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Língua Portuguesa IV – Prof.

Cesar Casella

Operações semânticas sobre construções

UnU Goiás – Agosto de 2012


RETOMANDO O LIVRO DE ILARI & GERALDI...

- Importante lição: “para compreender o sentido de relações


gramaticais dotadas de alguma complexidade, temos
obrigatoriamente que ir além dos dados supondo (ou
explicitando) esquemas abstratos subjacentes aos mesmos”
(ILARI & GERALDI, Semântica, pág. 28).

- Para fenômenos diferentes, temos de ter esquemas


abstratos diferentes.
CAPÌTULO 3: OPERAÇÕES SEMÂNTICAS
SOBRE CONSTRUÇÕES

Trata da:

- Negação;

- Modificação do verbo pelo advérbio.


NEGAÇÃO NA GRAMÁTICA TRADICIONAL

- Trata-se de excluir a compatibilidade (conveniência):

(01) As cobras são venenosas.


(02) As cobras não são venenosas.

(03) A terra é redonda.


(04) A terra não é redonda.
NEGAÇÃO NA GRAMÁTICA TRADICIONAL

- Por isso fala-se em advérbio de negação e que este


modifica o verbo.:

(01) As cobras são venenosas.


(02) As cobras não são venenosas.

(03) A terra é redonda.


(04) A terra não é redonda.
O ADVÉRBIO MODIFICA SÓ O VERBO?

(05) Todos os senadores não são favoráveis à nova lei.


O ADVÉRBIO MODIFICA SÓ O VERBO?

(05) Todos os senadores não são favoráveis à nova lei.

Duas interpretações:

(06) Todos os senadores são desfavoráveis à nova lei.

(07) Os senadores não são todos favoráveis à nova lei.


(08) Nem todos os senadores são favoráveis à nova lei.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

- São numerosas as formas de expressão da negação: Prefixos


negativos; variantes do advérbio 'não'; molduras em fórmulas
negativas (exemplos nas páginas 30 e 31).

- A negação pode incindir sobre outros elementos da oração


(exemplos na página 31).
TEORIA DOS ESCOPOS

- Observa-se que há a possibilidade da negação afetar


diferentes conteúdos semânticos, isto é, dela afetar diferentes
escopos. O que interessa para exemplos como:

(09) Os mudos não são surdos necessariamente.


(10) Os mudos não são surdos, necessariamente.

(11) Ele não trabalha como professor porque precisa de


dinheiro.
TEORIA DOS ESCOPOS

- Observa-se que há a possibilidade da negação afetar


diferentes conteúdos semânticos, isto é, dela afetar diferentes
escopos. O que interessa para exemplos como:

(09) Os mudos não são surdos necessariamente.


(10) Os mudos não são surdos, necessariamente.

(11) Ele não trabalha como professor porque precisa de


dinheiro.
a. porque precisa … não trabalha
b. trabalha … não porque precisa
TEMA E REMA

- “As expressões que compõem orações usadas na


comunicação efetiva não são igualmente importantes para
dinamizar a comunicação entre os falantes” (ILARI &
GERALDI, Semântica, pág. 35).

- Há informações de conhecimento comum e informações


novas (exemplo na página 35).

- Tema: informação compartilhada.

- Rema: informação nova.


TEMA E REMA

- Observe-se a importância do tema/rema:

(12) Pedro não apresentou José a Maria.

a. A pessoa a quem Pedro apresentou José não foi Maria.


b. A pessoa a quem Pedro não apresentou José foi Maria.
c. As pessoas que Pedro apresentou não foram José e
Maria.
d. As pessoas que Pedro não apresentou foram José e
Maria.

- Em que a mudança do segmento remático repercute na


escolha do segmento sobre o qual recai a negação.
O ADVÉRBIO MODIFICA SÓ O VERBO?

(13) Somente João foi ao cinema.

(14) Felizmente João foi ao cinema.


O ADVÉRBIO MODIFICA SÓ O VERBO?

(13) Somente João foi ao cinema.

(14) Felizmente João foi ao cinema.

ENUNCIADOR
DOIS FUNCIONAMENTOS DO ADVÉRBIO

Por isso se pode falar em advérbios de frase e advérbios de


enunciação. O que é útil para entender a ambiguidade em
casos como:

(15) Em português claro, José deu para trás.

a. José informou sua desistência em português claro


(advérbio de frase)
b. Em português claro, eu informo a desistência de José
(advérbio de enunciação)
Língua Portuguesa IV – Prof. Cesar Casella

A significação das palavras

UnU Goiás – Setembro de 2012


PROBLEMAS TRADICIONAIS, ABORDAGEM NÃO

- Ilari e Geraldi voltam-se para temas semânticos tradicionais,


como a sinonímia, a antonímia, a hiponímia, a duplicidade de
sentido, mas não os tratam como geralmente são tratados.
Eles são relacionados aos fenômenos da paráfrase,
contradição, consequência, ambiguidade, mais vinculados ao
estudo textual de frases completas. Isto permite examinar as
relações das palavras com as construções gramaticais e com
os efeitos de sentido originados no contexto.
SINONÍMIA E PARÁFRASE

Para começar, um conjunto de frases que poderíamos


agrupar aos pares:

(01) Pegue o pano e seque a louça.


(02) Pegue o pano e enxugue a louça.
(03) É difícil encontrar este livro.
(04) Este livro é difícil de encontrar.
(05) Esta sala está cheia de fumaça.
(06) Abra a janela.
SINONÍMIA E PARÁFRASE

- Intuitivamente, vemos que estas frases se reúnem aos


pares, que 'elas dizem a mesma coisa'.

- O processo que leva a estes agrupamentos pode ser


chamado de paráfrase:

(01) e (02) há as palavras sinônimas 'seque' e 'enxugue';

(03) e (04) empregam as mesmas palavras e as construções


sintáticas, embora diferentes, mantém as mesmas relações
de participação dos objetos no processo descrito;

(05) e (06) a situação de uso faz com que elas expressem a


mesma intenção do emissor.
SINONÍMIA LEXICAL

- A sinonímia lexical é um dos fatores possíveis para a


paráfrase. É a relação estabelecida entre o significado das
palavras.

- Ilari e Geraldi irão problematizar a sinonímia lexical, a partir


de ressalvas (p. 43-47):

A. Para que duas palavras sejam sinônimas, não bastam que


tenham a mesma extensão. Elas devem ter também a mesma
intensão, ou seja, devem ter identidade de sentido.

B. Para que duas palavras sejam sinônimas é preciso que


façam, em todos os seus empregos, a mesma contribuição ao
sentido da frase.
SINONÍMIA LEXICAL

C. Duas palavras são sinônimas sempre que podem ser


substituídas no contexto de qualquer frase sem que a frase
passe de falsa a verdadeira, ou vice-versa.

CALVO e CARECA confirmam isto em:

(07) Todo .... sonha descer uma ladeira de bicicleta com os


cabelos soltos ao vento.
(08) Por razões genéticas, os homens … são mais numerosos
que as mulheres .... .
(09) Para um homem .... o maior risco é o da insolação.
SINONÍMIA LEXICAL

Mas o princípio falha em alguns contextos (quando se faz


alusão à forma da palavra, se atribui a alguém crenças e
conhecimentos ou se faz relatos indiretos/diretos de discurso).

CALVO e CARECA confirmam isto em:

(10) O Argemiro não se irrita quando o chamam de calvo, mas


não suporta ser chamado de … .
(11) A palavra “....” tem cinco letras.
(12) A tia Felismina acha que Kojak é um .… charmoso.

Assim, vê-se que a sinonímia é um fenômeno gradual e os


diferentes contextos são mais ou menos exigentes quanto ao
princípio C.
SINONÍMIA LEXICAL

D. Palavras presumivelmente sinônimas sofrem sempre


algum tipo de especialização, de sentido ou de uso. Este é
outro fenômeno de dependência contextual da sinonímia,
como o de C. O que se vê com:

MEDO e TEMOR

(13) Morrer de … .
(14) .... pânico.

SECO/ENXUTO

(15) Ela é o tipo de garota .... .


(16) Ele é .... por dinheiro.
SINONÍMIA ESTRUTURAL

A sinonímia estrutural também sofre com problemas iguais ao


da sinonímia lexical. Alguns exemplos de sinonímia estrutural
seriam:

RELAÇÃO VOZ ATIVA/VOZ PASSIVA

(17) Pedro matou João.


(18) João foi morto por Pedro.

COMPARATIVO DE IGUALDADE

(19) Pedro é tão bom quanto José.


(20) José é tão bom quanto Pedro.
SINONÍMIA ESTRUTURAL

COMPARATIVO DE SUPERIORIDADE E INFERIORIDADE,


FORMULADOS NOS DOIS SENTIDOS

(21) Pedro é mais esperto que José.


(22) José é menos esperto que Pedro.

CONSTRUÇÕES COM 'MESMO'

(23) João corre a maratona no mesmo tempo que Pedro.


(24) Pedro corre a maratona no mesmo tempo que João.
SINONÍMIA ESTRUTURAL

- Mas, avisam os autores, a escolha entre duas frases


semelhantes estruturalmente nunca é inocente.

- Passar da voz ativa para a passiva altera a atribuição do


'rema' e do 'tema'. (17) é uma frase sobre Pedro enquanto
(18) é uma frase sobre João. O mesmo ocorre com o
comparativo de igualdade. (19) é uma frase sobre Pedro e
(20) é uma frase sobre João.

- No caso de (21) e (22), os estudos escalares mostram que


são opções que argumentam em sentido contrário. (21) diz da
esperteza de Pedro e (22) diz da inabilidade de José.
SINONÍMIA ESTRUTURAL

- Outro modo de ver a precariedade da sinonímia estrutural é


observar que não estranhamos as frases:

(25) Não foi João que correu a maratona no mesmo tempo


que Pedro, foi Pedro que correu a maratona no mesmo tempo
que João.

(26) Não foi Napoleão que cometeu o mesmo erro de Hitler,


foi Hitler que cometeu o mesmo erro de Napoleão.

Casos em que orações, que normalmente seriam tomadas


como paráfrases, são declaradas distintas pelo uso do 'não'.
.
ACARRETAMENTO E HIPONÍMIA

Observe-se este outro conjunto de orações:

(27) Um sargento da guarda rodoviária nos pediu o


documento do Fiat.
(28) Um policial nos pediu o documento do carro.
(29) Mãe, quebrei o vidro de geleia.
(30) Mãe, o vidro de geleia quebrou.

O acarretamento entre (27) e (28) resulta da relação de


hiponímia existente entre 'sargento da guarda rodoviária' e
'policial', e entre 'Fiat' e 'carro', isto é, quem afirma (27) aceita
também a verdade de (28). Também há acarretamento entre
(29) e (30), com a diferença que o que fundamenta a relação
é a utilização do esquema gramatical, a construção (29)
sendo mais exata que a (30).
ACARRETAMENTO E HIPONÍMIA

- Os autores problematizam também esta relação, mostrando


que há uma ordenação no acarretamento (p. 53) e apontando
para a necessidade de se refletir sobre a dupla origem –
situacional e linguística – do processo, como no caso da
sinonímia.

- Eles afirmam que a relação de hiponímia estrutura o


vocabulário da língua em quadros classificatórios (p. 52).

- Eles afirmam também que entender a relação de


consequência entre as orações é vital, pois compreender
corretamente uma frase, em alguns casos, é saber enumerar
as suas consequências (p. 53)
CONTRADIÇÃO E ANTONÍMIA

A contradição e a antonímia são casos em que duas orações


têm sentidos incompatíveis com a mesma situação. Em (31)
temos uma segunda oração que é a negação da sinonímia da
primeira, em (32) temos uma segunda oração que é a
negação de uma consequência da primeira e em (33)
predicam-se propriedades opostas para o mesmo indivíduo:

(31) Pedro é bígamo, mas não é verdade que ele tenha duas
mulheres.
(32) São Pedro era mais velho que São João, mas não era
verdade que tivesse nascido antes.
(33) Napoleão gostava de pizza mas detestava pizza.
CONTRADIÇÃO E ANTONÍMIA

- Discute-se a pertinência do conceito de antonímia como


'contrário' ou 'oposto'. Em pares como 'nascer/morrer' ou
'adoecer/sarar' são mais a expressão de momentos em um
processo do que polos opostos. Pares como 'abrir/fechar'
expressam processos diferentes mais do que oposição.

- Ao invés de sistematizar a noção de antonímia, os autores


observam (p. 55-56) que:

A. Raramente duas expressões em oposição estão no mesmo


pé de igualdade no uso corrente, uma das duas está sempre
marcada;
B. Não há combinação de informações contraditórias que
resista ao esforço interpretativo.
AMBIGUIDADE E POLISSEMIA

A questão da duplicidade de sentido é tratada a partir dos


casos em que se admitem interpretações alternativas:

(34) O cadáver foi encontrado perto do banco.


(35) Pedro pediu a José para sair.
(36) José não consegue passar perto de um cinema.

Em (34) temos uma ambiguidade centrada no léxico, pois


'banco' admite dupla leitura. Há homonímia (uma só forma e
dois sentidos) e homografia. É possível palavras homônimas
mas não homógrafas ('sexta/cesta'). Em (35) há ambiguidade
de construção sintática: “ao passo que o verbo pediu tem um
sujeito expresso, o infinitivo sair não tem sujeito explícito, e
pode se referido tanto a Pedro como a José” (p. 57).
AMBIGUIDADE E POLISSEMIA

Nada proíbe que as ambiguidades de natureza estrutural


mesclem-se às ambiguidades de natureza homonímica:

(37) Uma louca leva o guarda.

Em que encontramos as leituras possíveis: a). uma pessoa


fora de seu juízo [louca] carrega [leva] um policial [o guarda];
b). uma multidão [leva] enlouquecida vigia alguém [o guarda].

Em (36) a ambiguidade está na interpretação contextual da


frase: José pode adorar ou odiar filmes... A solução estará em
indícios de ordem variada, na entonação, nas indicações de
contexto linguístico e extra-linguístico, na linguagem gestual.
É uma ambiguidade cujo fundamento é situacional, não
linguístico.
PRESSUPOSIÇÃO

A última relação de sentido analisada é a pressuposição. O


exemplo usado é:

(38) Pedro parou de bater na mulher.

Em que se verbaliza duas informações: a). Pedro batia na


mulher no passado; b). Pedro não bate na mulher atualmente.

Desdobramento que se deve ao uso de 'parar de'. Expressões


que levam a reconhecer duas informações distintas na
mesma oração são relativamente comuns: 'continuar a',
'certificou-se de', 'só + verbo'. Utilizando os postulados de
Frege, discute-se os pressupostos, mostrando os seus
mecanismos de uso, suas expressões introdutórias e seus
critérios de veracidade (p. 59-63).
PRESSUPOSIÇÃO

A pressuposição é um tipo mais complexo de acarretamento e


mais 'forte', já que resiste aos efeitos da negação. Veja-se:

(39) Pedro certificou-se de que havia fechado a porta.


Acarreta: Pedro havia fechado a porta.

(40) Pedro não certificou-se de que havia fechado a porta.


Não mais acarreta: Pedro havia fechado a porta.

(41) João continua a trabalhar no banco.


Pressupõe: João trabalhava no banco.

(42) João não continua a trabalhar no banco.


Pressupõe: João trabalhava no banco.
PRESSUPOSIÇÃO

A pressuposição resiste também a interrogação. Veja-se:

(43) Pedro certificou-se de que havia fechado a porta.


Acarreta: Pedro havia fechado a porta.

(44) Pedro certificou-se de que havia fechado a porta?


Não mais acarreta: Pedro havia fechado a porta.

(45) A empregada só lavou a louça.


Pressupõe: Havia outros serviços a serem feitos.

(46) A empregada só lavou a louça?


Pressupõe: Havia outros serviços a serem feitos.
Língua Portuguesa IV – Prof. Cesar Casella

Significação e contexto

UnU Goiás – Setembro de 2012

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