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O coronelismo numa

interpretação sociológica
Maria Isaura Pereira de Queiroz
Introdução

 - O coronelismo é uma forma de exercício do poder político,


cujas origens remetem ao período colonial e imperial;
 - Nesse tipo de poder as cidades são consideradas feudos dos
coronéis;
 - A Constituição de 1891 ampliou o número de eleitores, mas não
foi capaz de suprimir as engrenagens do poder local sobre o
conjunto da República, ao contrário o evidenciou, quando
comparada com o Império;
 - A figura do “coronel” é uma sobrevivência da Guarda Nacional
(extinta na República), que se assentava sobre os homens livres, a
partir de uma hierarquização econômico-social (coronel – major
– capitão – alferes);
Linha política divisória no
coronelismo
 - A linha divisória de “quantum” do poder político possui um
coronel é a sua própria condição de existência e ainda de sua
gente (parentela vasta, parentelas aliadas ou outros tipos de
clientes);
 - Não implica a contigüidade de um território – mas quase sempre
o pressupõe – dado o exercício de poder sobre cidades, vilas e
fazendas;
 - Nunes Leal em seu livro clássico sobre o coronelismo, o
caracterizou como sendo: poder privado + representação política;
 - Mas, o aspecto político não resume por completo o fenômeno
do coronelismo;
2- A estrutura coronelística como
uma estrutura de clientela política
 - Jean Blondel realizou estudos sobre as sobrevivências do
coronelismo na Paraíba, nos anos 50 e 60;
 - De acordo com Blondel, o coronelismo se caracteriza pelo
exercício de poder político sobre um conjunto de pessoas;
 - Devemos, no entanto, estar atentos sobre as vinculações entre
tal exercício de poder e suas relações com as condições sócio-
econômicas e culturais que também prevalecem entre as pessoas;
 - Ainda, de acordo com Blondel, existiria uma hierarquia: coronel
– cabos eleitorais – eleitor;
 - Existiriam três tipos de estruturas de poder:
 a) mando pessoal: com a mediação de cabos eleitorais;
 b) domínios exercidos através de um chefe político local – o que
poderia resultar em controles mais frouxos sobre o conjunto da
clientela;
 c) domínio colegial/aristocrático: o poder é repartido entre
diferentes líderes (quase sempre de uma mesma parentela, que
exerce o domínio sobre uma zona e seu eleitores);
Estrutura coronelística regional

 - O poder do coronel é geralmente exercido direta ou


indiretamente e, ainda, de modo exclusivo ou em disputas;
 - a regra geral era haver mais de um coronel disputando uma
região: quando a disputa sobre uma região envolvia apenas dois
coronéis e não mais, as relações entre os dois grupos tendiam a
ser marcadas intensas violências;
 - Mais de dois grupos em disputas, implicava a possibilidade de
alianças e mediações;
 - O coronelismo é caracterizado por hierarquizações e
horizontalidades, que são múltiplas no tempo e no espaço; por
exemplo:
 a) grande político regional se sobrepõe às disputas locais de
outros coronéis;
 b) um grande coronel pode ter sua dominação questionada pela
ascensão de um poderoso da localidade;
 - O coronelismo é a “evolução” do mandonismo local existente
desde os tempos coloniais – uma forma de poder que supera os
clãs para o exercício de poder político;
A barganha eleitoral

 - A barganha eleitoral existiu desde o Reinado, mas dado o voto


censitário, ela ocorria dentro de um mesmo grupo social – os
homens de maiores posses;
 - Com a República passou a existir também entre grupos sócio-
econômicos diferentes; estabelecendo-se um processo de
negociação entre dominantes e dominados: cientes de que o voto
era um bem precioso de barganha entre os grupos;
 - É fato que havia um grau de poder de negociação por parte dos
grupos dominados; no entanto, não devemos exagerar, pois
sempre havia outros modos de exercício do poder do coronel, por
exemplo: a violência direta;
 - Na República, a instituição do voto para todos homens
alfabetizados, ampliou o número de eleitores (embora o quorum
tenha permanecido ainda reduzido) e as possibilidades da
barganha eleitoral;
 - Os eleitores da base do sistema eram constituídos por sitiantes,
artífices, pequeno comércio, funcionários diversos – em geral
economicamente independentes (os pobres sem posses
constituíam a força de trabalho ou fonte da jagunçada);
 - Desde tempos remotos esta fração social era composta por
homens livres, cuja identidade se constituía em oposição à
significativa parcela da população escravizada;
 - Esta condição, possibilitava uma certa ambigüidade nas
relações: entre “iguais”;
 - Tal condição de “igualdade” conferia um certo poder de
negociação no interior de uma parentela, clientela ou grupo de
vizinhos, com os diferentes níveis de chefia;
 - Também em razão da condição de suposta igualdade, as relações
de deferências pessoais estavam sempre à mercê de
suscetibilidades e melindres;
 - Assim, barganha eleitoral pode ser enquadrada em um sistema
de relações sociais mais amplas, caracterizadas pelo Dom e
Contra-dom, típicas de sociedades não modernas e que existiram
no Brasil, desde os tempos da colônia;
 - Os efeitos dessas relações consolidavam um pacto político inter
e intra-classes, onde a causa do chefe político, era a causa de
todos;
3- A origem da estrutura
coronelística: os grupos de parentela
 - A constituição de uma parentela, fonte primeira do poder
coronelístico, se dá pelo estabelecimento de laços de parentesco:
sanguíneo, espiritual (compadrio), matrimonial;
Definição de “parentela”

 - Uma parentela é mais ampla que a “grande família”; ela é


formada por famílias nucleares e grandes famílias; não
necessariamente em espaços territoriais contíguos; sua
composição do ponto de vista sócio-econômico é tanto vertical
quanto horizontal e esta diferenciação é mais perceptível em
zonas produtivas mais dinâmicas;
 - Pouco estudada, a parentela é próxima do clã, que é mais
horizontalizado e tribal;
 - No Brasil, a parentela foi, desde o século XIX, internamente
estratificada e constituiu o núcleo para o exercício do poder do
campo em direção às cidades, sendo estratégico o controle sobre
as câmaras municipais;
 - Não obstante, as variações e distinções existentes no interior da
parentela, o seu interesse genérico se sobrepõe aos interesses
específicos dos núcleos de famílias;
 - O surgimento da Guarda Nacional no Império, veio solidificar a
hierarquização e legitimar as variações e distinções da parentela,
ao mesmo tempo que fortalecia os laços de solidariedade no seu
interior, já que os seus agrupamentos eram constituídos por
parentelas específicas sob o comando de um “mandão local”, o
coronel;
 - Embora as famílias fossem independentes economicamente, a
existência da parentela também entrava no cálculo das vantagens
econômicas, já que podiam representar um amparo em momentos
de dificuldades ou, ainda, a base para iniciativas no campo
econômico. Assim, a parentela era também uma espécie de grupo
econômico, cuja base de atuação podia variar amplamente;
 - Modos de relacionamentos baseados em etiquetas de respeito e
deferência eram básicos para relações de reciprocidade; como
também qualquer desequilíbrio podia ser motivo para o dissenso
dentro da parentela, ou contra um outro grupo;
 - Portanto, a parentela não deve ser vista como uma experiência
estática; ao contrário, as rupturas eram freqüentes;
 - Embriões de mando e de posse, as parentelas eram também
fontes de conflitos, muitas vezes violento, considerando-se as
possibilidades de ascensão social e política no interior do grupo;
 - No interior da parentela não há pirâmide estática e imóvel:
mesmo o posto de coronel pode ser conquistado por meio de
disputas; ou por ascensão natural, desde que o postulante
demonstre qualidades reconhecidas para o exercício da função;
 - Nas parentelas existe, então, a possibilidade da fragmentação; o
seu contraponto é a solidariedade inter ou intraparentelas;
 - Quando rompidas, as relações tendem a se caracterizar por um
alto grau de violência interna; o permanente exercício de disputas
e violências externas é fator de coesão e estabilidade interna;
4- O fundamento da estrutura
coronelística: a posse de bens de fortuna

 - O prestígio de um Coronel advém de sua capacidade de “fazer


favores” – de sua fortuna; não estando circunscrita à propriedade
rural;
 - Os meios para acesso à fortuna são: herança, casamento e o
comércio;
 - A propriedade rural somente é condição de poder quando exista
os capitais necessários para a sua exploração e reunião de
pessoas;
 - As regiões mais dinâmicas são aquelas que mais constituiram
estruturas coronelísticas perenes e amplas;
Heranças, casamentos e
mandonismo
 - Os casamentos foram instrumentos de manutenção, ampliação
do poder local;
 - Casamentos intra-parentela foram bastante comuns, como forma
de manutenção de poder e riqueza; era um instrumento
estratégico na sobrevivência e fortalecimento da família e da
parentela;
 - Mais importante do que o casamento era a posse de fortuna; por
isso, ao lado da posse da terra, o comércio foi sempre uma
atividade fonte de poder e prestígio;
 - Pois o comerciante quase sempre é uma referência na
localidade, capaz de realizar múltiplas tarefas e muitos favores;
Delmiro Gouveia: figura ímpar do
coronelismo
 - Delmiro Gouveia é um exemplo de ascensão a condição de
coronel via atividades citadinas: comércio e indústria no
nascimento da República;
 - Suas atividades iniciais de mascate deram ensejo a formação de
grande fortuna em Pernambuco, atuando em vários setores do
comércio e indústria, com grande capacidade de influência
política no Estado; como também a dissensões;
 - A paixão e rapto de jovem, menor de idade, o levou ao sertão de
Alagoas, onde também desenvolveu planos para a formação de
um grupo de empresas de comércio, indústria, produção de
energia, transportes, criação de gado;
 - Sua fortuna e a influência política com o ajuntamento de
pessoas, desestabilizou os poderes locais, anteriormente
existentes, que provocaram o seu assassinato em 1917;
 - Assim, a fortuna, como mostra o exemplo de Gouveia, era
decisiva para uma pessoa ascender à condição de poder
coronelístico na Primeira República; embora haja uma relação de
dependência quanto à sua parentela;
 - A fortuna também era o fator de hierarquização no interior da
parentela: na divisão entre ricos e pobres;
 - No entanto, a riqueza pessoal não era a única condição admitida
para o posto de Coronel, pois exigia-se certos “carismas” para a
adesão dos demais;
 - Portanto, não existia rigidez na ascensão política; desde a
Independência, com a urbanização, o exercício de uma profissão
liberal foi sendo cada vez mais considerada como uma qualidade
importante para o exercício de funções na estrutura do poder
coronelístico/oligárquico;
5- Fatores de decadência da sociedade
coronelística: crescimento demográfico,
urbanização e industrialização
 - O núcleo urbano, local de múltiplas funções sociais importantes,
foi crescentemente, no tempo, considerado como sede do poder
local e, por isso, objeto de consideração por parte dos coronéis –
como seus fundadores e protetores;
 - As cidades, vilas ou bairros rurais, apresentavam diferenciação
em círculos de circunscrição sócio-econômica que não eram
suficientes para solapar a identidade e coesão da parentela;
Surto de urbanização no Sul

 - No entanto, desde meados do séc. XIX iremos notar um surto de


crescimento demográfico e de urbanização, especialmente nas
regiões da economia cafeeira;
 - Tal crescimento iria tornar as estruturas citadinas mais
diferenciadas e complexas; fator de produção de um novo tipo de
relação entre as pessoas: a impessoalidade (que substituiria, aos
poucos, a pessoalidade nas relações);
 - As cidades que foram o lugar do poder do coronel, quando se
ampliava, além de um certo tamanho, criava um conjunto de
camadas sociais intermediárias, cuja independência econômica e
disposição cultural e intelectual, são externas à influência
coronelística, inclusive de sua fortuna;
 - Essa camada social intermediária irá também ampliar o
distanciamento entre os membros superiores e inferiores da
parentela e da clientela do poder do coronel;
 - Com o fortalecimento das cidades, novos postos de poder se
articulam, ao mesmo tempo em que enfraquecia o poder
coronelístico; a cidade também se diferencia mais em suas
estruturas sócio-econômicas, solapando a solidariedade vertical
outrora dominante;
 - Esse processo ocorre de maneira paulatina, sem grandes
rupturas;
 - Pois existe um elemento comum nas duas formas de distinção
social (clientela e classes sociais): a condição de fortuna;
 - Instituições criadas e implantadas desde meados do Sec. XIX
foram aos poucos minando o poder do Coronel:
 a) a delegacia de polícia (1842);
 b) a justiça eleitoral (1916);
 c) a criação do cargo de prefeito ou intendente municipal;
 e) a vitaliciedade dos mandatos judiciais, em 1926;
 - Aos poucos, tais poderes foram se transformando, em variados
graus e, dependendo de região para região, em rivais do poder do
coronel;
 - No entanto, é preciso ter em conta que as sobrevivências do
poder das parentelas penetraram o tecido urbano e se
acomodaram em diferentes formas nas atividades propriamente
citadinas e, não só no comércio;
 - as transformações puseram fim às solidariedades verticais, com
as criações de identidades políticas no topo da pirâmide: a classe
dos proprietários também se distanciou do exercício do poder
político direto que foi assumido pelas camadas médias liberais,
com a formação de políticos profissionais;
 - Os proprietários se concentraram no exercício do poder
econômico;
 - Tais transformações foram lentas, sendo que na década de 20 e
30 tivemos embates que liquidaram com a supremacia da forma
coronelística no exercício do poder político; especialmente pela
institucionalização do voto secreto e sua ampliação;
 - O surgimento de organizações e associações empresariais, desde
o final do século XIX, indicam também essa mudança e a
horizontalização, no topo da pirâmide social; processo lento e
ainda em curso, nos anos 50 e 60, como indicam as pesquisas;
Conclusão

 - O declínio da estrutura de poder coronelístico não foi nem linear


e nem progressivo;
 - A experiência do coronelismo também não foi homogênea – a
república “café-com-leite” indica o “cume” da pirâmide de poder
nacional;
 - Talvez, ainda hoje, existam as suas permanências!

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