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MATERIAL DE APOIO PEDAGÓGICO

ANO LECTIVO 2023/24 – 1º SEMESTRE

SIGLA/CURSO EFM ENFERMAGEM

ANO/TURNOS 4º MA, MB, V

CÓD./DISCIPLINA 374 ENFERMAGEM NA PESSOA EM


SITUAÇÃO CRÍTICA

DATA DA PUBLICAÇÃO 20/12/2023

PROF./NOMES ALEXANDRE SAÚL & GONÇALVES LOPES

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TEMA VII – TÉCNICAS MAIS FREQUENTES USADAS. COLABORAÇÃO DO
ENFERMEIRO EM TÉCNICAS INVASIVAS

Hemofiltração continuada (métodos depuradores)

1. Diálise peritoneal

Introdução

Uma das opções de tratamento disponíveis da insuficiência renal crónica


terminal é a Diálise peritoneal. É uma técnica fisiológica que utiliza a membrana
peritoneal (membrana que envolve os órgãos abdominais), actua como um filtro
do sangue, removendo excesso de água e toxinas do corpo.

A diálise peritoneal requer equipamentos que se adequem aos avanços da


tecnologia. O dializante é introduzido na cavidade peritoneal através de um
catéter colocado na parte inferior do abdómen. Uma membrana fina, chamada
peritoneu, reveste as paredes da cavidade peritoneal e cobre todos os órgãos
nela contidos. Na diálise peritoneal, o peritoneu actua como membrana de
diálise. A cavidade peritoneal pode frequentemente reter mais de 3 litros, mas
na prática clínica é mais usual utilizar 1,5 − 2 litros de dializante.

A osmose é definida como a passagem da água através de uma membrana de


uma área onde a sua concentração é mais alta para outra onde a sua
concentração é mais baixa.

Na diálise peritoneal utilizamos a osmose através da adição de glucose, que é


uma grande molécula, ao líquido da diálise peritoneal. A grande molécula de
glucose arrasta a água do lado do sangue para o lado do líquido da diálise
peritoneal, tentando diluir a elevada concentração de glucose e chegar ao
equilíbrio.

Mudando o líquido da diálise peritoneal após 4 − 6 horas haverá uma maior ou


menor remoção de líquido do sangue durante todo o dia. A concentração de
glucose no líquido da diálise peritoneal determina a quantidade de líquido que
será removida.

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Os produtos residuais, como a ureia e a creatinina, são removidos por difusão.
Movem-se da área de elevada concentração da corrente sanguínea para uma
área de baixa concentração do líquido de diálise peritoneal, na cavidade
abdominal. Uma vez obtido o equilíbrio, o dialisado residual é drenado, sendo
instilado novo dializante. Este processo é contínuo e imita a acção do rim.
Proporciona ao doente uma diálise contínua sem os altos e baixos do tratamento
de hemodiálise, que é normalmente intermitente.

O conteúdo do dializante da diálise peritoneal pode ser dividido em electrólitos,


solução tampão e agentes osmóticos, estando disponíveis muitas composições
diferentes. O electrólito mais abundante no líquido de diálise peritoneal é o Sódio
(Na+), cuja concentração varia entre 132 – 145 mg/dL; 138 – 142 mmol/L ou 138
– 142 mEq/L. A concentração de Cálcio (Ca+) varia com frequência, dependendo
de aspectos como o doente estará a tomar soluções de cálcio com teor em
fosfato. Normalmente situa-se entre 2,25 – 2,74 mg/dL; 4,5 – 5,2 mmol/L e 2,25
– 2,6 mEq/L. A solução tampão utilizada no líquido de diálise peritoneal é
normalmente o lactato, embora em certas situações seja utilizado bicarbonato.
O lactato é metabolizado em bicarbonato pelo organismo.

O principal agente osmótico é a glucose. Como a taxa de osmose está


relacionada com a concentração osmótica do líquido de diálise peritoneal, a taxa
de ultrafiltração pode ser controlada escolhendo uma concentração de glucose
apropriada. Os níveis de glucose normais do líquido de diálise peritoneal situam-
se entre 1,4 e 4,5%.

Conceito

Diálise peritoneal é o método em que se introduz um líquido estéril na cavidade


peritoneal com a utilização do peritóneo como membrana dializante, a qual
permite a difusão de moléculas de solutos de maior concentração até menor
concentração tratando-se de substituir a função renal.

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Fisiologia da diálise peritoneal

A diálise peritoneal é realizada pela introdução de 1 a 3 litros de uma solução


salina contendo dextrose (solução de diálise) na cavidade peritoneal. Os
produtos tóxicos movem-se do sangue e tecidos circunjacentes para a solução
de diálise por difusão e por ultrafiltração. A remoção do corpo dos produtos
residuais e do excesso da água ocorre quando o dialisado é drenado.

Remoção dos Solutos e da Água

a) Difusão

A difusão é o principal mecanismo pelo qual a diálise peritoneal remove os


produtos residuais. A difusão pode ser definida como uma troca de solutos entre
duas soluções separadas por uma membrana semi-permeável. Na diálise
peritoneal, uma das duas soluções é o sangue que perfunde os capilares
adjacentes à membrana peritoneal. A outra solução é o dialisado no abdómem.
A “membrana” peritoneal é uma série heterogénea de barreiras tissulares entre
o sangue e o dialisado, começando no endotélio capilar e estendendo-se através
da membrana basal capilar, pelo tecido conjuntivo frouxo até a superfície
peritoneal do mesotélio.

b) Ultrafiltração

A ultrafiltração é definida como o volume do movimento de água juntamente com


os solutos permeáveis através de uma membrana semipermeável. A
ultrafiltração é o mecanismo pelo qual se remove líquido na diálise peritoneal. A
ultrafiltração pode ser também responsável por uma significativa percentagem
da remoção total de solutos.

Precauções universais

Devem-se considerar todos como potências portadores de vírus de Hepatite B


(VHB), vírus da Hepatite (VHC), citomegalovírus (CMV) e vírus da
imunodeficiência adquirida (AHIV) entre outras doenças transmissíveis pelo
contacto com o sangue e outros fluidos corporais.

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Objectos perfuro-cortantes contaminados precisam ser manipulados
cuidadosamente e desprezados com segurança.

A utilização correcta de luvas não protege eficazmente de acidentes com


inoculações.

Recomenda-se, além do uso de luvas, cuidado e critério com a técnica de


utilização dos objectos perfuro cortantes utilizados na assistência ao paciente, o
progresso tecnológico em novas versões de modelos seguros desses
equipamentos em recipientes adequados faz-se necessário para melhor
prevenção de acidentes.

Procedimentos para as precauções universais

Lavar as mãos com água e sabão líquido, entre os procedimentos e sempre que
houver contacto com sangue e outros fluidos corpóreos. Realizar este
procedimento sempre após a retirada das luvas.

As luvas devem ser utilizadas para a manipulação de sangue e outros fluídos


corporais, membranas mucosas ou pele não integra de outros pacientes, para
procedimentos ou superfícies contaminados com sangue os outros fluídos
corporais, para venopunção e outros procedimentos de acesso vascular. Sempre
após a retirada das luvas realizar o procedimento anterior. As luvas devem ser
trocadas após o contacto com cada paciente.

Utilizar avental fechado sobre as roupas de uso comum ou uniforme de mangas


longas quando houver contacto directo com o paciente, principalmente em
procedimentos com risco de contaminação com sangue ou outros fluídos
corporais.

As agulhas não devem ser reencapadas, entortadas ou quebradas, removidas


de seringas descartáveis ou manipuladas de outras formas depois de usadas.
Utilizar recipientes de paredes rígidas, resistentes a perfuração, para transporte
ou recolhimento de todos os materiais perfuro cortantes contaminados. Os
recipientes utilizados para o descarte desses materiais devem ser preenchidos
apenas até 2/3 de sua capacidade, para que permitam seu adequado

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fechamento, sem causar riscos de acidentes. Desprezá-los devidamente selados
no lixo hospitalar. Usar sempre todos os EPIs.

a) Lavagem das Mãos

A principal via de transmissão de infecção hospitalar são as mãos da equipe


hospitalar. Portanto a adequada lavagem das mãos é fundamental para o seu
controle.

Em unidades de alto risco, há necessidade de se remover a flora residente e


transitória, por isso, o uso de antissépticos. Nas demais basta o uso de água e
sabão.

A equipe hospitalar ao iniciar as actividades, principalmente em áreas críticas,


deve retirar anéis, pulseiras, relógios e lavar as mãos até o cotovelo, com sabão
e detergente por 3 a 5 minutos.

Lavagem Simples das Mãos A lavagem simples das mãos deve ser realizada ao
iniciar e terminar o turno de trabalho, após o uso do toalete, após assoar o nariz,
antes e imediatamente após o contacto directo com paciente, antes de preparo
de medicações, sujeira visível das mãos. A lavagem simples das mãos é
realizada com água e sabão por 15 a 30 segundos, podendo ser completada
com fricção de álcool a 70%.

b) Orientações nutricionais para os pacientes em tratamento dialítico

Orientar o paciente quanto ao tratamento dietético inicial, de acordo com o


tratamento dialítico seleccionado.

Orientar os familiares quanto ao tratamento dietético bem como a importância


deste para a manutenção do bem-estar do paciente; Colectar dados clínicos,
dietéticos e antropométricos através de protocolos pré-estabelecidos.

c) Orientações psicológicas para os pacientes em tratamento dialítico

1. Fornecer apoio psicológico e acolher o paciente.


2. Avaliar o nível de conhecimento do paciente acerca da doença e do
tratamento e solucionar dúvidas existentes.

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3. Avaliar e reduzir o nível de ansiedade do paciente.
4. Fornecer apoio psicológico à família e orientá-la acerca da doença e do
tratamento.
5. Colectar dados acerca de suportes psicológicos, sociais e económicos do
paciente através da aplicação de protocolo pré-estabelecido.

Complicações mais frequentes

a) Fluxo Pobre

A causa mais comum de um baixo fluxo sanguíneo é a obstrução parcial do ramo


venosa devido à fibrose secundária a múltiplas punções venosas.

b) Estenose e Trombose

Uma redução do fluxo sanguíneo através da fístula ou uma pressão de retorno


venoso muito elevada durante a Hemodiálise. Ocorrem geralmente em áreas
próximas à locais de venopunções repetidas, por organização de coágulos.

Pode ainda ocorrer como consequências de compressões excessivas exercidas


sobre a fístula (curativos, garroteamento, etc), durante quadros de desidratação
grave, episódios de hipotensão arterial prolongados ou estados de
hipercoagulabilidade vistos em pós-operatórios.

c) Isquêmia da Mão

É comum em pacientes com circulação previamente comprometida, tais como


diabéticos e pessoas mais idosas com aterosclerose. A isquemia se manifesta
por dor na mão, uma sensação de mão húmida e fria e, em casos extremos, por
úlceras que não cicatrizam.

d) Edema de Mão

Edema de grandes proporções pode ocorrer em consequência de hipertensão


no sistema venoso distal à anastomose. Nas fístulas clássicas podem surgir
edemas das mãos com úlceras de cicatrização muito difícil. Nas situações mais
críticas a fístula deve ser ligada e reconstruída em outro membro.

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e) Aneurisma ou Pseudoaneurisma

Aneurisma verdadeiro não é incomum e ocorre primeiramente no local da


anastomose venosa e nas áreas de venopunção repetitivas. É complicação
silenciosa, mas pode trombosar e infectar passando a merecer tratamento
cirúrgico.

O pseudoaneurisma é muito comum e se deve ao extravasamento de sangue


após a remoção das agulhas de Hemodiálise. Frequentemente se complica com
infecção e portanto merece cuidados especiais, evitando-se venopunções nas
áreas comprometidas e observações constantes.

f) Infecções

Nas fístulas clássicas, infecção é complicação infrequente, desde que cuidados


anti-sépticos sejam observados durante as punções. A situação é mais comum
e muito mais grave no caso de fístulas construídas com próteses, sendo
geralmente a causa da perda do acesso.

A apresentação clínica inclui quadros de fácil diagnóstico, com edema,


hipertermia, eritema e abcessos, e situações mais sutis que podem confundir o
raciocínio, caracterizadas por febre e comprometimento da condição clínica do
paciente, sem sinais locais de inflamação.

No caso de próteses, a remoção cirúrgica imediata do enxerto e a drenagem


cuidadosa do túnel são mandatórias. Nas fístulas clássicas o tratamento
conservador é geralmente bem sucedido com antibióticos e cuidados locais.

Complicações mais graves incluem Embolia Pulmonar Séptica, Endocardite


Bacteriana e Empiema, particularmente em pacientes debilitados por
desnutrição ou portadores de outras condições de imunodeficiência. Comuns os
de origem Stafilocócica.

g) Insuficiência Cardíaca Congestiva

Ocorre naqueles pacientes portadores de Miocardiopatia de qualquer natureza


e que já tenham índices de junção cardíaca alterados.

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Cuidados de enfermagem

a) Antes:

1. Preparação psicológica: tratar de tranquilizar o paciente e seus


familiares dando resposta as suas perguntas e inquietações. Explicar em
que consiste o procedimento e a necessidade de sua realização.

2. Pesar o paciente: serve como guia para determinar o tipo de diálise. A


cifra de peso ao iniciar o método é útil para estabelecer uma línea e sua
futura avaliação. Deve-se anotar na história clínica do paciente.

3. Medir, interpretar e anotar os sinais vitais: a cada 15 minutos ou


segundo a indicação médica (temperatura, tensão arterial, pulso e
frequência respiratória). Conhecer estes parâmetros ao começo do
método, pode dar possibilidade de descarte de infecções.

4. Evacua a bexiga: em casos de realizar-se uma diálise por punção com


catéter de Tennkof, evita-se a possibilidade de perfurar a mesma ao
introduzi-lo no peritóneo.

5. Prepara o material e equipamentos necessários: Estes requerem uma


esterilização estrita, pois a introdução de um catéter na cavidade
peritoneal pode ocasionar iatrogénia se não forem tomadas medidas
idóneas.

6. Prepara a zona a puncionar (pacientes mais graves): rasurar o


abdómem cuidando não produzir feridas, escoriações que sirvam de porta
de entrada para as infecções. Desinfectar com água, sabão e Hibitane
aquoso 1 x 1000.

7. Ajudar a inserção do catéter para medir a PVC (pressão venosa central).

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b) Durante

1. Oferecer suporte psicoemocional em correspondência com o estado do


paciente, extensivo aos familiares.

2. Tomar amostra de primeiro banho de diálise e enviar a bacteriologia.


Cumprir com as indicações (Heparina) e em caso de não existir
sangramento. Esta se utiliza para impedir os coágulos de fibrina que
obstruam o catéter. Administra-se a uma necessidade de: Adultos = 80
UI/kg (5000 – 100000 UI); em infusão continua intravenosa 18 UI/kg/hora
e/ou: 1.5 a 2 mg/Kg de peso.

3. Medir e interpretar os sinais vitais: TA e pulso cada 15 ou 30 minutos


na primeira sessão de intercâmbio e depois cada 1 hora segundo o estado
do paciente. A descida da pressão arterial perda excessiva de líquidos por
concentração hipertónica da glucose nas soluções de diálise. A
temperatura mede-se em busca da febre e o pulso para detectar arritmias.

4. Vigiar a saída dos líquidos: deve tardar aproximadamente de 20 à 30


minutos, embora possa variar de paciente para paciente. Observar as
características do líquido expulsado (turvo ou sanguinolento).

5. Vigiar presença de dor abdominal: Esta dor pode aparecer ao final do


período de introdução ou extracção do líquido, vigiar a temperatura da
solução da diálise já que os banhos frios produzem calafrios, moléstias no
paciente e muito quentes produzem irritação peritoneal. Aplica-se o frasco
lavado Bicarbonato a 8% 3,5 ml, para diminuir a dor.

6. Observar e detectar obstrução do catéter: podem aparecer dificuldades


como a presença de coágulos que obstruam o catéter.

7. Posição semissentada: para evitar a dificuldade respiratória produzida


pela pressão exercida pelo líquido na cavidade peritoneal.

8. Dieta hipoprotéica: deve vigiar-se a ingestão da mesma pois grande


quantidade das proteínas do soro que passam na membrana peritoneal
durante a diálise.

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9. Na folha da diálise deve se anotar:
a) Volume da solução;
b) Hora do começo e término;
c) Número da diálise;
d) Medicamentos utilizados.

10. Observar e anotar na história clínica: derrame do líquido ao redor do


catéter; choque por perda excessiva de líquidos; Hemorragia: observar e
descrever se é nos primeiros banhos de diálise o líquido; observar a
entrada e saída de líquidos (isto deve ser a jorro e não em gotejo).

c) Depois:

1. Medir e interpretar os sinais vitais: controlo da temperatura em busca


de sinais de infecção, TA, FR e FC.

2. Pesar o paciente: para avaliar a efectividade do banho peritoneal:


retenção ou não do líquido utilizado.

3. Vitaminoterapia: ao realizar a diálise, produz-se défice de algumas


vitaminas, pelo que devem ser administradas por diferentes vias: (B1:
1ml=100mg; B6: 1ampola=1ml=25mg; B12: 1ml=100mg; Vit. C:
1ampola=2ml=200mg; Comprimidos: 1 comprimido de Complexo
B=Polivit=Multivit= Centrum+Ácido Fólico+Vitamina C 500mg). Todos
segundo indicação médica.

4. Cuidados com o catéter: manter os princípios de assepsia e antissepsia,


assim como protege-lo com solução de Yodo Povidona a 10% nos
extremos proximal e distal, antes, durante e depois do procedimento,
fiscalizando um bom funcionamento do mesmo, inserção, permeabilidade
e fragilidade.

5. Anotar na história clínica: peso corporal do paciente, avaliação do


estado do mesmo, balanço hidromineral se foi positivo ou negativo.

6. Tomar amostra do último banho da diálise e enviar a bacteriologia.

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2. HEMODIÁLISE

Introdução

Os fundamentos da hemodiálise foram estabelecidos por Abel, Rowntree e


Turner, em 1913, em um trabalho que relata o seguinte: "realizou-se um método
mediante o qual o sangue de um animal vivo pode ser submetido à diálise fora
do corpo, e voltar de novo à circulação normal". Uma grande linha experimental
existe entre este primeiro trabalho, e o primeiro hemodialisador de aplicação
prática, construído, na Holanda, por Kolff, 1941.

A hemodiálise é, essencialmente, um meio de remover as escórias do sangue,


e suprí-lo de substâncias necessárias a ele, função esta desempenhada pelos
rins em circunstâncias normais. O princípio que rege a hemodiálise consiste na
permeabilidade da membrana, na qual ocorre a difusão. Esta é consequência da
tendência ao equilíbrio, nos sistemas em que existe um gradiente de
concentração (colocando-se em contacto duas soluções de concentração
diferentes, separadas por uma membrana semi-permeável, depois de algum
tempo observa-se que suas concentrações são iguais, devido à passagem de
substâncias da solução mais concentrada para a menos concentrada). O
hemodialisador é o aparelho que permite esta difusão.

No hemodialisador, ocorre troca de pequenas moléculas entre o sangue


conduzido para fora do organismo através uma canulação de vasos (num
sistema de circulação extra-corpórea), e um líquido de concentração adequada
(o líquido de diálise). Estas trocas se realizam através de uma membrana semi-
permeável, que separa o líquido de diálise do sangue, o qual regressa depurado
ao organismo.

A membrana semi-permeável usada nos hemodialisadores pode ser definida


como uma lâmina delgada, maleável, flexível, de origem sobretudo animal ou
vegetal. A mais usada é a de celofane, cujos poros têm, aproximadamente, 2,4
milimicrons de raio. Esta membrana não permite a passagem de proteínas
plasmáticas para o banho de diálise, nem a passagem de bactérias deste para
o sangue.

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Conceito

Hemodiálise é um processo que consiste em eliminar do sangue resíduos


acumulados, emprega-se nas etapas terminais.

É um tratamento que consiste na remoção do líquido e substâncias tóxicas do


sangue, como se fosse um rim artificial. É o processo de filtragem e depuração
de substâncias indesejáveis do sangue como a creatinina e a ureia. A
hemodiálise é uma terapia de substituição renal realizada em pacientes
portadores de insuficiência renal crónica ou aguda, já que nesses casos
o organismo não consegue eliminar tais substâncias devido à falência dos
mecanismos excretores renais.

Figura 26 - Aparelho de hemodiálise

O líquido de diálise

O líquido de diálise consiste em aquelas substâncias que são normalmente


encontradas no sangue do paciente, e que não podem ser removidas, tal como
o magnésio, e em aquelas substâncias que podem ser fornecidas ao paciente,
como o bicarbonato. As substâncias que precisam ser removidas (tal como a
ureia) não são colocadas no líquido de diálise.

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A composição "standard" do banho de diálise mais utilizada é:
 Sódio (Na+) = 135 mEq/L. • Cloro (Cl-) = 104 mEq/L.
 Potássio (K+) = 3,5 mEq/L. • Bicarbonato = 26 mEq/L.
 Magnésio (Mg+) = 2,5 mEq/L. • Glicose variável.
 Cálcio (Ca+) = 2,5 mEq/L.

A composição "'standard" do líquido de diálise pode sofrer modificações, na


dependência das condições e necessidades de cada paciente.

Obtém-se uma solução de composição igual à indicada anteriormente, diluindo


os gramas correspondentes aos mEq/L de sais necessários, em 100 litros de
água de torneira.

Existem, ainda, outras maneiras de se obter o líquido de diálise, tais como os


preparados comerciais que contém os sais em solução concentrada.

Nos tanques dos hemodialisadores, existem, geralmente, dispositivos que


misturam os sais com água, garantindo a homogeneidade do líquido de diálise.

Os cuidados com o líquido de diálise são os seguintes:

− O banho de diálise deve ser preparado imediatamente antes de seu uso, a fim
de se evitar a proliferação bacteriana no banho.

− A temperatura do líquido de diálise, para entrar em contacto com a membrana


dialisadora, deve estar entre 38.º a 40.ºC.

− O pH do banho deve ser verificado após seu preparo, e deve ser ajustado em
torno de 7,4.

− A água de torneira usada para o preparo do banho necessita ser analisada,


para se evitar teores elevado de sais minerais, tais como Cálcio, Magnésio,
Ferro, etc.

− A proliferação bacteriana no banho pode ser prevenida de várias maneiras:


esfriamento do banho do reservatório à temperatura de 20ºC, aquecendo-se
somente o líquido que vai entrar em contacto com a membrana; uso do banho
de diálise sem glicose (não recomendado, pois a ausência de glicose diminui a

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osmolaridade de banho); exposição do banho a um foco de luz ultravioleta
(eficiência discutida); colocação de antissépticos no reservatório do rim artificial,
nos intervalos entre as hemodiálises.

Tipos de circulação do líquido de diálise

Existem dois sistemas diferentes de circulação do líquido de diálise: o sistema


de recirculação, e o sistema tipo "single-pass".

No sistema de recirculação, o líquido de diálise é retirado do reservatório, ou


tanque, através de uma bomba, é colocado em contacto com a membrana, e é
devolvido ao reservatório. Este ciclo se repete permanentemente. O banho vai,
então, progressivamente, se saturando, sendo necessário sua troca periódica, a
intervalos regulares, a fim de manter a eficácia do mesmo. Exemplo: − O primeiro
modelo Kolff "Twin − Coil".

No sistema tipo "single-pass", uma bomba retira, continuamente, uma certa


quantidade de líquido do reservatório, e joga-o na unidade dialisadora. Após
entrar em contacto com a membrana, o líquido é desprezado, não voltando mais
ao reservatório. Exemplo: − Rim artificial Kill.

O modelo mais moderno de "Twin-Coil" associa características dos dois


sistemas, sendo por isto chamado de R.S.P. (recirculating Single−pass). A
recirculação do banho é apenas parcial. A unidade dialisadora, o "Coil", é
colocada num compartimento que suporta um volume de 8 litros, compartimento
este separado do tanque do líquido de diálise. Uma bomba retira, continuamente
um certo volume de líquido do tanque, e joga-o no compartimento de recirculação
(canister). Este volume varia de 300 a 500 ml de líquido por minuto. Isto produz
um excesso de volume líquido no canister, que é drenado, e desprezado através
de um sifão. O líquido que vem do tanque garante uma constante e permanente
renovação do líquido contido no compartimento de recirculação.

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Heparinização

Durante todo o tempo em que o paciente se submete à hemodiálise há


necessidade de seu sangue ser heparinizado, por se tratar de um sistema de
circulação extracorporal.

A heparinização deve ser feita imediatamente antes da instalação da


hemodiálise, na dosagem de 1.5 a 2 mg/Kg de peso do paciente.

Dois métodos podem ser usados para heparinização: sistémico ou regional. Este
último é particularmente indicado em casos de pacientes com tendência
hemorrágica, cirurgia recente de grande vulto, e traumas com superfície cruentas
propícias a sangramento.

No método sistémico, o anticoagulante é injectado, antes do início da diálise, por


via endovenosa, sendo a heparinização mantida através da introdução do
anticoagulante no "set" arterial a cada duas horas.

No método regional, o anticoagulante é administrado através do "set" arterial,


tornando incoagulável somente o sangue que circula no aparelho. Quando o
sangue deixa o dialisador, e retorna ao paciente, nele é lançado protamina (na
proporção 1,5 mg de protamina para cada mg de heparina), o que restabelece a
coagulabilidade do sangue antes deste voltar ao paciente.

O tempo de coagulação, durante a diálise, deve sempre ser mantido superior a


20 minutos.

Procedimento correcto para manipulação da cânula

− Retira-se cuidadosamente a faixa crepe do curativo.

− Limpa-se o braço, ou perna, e as inserções da cânula com sterylderme; se


houver crostas em volta destas, retirá-las cuidadosamente com uma pinça.

− Sob cada ramo da cânula, coloca-se uma gaze, dobrada ao meio, para
protecção.

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− Antes de desconectar a cânula, para a colheita do material (sangue), e o início
da hemodiálise, deve-se passar uma solução de mertiolate nos ramos, e proteger
o braço ou perna do paciente com campos, compressas ou gazes esterilizadas,
para que não haja contaminação dos ramos arterial e venoso da cânula.

− Clampa-se os ramos, e desconecta-se o sistema, tomando-se cuidado para


não traccionar a ponte arteriovenosa; colhe-se sangue para exames,
encaminhando-o para o laboratório.

− Hepariniza-se o paciente pelo ramo venoso, de acordo com a dose adequada.

Procedimento correcto para manipulação da fístula arteriovenosa

a) Retira-se o curativo, e faz-se assepsia da pele.

b) Injecta-se próximo ao local aonde se vai fazer a punção, 0,5 ml de


xilocaína subcutâneo.

c) Punciona-se a veia e a artéria com 'Butterfly" n.º 16 ou 18, fixando-se bem.

d) Colhe-se o sangue que flui pelo "Butterfly" arterial para os exames, e


hepariniza-se o paciente pelo ramo venoso.

Cuidados de enfermagem

a) Antes

1. Oferecer suporte a esfera psicoemocional com o objectivo de manter a


estabilidade do paciente e seus familiares.

2. Medir e interpretar os sinais vitais: ressaltando a temperatura em busca


da febre, FR, FC, TA (possível hipertensão arterial).

3. Pesar o paciente: para poder estabelecer comparação antes de iniciar o


tratamento e depois de finalizar o mesmo.

4. Desinfecção mecânica da região: tratar de deixar o mais asséptico


possível (água, sabão, Hibitane aquoso 1 x 1000).

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5. Manipulação do Shunt ou fístula arteriovenosa: se utilizam panos e luvas
estéreis na manipulação dos mesmos com o fim de evitar as infecções.

b) Durante

1. Manter o suporte a esfera psicoemocional: deve manter-se pois tanto o


paciente como os familiares têm a esperança de melhorar seu estado
geral actual, sobreviver e melhorar a qualidade de vida.

2. Medir os sinais vitais cada hora: em busca de hipotensão ou hipertensão


arterial por extracção brusca de líquidos, outras causas; além demais, FR,
FC e temperatura.

3. Administrar Heparina: segundo indicação médica para evitar obstrução do


Shunt (fístula arteriovenosa) ou a coagulação do sangue no sistema extra
corpóreo. Administra-se no começo e a metade da dose as 2 horas de
tratamento. Em casos de faltar o fluido eléctrico o pessoal de enfermagem
deve manejar manualmente a bomba de pressão sanguínea, para que o
rim artificial continue seu funcionamento.

4. Vigiar sinais de complicações: náuseas, vómitos, Cãimbras musculares e


enroxecimento (rubor) dos olhos.

c) Depois

1. Medir e interpretar os sinais vitais: deve medir a TA, tanto de pé, acostado
e sentado para detectar as possíveis alterações. Não fazê-lo no braço do
Shunt, FC, FR e Temperatura.

2. Pesar o paciente: ao terminar o procedimento, deve pesar-se com


objectivo de conhecer os benefícios que reportou no tratamento, se
realmente o paciente baixou a quantidade de balanços indicados na
hemodiálise, de não ser assim, se aplicará maior pressão para eliminar os
líquidos retidos.

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3. Realizar cuidados com o Shunt ou fístula: realizar curas secas cobrindo
as mesmas. Se o paciente apresenta infecção, se efectuará diariamente
ao contrário em dias alternados quando se lhe aplica o tratamento.

4. Educação sanitária: ao paciente e seus familiares acerca de:

a) Não dobrar o braço, nem dormir entre outros familiares, pode lastimar-se.

b) Ingerir dieta com as necessidades orientadas.

c) Cumprir medicamentos segundo indicação médica (vitaminoterapia,


antibioterapia e outros).

d) Realizar exames periódicos segundo o estado do paciente.

5. Realizar cuidados com o equipamento: ao terminar cada hemodiálise se


efectuará mudanças de placas e ramos, se efectuará o seguinte
procedimento: Uma boa desinfecção mecânica a todo o equipamento com
água suavizada para evitar os restos de sangue, posteriormente se
esterilizará com vapores de formol a 5% durante 48 ou 72 horas
aproximadamente e antes da sua reutilização, lavam-se as líneas com
solução salina e realiza-se a prova de Shunt para comprovar se caiem
restos de formol nos mesmos. Cada paciente possuirá suas líneas e
placas para a realização do seu tratamento. (3 gotitas): se apresentar
coloração rosada, tem restos de formol.

18
TEMA VIII – TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA E ENFERMAGEM:
ASPECTOS ESSENCIAIS

Introdução

No cenário sanitário actual, parte expressiva dos pacientes admitidos nos


hospitais demanda o uso da terapêutica medicamentosa ou
farmacoterapia para aliviar sintomas, substituir substâncias no organismo,
destruir microrganismos invasores e tratar enfermidades, com o intuito de
reduzir a morbimortalidade.

Os medicamentos que representam o alicerce da farmacoterapia são


substâncias químicas providas de propriedades terapêuticas, que
apresentam especificidade, mas não selectividade absoluta, tornando-os
capazes de ocasionar reações indesejadas, ainda que usados em doses
terapêuticas.

A administração de medicamentos é um processo complexo que, embora


pressuponha o acto de "ministrar o medicamento", inclui inúmeras fases
inter-relacionadas e directamente interligadas por uma equipe
multiprofissional - médicos, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos e
auxiliares de enfermagem, cuja formação é bastante distinta, dando um
carácter heterogêneo no que tange à avaliação do paciente submetido à
terapêutica medicamentosa.

Integram esse processo a prescrição médica, a transcrição da prescrição,


distribuição dos medicamentos pelo farmacêutico, preparo e
administração pelo enfermeiro, além da avaliação da resposta
apresentada pelo paciente, de responsabilidade de toda a equipe.

No que concerne à enfermagem, administrar medicamentos implica


actividades que vão além de "dar comprimidos ao paciente", tendo em vista
que há riscos, alguns, inclusive, que podem causar lesões permanentes
nos pacientes. Portanto, essa actividade deve ser executada seguindo-se

19
fielmente algumas regras de segurança. Desta forma, este capítulo trata
de aspectos relativos à terapêutica medicamentosa, particularizando os
referentes à equipe de enfermagem, focando aqueles que são essenciais
na proposição de intervenções genéricas relacionadas a medicamentos
administrados por diferentes vias.

A administração de medicamento é uma das maiores responsabilidades


da equipe de enfermagem. Tal condição determina que essa prática seja
exercida de modo adequado e seguro aos pacientes e que, portanto, os
erros sejam prevenidos e evitados. Mesmo tendo o amparo legal e
formação curricular para a realização dessa actividade, verifica-se que,
muitas vezes, há despreparo do profissional para fazê-lo, além do que,
muitas vezes, a sua execução ocorre de maneira automática e
desatenciosa, desconsiderando-se todas as consequências que um erro
nesse processo pode desencadear.

Ainda que o medicamento seja seguro, no sentido intrínseco, é dever do


profissional prevenir a ocorrência de eventos adversos e garantir a
segurança no processo de utilização.

Para assegurar esses aspectos, é importante que os enfermeiros tenham


amplo conhecimento acerca de mecanismo de ação, reações adversas,
vias de administração, interações e incompatibilidades dos
medicamentos. Nesse sentido, o artigo 30 do Código de Ética do
Profissional de Enfermagem proíbe ao profissional de enfermagem:
"Administrar medicamentos sem conhecer a ação da droga e sem
certificar-se da possibilidade dos riscos".

Não bastasse a complexidade da administração de medicamento na prática


de enfermagem, tal atividade é, na maioria das vezes, desempenhada por
profissionais de nível médio - auxiliares e técnicos, que compõem a equipe
de enfermagem, sob a supervisão e orientação dos enfermeiros.

20
O acto de delegar não refuta a responsabilidade do profissional enfermeiro
no atendimento das necessidades assistenciais e de cuidados à saúde do
paciente como indivíduo, da família e de outros, mesmo sendo realizados
por sua equipe.

Nesse contexto, a assistência segura depende, em parte, do conhecimento


do enfermeiro acerca das particularidades clínicas dos pacientes, da
familiaridade com os medicamentos e da segurança que permeia o
processo de trabalho institucional.

Medicamentos são constituídos por princípio activo - substância que


confere as propriedades terapêuticas, excipientes* e adjuvantes.** Desse
modo, são substâncias quimicamente complexas, que podem gerar muitos
efeitos no organismo, alguns desejáveis, outros indesejáveis.

* Ingredientes supostamente inativos utilizados para aurnentar o volume de uma formulação e


conferir-lhe certas propriedades físicas.
** Substâncias adicionadas aos medicamentos para garantir a estabilidade, prolongar o tempo de validade
e manter a esterilidade da solução.

O Efeito terapêutico representa a resposta desejada que o medicamento


produz no organismo. Reacção adversa ao medicamento (RAM)
representa qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se apresente
após a administração correta de doses normalmente utilizadas para
profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma enfermidade. As RAMs podem
apresentar graus de gravidade distintos: leves, moderadas ou graves e
são classificadas em: esperada (quando bem conhecida e descrita), rara
(quando descrita, mas ainda não tão bem conhecida) e desconhecida
(quando não conhecida ou não descrita). A notificação de intercorrências
é uma obrigação do profissional de saúde, a qual contribui para a
identificação de RAMs graves e melhoria da qualidade de produtos
comercializados. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
conta com um sistema que recebe notificação voluntária das RAMs.

21
Os efeitos dos medicamentos ainda podem ser: locais ou sistêmicos.

Os medicamentos que produzem efeitos locais são aqueles introduzidos


na pele ou nas mucosas (por exemplo, vagina, olho, nariz). Nesse caso, os
efeitos são limitados à área de aplicação do medicamento e a possibilidade
de RAMs sistémicas é muito reduzida.

Todos os medicamentos que entram na circulação sanguínea,


provenientes de distintas vias de administração e transportados para
tecidos específicos, apresentam efeitos sistêmicos, os quais podem ser
terapêuticos ou indesejados.

Processos relacionados à acção dos medicamentos

Os medicamentos produzem os efeitos terapêuticos por meio de ligação


a moléculas-alvos (receptores, enzimas, canais iônicos, ácidos nucleicos)
presentes nas células.

A grandeza do efeito farmacológico depende da natureza físico-química do


medicamento e da sua concentração no sítio de ação. Os processos da
farmacoterapia que dão sustentação ao conhecimento acerca do uso dos
medicamentos são: farmacêutico, farmacocinético, farmacodinâmico.

Processo farmacêutico

O processo farmacêutico encontra-se relacionado aos fatores inerentes à


formulação farmacêutica e à apresentação do medicamento, os quais
irão determinar o seu aproveitamento pelo organismo. Estritamente, diz
respeito às propriedades da formulação do medicamento como, por
exemplo, sua quantidade numa cápsula, excipientes usados na formulação,
adjuvantes, incluindo soluções-tampão, cossolventes e antioxidantes.

Processo farmacocinético

A farmacocinética retrata a trajectória do medicamento e o seu


comportamento face aos sistemas biológicos. Uma vez administrado, o

22
medicamento percorre o organismo, passando por fases que estão
envolvidas no início (absorção e distribuição) e na finalização (metabolismo
e excreção) da sua ação. Cada medicamento apresenta farmacocinética
particular, ou seja, um perfil próprio de absorção, distribuição,
metabolização e excreção.

a) Absorção

A absorção refere-se à transferência do medicamento do local de


administração para a corrente sanguínea. Essa fase pode ser influenciada
por distintos fatores: tipo de forma farmacêutica, via de administração e
condições do local de absorção (fluxo sanguíneo tecidual, motilidade do
trato gastrointestinal - TGI, PH e tipo de dieta).

O fluxo sanguíneo tecidual apresenta relação direta com a taxa de


absorção. Quanto maior a vascularização do tecido, maior será a extração
do medicamento. Nos hospitais, situações comumente encontradas nos
pacientes como dor, estresse e ansiedade, responsáveis por
vasoconstrição periférica, podem ocasionar redução da absorção, com
consequente impacto no retardo do efeito terapêutico do medicamento.

A velocidade de absorção dos medicamentos orais depende da forma


farmacêutica, ou seja, maneira pela qual esse agente é apresentado no
mercado.

As formas mais comumente usadas são os líquidos e os sólidos. Os


medicamentos na forma líquida são absorvidos mais rapidamente do que a
forma sólida. Nesta última, há necessidade de desintegração e dissolução
do medicamento antes de ele tornar-se líquido e iniciar o processo de
absorção.

No grupo da forma farmacêutica líquida, incluem-se as soluções, os


xaropes e a suspensão. Essas formas são úteis na administração de
medicamentos a crianças e outros indivíduos que não desejam ou não

23
sejam capazes de receber formas sólidas, por exemplo, idosos debilitados.
Na solução, os medicamentos são dissolvidos em solventes apropriados,
cuja aparência é homogênea e límpida. O xarope possui grande teor de
açúcar e substâncias aromáticas, deve ser usado com cautela em
indivíduos diabéticos. A suspensão representa dispersão de partículas
sólidas em meio ao líquido, havendo necessidade de agitá-la antes do uso
para haver homogeneização das partes.

Para os medicamentos sólidos, a velocidade de absorção é menor para os


comprimidos de liberação lenta, seguida dos comprimidos revestidos e
drágeas. As cápsulas e os comprimidos são mais rapidamente absorvidos.
O Quadro 30 ilustra as formas farmacêuticas sólidas dos medicamentos.

Quadro 30 - Características das formas farmacêuticas sólidas dos medicamentos.


Forma Sólida Características
Comprimido O princípio activo na forma de pó é misturado aos adjuvantes e
submetido à homogeneização, compressão e moldagem. Qualquer
parte do comprimido, ao ser partido, conterá a mesma quantidade de
princípio activo. Apresenta-se, frequentemente, com um sulco ao meio,
que facilita sua divisão. Pode ser macerado, quando necessário.
Cápsula O princípio activo na forma de pó, óleo ou líquido encontra-se no interior
de uma cápsula, ou seja, de um revestimento digerível. Via de regra,
deve-se evitar a abertura da cápsula, uma vez que o conteúdo pode ser
destruído pelo suco gástrico, antes de chegar ao local, prejudicando o
efeito farmacológico.
Drageia O medicamento apresenta uma capa de revestimento, que visa
protegê-lo da acção do suco gástrico (degradação). Drageias não
devem ser maceradas ou repartidas, pois há o risco de a parte não
corresponder à dose prescrita.
Pastilha Medicamento misturado em partes iguais com açúcar. Não é possível
macerar a pastilha, pois suas partes (parecidas com pequenos cristais)
podem ferir a cavidade oral.

b) Distribuição

É a transferência do medicamento da circulação para os tecidos. Essa


fase é diretamente associada ao débito cardíaco, à fração de ligação dos
medicamentos às proteínas plasmáticas - PP (albumina, D-globulinas), ao
volume de distribuição aparente (VD) e da dinâmica circulatória. Na
circulação, parte das moléculas do medicamento permanece livre (fração

24
não-ligada), sendo rapidamente distribuída, a outra parte liga-se às PP
(fracção ligada). Esse atributo é importante para um pequeno grupo de
medicamentos, os quais se ligam extensivamente às PP (mais do que 90%
da droga), podendo envolver-se em interações medicamentosas.

O Volume de distribuição (VD) relaciona a concentração sanguínea do


medicamento à quantidade total no corpo. Desse modo, qualquer fator que
altere a concentração do medicamento altera também o VD. Por exemplo,
pacientes edemaciados possuem um VD grande para os medicamentos
hidrofílicos, devido ao acúmulo de água no espaço extracelular, o que torna
necessária a administração de altas doses de ataque (infusão inicial) para
obtenção do efeito esperado.

c) Metabolização ou biotransformação

É o modo pelo qual o organismo, especialmente o fígado, as moléculas dos


medicamentos em compostos menos ativos, mais "semelhantes" à água
com a finalidade de serem excretados. Porém, nem sempre os produtos da
metabolização são inertes. Alguns mostram atividade farmacológica tóxica,
como ocorre com a Normeperidina, um metabólito da Meperidina.

d) Excreção

A excreção dos medicamentos pode ocorrer por diferentes vias: intestinos,


pulmões, glândulas exócrinas e rins. A maioria dos medicamentos é
biotransformada no fígado e excretada pelos rins, alguns, inclusive, de forma
inalterada. Quando a excreção renal encontra-se prejudicada, faz-se
necessário reajuste de dose para evitar toxicidade. Na ausência de
situações clínicas, a ingestão hídrica normal assegura a eliminação
apropriada do medicamento.

Farmacodinâmica

A farmacodinâmica descreve os aspectos relacionados à interacção


medicamento e molécula-alvo e as ações farmacológicas advindas dessa
ligação. De modo geral, os medicamentos ligam-se a determinadas

25
moléculas-alvos (interação química), os quais são principalmente de na-
tureza proteica, e representados por enzimas, moléculas transportadoras,
canais iônicos e receptores.

Nenhum medicamento é completamente específico nas suas acções,


tendo em vista que, na maioria das vezes, pode afetar outros alvos celulares
e provocar RAMs.

Vias de administração de medicamentos

A via de administração, ou seja, o local do organismo no qual o


medicamento será administrado apresenta velocidade de absorção
particular, que depende da estrutura tecidual na qual foi depositado e da
perfusão sanguínea local.

A seleção de uma dada via depende das características físico-químicas dos


medicamentos, da rapidez com que se deseja promover o efeito e das
condições físicas e mentais do paciente.

Os medicamentos podem ser introduzidos no organismo por meio das vias


enteral, parenteral e percutânea.

Via enteral

Na via enteral, que compreende via oral (VO), sublingual (SL), rectal (VR)
e sondas (nasogástrica, gastrostomia, jejunostomia), os medicamentos
são depositados no tracto gastrintestinal (TGI).

A via oral é considerada segura, visto que, no caso de ingestão acidental


há, em alguns casos, como realizar procedimentos (por exemplo, lavagem
gástrica) para extração ou neutralização dos medicamentos. É uma via
bastante conveniente, pois os regimes terapêuticos são fáceis de cumprir
e geralmente menos onerosos. Porém, o seu uso depende da colaboração
do paciente. Além disso, os medicamentos podem causar irritação do TGI,

26
náuseas e vômitos, prejudicando a fase de absorção. Nos pacientes
inconscientes e naqueles com dificuldade de engolir é uma via
desaconselhável.

A via SL é relativamente segura. A absorção é rápida, pois o medicamento


absorvido pelo plexo sublingual é drenado à veia cava superior, sendo
prontamente distribuído. É reservada aos medicamentos com alto grau de
lipossolubilidade. É imprópria para agentes irritantes ou com sabor
desagradável.

A VR produz uma absorção errática e incompleta, por isso é menos


desejável do que a VO e a via parenteral. É útil para pacientes
inconscientes, para aqueles que apresentam náuseas e vômitos ou em
jejum, ou ainda os de difícil acesso venoso. Essa via é contraindicada a
pacientes com arritmias cardíacas (estímulo do vago). Há que se considerar
também que os supositórios derretem à temperatura ambiente, devendo ser
mantidos em geladeira.

Via parenteral

Apesar de a via parenteral representar a introdução de medicamentos no


organismo através de outras vias que não a enteral (por exemplo, olhos,
vagina, pele), adotou-se o termo parenteral para as vias nas quais são
usadas agulhas para introduzi-los, ou sejam: Intramuscular (IM),
Subcutâneo (SC), Intradérmica (ID) e Intravenosa/Endovenosa (IV/EV).
Essas vias podem necessitar o uso de dispositivos (por exemplo, cateteres)
e soluções estéreis (solução salina, solução glicosada a 5%, água estéril
para injeção, entre outras). O uso da via parenteral encontra-se associado
ao maior risco de ocorrência de complicações, algumas graves, que podem
ocasionar aumento da morbimortalidade do paciente. Uma vez depositado
o medicamento no tecido, é impossível retirá-lo.

Na via SC ou hipodérmica, o medicamento é depositado numa região


pouco vascularizada, sendo a absorção prejudicada nas situações clínicas

27
em que há desvio do fluxo sanguíneo da periferia para áreas nobres (por
exemplo, choque).

Apesar do mito de haver restrição quanto ao volume administrado,


atualmente essa via pode ser usada também para infusões lentas de
grandes volumes - uma técnica denominada hipodermóclise. Trata-se de
uma técnica antiga (década de 1940) que permite a administração de
soluções em uma velocidade de 1 mL por minuto (cerca de 20 gotas). É útil
em diferentes situações: de emergência, para pacientes fora de
possibilidade terapêutica (cuidados paliativos), em casos de desidratação
ou em pacientes cujo acesso venoso seja de difícil punção.

O uso dessa via é contraindicado para medicamentos ou soluções


hipertônicas/irritantes. Muitos medicamentos usados nas unidades médico-
cirúrgicas podem ser administrados por essa via, tais como Aminofilina,
Fenobarbital, Hialuronidase, Hidrocortisona, Morfina, Penicilinas.

O sítio para a punção deve considerar a espessura do tecido subcutâneo, o qual


se mostra suficiente, em muitos casos, em flancos e região periumbilical. O
enfermeiro deve avaliar a área quanto à presença de edema, lesões etc. O
procedimento segue os mesmos cuidados gerais para punção venosa, optando-
-se por cateter agulhado ou cateter sobre agulha fino, com comprimento
suficiente para alcançar a hipoderme. O enfermeiro e o técnico de enfermagem
podem realizar o procedimento.

A duração do efeito de um medicamento administrado por via IM é mais


prolongada, quando comparado ao mesmo agente infundido por via IV/EV.

A absorção, ainda que a musculatura esquelética seja bem vascularizada, é


gradual e depende das condições do local (irrigação sanguínea e atividade
muscular) e da solubilidade do medicamento. Pode haver redução da taxa de
absorção nos casos de diminuição de perfusão sanguínea como ocorre, por
exemplo, na aplicação de injeção sempre no mesmo local com formação de
fibrose.

28
De modo geral, soluções aquosas são rapidamente absorvidas, porém naquelas
de aspecto oleoso, a absorção é lenta e irregular. É uma via contraindicada
para terapias longas e crônicas, para pacientes com anormalidades na
coagulação e com doença vascular periférica. É proibida a administração de
medicamentos em músculos que apresentam contrações ou tremores.

A via IV/EV é indicada para a maioria dos pacientes hospitalizados, nas


situações em que há necessidade de infusão de grandes volumes de
soluções, administração de substâncias que são prejudicadas pelo suco
gástrico, ou que são mal absorvidas pelo TGI e de substâncias hipertônicas
ou com extremos de PH. É a via mais confiável no que tange à quantidade
de medicamento disponível para promoção do efeito, tendo em vista que evita
os problemas relativos à absorção do medicamento. O efeito é rápido, pois os
níveis séricos do medicamento são prontamente obtidos.

Via percutânea

As vias percutâneas, as quais incluem a aplicação de pomada na pele e na


vagina, insulação de medicamentos nos olhos, nas narinas, no dueto
auditivo, apesar da importância, não serão abordadas, dado que no âmbito
hospitalar são usadas em menor frequência, se comparadas à enteral e à
parenteral. Ressalta-se a necessidade de atentar para a temperatura das
soluções (ambiente) a serem ministradas e da técnica adequada para sua
utilização. Assim, os colírios são gotejados na conjuntiva da pálpebra inferior,
mantendo-se a cabeça antefletida, bem como soluções nasais; já as soluções
otóticas são colocadas no dueto de cada orelha, mantendo-se a cabeça
lateralizada, para facilitar a entrada do líquido.

O Quadro 31 ilustra as principais vias de administração enterais e parenterais.

29
Quadro 31 Vias de administração enteral e parenteral.
Via Depósito do Particularidade
Medicamento
Oral (VO) Tracto gastrointestinal Início de acção do medicamento lento e
(TGI). efeito prolongado. Grande superfície de
absorção. Requer doses maiores do que as
utilizadas por vias parenterais. O grau de
absorção é bastante variado, podendo ser
afetado por alimentos e doenças do TGI. A
presença de alimentos, geralmente, retarda
a absorção, além de haver a possibilidade
de interação alimento/medicamento. Alguns
medicamentos são destruídos pelo
aumento do ácido clorídrico, quando
administrados às refeições.
Sublingual (SL) Mucosa sublingual A absorção de agentes lipossolúveis é
rápida. Não sofre o efeito de primeira
passagem no fígado (biotransformação).
Útil para substâncias lipossolúveis.
Rectal (VR) Mucosa rectal Absorção irregular e incompleta, podendo
ser prejudicada pelo conteúdo fecal. Evita
parcialmente o efeito de primeira passagem
no fígado (biotransformação).
Subcutânea (SC) Tecido adiposo Absorção pequena, mais efetiva para
substâncias aquosas {por exemplo,
insulina). O trauma tecidual é pequeno,
porém pode haver complicações na
administração crônica de medicamentos
{por exemplo, lipodistrofla).
Intramuscular (IM) Musculatura esquelética Pode ser usada para administração de
substâncias que são destruídas pelo suco
gástrico (por ex.: insulina), antibióticos,
agentes biológicos (imunoglobulinas,
vacinas) e hormonais. O limite de volume de
aplicação varia de acordo com o músculo
selecionado, bem como a idade e as
condições clínicas do indivíduo. No adulto,
o músculo mais desenvolvido é o dorso-
glúteo. Os riscos associados ao uso dessa
via são dor, infecção devido ao rompimento
da pele, lesão de nervo, formação de
abscesso e ruptura de vaso.
Intravenosa/Endovenosa (IV/EV) Corrente sanguínea Os métodos usados na via IV são injeção
em "bolus", infusão contínua e intermitente.
Em ambos, a obtenção de efeito é imediata.
Nessa via recomenda-se administrar o
medicamento lentamente. A infusão rápida
pode precipitar, de modo imediato, reações
indesejadas. As complicações associadas
são sistêmicas e locais. As primeiras são
mais graves, podendo causar sobrecarga
hídrica, embolia, septicemia ou outras

30
infecções. As locais são infiltração,
extravasamento, hematoma, obstrução,
espasmo venoso, choque de velocidade,
trombose e flebite. Há ainda o risco de
ocorrência de incompatibilidade, quando
agentes não compatíveis são combinados
(mesmo trajeto venoso ou mesmo cateter).

Factores individuais que afectam as repostas dos medicamentos

A resposta à terapêutica medicamentosa pode ser influenciada por fatores


inerentes ao ambiente e ao indivíduo. Dentre os factores individuais
destacam-se o envelhecimento e a obesidade, dada a importância
epidemiológica de ambos, no contexto da enfermagem médico-cirúrgica.

Por apresentarem inúmeras doenças e sintomas desconfortáveis associados


ao envelhecimento, idosos são os maiores consumidores de medicamentos,
especialmente quando possuem comorbidades crônicas.

No processo de envelhecimento, mudanças na distribuição da água, massa


muscular e gordura corporal acarretam alterações farmacocinéticas que
influenciam na biotransformação e excreção dos medicamentos, elevando a
meia-vida plasmática (t½) de muitos agentes e tornando esse grupo etário
mais vulnerável a RAMs.

No idoso, alguns medicamentos administrados por VO podem ter a absorção


diminuída, devido ao aumento do PH gástrico e redução da motilidade do
TGI. Esses aspectos podem causar inativação ou retardar a distribuição de
medicamentos. A redução de elasticidade e a frouxidão da musculatura do
TGI tornam o seu esvaziamento lento. Ademais, pode haver dificuldade na
deglutição de medicamentos em formas sólidas.

A redução do débito cardíaco, da massa corporal magra e da quantidade da


água corporal e o aumento do tecido adiposo, o qual representa 18-36% nos
homens e 33-48% nas mulheres, afetam a distribuição dos medicamentos.
Desse modo, medicamentos lipossolúveis apresentam VD maior, pois,

31
graças ao aumento do tecido adiposo, são liberados mais lentamente,
aumentando a t½. Além disso, a redução das proteínas plasmáticas pode
ocasionar elevação dos níveis séricos de medicamentos como ácido
acetilsalicílico, fenitoína, Varfarina, aumentando o risco de toxicidade.

Em relação à biotransformação hepática, ocorre redução do fluxo sanguíneo


hepático e da atividade das enzimas hepáticas, especialmente do sistema
citocromo P450 afetando, inclusive, o metabolismo de primeira passagem.
Dessa forma, pode haver aumento da t½ e da biodisponibilidade sistémica
de medicamentos como Propanolol, Morfina, Amitriptilina, Digoxina,
Diltiazem, Nifedipina, Nitroglicerina, Verapamil, entre outros.

As principais alterações renais que modificam a excreção dos


medicamentos nos idosos incluem redução do fluxo sanguíneo, da taxa de
filtração glomerular e hialinização de glomérulos. Estima-se que a função
renal decline a partir dos 20 anos, cerca de 10% por década; assim, um idoso
com 70 anos apresenta 50% da função preservada.

Adicionalmente, há que se considerar que a distribuição da gordura corporal,


mais centrada na região abdominal e menor em membros inferiores e
superiores, influencia na base de sustentação dos vasos sanguíneos. Esse
aspecto, acrescido da fragilidade do endotélio vascular e da menor
elasticidade da pele, expõe o idoso a maior risco de formação de
hematomas, quando administrados medicamentos por via parenteral,
particularmente pela via IV/EV.

Alterações fisiológicas próprias dos indivíduos obesos, como aumento da


massa corpórea, do débito cardíaco, do volume sanguíneo total, do
clearance renal e aumento da deposição gordurosa no fígado, além de
alterações nos níveis plasmáticos de proteínas, interferem na
farmacocinética dos medicamentos.

Medicamentos lipossolúveis tendem a permanecer armazenados na


gordura corporal, acarretando prolongamento do efeito e, muitas vezes,

32
toxicidade. Desse modo, indivíduos com maior quantidade de gordura
corpórea necessitam de ajuste posológico para obtenção dos efeitos
terapêuticos.

Os dados acerca da farmacoterapia no paciente obeso são ainda limitados


e restritos a algumas classes terapêuticas como anestésicos, agentes
quimioterápicos e antimicrobianos, os quais podem sofrer forte interferência
da obesidade.

Regras clássicas de segurança na medicação

A despeito das unidades de internação e as rotinas de trabalho do


enfermeiro variarem de uma instituição para outra, há regras de segurança
no ato de medicar o paciente, que são universais. Essas têm o objectivo
de proteger essencialmente o paciente, mas também os profissionais da
saúde, as instituições prestadoras de assistência e o sistema de saúde,
uma vez que a ocorrência de erros causa impacto multidimensional.

No preparo e administração de medicamentos, deve-se sempre prestar


atenção aos "certos" clássicos: paciente, medicamento, dose, via, horário,
anotação correcta, compatibilidade e orientação do paciente, além do prazo
de validade. A ocorrência de equívoco em um ou mais desses elementos
pode ocasionar sérios danos ou morte do paciente.

Preparo do medicamento

O preparo do medicamento deve ocorrer em ambiente adequado


(iluminado, tranquilo e com informações sobre medicamentos confiáveis
disponíveis, por exemplo, livros de farmacologia, dicionário de
especialidade farmacêutica - DEF) de modo a proporcionar ao profissional
concentração na atividade e busca de informações, caso tenha dúvidas. A
dose unitária é uma realidade na grande maioria das instituições, onde a
dispensação das medicações é de responsabilidade do farmacêutico, que
deve ser consultado sempre que houver necessidade.

33
A leitura do rótulo do medicamento deve sempre ser realizada no momento
de sua seleção, antes de retirá-lo do invólucro protetor ou embalagem e
antes de ser devolvido ao armário, ao carrinho de medicamentos ou do
descarte. A checagem do rótulo é uma medida que ajuda a evitar erros.
Caso um medicamento não apresente o rótulo ou este esteja ilegível,
inutilizá-lo. O risco de erro aumenta.

Apesar de óbvio, a checagem do prazo de validade é fundamental.


Produtos vencidos, além de terem alterado, muitas vezes, o PH, podem
perder a eficácia e tornarem-se tóxicos.

O adequado armazenamento do medicamento é fundamental para sua


conservação, prevenindo deterioração dos componentes da fórmula.
Considerar sempre as recomendações do fabricante quanto às condições
de armazenamento, quanto à temperatura e luminosidade. Por exemplo, o
nitroprussiato de sódio é fotossensível, devendo permanecer protegido da
luz.

Antes do preparo é importante certificar-se da existência de dietas


especiais, restrição hídrica, preparo para exames diagnósticos
(bioquímicos ou laboratoriais) ou outros aspectos que possam afetar a
administração do medicamento.

Nunca combinar medicamentos de administração parenteral no mesmo


recipiente, a menos que a compatibilidade seja conhecida. Sempre que
possível usar na diluição soluções mais neutras como solução fisiológica
(SF0,9%) ou água estéril para injeção. Todavia, checar na bula do produto
qual é o diluente indicado pelo fabricante, pois para um mesmo
medicamento pode haver recomendações distintas.

A elaboração de protocolos contendo informações dos medicamentos


sobre diluente usado, concentração, estabilidade, compatibilidade
(material, outros medicamentos) e antídotos é recomendável. Esses
aspectos tendem a tornar a administração de medicamentos mais segura.

34
Para medicamentos cujos nomes são parecidos, por exemplo, Hidroxizine
e Hidralazina, são importantes cautela e implementação de medidas de
fácil identificação visual como o destaque de letras - hidraLAZINA e
hidroXIZINE. O mesmo princípio é recomendado para medicamentos,
frasco de soros etc com embalagens ou rótulos semelhantes

Administração de medicamentos

A coleta de informações do paciente no momento da admissão hospitalar


ajudará na reconciliação medicamentosa, no ajuste posológico e a evitar
problemas como a ocorrência de interações medicamentosas.

É importante checar com o paciente e/ou familiares informações sobre


alergia a medicamentos, prática de automedicação (uso sem indicação do
médico) e quais os agentes consumidos nessa modalidade, uso de fito-
terápicos ou de outros medicamentos, uso de tabaco e álcool. Por exemplo,
o paciente alérgico a carne suína pode apresentar reações de
hipersensibilidade à administração de insulina ou heparina. O uso regular
de aspirina pode ocasionar sangramento na terapia simultânea com
anticoagulantes.

O tabaco é um indutor enzimático capaz de acelerar a metabolização de


vários medicamentos, necessitando, no início da terapia, de doses mais
elevadas de medicamentos como a teofilina (broncodilatador). No caso de
suspensão do tabaco, há necessidade de ajuste de dose. O uso abusivo de
álcool interfere no potencial de ação de medicamentos tais como
tranquilizantes e depressores do sistema nervoso central. O uso
concomitante pode acarretar sedação excessiva, tontura e queda.

Os pacientes ou familiares/cuidadores devem ser orientados quanto a:


quais medicamentos são usados e os motivos da prescrição deles; dose e
frequência de uso; como os medicamentos devem ser ingeridos (antes,
durante ou após as refeições; tipo de veículo - água, leite, suco); quais são

35
os efeitos desejáveis (redução da pressão arterial, aumento da diurese,
outros); quais são as RAMs possíveis (por exemplo, boca seca,
constipação) e quais são os medicamentos, fitoterápicos ou alimentos que
não devem ser usados durante a terapia (uso concomitante), devido ao
risco de interações medicamentosas. No caso de uso de medicamentos
parenterais, devem-se fazer recomendações específicas relativas à via.

Na abordagem do paciente, o fornecimento de informações verbal e escrita


é importante e deve ser complementar. A informação verbal é insuficiente
devido ao fato de o paciente priorizar as informações relativas ao
diagnóstico em detrimento das informações sobre o medicamento. Há
ainda a possibilidade de o paciente não compreender, esquecer ou rejeitar
a orientação fornecida. As informações escritas (folhetos, manuais),
tendem a ser mais confiáveis, uma vez que a leitura pode ser realizada pelo
próprio paciente, familiar ou cuidador, evitando-se o viés da interpretação
do ouvinte. É importante que o enfermeiro certifique-se de que o paciente
compreendeu as orientações.

No caso de uso da via parenteral (IM, SC, IV/EV), selecionar


cuidadosamente a região anatômica - músculo, tecido subcutâneo e veias.
Posicionar o paciente de modo confortável para facilitar a administração do
medicamento; em alguns casos deve ser precedida pela avaliação de
parâmetros vitais: para a digoxina e deslanosídeo, por exemplo, é
fundamental a verificação da frequência cardíaca; para a morfina, checar o
nível de sedação e padrão respiratório do paciente.

O paciente deve ser avaliado antes, durante e após a administração dos


medicamentos, considerando-se seus efeitos locais e sistêmicos. No caso
de idosos ou pacientes com doenças que afetam a farmacocinética dos
medicamentos (insuficiências orgânicas, neoplasias do TGI, doenças do
TGI ou circulatórias), avaliar exames laboratoriais, especialmente de função
renal e hematológica.

36
É vetado deixar medicamentos preparados (parenteral) ou não (via oral),
com os pacientes, especialmente aqueles que apresentam alterações
comportamentais. Permanecer junto ao paciente, aguardando a ingestão
das drogas orais.

O enfermeiro e equipe podem intervir, positivamente, na terapêutica


medicamentosa no sentido de maximizar sua eficácia terapêutica,
minimizar a ocorrência de toxicidade, evitar interações medicamentosas
adversas e proporcionar maior conforto ao paciente. A equipe de
enfermagem contribui, significativamente, para a manutenção da
segurança na medicação ao concentrar-se num processo de trabalho que
traga melhorias ao sistema e ao utilizar-se de conhecimentos sólidos,
advindos da prática baseada em evidências.

Assim, dada a quantidade de informações acerca de novos medicamentos,


a complexidade de seus efeitos, a existência de dispositivos sofisticados
usados no preparo e administração, são fundamentais a atualização e o
aperfeiçoamento constante do profissional.

Uso de medicamentos “Alto Alerta ˮ em Unidades de Internação

A publicação do relatório "To err is buman: bttilding a safer health system" pelo
Instituto Americano de Medicina (IOM), em 1999, alertou as instituições,
profissionais de saúde e a sociedade, acerca da necessidade de segurança
no atendimento ao paciente, especialmente no contexto hospitalar. A IOM
estimou que entre 44.000 e 98.000 americanos morrem, anualmente, em
consequência de erros médicos, e destes, 2% são decorrentes de eventos
adversos relacionados a medicamentos.

Eventos adversos relacionados aos medicamentos são aqueles que


causam danos ao paciente, provocados pelo uso ou pela falta do uso
quando necessário.

37
São divididos em reacção adversa ao medicamento (RAM) e erros de
medicação. O primeiro - RAM representa qualquer efeito prejudicial ou
indesejado que se apresente após a administração correta de doses
normalmente utilizadas em seres humanos. São considerados inevitáveis,
uma vez que é difícil prever quais indivíduos apresentarão e a intensidade
vivenciada por eles, considerando sua individualidade.

Os erros de medicação, por sua vez, são complexos.

Segundo The National Coordinating Council for Medication Error Reporting and
Prevention (NCC MERP), um erro de medicação é qualquer evento
previsível que pode causar ou conduzir ao uso inadequado do
medicamento ou risco ao paciente, enquanto a medicação está sob o
controle do profissional da saúde, paciente ou consumidor.

No contexto hospitalar, todos os medicamentos, supostamente, podem


causar eventos adversos. Todavia, é sabido que alguns poucos oferecem
maior risco em decorrência de apresentarem atributos específicos. São
medicamentos frequentemente envolvidos em erros de medicação, que
causam impacto multidimensional: institucional, econômico e clínico,
afetando de modo substancial o perfil de morbimortalidade dos pacientes.
São os medicamentos Alto Alerta.

Tendo em vista que no âmbito da enfermagem médico-cirúrgica, por


englobar inúmeras especialidades, o uso desse grupo especial de
medicamentos é frequente, e que o conhecimento acerca deles pode
ajudar a prevenir problemas, erros e melhorar a segurança no processo, os
objetivos deste capítulo é abordar os principais medicamentos "Alto Alerta"
e apontar estratégias para prevenção de erros.

Medicamentos alto alerta

O Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP - Brasil)


define Medicamentos Alto Alerta como "aqueles que possuem risco

38
aumentado de provocar danos significativos nos pacientes em
decorrência de falha na utilização". Os erros que ocorrem com esses
medicamentos não são os mais rotineiros, porém, quando ocorrem, as
consequências podem ser devastadoras para os pacientes, podendo levar
a lesões permanentes ou à morte.

A lista de medicamentos Alto Alerta da ISMP - Brasil é composta por mais


de trinta itens, representados por classes terapêuticas (por exemplo,
agonistas adrenérgicos) ou medicamentos específicos (por exemplo,
insulina).

Neste capítulo são elencados os itens mais frequentemente utilizados nas


unidades de clínica médica e cirúrgica, quais sejam: analgésicos opióides,
anticoagulantes, eletrólitos e insulina. Para cada um destes são
abordados os problemas relacionados ao uso e ao monitoramento do
paciente.

Analgésicos opióides

Os analgésicos opióides (AO) agem por meio da interação com os


receptores opióides (µ, D, D - do grego "mi", "kappa" e "sigma",
respectivamente) ou através de neuromodulação, estimulando ou inibindo
a liberação de um outro neurotransmissor como a acetilcolina (Ach), a
dopamina (DA) e o ácido gama-amino-butírico (GABA). Nessa classe de
medicamentos, existem representantes que podem ser administrados por
via parenteral (por exemplo, fentanila, meperidina, morfina, tramadol, entre
outros), por via oral (por exemplo, codeína, morfina) e por via percutânea
(por exemplo, fentanila transdérmica).

Tendo em vista que nas unidades de internação clínicas e cirúrgicas, a dor


apresenta-se como uma das manifestações de alta prevalência, os AO
representam um dos grupos terapêuticos mais utilizados.

39
Estudo sobre associação de erros de medicação e mortalidade apontou os
AO como os maiores causadores de mortes. A depressão respiratória, que
pode ser frequente no início da terapia analgésica e na troca de um AO por
outro, é considerada o efeito adverso mais grave e pode causar a morte
do paciente.

Os principais erros relatados com esses medicamentos são: erros de


dose, especialmente devido às diferentes concentrações; confusão na
leitura dos nomes, que são semelhantes (por exemplo, morfina e
hidromorfona); as interações medicamentosas não são avaliadas;
superdosagem ("overdose") devido ao uso incorreto de analgésicos
potentes na intervenção da dor aguda e dificuldade quanto à equivalência
de dose (conversão de doses ou vias ou mudança de um dado analgésico
opióide para outro).

Outros problemas podem ocorrer, como: prescrição da dose parenteral


em volume ao invés de miligramas, podendo resultar no uso de uma
solução com maior ou menor concentração; abreviatura do Sulfato de
Morfina (MSO) que pode ser confundido com Sulfato de Magnésio (MgSO)
e aplicação de um novo adesivo de fentanila sem retirar o anterior, ou usar
fontes de calor próximo à área do adesivo (sauna), o que aumenta a
absorção do medicamento. Adicionalmente, pode haver confusão com as
diferentes apresentações dos analgésicos opióides que incluem cápsulas,
comprimidos, líquidos, supositórios, adesivos transdérmicos e injectáveis.

Nas situações em que é utilizada analgesia controlada pelo paciente


(ACP), é importante atentar-se para alguns aspectos que podem gerar
complicações, tais como seleção inadequada do paciente quando utilizar
a ACP; programação incorreta da bomba de infusão, ocasionando sedação
excessiva; programação da bomba para administração de uma dose em
"bolus" e esquecimento da reprogramação para dose utilizada na infusão
contínua.

40
Para todos os candidatos ao uso de AO, é fundamental o questionamento
acerca de alergias e sensibilidade; o uso de escalas de avaliação de dor
auxilia o ajuste posológico, quando necessário; a monitorização dos níveis
de oxigênio por meio de oximetria de pulso, especialmente quando houver
risco de depressão respiratória. Além disso, é importante a monitoração
frequente dos sinais indicativos de sedação excessiva, como sonolência
extrema, contração das pupilas (miose pupilar), confusão, pele fria e
húmida, pulso fraco e respiração superficial.

Anticoagulantes

Anticoagulantes são medicamentos que afetam etapas distintas da


cascata de coagulação (factor Xa, trombina), evitando a formação de
trombos. Os principais representantes dessa classe, administrados por via
parenteral (subcutânea ou intravenosa) são dalteparina, enoxaparina,
heparina, tinzaparina e o fondaparinoux. Esses agentes são utilizados em
pacientes com risco de trombose (por exemplo, pacientes ortopédicos,
submetidos à artroplastia de quadril; pacientes com angina instável) ou
com diagnóstico de trombose (por exemplo, trombose venosa profunda).

O uso de anticoagulantes encontra-se associado à ocorrência de eventos


adversos graves em pacientes internados e naqueles com seguimento
ambulatorial. Esses eventos ocorrem devido à dificuldade do
estabelecimento da dose correta e da manutenção da eficácia terapêutica,
uma vez que os anticoagulantes apresentam interações com vários
medicamentos.

Os principais problemas relativos ao uso desses agentes incluem os erros


de dose e concentração; a confusão na interpretação dos rótulos de
solução parenteral (por exemplo, o frasco pode ser rotulado 10.000/mL,
mas o usuário pode acreditar que o frasco contém 10.000 unidades totais,
podendo ocorrer um erro de 10 vezes a dose necessária); a apresentação
da heparina de baixo peso molecular (HBPM, enoxaparina, por exemplo)
em seringas preparadas pode ser confundida com vacinas; o uso de

41
abreviaturas "U" pode ser interpretado como um "O" (especialmente por
causa da grafia existente nas prescrições). A heparina está associada à
trombocitopenia.

A varfarina pertence ao grupo dos anticoagulantes, porém apresenta


estreito índice terapêutico e sua administração ocorre por via oral. Ela inibe
a atividade da vitamina K, que é substrato fundamental na ativação dos
fatores de coagulação II, VII, IX e X. Esse bloqueio previne a formação de
coágulo sanguíneo, sendo útil particularmente no tratamento da trombose
venosa profunda e embolia pulmonar.

O objectivo da terapia com a varfarina é alcançar o nível terapêutico do


Índice Internacional Normalizado (INR) que indica o tempo de atividade
da protrombina (ITPA) entre 2.0-3.0. O valor do INR acima de 3.0 aumenta
o risco de sangramento, enquanto o valor do INR abaixo de 2.0 eleva o
risco de trombose.

A dose inicial da varfarina é determinada pelo resultado do INR, associado


à altura, peso, idade e sexo do paciente. Após dois ou três dias de terapia,
o paciente deve ser reavaliado acerca do INR e a dose pode ser ajustada
com a finalidade de alcançar o INR terapêutico. Porém, no estabelecimento
da dose devem ser consideradas outras informações, tais como: outros
medicamentos usados pelo paciente, tipo de dieta, comorbidades e
possíveis interações medicamentosas.

Medicamentos e fitoterápicos como: amiodarona, eritromicina, fluconazol,


fluorouracil, ginko biloba, inibidores seletivos da cicloxigenase tipo 2,
inibidores selectivos de recaptação de serotonina (antidepressivos),
metronidazol, sulfametoxazol-trimetoprima e omeprazol podem aumentar
o efeito anticoagulante da varfarina. Em contrapartida, os alimentos ricos
em vitamina K, como espinafre, brócolis e couve podem reduzir o seu
efeito anticoagulante.

42
O uso da varfarina acarreta problema para os serviços de saúde, pois a
dose prescrita deve evitar hemorragia e prevenir ou tratar a trombose. O
ajuste posológico é complexo e, muitas vezes, é realizado indevidamente;
as interações alimento-medicamento não são avaliadas; o monitoramento
do tempo de protrombina (TP) e do INR não é consistentemente apropriado.

Os pacientes submetidos à terapia com anticoagulantes devem ser


cuidadosamente monitorados por meio da implantação de programa de
gestão de cuidado individualizado (equipe especializada é fundamental
para evitar os riscos de complicações); avaliação de exames laboratoriais
(TP, TIPA, INR, plaquetas) de acordo com o anticoagulante usado;
avaliação do paciente quanto à dieta, terapia concomitante, inclusive
medicamentos usados como automedicação e fitoterápicos. Outro
cuidado importante é evitar a administração de medicamentos por via
intramuscular.

Electrólitos

As soluções intravenosas/endovenosas (IV/EV) são compostas de água


(solvente) e de partículas dissolvidas (soluto). Os solutos mais utilizados
são cloreto de sódio (NaCl), cloreto de potássio (KCl) e glicose. São
chamados electrólitos os solutos que se dissolvem na água e dissociam
em partículas iônicas (Na+ e Cl-, K+ e Cl-).

Os electrólitos são os principais aditivos nas terapias de reposição


decorrentes de diferentes condições frequentes nas unidades de
internação, tais como profilaxia ou tratamento de deficiência de potássio
(por exemplo, hipocalemia devido a vômito, diarreia, acidose diabética,
hemodiálise) ou tratamento da deficiência do sódio (por exemplo,
hiponatremia e desidratação).

Os electrólitos concentrados são usados na composição de muitas


soluções IV/EV, porém, há situações em que são prescritos como
monoterapia. Nesses casos, o problema ocorre quando eles são

43
administrados na forma pura (não diluída) ou em infusão (diluído) de modo
rápido.

Nos hospitais, essas substâncias são, muitas vezes, estocadas nos postos
de enfermagem, sem identificação adequada, aspecto que pode
predispor a equívocos, especialmente nas situações de emergência.

Embora o KCl seja o eletrólito mais comum associado a erros de


medicação, o concentrado de Fosfato de Potássio (KPO), o Cloreto de
Sódio (NaCl), o Sulfato de Magnésio (MgSO), a água estéril para injeção e
glicose hipertônica a 20% ou mais, também podem ser letais se
administrados de forma imprópria. Reverter os efeitos do uso equivocado
é quase impossível e o desfecho, muitas vezes, é a morte do paciente.

O monitoramento de pacientes submetidos à terapia com eletrólitos em


altas doses requer cuidados relacionados à avaliação de sinais e
sintomas indicativos de distúrbios, especialmente os sugestivos de
hipercalemia (fraqueza, frequência cardíaca com ritmo irregular,
bradicardia, dificuldade respiratória, parestesia, alteração do
eletrocardiograma), de hipernatremia (confusão mental, contrações
musculares, convulsões), e de hipermagnesemia (hipotensão arterial,
rubor facial, sensação de calor, sede, náuseas, vômitos, sonolência,
letargia) e avaliação dos exames laboratoriais.

A presença e a gravidade dos sinais e sintomas apresentados pelo


paciente encontram-se relacionadas aos níveis séricos dos eletrólitos.
Todavia é importante destacar que a condição clínica do paciente prévia,
a idade, o uso de terapia medicamentosa concomitante são fatores que
podem contribuir com o aparecimento de eventos adversos relacionados
aos electrólitos.

44
Insulina

Uma das principais atividades da insulina é provocar o aumento da entrada


de glicose para o interior da célula e o influxo de potássio nas células ao
estimular a enzima Na/K-ATPase. Rotineiramente é usada no controle do
Diabetes Mellitus tipo 1 e nos pacientes com outros tipos de diabetes, em que
a glicemia não pode ser mantida com dieta, atividade física e antidiabéticos
(hipoglicemiantes) orais.

A insulina é um dos medicamentos mais usados, muitas vezes, de modo


combinado (insulinas de acção curta e de longa acção) por diferentes
estratos etários. Esse aspecto associado ao facto de haver diferentes tipos
de insulinas, de acordo com o início, pico e duração da acção (Ultra rápida,
Rápida, Acção intermediária e Acção longa), a apresentação do produto
em várias concentrações, a existência de nomes comerciais parecidos
(por exemplo, Humalog mix® e Humulin®; Novolog mix® e Novolin®) e o
uso de abreviaturas (U=unidade) na prescrição, são factores que
aumentam o risco para erros no processo de administração. Além disso,
pode haver troca, quando a insulina é estocada junto a outros
medicamentos que se assemelham na apresentação comercial (por
exemplo, he parina), podendo conduzir a erros de selecção e dose.

Os pacientes submetidos à terapia com insulina precisam de


monitoramento rigoroso dos níveis glicêmicos. A ausência do controle ou
a inadequação na sua realização podem ocasionar o uso de doses
inapropriadas de insulina. Nesses pacientes recomenda-se a utilização de
impresso próprio composto por informações acerca dos valores de
glicemia, ingestão de carbohidrato e administração de insulina (dose e
horário). O controlo glicêmico deve ser feito a intervalos definidos por
protocolos ou segundo as condições clínicas do paciente.

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Estratégias preventivas

No contexto hospitalar ou até mesmo ambulatorial, para que o uso de


medicamentos possa, de fato, beneficiar o paciente, reduzindo o risco de
eventos adversos, é necessária a integração dos diferentes profissionais
que participam do processo da medicação: médico, farmacêutico,
enfermeiro e sua equipe, conhecimento de seu modo de ação, reações
adversas, interações medicamentosas e indicação terapêutica, além do
monitoramento do paciente, com inclusão de itens específicos de
intervenção relativos à terapia medicamentosa, na prescrição de
enfermagem e, principalmente, um ambiente (recursos físicos, materiais,
humanos) e política institucional que favoreçam um cenário de
segurança. Desse modo é um conjunto de ações que podem aumentar a
segurança e reduzir eventos adversos relacionados a medicamentos.

Organizações como a ISMP e a Joint Commission recomendam algumas


medidas para evitar danos desnecessários aos pacientes. Dentre elas,
muitas são genéricas, podendo ser úteis para qualquer medicamento Alto
Alerta, como descrito abaixo. Outras medidas, porém, são mais específicas
para a prevenção de erros naquele grupo de medicamentos e estão
ilustradas no Quadro 32.

 Implementação de protocolos de administração de medicamentos


com informações sobre armazenamento, limite de concentrações,
RAM, interações medicamentosas e incompatibilidades.
 Padronização de protocolos específicos para os medicamentos
Alto Alerta, com informações acerca de indicação clínica, limites de
doses, considerando parâmetros importantes (peso, função renal ou
hepática e outros).
 Redução ou remoção do estoque de medicamentos de alto risco
nas unidades de internação.
 Redução das diferentes concentrações e volumes disponíveis de
medicamentos Alto Alerta e eletrólitos das unidades de internação.

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 Utilização de Unidade ao invés da abreviatura "U" (heparina e
insulina).
 O nome do medicamento sempre deve ser prescrito por extenso e
não de forma abreviada.
 Armazenamento de medicamentos com aparência, apresentação e
nomes semelhantes de forma separada.
 Estabelecimento de rotina de conferência dos medicamentos no
local de armazenamento.
 Estabelecimento de dupla checagem do medicamento antes do seu
preparo (identificação do paciente, cálculo da dose, via de
administração, programação da bomba de infusão).
 Utilização de dois elementos para identificação do paciente (por
exemplo, nome e data de aniversário).
 Treinamento da equipe para o manuseio das bombas de infusão,
especialmente quando da introdução de novos equipamentos.
 Fornecimento aos pacientes de materiais educativos e
oportunidades para participação no tratamento.

Quadro 32 - Medicamentos Alto Alerta e respectivas estratégias preventivas.


Medicamento Alto Alerta Estratégias Preventivas
Analgésicos opióides - Avaliar o uso concomitante de AO, bem como a dose apropriada para
o paciente.
- Dispensar AO, se possível, diretamente da farmácia, evitando a
necessidade de preparo nas unidades de internação.
- Realizar o preparo das soluções IV/EV de AO na farmácia, com
etiqueta de advertência destacando o nome e a concentração
preparada.
- Identificar as extremidades distais dos equipamentos com nomes dos
medicamentos para diferenciá-los e evitar confusão entre aqueles
administrados por via IV/EV e epidural.
- Padronizar os procedimentos de administração, especialmente em
infusão por via IV/EV. Se houver prescrição de "bolus", realizar
administração em seringa ao invés de alterar os parâmetros da bomba
de infusão.
- Orientar paciente e seus familiares acerca do uso da ACP.
Anticoagulantes - Padronizar soluções de heparina.
- Reduzir o número de concentrações de heparinas disponíveis.
- Padronizar os procedimentos de administração, especialmente em
infusão por via IV. Se houver prescrição de "bolus", realizar
administração em seringa ao invés de alterar os parâmetros da bomba
de infusão.

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- Separar heparina e insulina no armazenamento (unidades de
internação e farmácia).
Varfarina - Estabelecer protocolos de monitoramento da terapia (exames,
interações medicamentosas, tipo de dieta).
- Notificar serviço de nutrição sobre os pacientes submetidos à terapia
(evitar interação alimentar).
- Aumentar o monitoramento (por exemplo, visitas mais frequentes à
clínica).
- Orientar o paciente e seus familiares acerca da importância da
realização de exames laboratoriais de controlo, bem como a
necessidade de comunicar equipe de profissionais, caso sejam
observados sinais como, por exemplo, pequenos sangramentos.
Electrólitos - Eliminar o estoque de electrólitos concentrados das unidades de
internação.
- Controlar o acesso a estes electrólitos.
- Implementar um sistema de rotulagem com etiquetas de advertência,
coloridas (se possível), informando "DEVE SER DILUÍDO".
- Estocar os electrólitos na farmácia, em áreas separadas, distante de
outros medicamentos.
- Evitar a aquisição (setor de farmácia ou almoxarifado) de produtos
cujos rótulos ou embalagens de diferentes eletrólitos sejam
semelhantes entre si (por exemplo, na cor da letra que identifica o
produto).
Insulina - Reduzir o número de tipos de insulinas no serviço.
- Usar para infusão IV apenas uma determinada concentração.
- Separar insulina e heparina no armazenamento (unidades de internação
e farmácia).
- Usar etiquetas grandes, coloridas e diferentes caixinhas para diferenciar
e separar os diferentes tipos de insulina.
- Destacar as diferenças entre os diversos tipos de insulina, usar
etiquetas com letras maiúsculas, por ex: "NovoLIN", "NovoLOG MIX".
- Tomar cuidado extra quando houver a prescrição de mistura de
insulinas.
- Considerar o horário usual das refeições do paciente e especificar um
tempo para administração de insulina.
- Evitar o uso de barras invertidas para separar as doses de insulina NPH
e Regular (por exemplo, NPH 10/12 regular tem sido confundida com 10
NPH e 112 regulares, porque a barra pode ser interpretada como
número).

Os eventos adversos relacionados aos medicamentos, especialmente os


preveníveis, podem ocorrer em qualquer etapa do complexo processo da
administração de medicamentos - prescrição, dispensação, preparo,
administração ou monitoramento. Todos os profissionais participam direta
ou indiretamente do sucesso ou falha da terapia medicamentosa. Assim, a
segurança do paciente hospitalizado tem a exata medida da segurança do
profissional. A ocorrência de erros pode causar danos ao paciente, mas tem

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consequências também ao profissional, ainda que a instituição possua uma
cultura organizacional de segurança.

Ainda que a tecnologia existente em alguns serviços possa contribuir para


tornar o processo da medicação mais seguro, os profissionais são os
responsáveis pelo ajuste das bombas de infusão, preparo das doses
prescritas, monitoramento dos níveis glicêmicos e interpretação dos valores
laboratoriais. Desse modo, a implementação de políticas institucionais,
educação permanente e estratégias como as citadas são fundamentais
para minimizar riscos e melhorar a segurança do paciente.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Souza, A. B.; Chaves, L. D.; & Silva, M. C. (2015). Enfermagem em Clínica


Médica – Teoria e Prática. São Paulo: Martinari. (Vol. 1, 2, 3 e 4).

Swearingen, P. L; & Keen, J. H. (2003). Manual de Enfermagem de Cuidados


Intensivos – Intervenções de Enfermagem Independentes e Interdependentes.
4ª Edição – Lusociência. ISBN: 972-8383-52-5.

Herdman, T. H; Kamitsuru, S & Lopes, C. T. NANDA International. (2021).


Diagnósticos de Enfermagem da NANDA-I: Definições e Classificações 2021-
2023. Porto Alegre. 12ª Edição. ISBN: 978-65-5882-035-2.

Deglin, J.H; Vallerand, A. H. Guia Farmacológico para Enfermeiros. 10ª


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