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Alexandre Araújo Costa - Ecossocialismo e Bem Viver
Alexandre Araújo Costa - Ecossocialismo e Bem Viver
10. É necessário, sobretudo que essas ações comuns sejam costuradas por
novas práticas, desde a construção de novas formas de poder político e de
democracia radical até novos arranjos produtivos. É preciso pensá-las com
base em preceitos de autonomia, encurtamento de cadeias produtivas,
autogestão, autonomia e soberania política, econômica, alimentar, hídrica
etc. É possível que, adentrando esse terreno, resgatemos o sentido mais
profundo que podem adquirir certas traduções do Manifesto Comunista que,
ao se referir à História como a História da Luta de Classes, colocam, por
exemplo, que o desfecho dessa luta é ou a “reconstituição revolucionária da
sociedade” (encontrada na tradução para o inglês, ao passo que certas
versões em português utilizam “reconfiguração” ou simplesmente
“transformação”) ou a “ruína comum das classes em contenda”. A divisão
da sociedade em burgueses e proletários na maior parte do mundo se deu
expropriando o indígena, expulsando o camponês, removendo a
comunidade rural e urbana para dar lugar à mina, ao campo de soja, ao
condomínio de luxo, à mega-hidrelétrica, ao mega-resort. Em suma, como
costuma dizer Eduardo Viveiros de Castro, começou pela “transformação do
índio em pobre”. A esquerda tradicionalmente assumiu como verdade
absoluta a irreversibilidade desse processo, isto é, que o índio pode virar
pobre, mas o pobre não pode “virar índio”. É aí que a luta pelo território no
seu sentido amplo, casada com a luta pela construção de uma identidade
comum alicerçada em novas relações produtivas e novas sociabilidades
construídas territorialmente que podem justamente produzir um novo
indígena (enraizado, solidário, consciente, cuidadoso), oposto ao alienígena
(alheio, alienado, perdulário, irresponsável) que é gerado continuamente
nos processos de produção, consumo e construção de sociabilidade no
domínio do capital. Um “devir índio”, para usar o termo de Danowski e
Viveiros de Castro em sua obra “Há Mundo Por Vir?”.
11. O sentido regenerador de uma estratégia revolucionária, no século XXI,
quiçá tenha de se propor a dar conta tanto da proposta de ação rápida
necessária para evitar um colapso societário de larga escala (o que pode ser
caracterizado como passagem a um estado global de “barbárie” ou “ruína
comum das classes em contenda”) quanto da possibilidade mesma de
regeneração, reorganização e reconstrução da sociedade humana ante um
quadro de “Terra arrasada”, que pode efetivamente resultar do
aprofundamento da crise ecológica. Essa dialética viva de enfrentar a
barbárie, com ela em curso e de ao mesmo tempo lutar rapidamente para
evitar um “adoecimento” ainda mais profundo do sistema terrestre pelo
vírus do capital e vislumbrar um possível cenário em que haja sequelas
irreversíveis dessa infecção sobre o organismo sócio-natural; precisa estar
presente. E que se tenha abertura, criatividade, criticidade, rejeição ao
sectarismo, à pequenez e ao dogmatismo para viver-pensar a “verdadeira
era dos extremos”. É a probabilidade-necessidade-esperança que se oferece.