Você está na página 1de 1

ANÁLISE DE UM SONETO DE GREGÓRIO DE MATOS

Material de Estudo

Aná lise de ROMPE O POETA COM A PRIMEIRA IMPACIÊ NCIA QUERENDO DECLARAR-SE E
TEMENDO PERDER POR OUSADO1
Este soneto é classificado como o sétimo poema do Ciclo Ângela, na organizaçã o de James
Amado (baseada no có dice de Manuel Pereira Rabelo, do Séc. XVIII), ciclo que congrega os
poemas endereçados a D. Â ngela de Sousa Paredes Rabelo e que segue a evoluçã o do
relacionamento amoroso, que termina com a rejeiçã o do poeta, em favor de outro.
A concepçã o de amor que gera o poema é a de amor elevado, no que ressoa a poesia de
Petrarca e Camõ es, inclusive pela escolha da forma soneto, mas em que há a luta entre o
desejo e o amor cortês. No primeiro quarteto, instala-se esta luta no par Anjo/Angélica, de
mesmo radical latino: “Anjo no nome, Angélica na cara”. Por um lado, a eternidade divina do
anjo, por outro, a beleza temporal do rosto feminino, do qual se desliza para a flor angélica
(originá ria da Índia, branca e perfumada). Assim, flor e anjo unem-se e se uniformizam na
amada, “Angélica flor e Anjo florente”, ao fim do quarteto.
O segundo quarteto inicia-se com a busca por uma lei geral e natural que justifique o desejo:
Quem nã o colheria uma flor em plena florescência? Nisto há a parte temporal e mundana do
desejo, que pode ser lida, com conotaçã o sexual, no <deflorar>. Entretanto, o quarteto se
completa numa lei geral e sobrenatural: Quem, por força da crença em Deus, nã o idolatraria
um anjo luzente? Nisto há a parte divina da contemplaçã o, lida na luz emanada do anjo. Há ,
pois, uma espécie de controle do desejo a partir da adoraçã o da figura angelical, um
equilíbrio em meio a tensã o: desejo e contençã o, amor carnal e amor idealizado.
O primeiro terceto apresenta uma nova tensã o unificada: o anjo está no altar mas também na
custó dia. O altar é da ordem do espaço pú blico, ocupa lugar de destaque no templo, pode ser
visto por todos. A custó dia é da ordem do espaço particular, ocupa lugar dentro de cada um,
resguardado e oculto. Assim, o <eu lírico> tematiza o seu maior conflito (expresso no título):
ou expor em um altar o seu desejo, a sua musa idealizada ou esconder, guardar para si o seu
desejo nã o consumado. Ao final do terceto, o verso “Livrara eu de diabó licos azares” traz
ainda uma nova oposiçã o: <diabó lico> se coloca frontalmente contra o <angélico>.
A conjunçã o adversativa <mas> abre o ú ltimo terceto, apontando para uma conclusã o que
muda de rumo a argumentaçã o apresentada. No par “bela”/“galharda” retoma-se a dicotomia
temporal (passageira)/divino (eterna), que desestabiliza a aparente uniformidade descrita
anteriormente. Assim, a opçã o pelo anjo (em relaçã o ao defloramento da flor), pois “os Anjos
nunca dã o pesares”, pela contençã o, pelo amor idealizado e pela pureza, mostra-se ainda uma
tensã o: este é uma anjo que tenta e nã o que guarda.
Em geral, é neste jogo de contradiçõ es que a crítica vê o <toque barroco>: se a dama é, afinal,
um anjo, como é que, em lugar de proteger (guardar), ela só faz provocar (atentar) o desejo
do <eu lírico>? O soneto, portanto, que se constró i como a louvaçã o da beleza angelical
(contemplaçã o divina) frente a beleza floral (desejo temporal), encerra-se em uma espécie de
advertência contra a tentaçã o.

1 Partindo-se da leitura do artigo A Poesia de Gregório de Matos Revisitada de Jayro Luna, disponível em:
<https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=70348&cat=Artigos&vinda=S>.

Você também pode gostar