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Mensagens11 - NL - Teste 2 - Dominios
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PARTE A
Maria (entrando com umas flores na mão, encontra-se com Telmo, e o faz tornar para a
cena) — Bonito! Eu há mais de meia hora no eirado passeando — e sentada a olhar para o rio
a ver as faluas e os bergantins1 que andam para baixo e para cima — e já aborrecida de
esperar... e o senhor Telmo aqui posto a conversar com a minha mãe, sem se importar de mim!
— Que é do romance que me prometestes? Não é o da batalha, não é o que diz:
5
Postos estão, frente a frente,
Os dois valorosos campos;
é o outro, é o da ilha encoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de vir,
um dia de névoa muito cerrada … Que ele não morreu; não é assim, minha mãe?
Madalena — Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois não tens ouvido a teu tio Frei Jorge
10 e a teu tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes como aquilo foi? O povo, coitado, imagina essas
quimeras2 para se consolar na desgraça.
Maria — Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe: eles que andam tão crentes nisto,
alguma coisa há de ser. Mas ora o que me dá que pensar é ver que, tirado aqui o meu bom
Telmo (chega-se toda para ele, acarinhando-o), ninguém nesta casa gosta de ouvir falar em
15 que escapasse o nosso bravo rei, o nosso santo rei D. Sebastião. — Meu pai, que é tão bom
português, que não pode sofrer estes castelhanos, e que até, às vezes, dizem que é de mais o
que ele faz e o que ele fala… em ouvindo duvidar da morte do meu querido rei D. Sebastião…
ninguém tal há de dizer, mas põe-se logo outro, muda de semblante, fica pensativo e
carrancudo; parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre do rei. Ó minha mãe, pois ele
20 não é por D. Filipe; não é, não?
Madalena — Minha querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas
que são tão pouco para a tua idade! Isso é o que nos aflige, ao teu pai e a mim; queria-te ver
mais alegre, folgar3 mais, e com coisas menos…
Maria — Então, minha mãe, então! Veem, veem?... Também a minha mãe não gosta. Oh!
25 essa ainda é pior, que se aflige, chora… Ela aí está a chorar… (Vai-se abraçar com a mãe, que
chora). Minha querida mãe, ora pois então! Vai-te embora, Telmo, vai-te; não quero mais falar,
nem ouvir falar de tal batalha, nem de tais histórias, nem de coisa nenhuma dessas. — Minha
querida mãe!
Telmo — E é assim; não se fala mais nisso, e eu vou-me embora. (À parte, indo-se depois de
30 lhe tomar as mãos). Que febre que ela tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as mãos… e aquelas
rosetas nas faces… Se o perceberá a pobre da mãe!
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, texto fixado por Maria João Brilhante,
3.ª edição, Lisboa, Comunicação, 1994.
NOTAS
1 bergantins: embarcações de dois mastros.
3 folgar: divertir-se.
2. Explica em que medida o aparte de Telmo (ll. 30-32) pode constituir um presságio de tragédia.
A primeira fala de Madalena (ll. 10-12) e a terceira fala de Maria (ll. 25-29) revelam
A.
perspetivas opostas sobre a Batalha de Alcácer Quibir.
O afeto entre as personagens femininas pode ser comprovado pelo gesto de Maria
B.
evidente na didascália presente nas linhas 26 e 27.
Entre mãe e filha, o cuidado e o zelo recíprocos são traços que definem a sua
C.
relação.
O emprego do ponto de exclamação e das reticências nas linhas 23 e 24 realça a
D.
preocupação de Madalena.
A primeira frase da fala de Telmo (l. 30) revela que o velho aio ficou magoado com
E.
as palavras que Maria acabou de lhe dirigir.
Leitura
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.
Lê o texto e as notas.
As sementes do cérebro
«Ó mãe, ter cultura é o quê?», perguntou o Pedro, depois de ouvir a expressão na televisão.
Comecei, na perspetiva agrícola, por dizer-lhe que uma cultura é aquilo que o avô semeia na horta e
que cresce com a ajuda do sol e da chuva e se transforma em alimento. Falei das culturas de batatas,
de cebolas, de tomates… E depois expliquei que, tal como esses alimentos nos matam a fome e
5 acalmam a barriga, outras coisas podem ser cultivadas para nos matar a fome do cérebro.
«O nosso cérebro tem fome?», perguntou o Pedro, meio desconfiado. Eu expliquei que sim, que
o nosso cérebro tem sempre fome de aprender, de conhecer, de ouvir música e histórias. E que todas
as coisas que damos ao nosso cérebro para matar essa fome são cultura. «Então, a cultura são as
sementes do nosso cérebro!», respondeu ele. E eu, que já lhe ouvi chamar coisas piores, assenti com
10 a cabeça. Pareceu-me uma definição bastante poética e acertada. […] Mas será que há mesmo, e
perdoem o pleonasmo, uma «cultura mais culta do que outra»?
Imaginemos uma mulher analfabeta, de 85 anos, que nunca saiu da sua aldeia. Essa mulher, que
até assina com a impressão digital, nunca conheceu outro Sócrates que não o antigo primeiro-ministro
e o mais parecido que ouviu com música clássica foi o salmo da igreja acompanhado pelo órgão. No
15 entanto, sabe orientar-se pelas estrelas, vê as horas pela posição do Sol, conhece todas as ervas dos
campos e faz quadras de improviso à velocidade da luz. Do outro lado, pensemos num homem de 50
anos, a terminar o seu doutoramento, com viagens realizadas a todos os continentes do mundo e com
NOTAS
1
hegemónica: dominante.
2
sobremaneira: excessivamente.
3
pedante: pretensiosa; vaidosa.
4
pródigos: grandiosos; generosos.
1. No contexto em que ocorre, o vocábulo «fome» (l. 7) está relacionado com o conceito de
A. regressão. C. organização.
B. reestruturação. D. conhecimento.
C. compreensão e de ignorância.
D. respeito e de indiferença.
8. Nas linhas 36 e 37, nas referências a «Debussy, Renoir ou Dostoiévski», a cronista utiliza a
A. a personificação para enfatizar a importância do outro em detrimento de cada um.
B. a metáfora para realçar a relativização de cada um através do seu nível cultural.
C. a metonímia para pôr em evidência a valorização do nível cultural de cada um.
D. a antítese para destacar a oposição entre os aspetos valorizados na sociedade atual.
Gramática
1. Em «”Ó mãe, ter cultura é o quê?”, perguntou o Pedro, depois de ouvir a expressão na televisão.
Comecei, na perspetiva agrícola, por dizer-lhe que uma cultura é aquilo que o avô semeia na
horta» (ll. 1-2), o processo de referenciação anafórica é o de
A. anáfora por repetição. C. anáfora conceptual.
B. anáfora por elipse. D. anáfora por substituição.
4. Na expressão «Se a cultura erudita é mais elaborada do ponto de vista técnico, a cultura popular,
mais primitiva e tradicional» (ll. 24-25), os elementos destacados contribuem para a coesão
A. gramatical frásica. C. gramatical temporal.
B. gramatical referencial. D. lexical.
6. Em «donos e senhores da cultura, que a tornem cada vez mais pedante e inacessível» (ll. 29 e 30), o
pronome pessoal encontra-se anteposto ao verbo, porque está
A. integrado numa oração subordinante.
B. integrado numa oração subordinada.
C. dependente de um advérbio.
D. dependente de uma oração coordenada.
7. As palavras sublinhadas em «Em Portugal, somos pródigos nesta arte do desdém em relação às
nossas raízes.» (ll. 31 e 32) são
A. deíticos pessoais e temporais, em ambos os casos.
B. deíticos espaciais e temporais, em ambos os casos.
C. um deítico pessoal e um deítico temporal, respetivamente.
D. um deítico pessoal e temporal e um deítico pessoal, respetivamente.
8. Classifica a oração «que acham aceitável ter um “Dr.” atrás do nome próprio em objetos tão
corriqueiros» (ll. 33 e 34).