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As metamorfoses da questão

social: uma crônica do salário de


Robert Castel
Prof. Paulo Venício
História dos assalariados e dos que
vivem à margem do sistema capitalista
• Entender os trabalhadores como
historicamente expropriados, explorados e
subordinados pelos proprietários, sendo que
alguns não entraram nesta lógica: a) porque
não existia espaço para mais explorados
(nesse sentido, havia/há, um excedente de
mão de obra); ou, mais remota b) como
resistência a trabalhar, ganhando pouquíssimo
e produzindo riquezas para outros.
História dos assalariados e dos que
vivem à margem do sistema capitalista
• o sistema capitalista é a melhor forma possível
de organização da economia e suas
instituições, o Estado, a propriedade privada e
as desigualdades são frutos do
desenvolvimento histórico porque foram
produzidas para suprir as necessidades da
sociedade.
Interpretações absolutamente
antagônicas e inconciliáveis, a primeira
uma perspectiva da classe
trabalhadora, dos destituídos dos
meios de produção com forte base
histórica; e a segunda, do ponto de
vista dos vencedores, dos
proprietários, mas dedutiva, baseada
em interesses de pequena parcela da
população.
Do objetivo
• através de um resgate histórico, fazer uma
análise da situação dos trabalhadores da Idade
Média aos dias atuais, privilegiando as
diferenças e semelhanças entre a
vulnerabilidade das massas.
• sua hipótese é de que existe homologia na
estrutura social entre os vagabundos antes da
revolução industrial e diferentes categorias de
“inempregáveis” dos nossos dias.
Não significa que os conteúdos concretos
de noções como estabilidade, instabilidade
ou expulsão do emprego sejam os
mesmos, ao contrário, Castel reconhece
suas diferenças que estão relacionadas
com o tempo, mas a questão que se deve
atentar é que o estudo dessas
transformações históricas nos possibilita
verificar o que essas cristalizações
comportam de novo e de permanente ao
longo do tempo.
A obra também tem como objetivo
acoplado ver as transformações das
condições do assalariado. O
pressuposto de progresso perpassou
por toda descrição até a nova
organização da sociedade no mundo
atual. Ao mesmo tempo que o autor
recorre à história para fazer sua
análise, ele incorpora categorias
sociológicas para melhor entender o
processo.
Contextualização da história do
trabalho
• Na primeira parte, ele estuda a situação do
trabalho entre a Idade Média e a época Moderna,
privilegiando as relações sociais e os direitos que
a acompanham. Na segunda parte, o autor
verifica a
• criação de uma sociedade salarial, cujo fulcro é o
ganho de vários direitos sociais, possibilitando o
bem-estar do trabalhador e do sistema, não
obstante, esta sociedade cai por terra com o
crescimento do individualismo, característica
central do neoliberalismo.
Qual a principal tese de Castel?
• Centrado no século XIX, ele descreve duas
teses antagônicas e inconciliáveis; trata-se do
paternalismo que defende a paz social com
exaltação das classes dirigentes como
generosas para as classes trabalhadoras e, por
outro lado, dos defensores da existência da
luta de classes que naturalmente afirmam que
proletários e donos dos meios de produção
são inimigos.
O autor rechaça as duas teses,
apresentando a sua, constituída pela
defesa de um Estado que mediasse os
conflitos existentes na sociedade,
notadamente entre as classes sociais,
reprimindo qualquer tentativa de tomada
de poder pelas classes subalternas; mas
não apenas isto, o Estado deve agir sobre
as causas dos problemas sociais de modo
que possa impedir e controlar o
antagonismo destruidor entre dominantes
e dominados.
“Trata-se, de fato, de duas posições inconciliáveis. Desde então,
as construções de uma política sem Estado ameaçam levar a um
impasse. (...) O discurso da paz social prepara, assim, as
condições da luta de classes que quer esconjurar. Através de sua
recusa em fazer do Estado um parceiro implicado no jogo social,
deixa face a face, sem mediações, dominantes e dominados.
Desde então, a relação de forças realmente poderia inverter-se,
e aqueles que nada têm a perder poderiam decidir querer
ganhar tudo. Quem poderá impedi-los disso? O Estado, sem
dúvida. Mas um Estado liberal está reduzido ao papel de policial
que intervém de fora para reprimir as turbulências populares
(...), sem poder agir sobre suas causas nem preveni-las.
Exatamente em nome da paz social, seria necessário que o
Estado fosse dotado de novas funções para controlar esse
antagonismo destruidor” (Castel, 2003: 344)
Novo sentido ao social
• “não mais dissolver os conflitos de interesses
pelo gerenciamento moral nem subverter a
sociedade pela violência revolucionária, mas
negociar compromissos entre posições
diferentes, superar o moralismo dos
filantropos e evitar o socialismo dos
„distributivistas‟” (Castel, 2003: 345)
Ação do poder público
• impor-se de direito enquanto são excluídas as
intervenções diretas sobre a propriedade e
sobre a economia” (Castel, 2003: 345). Sua
proposta é fazer alterações profundas que
trabalhem para respeitar o trabalhador sem
tocar nas questões da propriedade privada
dos meios de produção e da economia.
Reivindicação dos trabalhadores
• O primeiro direito do homem é o de viver,
contido na declaração dos direitos humanos,
Castel conclui o seguinte: “não é possível
expressar melhor a maneira como os operários
redefinem a questão social a partir de suas
próprias necessidades. A única forma social
que pode assumir o direito de viver, para os
trabalhadores, é o direito ao trabalho. É o
homólogo do direito de propriedade para os
abastados” (Castel, 2003: 350).
Com efeito, ele descreve o que chamou de sociedade
salarial no pós-guerra (Segunda) trata-se de um
processo de “desindividualização”, no seu entender,
que insere o trabalhador em regimes gerais,
convenções coletivas, regulações públicas do direito do
trabalho e da proteção social. Neste caso, nem tutela,
nem simples contratos, mas direitos. “O mundo do
trabalho na sociedade salarial na forma, para falar em
termos exatos, uma sociedade de indivíduos mas,
sobretudo, um encaixe hierárquico de coletividades
constituídas na base da divisão social do trabalho e
reconhecidas pelo direito” (Castel, 2003: 600).
Uma das hipóteses do livro ao tratar a
questão do crescimento econômico e
das proteções sociais é que estas
determinaram aquelas e não o
contrário.
resgata seus principais pontos desenvolvidos ao
longo do trabalho e apresenta o conceito de
individualismo negativo que incluiu basicamente
o vagabundo ou no seu conceito, o desfiliado,
aquele que não se inclui/deixou incluir na
sociedade cadastrada ou na sociedade salarial, o
que tinha despeito pelas leis e ordem, chamada
amiúde de pública, o que se negava a produzir
riquezas para os proprietários, o que foi expulso
do campo, o que foi cassado, enforcado,
degolado, maltratado, o que buscava uma vida
“fácil”, um mal para o sistema que devia ser
eliminado, enfim, um individualista negativo, nas
palavras do autor.
Qual o núcleo da questão social hoje?
• “A existência de „inúteis para o mundo‟, de
supranumerários e junto com eles a instabilidade
e a vulnerabilidade das massas”. Sua descrição
histórica apontou que do modelo de corvéia até a
sociedade salarial coube ao Estado apagar os
traços mais significativos da subordinação, e por
outro lado, compensar com garantias e direitos,
bem como com o acesso ao consumo além da
satisfação das necessidades vitais, sobretudo no
primeiro mundo.
Desregulamentação do Estado
• um processo de individualização que ameaça a
sociedade com uma fragmentação, frente a coesão
conseguida na sociedade salarial, que a tornaria
ingovernável tendo como resultado uma polarização
entre os que podem associar individualismo e
independência e os que tem sua individualidade como
falta de vínculos e de proteções sociais. A grande
questão é como superar este problema. Com certeza,
responde Castel, “o poder público é a única instancia
capaz de construir pontes entre os dois polos do
individualismo e impor um mínimo de coesão à
sociedade.
O recurso é um Estado estrategista que estenda
amplamente suas intervenções para
acompanhar esse processo de individualização,
desarmar seus pontos de tensão, evitar suas
rupturas e reconciliar os que caíram aquém da
linha de flutuação. Um Estado até mesmo
protetor porque, numa sociedade
hiperdiversificada e corroída pelo individualismo
negativo, não há coesão social sem proteção
social. Mas este Estado deveria ajustar o melhor
possível suas intervenções, acompanhando as
nervuras do processo de individuação. (Castel,
2003: 610).
Castel reconhece que a miséria é
resultado da industrialização: “Existe
uma indigência que não é devida à
ausência de trabalho, isto é, ao
trabalho, liberado‟. É filha da
industrialização” (Castel, 2003: 284). O
problema do pauperismo, é visto como
um problema ligado ao desemprego e
é agravado pela ausência do Estado
para ajudar aos pobres
se o problema é o desemprego e ele
não tem nenhuma segurança, a
política correta, segundo ele, consiste
na intervenção do Estado que deve
garantir o trabalho para as classes
laboriosas. Aliás, querer que os pobres
trabalhassem (para as classes
dominantes) também foi
historicamente o desejo dos
proprietários
que diz respeito à existência de um grande
exército industrial de reserva Castel passa
ao largo É evidente que a partir deste
tópico surge uma discussão importante,
pois um grande número de
desempregados tem como resultados: 1-
manter o salário de quem trabalha baixo,
favorecendo ao proprietário e 2- como
derivado do primeiro, faz com que os
trabalhadores tenham medo de perder seu
emprego, abstendo-se de fazer greve,
enfrentar o empregador.
O autor optou por vislumbrar uma alternativa possível
para os problemas gerados pelo capitalismo. Sua saída
foi a defesa de um Estado social tal como o do terceiro
quartel do século XX na França, sem rupturas no
sistema de propriedade e da economia. Esta alternativa
consubstancia-se em alternativa dentro do próprio
sistema capitalista, uma alternativa possível diria o
autor e seus defensores. O que não é bem visto na
descrição de Robert Castel é o não reconhecimento dos
problemas, para a classe trabalhadora, do advento da
propriedade privada moderna. É a não descrição da
violência que a constitui e da violência cotidiana para
mantê-la que possibilitou ao autor chegar às conclusões
de defesa do Estado interventor, passando-se por
generoso para as classes que vivem do trabalho.
Robert Castel não concebe alternativa
ao capitalismo, embora queira que as
pessoas vivam com dignidade. Pensar
em alternativas ao capitalismo não
significa automaticamente defender o
capitalismo de Estado, ou socialismo
autoritário, desenvolvido na URSS, mas
precisamos pensar em alternativas que
privilegiem a liberdade que só pode se
concretizar na igualdade.

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