Você está na página 1de 6

Os Maias – capítulo X : «As corridas de

cavalos»
Contextualização – capítulo IX
 Carlos entra pela primeira vez em casa dos Castro Gomes, a pedido de Dâmaso, para ver
Rosa, filha de Maria Eduarda, que se encontra doente.
 Ega vai ao baile dos Cohen, sendo expulso de lá pois Cohen descobre o romance adúltero
entre a sua mulher (Raquel Cohen) e Ega.
 Ega parte para Lisboa para a casa da sua mãe.
 Carlos é convidado pela Condessa de Gouvarinho para jantar, envolvendo-se e dando
começo a uma relação adúltera.

Capítulo X
 O capítulo começa com o final de um encontro entre Carlos e a Condessa de Gouvarinho
e em que Carlos revela que já começa a ficar farto dela:

“Mas Carlos vinha de lá enervado, amolecido, sentindo já na alma os primeiros bocejos


da saciedade. Havia três semanas apenas que aqueles braços perfumados de verbena
se tinham atirado ao seu pescoço – e agora, pelo passeio de S. Pedro de Alcântara, sob
o ligeiro chuvisco que batia as folhagens da alameda, ele ia pensando como se poderia
desembaraçar da sua tenacidade, do seu ardor, do seu peso...”

- “sentindo já na alma os primeiros bocejos da saciedade.” - ou seja, começava a revelar


um sentimento de indiferença porque os seus desejos já haviam sido realizados.

- “Havia três semanas apenas que aqueles braços perfumados de verbena se tinham
atirado ao seu pescoço – e agora, [...] ele ia pensando como se poderia desembaraçar da
sua tenacidade, do seu ardor, do seu peso...” - passado pouco tempo Carlos já estava
farto da persistência dela e da demasia do seu amor.

 Entretanto, Carlos encontrou o marquês enquanto descia a Rua de S. Roque,


apercebendo-se pela sua conversa que a corrida de cavalos havia sido antecipada para
o domingo seguinte, Carlos ficou feliz pois iria conhecer Maria Eduarda dái a cinco dias.

“No domingo, pois, daí a cinco dias, eram as corridas... E «ela» estaria lá, ele ia conhecê-
la, enfim!” - as reticências servem para criar suspense ao leitor e o pronome pessoal «ela»
está entre aspas para destacar a singularidade e especialidade de Maria Eduarda. Além
disso o discurso indireto é usado para refletir os pensamentos de Carlos e o seu
entusiasmo.
 No Ramalhete, Carlos revela a Dâmaso que pretendia levar os Castro Gomes a visitar a
casa de Craft nos Olivais, para se aproximar de Maria Eduarda.

“Abriu uma das janelas do terraço, levou para lá o Dâmaso, e disse-lhe aí, à pressa, o seu
plano de visita aos Olivais, e a linda tarde que poderiam passar na quinta com os Castro
Gomes... [...] – Caramba! – murmurou Dâmaso desconfiado. – Estás com furor de a
conhecer!” – transmite a ideia de que o plano de Carlos é secreto para que tudo corresse
como ele desejava.

 Chegado o dia das corridas, depois de não ter tido resposta do Dâmaso, não tendo, por
isso, ido a casa de Craft nos Olivais com os Castro Gomes, Carlos vai ao hipódromo com
o intuito de ver Maria Eduarda. No entanto ela não aparece e ele fica deprimido.

“E aquele domingo de festa, o grande sol, a gente pelas ruas, vestida de casimiras e de
sedas de missa, enchiam-no de melancolia e de mal-estar.” – contraste entre o ambiente
que rodeia Carlos e o seu estado de espírito. A sensação visual usada na caracterização
do espaço envolvente serve para criar uma antítese entre as ideias de alegria e felicidade
que este transmite e o estado melancólico e deprimido em que Carlos se encontrava.

 No hipódromo, Carlos fala com a sua velha amiga D. Maria da Cunha e conhece Clifford
que era o dono do cavalo que tinha mais expectativas de ganhar e fora por sua causa que
as corridas tinham sido antecipadas.

 De repente, irrompeu uma desordem, um dos cavaleiros sentiu-se injustiçado e revoltou-


se contra o juíz, referindo que “o que havia naquele hipódromo era compadrice e
ladroeira”. Este acontecimento agitou o hipódromo (“E imediatamente aquela massa de
gente oscilou, embateu contra o tabuado da tribuna real, remoinhou em tumulto, com
vozes de «ordem» e «morra», chapéus pelo ar, baques surdos de murros.”). – sensações
visual e auditiva que são usadas para mostrar e envolver o leitor no ambiente do
hipódromo, na bagunça e alarido que se vivia naquele momento.

 O marquês critica o país, afirmando que “Corridas, como muitas outras coisas civilizadas
lá de fora, necessitam primeiro de gente educada.”. – crítica à falta de civismo do povo
português.

 Entretanto Carlos avista a Gouvarinho, que vem ao seu encontro e lhe diz que no dia
seguinte irá para o Porto celebrar o aniversário do seu pai. Pede-lhe ainda que vá com
ela de comboio até Santarém, onde passariam a noite juntos e, no dia seguinte, ela
seguiria para o Porto e ele retornava a Lisboa. No entanto, Carlos não gosta da ideia,
acabando por deixá-la sem resposta.

 O evento estava a ser um fiasco, a maior parte das pessoas não tinha nenhum interesse
pelas corridas. Carlos decide então apostar tudo em «Vladimiro», o potro que lhe tinha
calhado na aposta, acabando por ganhar doze libras. A ministra da Baviera lembrou a
Carlos o provérbio «Sorte ao jogo, azar no amor» (“Vous connaissez le proverbe: heureux
au jeu...”).
Este momento pode ser interpretado como um presságio da tragédia final, o desgosto
amoros entre Carlos e Maria Eduarda.

 Passados uns instantes, Carlos vai à procura de Dâmaso, para esclarecer a situação da
visita aos Olivais. Dâmaso revela a Carlos que o senhor Castro Gomes estava de partida
para o Brasil e por esse motivo não poderia ir ao encontro. No entanto, Maria Eduarda
ficara por Lisboa, onde estava a morar no mesmo prédio do Cruges.

 Carlos voltou a encontrar a condessa Gouvarinho que insistia na ida a Santarém, mas ele
declarou que achava o plano insensato. Contudo, confirmou o encontro, depois de ela o
persuadir com o seu ar sedutor.

 Assim que as corridas terminaram, Carlos desce o Chiado em direção ao prédio de


Cruges, com a intenção de ver Maria Eduarda. Porém o maestro não se encontrava em
casa, pelo que Carlos regressa ao Ramalhete.

 Ao chegar a casa, Carlos depara-se com um bilhete da senhora Castro Gomes (Maria
Eduarda) a pedir ao seu auxílio na manhã seguinte, pois tinha um familiar doente.

 O capítulo termina com Carlos a radiar de felicidade, ansioso para que o dia seguinte
chegasse, dado que finalmente conheceria Maria Eduarda.

“- Sim, o jantar... – respondeu Carlos, sem saber o quê, banhado todo num sorriso, como
em êxtase. Correu aos seus aposentos: e junto da janela, sem mesmo tirar o chapéu, leu
uma vez mais o bilhete, outra vez ainda, contemplando enlevadamente a forma da letra,
procurando voluptuosamente o perfume do papel.” – este excerto transmite-nos os
sentimentos que Carlos sentiu naquele momento, a sua ânsia, o seu encanto (através do
advérbio de modo «enlevadamente») e o desejo que sentia por ela. As sensações também
desempenham um papel importante, a visual através da descrição dos movimentos e
ações de Carlos, que refletem as suas emoções e, a sensação olfativa, com a referência
ao perfume dela e à sensualidade com que ele o procurava na carta, que remetem para a
paixão, para o furor que ele sentia por ela.

Contextualização – capítulo XI
 Neste capítulo Carlos visita a senhora Castro Gomes, e descobre que o seu verdadeiro
nome é Maria Eduarda. A governanta (Miss Sara) era quem se encontrava doente.
 Após observá-la, Carlos passa-lhe uma receita e avisa Maria Eduarda que esta terá de
observar Miss Sara diariamente.
 Nessa noite era suposto Carlos ir com a Gouvarinho para Santarém, mas depois desta
visita a casa de Maria Eduarda, a sua vontade é acabar com a relação que tem com a
condessa.
 O Conde Gouvarinho decide à última da hora que quer ir com a mulher para o Porto, o
que convém a Carlos.
 Nas semanas seguintes, Carlos visita regularmente Maria Eduarda, tendo longas
conversas com a mesma, devido à doença de Miss Sara.
Descrição do hipódromo

 Na entrada do hipódromo assistia-se a uma falta de organização, mesquinhez, falta de


educação e provincianismo.

“À entrada do hipódromo, abertura escalavrada num muro de quintarola, o faetonte teve


de parar atrás do dog-cart do homem gordo – que não podia também avançar porque a
pota estava tomada pela caleche de praça, onde um dos sujeitos de flor ao peito berrava
furiosamente com um polícia. [...] E o cavalheiro, tirando as luvas, ia abrir a portinhola,
esmurrar o homem – quando, trotando na sua grande horsa, um municipal de punho
alçado correu, gritou, injuriou o cavaleiro gordo, fez rodar para fora a caleche. Outro
municipal intrometeu-se brutalmente. Duas senhoras agarrando os vestidos, fugiram para
um portal espavoridas. E através do rebuliço, da poeira, sentia-se adiante,
melancolicamente, um realejo tocando a «Traviata»”.

 O hipódromo apresentava condições bastante precárias:

- “tribuna real forrada de um baetão vermelho de mesa de repartição”;


- “as duas tribunas públicas, com o feitio de traves mal pregadas, como palanques de
arraial. A da esquerda, vazia, por pintar, mostrava à luz as fendas do tabuado.”;
- “o resto das bancadas permanecia deserto e desconsolado, de um tom alvadio de
madeira”;
- “recinto da tribuna, fechado por um tapume de madeira”.

Crítica de costumes neste episódio

 Acontecimentos críticos: imitação do estrangeiro, provincianismo português e visão


caricatural da sociedade feminina.

 Este episódio é uma sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço
de cosmopolitismo.

A sociedade burguesa lisboeta queria igualar Lisboa às demais capitais europeias, por
isso optaram pelas corridas de cavalos em vez das touradas, algo que era característico
a Lisboa.

No entanto, nada no Hipódromo tem o requinte, a elevação ou o espírito civilizado das


corridas europeias.
“- E que me diz você a esta sensaboria? – exclamou ele [o Sequeira] logo, voltando-se
para Carlos. Enquanto a si estava contente, pulava... Aquela corrida insípida, sem cavalos,
sem jóqueis, com meia dúzia de pessoas a bocejar em roda, dava-lhe a certeza que eram
talvez as últimas, e que o Jockey Club rebentava... E ainda bem! Via-se a gente livre de
um divertimento que não estava nos hábitos do país. Corridas era para se apostar. Tinha-
se apostado? Não? Então histórias!... Em Inglaterra e em França sim! Aí eram um jogo
como a roleta, ou como o monte... Até havia bamqueiros, que eram os bookmarkers...
Então já viam!” – ironia e enumeração enfatizam o fiasco que foram as corridas e o
fracasso em tentar igualar as corridas estrangeiras. A comparação de Portugal com
Inglaterra e França também demonstra claramente o atraso da sociedade portuguesa e a
tentativa em vão de igualar-se a sociedades estrangeiras.

A própria preparação e decoração do espaço foi descuidada, como analisado


anteriormente na descrição do hipódromo. Além disso também o bufete tinha uma
apresentação lastimável, revelando falta de cuidado, brio e rigor, assim como
demonstrando o provincianismo português.

“O bufete estava instalado debaixo da tribuna, sob o tabuado nu, sem sobrado, sem um
ornato, sem uma flor. Ao fundo corria uma prateleira de taberna com garrafas e partos de
bolos. E, no balcão tosco, dois criados, estonteados e sujos, achatavam à pressa as fatias
de sanduíches com as mãos húmidas de espuma da cerveja.” – a anáfora pretende
salientar o pouco esforço e vontade em preparar o bufete e o desleixo da alta burguesia
lisboeta, que vivia de aparências, os que a ela pertenciam eram, na verdade, grotescos e
precários.

O ridículo do evento também emerge do facto de os participantes recporrerem a


estrangeirismos do campo lexical das corridas de cavalos, como «Jockey» ou «High Life».

 A mentalidade provinciana é criticada ao longo de todo o capítulo.

Toda a alta sociedade, incluindo o rei, revelou atitudes provincianas, não só pelo seu mau
gosto na decoração do hipódromo e na falta de organização do evento, mas também pelos
seus comportamentos e apresentação.

Ao contrário de um ambiente festivo e elegante, simultaneamente descontraído e casual,


característico das corridas de cavalos, as pessoas foram vestidas de forma exagerada e
mostravam-se entediadas e mostravam-se entediadas, totalmente desinteressadas pelas
corridas.
“No recinto em declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens, a gente do Grémio, das
secretarias e da Casa Havanesa; a maior parte à vontade, com jaquetões claros, e de
chapéu-coco; outros mais em estilo, de sobrecasaca e binóculo a tiracolo, pareciam
embaraçados e quase arrependidos do seu chique.”

Apesar de se tentar manter uma boa imagem (sociedade de aparências), o espírito


português – sem educação, arruaceiro e cobiçoso – revela-se, quando há desacordo e a
situação evolui para o insulto e para a pancadaria, porque há dúvidas sobre o resultado
de uma corrida.

Um cenário que deveria ostentar a exuberância de um acontecimento mundano, como as


corridas de cavalos, demonstra uma imagem completamente oposta, o provincianismo da
sociedade portuguesa.
 As mulheres que estavam na tribuna estavam vestidas de forma inapropriada, com
vestidos de missa e chapéus emplumados (“Debruçadas no rebordo, numa fila muda,
olhando vagamente, como de uma janela em dia de procissão, estavam ali todas as
senhoras [...] A maior parte tinha vestidos sérios de missa. Aqui e além um desses grandes
chapéus emplumados à Gainsborough, que então se começavam a usar [...]”

O comportamento da assistência feminina “que nada fazia de útil” e a sua vida são no seu
todo caricaturados, o seu vestuário não era adequado ao evento e assim, um ambiente
que devia ser requintado, mas ao mesmo tempo ligeiro, como deve ser um evento
desportivo, era deturpado pelo ridículo e tentativa exagerada e fracassada de o fazer
parecer.

É também criticada a falta de à-vontade das senhoras da tribuna que não falavam umas
com as outras e que, para não desobedecer às regras de etiqueta, permaneciam no seu
lugar, mas constrangidas. A excepção é D.Maria da Cunha que abandona a tribuna e se
vai sentar perto dos homens.
“Carlos, no entanto, fora falar à sua velha amiga D.Maria da Cunha que, havia momentos,
o chamava com o olhar, com o leque, com o seu sorriso de boa mamã. Era a única senhora
que ousara descer do retiro ajanelado da tribuna, e vir sentar-se em baixo, entre os
homens [...]”

Atualidade na intenção crítica do episódio

 Estado do ensino português


- Há uma crítica ao ensino em Portugal quando Craft comenta com o marquês que o
ensino devia ser como lá fora: gratuito e obrigatório.
“O quê, o toiro? Está claro! O toiro devia ser neste país como o ensino é lá fora: gratuito
e obrigatório.”
Porém, ele está a referir-se ao ensino naquela época, mesmo que o nosso país ainda seja
menos desenvolvido do que outros da Europa, como a Inglaterra ou a França, em vários
fatores, incluindo na educação, nos dias de hoje.

 Adultério
- Neste episódio a Gouvarinho representa o adultério, aparecendo sempre com o objetivo
de estar com Carlos.
Apesar de hoje em dia o adultério não ser visto de uma forma tão escandalosa como era
na altura, é sem dúvida uma crítica bastante atual, visto que atualmente, sendo raros os
casamentos por conveniência, não deveria existir motivos para tal ato, pois ninguém é
obrigado a estar com uma pessoa com quem não queira estar.

 O que é nacional não é bom/ o que vem de fora é melhor


Ainda nos dias que correm, há muita gente a pensar desta forma. No entanto, sem dúvida
houve um progresso nesta mentalidade, pois o nosso país tem imenso potencial, ainda
que haja algo sempre a aprender e a melhorar com os países mais desenvolvidos.

Você também pode gostar