santana

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Exame do Sistema Motor
Introdução ao sistema motor

O exame da motilidade é a parte mais importante do exame neurológico.


Existem pelo menos 4 razões para que assim seja: é relativamente simples de
executar; é objectivo – porque maioritariamente os sinais evocados são
observáveis; é sensível a uma grande variedade de distúrbios neurológicos; é
frequentemente localizador. A fraqueza muscular (paralisia ou parésia) é o
sinal motor mais frequente e de maior valor. Outros achados do exame motor –
alterações dos reflexos miotáticos, do tónus e atrofia muscular – que tantas
vezes são de difícil interpretação quando de aparecimento isolado, são úteis
quando associados a uma paralisia, porque permitem a sua caracterização de
um modo mais preciso, nomeadamente quanto à origem nesta ou naquela
estrutura (localização) e ao tempo de ocorrência de um insulto (lesão aguda ou
crónica)

Como já foi dito o objectivo inicial do exame neurológico é a localização da


lesão. Existem 4 localizações básicas, cada uma delas com as
correspondentes características clínicas:

• Via piramidal, também chamada 1º neurónio motor. Este 1º neurónio tem


origem nas células motoras do córtex cerebral (maioritariamente as células
piramidais, na circunvolução frontal ascendente), prolonga-se para baixo, cruza-
se para o lado oposto na parte inferior do tronco cerebral (medula oblongata) e
percorre a medula espinhal até terminar no corno anterior (onde estabelece
conexão com o 2º neurónio). Os sinais associados às lesões da via piramidal
são chamados muitas vezes sinais TL (de tractus longitudinalis).

• 2º neurónio. O 2º neurónio abandona a medula como nervo motor periférico e


vai terminar na placa motora de um músculo. Os sinais correspondentes ao seu
disfuncionamento são chamados por isso sinais TS (de tractus segmentalis).

• Junção neuromuscular. A placa motora é a estrutura sináptica entre o nervo


e o músculo; as sinapses através de neurotransmissores (dos quais se destaca
a acetilcolina) geram um potencial eléctrico que está na base do movimento.

• Músculo. O músculo é o efector do acto motor.

O sistema nervoso do homem pode assim sistematizar-se segundo dois planos:


- Um plano vertical que se inicia nos hemisférios cerebrais (as via piramidais),
que cruzam na medula oblongata (decussação), e descem pela medula em toda
a sua extensão; as alterações no exame que reflictam uma alteração neste
sistema chamam-se sinais TL
- Um plano transversal com origem na ponta anterior da medula (raízes
anteriores metamericamente dispostas) que vão dar origem aos nervos motores
periféricos até aos músculos; as alterações no exame que reflictam uma
alteração neste sistema chamam-se sinais TS. (fig. 1)

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Figura 1.

Força muscular

Como já foi dito a diminuição da força muscular é o sinal motor mais importante
e está quase sempre associada com doenças dos neurónios central (1º),
periférico (2º) ou dos músculos/junção neuromuscular.
De um modo geral, os doentes estão conscientes dessa debilidade, mas a
maneira de se referirem a ela e de se queixarem é muito diversa. Podem
descrevê-la como dificuldade em manipular objectos, impossibilidade de
levantar os membros superiores acima da cabeça, dificuldade em levantar-se
da cadeira ou da cama, cansaço fácil ou arrastamento dos membros inferiores
durante a marcha. Alguns doentes descrevem a debilidade em termos bem
menos precisos. Na maior parte dos casos as suas queixas sugerem
erradamente alterações de sensibilidade – “dormência”, “encortiçamento”,
“peso”.
O grau de fraqueza depende da intensidade e extensão da lesão: quando é
parcial diz-se que há “parésia”, e gradua-se de acordo com um código de

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adequado. A tabela que tem maior aceitação internacional foi proposta pelo
Medical Research Council em 1943 (fig. 2).

Figura 2.

Quando a parésia é completa, ou de grau 0, por convenção designa-se por


“paralisia” ou “plegia”. Por si só, a diminuição da força muscular não constitui um
sinal de valor para distinguir uma lesão do neurónio motor central de uma lesão
do neurónio motor periférico. A diminuição da força muscular é um sinal comum
a lesões de ambos os tipos e só a sua distribuição pelos vários segmentos do
corpo – face, membro superior, membro inferior - sugere uma ou outra
localização.

Sinais TL da diminuição da força muscular:

É a distribuição dos defeitos motores que permite presumir a sua origem TL,
consoante os segmentos atingidos (a face, o membro superior e o membro
inferior) (1) e ainda determinados grupos musculares (2).
(1) A extensão dos deficites motores, por ordem de probabilidade decrescente,
podem indicar uma lesão da via piramidal, parésias que atinjam:
• a face, o membro superior e o membro inferior do mesmo lado
• a face e o membro superior do mesmo lado
• membro superior e inferior do mesmo lado
• os quatro membros (a face conservada)
• um só membro

Só o primeiro padrão se pode considerar um sinal motor TL seguro. A paralisia


de um só membro, que representa a possibilidade mais fraca de uma lesão da
via piramidal tem, apesar disso, uma origem cerebral na maior parte dos casos.
As combinações de defeitos motores acima descritas são normalmente
designadas por expressões convencionais, apondo os sufixos “parésia” ou
“plegia” ao radical que designa o(s) segmento(s) atingido(s). Desse modo, um
défice de força de todo um lado do corpo (hemicorpo) é designada como
“hemiparésia” ou “hemiplegia”. Se os quatro membros estão paréticos ou
paralisados empregam-se os termos de “tetraparésia” ou “tetraplegia”,
respectivamente. Se a fraqueza se limita aos dois membros inferiores utilizam-
se os termos “paraparésia” ou “paraplegia”. Um só membro afectado é uma
“monoparésia” ou “monoplegia”.

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(2) A distribuição dos deficites pelos grupos musculares de cada um daqueles
segmentos (ie. flexores, extensores, pronadores, supinadores) pode ser
diferente e também com valor localizador. Este atingimento diferenciado dos
vários grupos musculares por uma lesão TL é mais pronunciado nos grupos
musculares que fazem a extensão do antebraço, mão e dedos e, no membro
inferior, nos grupos musculares flexores. Os grupos musculares mais
preservados (ie. os flexores no membro superior e os extensores no membro
inferior) são designados por “anti-gravitários” e, na verdade, este atingimento
diferenciado dos segmentos musculares em lesões TL parece ser
filogeneticamente determinado: permite uma posição com maior potencial de
uso funcional do membro superior e, sobretudo, assegura uma postura erecta,
uma conquista evolutiva dos primatas.

Assim, temos como sinais motores TL:


• Na face: uma fraqueza perioral de um lado contrastando com a força muscular
parcial ou totalmente conservada dos músculos em torno dos olhos (este
aspecto será mais desenvolvido mais à frente).
• No membro superior: um défice de força da extensão da mão e do antebraço,
em muito maior grau que a dos movimentos de flexão daqueles segmentos.
• No membro inferior: uma fraqueza da flexão da coxa e da dorsiflexão do pé,
em muito maior grau do que a dos movimentos àqueles opostos.

Como auxiliar mnésico deste tipo de distribuição repare-se na postura de um


doente com uma hemiparésia sequelar consecutiva a uma lesão cerebral (por
exemplo um acidente vascular cerebral). De pé ou durante a marcha, o doente
apresenta o antebraço e mão semi-flectidos e em semi-pronação (a pronação
corresponde à rotação “para dentro” de um membro segundo o seu eixo); o pé
apresenta-se em adução e flexão plantar; assim, todo o membro inferior parece
rígido e em hiperextensão e durante a marcha o doente tem de realizar uma
circundução de todo o membro inferior para poder avançar um passo, designada
por “marcha em foice” (videoclipe 1).

Sinais TS da diminuição da força muscular

De um modo geral podemos dizer que toda a distribuição espacial da fraqueza


muscular que não corresponda às características TL atrás expostas constitui um
possível sinal TS a confirmar com o auxílio de outros dados do exame
neurológico. Assim, temos como distribuição TS na face toda a debilidade que
se distribui igualmente aos músculos periorais e perioculares e, nos membros,
uma fraqueza que se distribui de modo equivalente pelos vários grupos
musculares.
Em alguns doentes, é certo, a distribuição TS da fraqueza muscular nos
membros pode assumir três tipos muito característicos:
• Uma fraqueza muscular que incide particularmente nos músculos proximais,
em redor das cinturas pélvica e escapular, é muito sugestivo de uma miopatia
• Uma fraqueza muscular que afecta em especial os músculos distais das mãos
e dos pés, é frequentemente evocador de uma lesão conjunta dos nervos mais
distais (polineuropatia)

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• Um défice de força com um padrão segmentar mais restrito indica uma lesão
de uma raíz ou de um nervo periférico; por exemplo uma falta de força selectiva
na flexão do hallux e do pé pode corresponder a uma lesão da raíz de L5 ou do
nervo peroneal profundo, mas só a primeira compromete igualmente o
movimento de inversão do pé - um bom sinal localizador.

Valor dos sinais motores (diminuição da força muscular) TL e TS

A presença de sinais motores TL e TS relativos à força muscular é fundamental


para a presunção da localização de uma lesão ao longo de todo o neuroeixo, o
qual inclui quer o sistema nervoso central quer o sistema nervoso periférico.
Vamos dar alguns exemplos:
• Sinais motores TL envolvendo simultaneamente a hemiface, o membro
superior e o membro inferior do mesmo lado, obrigam a que a lesão esteja
algures acima da protuberância superior. Uma debilidade motora com
características TL nos membros superior e inferior, mas poupando a face,
aponta para uma localização na parte mais baixa do tronco cerebral ou na
medula cervical. Seguindo o mesmo raciocínio, uma parésia isolada de um
membro inferior com características TL aponta para uma lesão medular mais
baixa (que não envolva o segmento cervical) mas também pode dever-se a um
insulto muito localizado no cortex motor (área da perna).
• Os sinais motores TS limitados a um membro permitem imaginar a lesão num
ponto qualquer entre a as raízes anteriores (motoras) até à porção mais distal
dos nervos. A sua localização exacta obriga à exploração cuidadosa de todos
os músculos e movimentos, distais e proximais, do membro afectado.
• A combinação de sinais motores TL e TS é uma terceira possibilidade, menos
frequente. A ser uma lesão única situa-se no ponto de intercepção das duas
vias, ou seja, do “Tractus Longitudinalis” e do “Tractus Segmentalis” a nível
medular.

Avaliação clínica da força muscular:

O exame neurológico inicia-se habitualmente pela exploração da força muscular


que deve ser feita de acordo com algumas normas gerais:

• É essencial explicar previamente ao doente o que se pretende e elucidá-lo ao


longo do exame dos procedimentos, ou seja, sobre o que deve fazer e o que
não deve fazer.
• Sempre que possível a força muscular deve ser testada em posição de
decúbito.
Procurar ficar do lado que se presume são – uma hemiparésia pode
acompanhar-se de outros transtornos que dificultam a comunicação a partir
desse lado (por exemplo no caso de neglect).
• Colocar sempre os segmentos dos membros na posição correcta antes de
iniciar a exploração. Mais tarde, e a propósito de cada movimento, será
explicitado qual é a posição correcta e porquê.
• Cada grupo muscular ou músculo, deve ser sempre comparado de imediato
com o do lado oposto o que implica alguma capacidade de ambidextria por parte
do médico.

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• Nunca deixar de notar da existência de um estado doloroso ou defeito
mecânico (anquilose) que impeça o movimento.
• Não fazer, nem deixar que o doente faça, movimentos bruscos ou oscilantes.

Exploração dos movimentos faciais

A face é o primeiro dos 3 segmentos considerados anteriormente e os seus


movimentos são sobretudo de ordem expressiva - a mímica facial. Estes
movimentos dependem de um primeiro neurónio central, onde se originam as
ordens voluntárias ou involuntárias para um certo gesto ou expressão que as
transmite a um 2º neurónio localizado na ponte, o VII par craneano ou facial, que
dá execução efectiva àquelas ordens. O território facial superior (musculatura
em redor dos olhos, ie. músculos orbicularis oculi e frontalis) beneficia de uma
inervação cortical bilateral. o que significa que, perante uma causa central de
paralisia facial, a enervação cortical contralateral pode disfarçar de modo
significativo a paralisia em redor dos olhos, só sendo apreciável a parésia no
território facial inferior. Apenas uma lesão do nervo facial, uma lesão periférica
ou TS, originará uma paralisia completa do orbicular do olho e do frontal (ver fig
3).

Figura 3.

Na exploração do território facial inferior, o doente deve ser convidado a mostrar


os dentes, conservando-os cerrados e fazendo apenas o movimento de
repuxamento dos lábios - quase sempre é preferível o próprio médico
exemplificar o que pretende. Algumas pessoas têm assimetrias da sua
dentadura, o que condiciona desvios dos tecidos moles e dificuldades de
interpretação. Nesse caso deve-se valorizar o grau de mobilidade dos lábios e
não o estado de maior ou menor assimetria final. O exame da motilidade facial
deve prosseguir com a exploração do território facial superior pedindo ao doente
que cerre olhos com força e posteriormente que eleve as sobrancelhas. Esta
exploração permite concluir sobre o diagnóstico de uma parésia facial central ou

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periférica. No caso de ausência de paralisia facial os lábios elevam-se de modo
simétrico e descobrem, à direita e à esquerda, o mesmo número de dentes. De
igual modo o encerramento dos olhos e a elevação das sobrancelhas são
simétricos (videoclipe 2). No videoclipe 3, o doente apresenta uma parésia
facial esquerda central, evidente pelo apagamento do sulco nasolabial
esquerdo, e incapacidade em deixar a descoberto os dentes desse lado. O
doente consegue no entanto uma oclusão do olho do lado parético (que muits
vezes pode ser imperfeita, deixando ver as pestanas – o chamado “sinal da
pestana”) e eleva simetricamente as sobrancelhas. Caso se trate de uma
parésia facial periférica (do nervo facial), como exemplificado no videoclipe 4,
a sobrancelha do lado da parésia encontra-se numa posição inferior e/ou não é
elevada com a mesma amplitude que a sobrancelha contralateral.
Adicionalmente não existirá qualquer oclusão (a pálpebra permanece aberta) e
o esforço de cerrar os olhos poderá originar uma sincinésia muito característica
com um desvio superior do olho – o chamado “sinal de Bell”. A incapacidade em
deixar a descoberto os dentes desse lado é marcada.

Ocasionalmente, o doente pode não aparentar qualquer assimetria neste exame


“voluntário” da motilidade facial. Porém, ainda assim, pode ter uma parésia facial
do território inferior que só se torna evidente nos movimentos espontâneos e
automáticos (ao sorrir, falar…). Este fenómeno, designado como “dissociação
automático-voluntária”, não é raro e tem explicação em lesões centrais com uma
localização menos comum, incluíndo centros primitivos na região temporal,
representados nos primatas e funcionais desde as primeiras semanas de vida.
Como se compreende, o fenómeno de dissociação automático-voluntária tem
algum valor localizador.

Em conclusão, a debilidade dos músculos em redor da boca é comum às


lesões TL e TS. É o exame do território facial superior que permite definir
se a paralisia facial é devida a uma lesão TL ou TS.

Exploração dos movimentos dos membros

O exame neurológico sumário dos membros inclui os movimentos básicos e


de pesquisa obrigatória. Este exame sumário é sobretudo dirigido para a
sinalização de lesões TL. No caso de lesões TS é habitualmente necessário
proceder a um exame mais sistemático da força muscular, o qual será
disponibilizado como anexo.
A exploração da força dos membros é um exercício de comparação entre os
vários grupos musculares do doente – presumindo que alguns estão saudáveis
e podem comportar-se como padrão de comparação – e entre estes e o próprio
médico. Basicamente o médico tem de desafiar cada movimento do doente com
um movimento oposto exercido por si e extrair daí conclusões acerca da
normalidade ou não do grupo muscular pesquisado. Mas, antes de iniciar o
exame dos membros, interessa ter em atenção alguns aspectos de importância:

• Existem músculos fortes e músculos fracos. São exemplo de músculos


fortes todos os estão dedicados à manutenção da postura erecta – aqueles que
já anteriormente foram chamados “antigravitários”, ie. os flexores do membro
superior e os extensores do membro inferior.

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• Independentemente de um músculo ser forte ou fraco a sua posição de maior
ou menor estiramento determina a quantidade de esforço que é capaz de
exercer. Um músculo em estado de estiramento máximo encontra-se
prejudicado e, pelo contrário, um músculo com as suas fibras em encurtamento
máximo está nas condições mais favoráveis. Em termos práticos tal significa que
um músculo fraco tem de ser avaliado em condições de algum favorecimento
relativamente a um músculo forte e que os membros do paciente devem ser
testados na posição correcta.
• O modo como o médico contraria o doente, nomeadamente o
comprimento da alavanca determina a vantagem que médico escolhe para si;
esta vantagem é máxima se avaliação de um movimento for feita num ponto tão
afastado quanto possível da articulação que está a ser mobilizada (um longo
braço de alavanca).
• A valorização crítica dos resultados obriga à ponderação das características
do doente em avaliação a qual deverá inevitavelmente atender ao género, idade
e estado de saúde geral do doente.

Exploração dos movimentos do membro superior

1. Extensão do antebraço

A extensão do antebraço é da responsabilidade do tricípete, um músculo de


potência intermédia e que, por isso, deve ser colocado numa posição também
intermédia entre o estiramento e o encurtamento máximos, ou seja, fazendo um
ângulo de cerca de 90° com o braço. O médico deve estar ao lado do doente,
sobretudo não deve estar em posição de poder usar os músculos do tronco ou
o peso do seu próprio corpo, e deve segurar-lhe o ombro com a outra mão.
Pede-se então ao doente que tente fazer a extensão do antebraço (“esticar o
braço”) e faz-se oposição segurando firmemente o seu punho. Em condições
normais, ou seja, usando uma técnica correcta e na ausência de debilidade, o
médico terá de exercer (quase) toda a sua força para evitar a extensão do
antebraço.

2. Extensão da mão

Os músculos extensores da mão são débeis e devem, por isso, ser colocados
na posição que lhes é mais favorável. A posição mais favorável é com a mão
em dorsiflexão forçada e, portanto, com os músculos em posição de
encurtamento máximo. A partir dessa posição o médico convida o doente a
sustentar a postura ao mesmo tempo que tenta, ele próprio, desfazer-lhe a
dorsiflexão da mão. É sobre o dorso da mão, e não sobre os dedos do doente,
que o médico deve exercer força, sendo o doente incentivado a manter a mão
“para trás”. Neste caso, o doente não faz um movimento contra resistência. Esse
tipo de técnica, em que o doente não faz um movimento mas sim a sustentação
da postura adquirida previamente com esse movimento, é usada na avaliação
de todos os músculos fracos.

Se a extensão do antebraço e a dorsiflexão da mão forem consideradas normais


é muito provável que não exista qualquer deficite motor do membro superior de
origem TL. Os grupos musculares testados são os mais “fracos” (porque não

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têm função antigravitária), e seriam os mais imediatamente atingidos no caso de
existir uma lesão TL; no caso de uma lesão TS seriam, obviamente, tão
afectados como os outros.

3. Flexão do antebraço

A posição de teste é completamente idêntica à que foi usada para a extensão


do antebraço. São opostos, naturalmente, os sentidos em que o doente e o
médico vão exercer o esforço muscular. De referir que algum grau de pronação
do antebraço altera a distribuição da actuação dos vários músculos implicados
no movimento, sendo que cada um deles depende da enervação predominante
de nervos e raízes diferentes. Do ponto de vista semiológico esse é um exemplo
de como uma pequena variação na técnica de pesquisa pode levar a conclusões
diferentes, salientado a importância do rigor da execução.

4. Flexão da mão

Apesar de os flexores da mão serem músculos antigravitários, ie. são


considerados músculos “fortes” na divisão funcional dos grupos musculares, a
verdade é que são pequenos músculos e são, na prática músculos fracos, pelo
que se lhe deve dar vantagem na posição de pesquisa. Assim, a mão aberta do
doente deve ser colocada em posição de flexão máxima e nessa posição o
médico tentará desfazer a posição assumida pelo doente com uma das mãos,
enquanto com a outra lhe imobiliza o antebraço.

Os videoclipes 5 e 6 demonstram respectivamente a técnica de avaliação da


flexão e extensão do antebraço, e da flexão e extensão da mão.

Em resumo, a existência de qualquer deficite nestes últimos movimentos


(ie. flexão do antebraço e mão), acompanhando um deficite na pesquisa
dos movimentos opostos, sugere fortemente que o doente tem uma lesão
TS. Pelo contrário, a sua preservação ou um grau de debilidade muito
menor, é a favor de uma lesão TL. São excluídas deste raciocínio as
parésias graves ou paralisia em consequência de lesões TL agudas (por
exemplo um acidente vascular cerebral ou medular), nas quais tanto os
grupos flexores como os extensores do membro superior estão afectados
numa fase inicial.

Exploração dos movimentos do membro inferior

Os princípios e linhas de raciocínio enunciadas para a pesquisa da força


muscular nos membros superiores aplicam-se integralmente aos membros
inferiores. Assim, vão seleccionar-se para avaliação inicial os grupos
musculares “fracos” – aqueles que não têm função antigravitária, que não
servem para manter o ortostatismo, ou seja, os flexores da coxa e os
dorsiflexores do pé.

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1. Flexão da coxa

Os flexores da coxa são musculos relativamente fortes e por isso deve ser-lhes
proporcionado um pequeno grau de flexão inicial - 30° a partir do plano do leito.
O médico colocará uma das suas mãos por baixo do tendão de Aquiles, o que
evitará a flexão pelo joelho e ajudará à manutenção do ângulo desejável, e a
outra mão sobre a coxa, logo acima do joelho, com a função de contrariar o
movimento do doente. Assim dispostos, pede-se ao doente para flectir a coxa
exercendo a força de um modo contínuo ao mesmo tempo que o médico
contraria o movimento. Nos casos em que o doente tem uma compleição física
superior à do médico, este pode usar o peso do corpo para impedir o movimento
do doente.

2. Dorsiflexão do pé

Tal como já acontecia com os dorsiflexores da mão, os músculos dorsiflexores


do pé são duplamente fracos. É por isso necessário permitir-lhes que iniciem o
seu esforço no máximo de encurtamento, solicitando ao doente que “dobre o pé
para cima”. Uma vez conseguida a posição óptima, o médico contraria a posição
do pé no sentido da flexão plantar, incentivando o doente a resistir.

A normalidade destes dois movimentos quase que assegura a inexistência de


deficite motor no membro inferior de origem TL.

3. Extensão da coxa

Os músculos responsáveis pela extensão coxa, os nadegueiros, têm por função


a manutenção da coxa em extensão e alinhada com o tronco, ie., conservar o
ortostatismo. Para contrariar músculos tão potentes, é necessário testá-los em
situação de algum estiramento, neste caso elevados em flexão cerca de 30º. Se
se reparar, essa é justamente a posição já usada par avaliar a flexão da coxa,
apenas estarão invertidos os movimentos a fazer pelo médico e pelo doente. A
tentativa de extensão da coxa, para o que se deve pedir ao doente que leve o
calcanhar ao plano do leito, levará a uma fortíssima pressão sobre a mão que
sustenta o membro no tornozelo. Como se pretende testar exclusivamente a
força dos músculos nadegueiros (sem ajuda dos músculos do tronco) o médico
não deve permitir que as nádegas e a região lombar do doente se elevem
arqueadas do plano do leito.

4. Flexão plantar do pé

Como os anteriores estes músculos são responsáveis pelo ortostatismo e, por


isso, muitíssimo fortes. Devem ser testados a partir da posição que lhes for
menos favorável, ie., com o pé em dorsiflexão forçada, solicitando ao doente
que “estenda” o pé, “como se estivesse a carregar no acelerador”. Tal como
sucedia com os músculos extensores da coxa, é aceitável que o médico
contrarie a força do movimento do doente com o peso do seu próprio corpo.

Os videoclipes 7 e 8 demonstram respectivamente a técnica de avaliação da


flexão e extensão da coxa, e da dorsiflexão e flexão plantar do pé.

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Os raciocínios a fazer e as conclusões a retirar do que for observado são
similares ao que foi exposto para o exame da força nos membros
superiores. A confirmação de um deficite nos extensores da coxa e
flexores plantares do pé, comparável ao deficite observado nos
movimentos opostos, favorece a possibilidade de uma lesão TS, ou seja,
de uma doença afectando o sistema nervoso periférico ou os músculos. A
ausência de fraqueza, ou uma fraqueza muito menos acentuada nos
extensores da coxa e flexores plantares do pé, favorece a possibilidade
uma lesão TL. Como já mencionado para o membro superior, este
raciocínio não se aplica na fase inicial de uma lesão aguda TL que promova
parésia grave ou paralisia.

Provas deficitárias complementares

O exame do sistema motor poderá ser guiado por algumas provas deficitárias
mais holísticas. Estas baseiam-se numa comparação entre os dois hemicorpos
(fraqueza assimétrica) e aproveitam o atingimento diferenciado que resulta de
uma lesão TL (uma fraqueza que poupa mais os músculos antigravitários e, no
membro superior, a pronação). Dissemos anteriormente que este padrão é
filogeneticamente determinado e por isso inesperado para o doente, pelo que
estas manobras poderão ainda ser úteis para revelar uma resposta manipulativa
do doente nos casos de somatização ou simulação. Trata-se de manobras muito
sensíveis e específicas, mas que como veremos só podem ser realizadas em
doentes com graus discretos de parésia (capacidade para vencer a gravidade,
ie. ≥ grau 3)

Prova dos braços estendidos (também denominada de Barré dos membros


superiores ou prova de queda e pronação dos membros superiores):

Pede-se ao doente que eleve e estenda simetricamente ambos os membros


com as palmas das mãos viradas para cima e que sustente esta postura
mantendo os olhos fechados (para evitar a correcção da postura através da
visão) (videoclipe 9). A maior fraqueza dos movimentos de extensão e de
supinação do membro superior afectado por uma lesão TL condiciona que o
membro vai descaindo lentamente com numa posição característica de flexão e
pronação do antebraço e mão (videoclipe 10). Esta postura/movimento
contrasta com o/a do membro são que se mantém estendido na posição inicial.
Além de revelar o défice de força característico, esta manobra pode ser útil para
distinguir um défice de força real de uma resposta simulada. Na última, o doente
deixa cair o braço desamparadamente sem adquirir a posição em
flexão/pronação (videoclipe 11).

Prova de Barré:

Na posição de decúbito ventral, pede-se ao doente que eleve simetricamente as


pernas do leito em posição de flexão sobre a coxa e que sustente esta postura
(videoclipe 12). A fraqueza dominante dos movimentos de flexão de um
membro inferior afectado por uma lesão TL condiciona que o membro vai
descaindo lentamente e esta postura/movimento contrasta com a/o do membro

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são que se mantém estendido na posição inicial. Ainda que a prova de Barré
seja uma prova sensível para a detecção de fraqueza de origem TL no membro
inferior, nem sempre é exequível em doentes menos colaborantes, pelo que as
provas das pernas estendidas ou a de Mingazzini (ver abaixo) são mais
frequentemente realizadas.

Prova das pernas estendidas (variante da prova de Barré):

Na posição de decúbito dorsal, pede-se ao doente que eleve simetricamente os


membros inferiores do leito (através do movimento de flexão da coxa) e que
sustente esta postura mantendo os olhos fechados (para evitar a correcção da
postura através da visão). A fraqueza dominante dos movimentos de flexão de
um membro inferior afectado por uma lesão TL condiciona que o membro vai
descaindo lentamente e esta postura/movimento contrasta com a/o do membro
são que se mantém estendido na posição inicial (videoclipe 13). Além de
revelar o défice de força característico, esta manobra pode ser útil para distinguir
um défice de força real de uma resposta simulada, em que o doente deixa cair
o membro inferior desamparadamente, apesar de no início do movimento
conseguir vencer a gravidade (videoclipe 14).

Prova de Mingazzini:

Esta prova é uma alternativa à manobra de Barré e poderá ser especialmente


útil em doentes que tenham dificuldade em manter a posição antigravitária de
flexão de ambas as coxas (implica músculos nadequeiros fortes). Para facilitar
esta situação antigravitária, pede-se ao doente que se encontra em decúbito
dorsal que adquira uma posição simétrica de flexão da coxa sobre a bacia e da
perna sobe a coxa numa angulação aproximada de 90 graus e que sustente esta
postura mantendo os olhos fechados (para evitar a correcção da postura através
da visão) (videoclipe 15). No caso de uma lesão TL, a perna afectada vai
descaindo lentamente e esta postura/movimento contrasta com a/o do membro
são que se mantém estendido na posição inicial. De modo análogo à prova de
Barré, esta manobra pode ser útil para distinguir um défice de força real de uma
resposta simulada, em que o doente deixa cair o membro inferior
desamparadamente e eventualmente de uma forma mais bizarra.

Resumo do exame da força muscular

• O exame sumário da força muscular é relativamente rápido e foi


concebido de modo a não deixar escapar as queixas ou os achados mais
significativos, e a permitir uma orientação preliminar no sentido da localização
da doença e da sua natureza.

• São obrigatórios e de avaliação inicial: território facial inferior, extensão


do antebraço e da mão, flexão da coxa e dorsiflexão do pé. A normalidade
destes grupos musculares torna pouco provável a existência de uma lesão TL.

• O teste adicional dos movimentos complementares (flexão do antebraço


e mão, extensão da coxa e flexão plantar) permite identificar uma distribuição
da deficite muscular com características TL - muito maior compromisso dos

16
movimentos referidos no ponto anterior -, ou com características TS -
compromisso semelhante em todos os grupos musculares.

• Provas mais holísticas são igualmente importantes para comprovar as


inferências de lesão TL– Provas de Barré ou Mingazini - podendo também ser
úteis para excluir casos menos frequentes de somatização ou simulação.

• A postura/marcha típicas do doente com uma lesão TL resume também


os achados referidos: antebraço e mão semi-flectidos e em semi-pronação e
todo o membro inferior parece rígido e em hiperextensão e durante a marcha o
doente tem de realizar uma circundução de todo o membro inferior designada
por “marcha em foice”.

• Em certas situações, pode ser necessário um exame motor muito mais


fino e exaustivo do que aquele que foi proposto. É obrigatório em muitos casos
de lesão TS, para localizar a lesão a um dos componentes do Tractus
segmentals: raíz motora, nervo, placa motora, músculo. Este exame é
apresentado em anexo para estudo complementar.

Vieira Barbosa
João lemos
Isabel Santana

17
18
ANEXO 1

Exame sistemático da força muscular

O exame de rotina/sumário atrás exposto é suficiente na grande maioria dos


casos. No entanto, com alguma frequência pode ser necessário fazer um exame
mais sistemático: para a interpretação de um quadro clínico menos claro, a
averiguação de uma hipótese clínica ou a eliminação de uma dúvida.
O objectivo genérico do exame neurológico de rotina mantém-se válido para
este exame mais pormenorizado: identificar e localizar uma lesão neurológica.
Porém, sendo os gestos a fazer e os sinais a pesquisar bastante mais finos, as
conclusões a esperar são igualmente mais precisas. Não se pretende afirmar
tão só que existe uma lesão TL, ou que o seu local é algures no hemisfério
direito. A ambição de um exame sistemático é definir uma localização mais
exacta (uma radiculopatia L5, em relação com uma hérnia discal por exemplo),
ou um padrão de deficites reconhecível (uma fraqueza proximal compatível com
uma miopatia…).
Inicialmente serão apresentadas em diagrama as técnicas de exploração dos
principais grupos musculares [1]. No fim, serão resumidas em quadro as suas
associações com músculos, nervos e raízes nervosas.

1. Pescoço e cabeça

Os movimentos da cabeça (fig.A1) devem ser testados obrigatoriamente em 2


circunstâncias: 1) perante a suspeita de uma lesão localizada ao tronco cerebral
ou à base do crâneo, e 2) em casos de diminuição da força muscular com
distribuição mal sistematizada e para a qual se suspeita de uma causa
sistémica.

Figura A1.

Vários movimentos da cabeça dependem do XI par craneano. Uma paralisia dos


movimentos de rotação e flexão da cabeça poderá corresponder a um lesão
bulbar (porção inferior do tronco cerebral) ou envolvendo o trajecto do XI par

19
após a sua emergência. Pela mesma razão, a sua dependência de um dos pares
craneanos, os movimentos cefálicos tendem a ficar preservados na
generalidade dos processos neuropáticos. Correlativamente, num doente com
diminuição da força muscular mais ou menos generalizada, a presença de
envolvimento dos movimentos da cabeça suporta a possibilidade de uma
doença muscular e/ou uma doença sistémica com envolvimento neurológico.

2. Ombro

O ombro é uma articulação complexa, apta para vários movimentos e servida


por múltiplos grupos musculares. É por isso uma articulação sensível, exposta
a diferentes tipos de agressão e origem frequente de queixas dolorosas e
funcionais. Na maior parte dos casos, particularmente quando isolada e com
componente dolorosa significativa, a causa de uma disfunção do ombro é
inflamatória, (micro)traumática ou degenerativa. Em situações como estas, a
limitação dolorosa é importante e pode perturbar seriamente uma avaliação
neurológica. Mas, mesmo na ausência de dor – situação em que uma causa
neurológica é mais provável - o exame neurológico é difícil.

Um dos movimentos do ombro é a abdução. A abdução, com uma amplitude


única de 180°, depende da activação sequencial de 3 grupos musculares. A
enervação de cada um desses grupos é diferente (ver quadro no fim deste
capítulo), incluindo fibras com origem no XI par craneano e em 3 raízes cervicais.
A pesquisa da abdução a partir das posições de referência mostradas na figura
permite verificar a entrada em acção, um após outro, dos diversos nervos e
grupos musculares (fig. A2).

20
Figura A2.

A adução do ombro é um pouco mais simples na sua interpretação. Depende


uma enervação mais extensa, as últimas 4 raízes cervicais e a primeira raiz
dorsal, e da acção combinada e simultânea de um maior número de músculos.
Significa isto que a falência de um daqueles elementos pode ser compensada
em maior ou menor grau pelos outros ainda funcionantes. Em termos
semiológicos quer isto dizer que o valor localizador e discriminativo do exame
da adução do ombro é menor do que aquele que pode ser obtido em outros
movimentos.
Entre as 2 técnicas de pesquisa exemplificadas não existem grandes diferenças
(fig. A3). Apenas, na pesquisa a partir da posição em abdução horizontal do
braço, é adicionada aos músculos activos a porção clavicular do grande dorsal.
A elevação dos ombros depende do terço superior do trapézio, enervada ainda
pelo XI par craneano. Este movimento é por vezes difícil de explicar ao doente
– será muito fácil se for exemplificado ou resumido como “juntar os ombros às
orelhas” (fig. A4).

21
Figura A3.

Figura A4.

A elevação dos ombros e o movimento de rotação do pescoço constituem o


núcleo principal da acção do XI par, um par craneano completamente atípico.
Na prática, a pesquisa da integridade daquele par craneano assenta nestes 2
movimentos.
Ao contrário dos outros pares craneanos, que exercem o seu papel - motor,
sensitivo ou autonómico - em alguma estrutura da cabeça, o XI par, ou espinhal,
sobra da cabeça para o pescoço e ombros. Na prática, a pesquisa da integridade
daquele par craneano assenta naqueles 2 movimentos. Acessoriamente o XI

22
par transporta algumas fibras do sistema nervoso autónomo que acabarão por
ser distribuídas com o X par – daí o outro nome porque também é conhecido,
“acessório”.

3. Membro superior

A rotação do braço, interna e externa, pode ser de difícil execução pela


tendência do doente em executar os movimentos de adução e abdução. É
fundamental o papel da mão esquerda do observador, que deve fixar o braço e
assegurar-se de que o doente não está a fazer o movimento incorrecto. Aquilo
que pretende do doente é um movimento de rotação centrado no braço,
constituindo o braço um eixo de rotação fixo, e não um movimento angular
centrado no ombro (fig. A5).

Figura A5.

Ao contrário dos anteriores, de utilidade semiológica frequente e pesquisados


mais ou menos rotineiramente, estes movimentos são testados muito poucas
vezes. Ilustram, entretanto, um método semiológico um pouco diferente: são
instrumentos de teste orientados para um determinado músculo ou nervo. De
facto, ao testar a rotação externa do braço o médico não está a pesquisar um
movimento de modo cego. Quase sempre está a verificar, deliberadamente, a
integridade do músculo infraespinhoso ou do nervo supra-escapular – por
exemplo em presença de uma lesão local suspeita de ter lesado uma daquelas
estruturas.
E este processo de avaliação é corrente em Neurologia. Nem sempre o exame
neurológico é uma pesquisa alargada em busca de qualquer coisa, ou de uma
constelação de sinais que seja significativo de qualquer coisa. Com frequência
o Médico sabe o que procura e procura-o deliberadamente. Por exemplo, num
doente com queixas e sinais inequívocos de sofrimento radicular cervical o
médico testa, de modo sumário mas preciso, a existência de sinais piramidais

23
nos membros inferiores. Objectivo: verificar se o sofrimento cervical se limita às
raízes ou existe também compressão medular.

A pronação e supinação do antebraço testam-se fazendo oposição sobre a mão


do doente – podendo a mão estar fechada ou aberta (fig. A6). O facto de não
ser exercida oposição directamente sobre o antebraço, como pareceria
necessário, resulta de dois factos: em primeiro lugar porque seria mais difícil,
depois porque a impossibilidade de a mão ter qualquer movimento de pronação
ou supinação em relação ao antebraço transforma-a, nesse aspecto,
no seu prolongamento natural.

Figura A6.

A extensão e flexão do punho testam-se a partir de uma posição neutra. Se os


dedos permanecerem estendidos é importante contrariar os seus movimentos
no dorso e na palma da mão, nunca sobre os dedos. A técnica mais segura pode
ser, como na imagem (fig. A7), que ilustra a avaliação da extensão do punho,
testar o doente com os dedos flectidos (mão fechada).

24
Figura A7.

Os movimentos dos dedos da mão testam-se de modo conjunto, porque os


dedos tendem a executar em conjunto movimentos do mesmo tipo (fig. A8 e A9).
Tal tem a ver com alguma desdiferenciação da enervação motora, que pode ser
comprovada se se fizer a tentativa de fazer um qualquer movimento (flexão,
extensão, abdução, adução) com um único dedo - o movimento tem de ser
pensado, é laborioso, e é quase certo que o dedo contíguo acabará por ser
arrastado para o mesmo tipo de acção.

Figura A8.

25
Figura A9.

A excepção é o polegar. A oponência do polegar é um movimento de importância


funcional única e com um controle neuronal mais elaborado – daí que seja o
único dedo capaz de executar movimentos de forma facilmente independente
dos outros à custa de vários músculos abdutores, adutores, extensores,
flexores... O exame isolado do 1º dedo torna-se necessário sobretudo perante a
suspeita de lesões nervosas períféricas, particularmente do nervo mediano. O
movimento aqui exemplificado é a oponência do polegar, um movimento de
adução, estando o polegar posicionado a cerca de 90° (fig. A10).

Figura A10.

26
4. Tronco

A extensão e flexão do tronco são movimentos massivos, envolvendo a


enervação de várias raízes vertebrais cervicais, dorsais e lombares (fig. A11).
São movimentos a avaliar como um todo, por essa razão. Mas a sua valorização
deve também ser cautelosa. Antes de mais porque são movimentos de difícil
execução para o doente mais idoso ou debilitado, depois porque as raízes
dorsais, à excepção de D1, são de quase impossível individualização através do
exame motor.

Figura A11-

5. Membro inferior

A abdução e adução da coxa, como os outros movimentos desse segmento, são


muito influenciadas pelas doenças degenerativas da articulação coxo-femural.
No doente idoso podem ser de difícil valorização por esse facto. São
movimentos potentes e devem ser contrariados com um longo braço, i.e.,
exercendo oposição tão longe quanto possível do fulcro do movimento (fig. A12
e A13).

27
Figura A12.

Figura A13.

A flexão e a extensão da perna são de mais fácil pesquisa e muitas vezes


incluídos no exame de rotina (fig. A14 e A15). Para além das informações
específicas relativas à existência de patologia periférica, podem equivaler-se à
pesquisa dos movimentos da coxa na avaliação de uma distribuição TL vs. TS.
A perna deve formar com a coxa um ângulo de 90° e a coxa deve ser
perfeitamente imobilizada, já que tende a acompanhar a perna em cada um dos
seus movimentos.
Isso não acontece por acaso, mas seguindo o padrão de associação de
movimentos presente na marcha, durante a qual a flexão da coxa se acompanha
da flexão da perna para originar um passo à frente. Este é o exemplo de um
programa motor muito simples, neste caso permitindo às pessoas caminharem
28
enquanto conversam sem receio de se enganarem nos movimentos das pernas,
mas por isso mesmo também muito forte – com facilidade se inicia.

Figura A14.

Figura A15.

A extensão do dedo grande do pé, o 1º dedo ou hallux, é de particular utilidade


na avaliação de patologia do sistema nervoso periférico (fig. A16). São muito
frequentes as situações de compressão radicular a nível da coluna lombar,
sobretudo envolvendo as raízes L4 e L5. A raíz L5 fornece uma componente
abundante de fibras ao nervo responsável pela extensão do hallux. O seu
compromisso predominante, num contexto clínico adequado, pode ser
diagnóstico deuma radiculopatia L5.

29
Este tipo de patologia é muito comum, quer lhe chamem radiculopatia
compressiva, “hérnia discal” ou “ciática”. Na maior parte dos casos o tratamento
é conservador, mas o aparecimento de compromisso funcional associado a uma
radiculopatia é um dos sinais de alarme para a necessidade de uma atitude
menos expectante – conforme será dito na altura adequada.

Figura A16.

30
Este último movimento apresentado, a dorsiflexão de um dedo do pé, é um
pequeno movimento que as pessoas quase ignoram ser capazes de fazer
porque não entra na gama usual de acções motoras voluntárias. Não serve,
assim de repente, para coisa nenhuma. O 1º dedo, mesmo sendo o dedo grande
do pé, continua a ser uma estrutura pequena e quase dispensável… Apesar
disso a informação que se deduz do seu exame pode ser importante, e ilustra o
tipo de problemas a que o exame motor exaustivo se dirige. Na maioria dos
casos em que a dorsiflexão do hallux é testada a convicção de que o doente terá
uma localização TS é muito grande: a discussão já saiu da grande praça pública
onde se confrontam as localizações TL e TS, está confinada ao vão de escada
onde um raiz entre muitas se opõe a um nervo obscuro.
O quadro A1 resume os músculos e a enervação envolvidos nos principais
movimentos testados pelo exame neurológico, aqueles que foram explanados
neste capítulo, outros mais comuns que constam do capítulo anterior, e um ou
outro que não foi ainda citado.

31
32
Quadro A1.

Se se reparar, existe uma sobreposição parcial e assimétrica entre raízes e


nervos – um determinado nervo pode originar-se em mais do que uma raiz e
uma única raiz contribui para a constituição de vários nervos.
O plexo braquial, uma rede de estruturas nervosas situada na profundidade do
ombro e aqui representada de modo esquemático, ilustra o grau de
complexidade que pode existir na constituição dos nervos a partir da sua origem
nas raízes vertebrais (fig. A17).

Figura A17.

Como exemplo, os nervos mediano, radial e cubital, responsáveis pela


enervação motora e sensitiva do membro superior, têm fibras com origem em
múltiplas raízes – os 2 primeiros têm, de facto, origem em todas as raízes entre
C5 e D1. Nem sempre a organização da enervação tem a complexidade de um
plexo, mas a regra é aquela que foi enunciada: uma raiz fornece fibras a vários
nervos e cada nervo recebe fibras de várias raízes. Acrescente-se que de todas
as raízes que participam na constituição de um nervo há quase sempre uma que
é predominante em cada movimento de que esse nervo é responsável – por
exemplo, a flexão do antebraço em semipronação depende sobretudo da
componente C6 do nervo radial, enquanto que a extensão do antebraço, uma
atribuição do mesmíssimo nervo radial, se relaciona sobretudo com as fibras
nervosas originadas em C7.
Assim, a existência de queixas ou deficites muitos localizados coloca um difícil
problema de diagnóstico. Não é fácil atribuir a sua origem a um determinado
nervo ou a uma raiz – no entanto, o significado e o tratamento podem diferir
radicalmente consoante a localização e origem da lesão. O exame exaustivo do
doente, testando inclusivé movimentos para os quais não existem queixas e que
aparentemente serão normais, é fundamental para obter uma localização da
lesão. Com esse exame pretende-se construir um puzzle de deficites do qual

33
possa ser extraído um denominador comum – isto é, é identificar a única ou
únicas estruturas que aparecem sempre implicadas nos deficites encontrados.
O modo de interpretar os resultados de um exame deste tipo não anda muito
distante da resolução de um problema policial: identificar os movimento ou
acções que estão alterados e indagar qual é a estrutura, nervo(s) ou raíz(es)
que aparece(m) sempre relacionada(s) com os movimentos deficitários. Os
defeitos motores serão, como se imagina, os vários crimes, e a estrutura que
aparece sempre no local do crime deve ser o culpado.
Não é fácil muitas vezes resolver problemas desse género. Mesmo um
neurologista treinado pode ter dúvidas quanto às conclusões a que vai
chegando. A intenção deste capítulo é aproximar o médico não-neurologista da
realidade funcional do sistema nervoso, esclarecer um pouco mais a natureza
do método dedutivo em Neurologia, e permitir-lhe, se assim se atrever, chegar
a um diagnóstico brilhante. Recomenda-se neste caso ter à mão um bom livro
de semiologia (este) e anotar rigorosamente, num papel se necessário, os
achados do exame. Terá de se ver depois se todos esses elementos se
articulam como peças de um puzzle perfeito, e voltar a ver-se, para não haver
enganos.

Vieira Barbosa

[1] De um modo geral só são exemplificadas técnicas de exploração de grupos


musculares com inervação proveniente da espinhal medula. Exceptuam-se alguns
músculos da cabeça e o elevador dos ombros, que não obstante serem inervados pelo XI
par craniano devem também ser aqui mencionados por uma questão de sistemática de
exame.

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