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O SISTEMA TONAL

Liduino Pitombeira
Esta seção traz uma visão panorâmica e sintética do sistema
tonal, apresentado sob diversas perspectivas, tocando em
pontos-chave fundamentais para a compreensão desse sistema
tanto do ponto de vista analítico quanto composicional. Divide-
se nas seguintes subseções:

1. Léxico
2. Sintaxe
3. Teoria Neoriemanniana básica
4. Tonalidade expandida
5. Sintaxe Markoviana
Léxico
Léxico
O período tonal histórico (1600-1900), que tem sido
exaustivamente objeto de exame das disciplinas teóricas
de harmonia, contraponto e análise, é comumente
denominado de prática comum

1. A gravitação, ou centricidade, em torno de uma nota, ou de


uma tônica
2. Léxico e sintaxe predominantemente diatônicos
3. Ritmo (Tempo forte claro, recorrências de padrões simples
etc. Exceções: cadenzas, hemíolas)
4. Meio (quarteto de cordas, violino e piano,…)
Léxico

1.Elementos horizontais (modo maior


e menor)
2.Verticais (tríades formadas pela
justaposição vertical de terças
diatônicas aplicadas aos modos
maior e menor).
Léxico
Léxico
A escala diatônica é “uma escala com sete notas diferentes (heptatônica) e
adjacentes uma relação à outra no círculo das quintas”
Léxico

ESCALA DIATÔNICA

MODOS GREGOS

MODOS MEDIEVAIS

MAIOR/ MENOR
Léxico

Figura 4. Derivando a escala diatônica da série harmônica.

Tabela 1. Escala diatônica


Léxico
Léxico
ESCALA DIATÔNICA
Léxico
ESCALA DIATÔNICA
Léxico
FUNÇÕES SECUNDÁRIAS

Trecho da cantata Ad manus de Dietrich Buxtehude


Léxico
FUNÇÕES SECUNDÁRIAS
Léxico
FUNÇÕES SECUNDÁRIAS
Léxico
NOTAS ORNAMENTAIS

1 Passagem (p)
2 Passagem acentuada (pa)
3 Passagem dupla (pd)
4 Bordadura (b)
5 Bordadura acentuada (ba)
6 Bordadura dupla (bd)
7 Suspensão (s) (com ou sem ligadura)
8 Interpolação (in) – se interpola entre a nota ornamental e a nota do acorde
9 Interpolação (in)
10 Retardo (r) (com ou sem ligadura)
11 Apojatura (ap)
12 Escapada (e)
13 Escapada por salto (es)
14 Antecipação (a)
15 Nota pedal (np)
16 Arpejo (ar) – nota pertencente ao acorde que é adicionada para criar linhas mais interessantes,
em qualquer parte (SCTB), mas preferencialmente no baixo, e só deve ser indicada para
simplificar a análise harmônica.
Léxico
ACORDES ALTERADOS

Largo da Sonata Op.5 n.7 de Arcangelo Corelli


Léxico
ACORDES ALTERADOS
Léxico
MISTURAS

A partir do século XIX o léxico tonal se expande através de


misturas e de alterações cromáticas nas tríades. A palavra
mistura se refere a utilização, nas tríades, de notas
estranhas à tonalidade, decorrentes de empréstimos ou
alterações intencionais.

 Mistura Primária – empréstimo entre os modos maior e


menor
 Mistura Secundária – alteração na terça das tríades
gerando acordes não pertencentes nem ao modo maior
nem ao menor (são tríades que podem ter a função de
dominantes secundárias no modo maior)
 Mistura Terciária – alteração nas terças dos acordes de
mistura primária
Léxico
MISTURAS
Segundo Gauldin (1997:394), as tríades (e tétrades) do modo menor
utilizadas no modo maior pelos compositores do século XIX
(especialmente a partir da segunda metade) foram :
Léxico
MISTURAS
Ainda segundo Gauldin (1997:402), o uso de acordes maiores no modo
menor, além da Terça de Picardia, é raro, mas teoricamente possível. No
entanto, segundo Aldwell (1989:505), os acordes gerados por mistura
primária são:
Léxico
MISTURAS
Embora Gauldin mencione rapidamente o III em maior, a teorização sobre
mistura secundária e terciária foi feita por Aldwell (1989:507). Essa
última ele denomina de “double mixture”. Os acordes de mistura
secundária são:
Léxico
MISTURAS
Alteração nas terças de acordes já submetidos à mistura primária que
produzam novos acordes. Textos como Gauldin e o popular Kostka não
mencionam este tipo de mistura. Esta teorização é exclusiva de Aldwell
(1989:508). Os acordes produzidos por mistura terciária são:
Mediantes cromáticas
MISTURAS
Mediantes são acordes vizinhos de terça. No século XIX as mediantes
passaram a ser cromatizadas gerando uma gama maior de acordes.

mistura primária

mistura secundária

mistura terciária
Léxico

Segundo Flo Menezes (2002, p.48 e p.73), dois


caminhos levaram à corrosão da tonalidade:

a) Harmonias mediânticas (Schubert, Brahms)


b) Expansão cromática do ciclo de quintas e
dominantes secundárias (Wagner, Liszt)
Sintaxe
Sintaxe
1600—1700 1700—1800 1800—1900

Tipos de progressão harmônica: Tipos de progressões harmônicas:

1. 4as. (I-IV, V-I, vi-ii,…) 1. Todas as anteriores


2. 3as.: entre acordes com duas notas em comum (I- 2. por 3as. com somente uma nota
vi, IV-ii, …). Exceção: dominantes secundárias (I - em comum or nenhuma nota em
V/ii - ii…) comum (I- ♭III, I-♭vi,…). Ex.: Chopin:
3. 2as. entre tríades diatônicas (ii-iii, IV-V,…) Prelúdio em Mi maior, Op.28 n.9

Notas estranhas aos acordes são tratadas como notas Notas estranhas aos acordes são
ornamentais. Ênfase na sonoridade diatônica. empilhadas (em terças) para construir
acordes expandidos: 7as, 9as, 11as, 13as).
Ênfase gradual no cromatismo.
Sintaxe
Para descrever a sintaxe dos dois primeiros séculos de música tonal, Allen
Irvine McHose (Eastman School of Music) fez uma análise estatística das tríades
encontradas nos corais de J.S.Bach.

Grau % Classe
I (tonic) 38%
V, viiº 34% 1a.
ii, IV, V/V 19% 2a.
vi, V/IV 7% 3a.
iii, V/VI 2% 4a.
Sintaxe

Ele sistematizou também as progressões em direção à


tônica:

1. Normal – de uma classe inferior para uma classe


superior, isto é, em direção à tônica. Ex.: iii - vi - ii - V -
I. Pode iniciar em qualquer grau.
2. Repetição – fica estacionada na mesma classe.
3. Elisão – pula uma ou mais classes em direção à tônica.
Ex.: vi - V - I
4. Retrogressão – de uma classe superior para uma classe
inferior, isto é, em direção contrária à tônica. Ex.: vi -
iii, V - ii, V - iv.
Sintaxe
McHose também verificou a percentagem
das progressões nos corais de Bach

Progressão %
Normal 76%
Repetição 14%
Elisão 6%
Retrogressão 4%
Sintaxe
A sintaxe para os dois
primeiros séculos do sistema
tonal pode ser representada
pelo sistema planetário ao
lado (modo maior):
Sintaxe
Sintaxe

20
Sintaxe
Sintaxe
Sintaxe

Enquanto o círculo de quintas leve ao extremo


a progressão NORMAL, algumas sequências
harmônicas, embora estabeleçam uma
coerência típica do tonalismo pela reiteração
de um padrão, podem apresentar um fluxo
harmônico que nem sempre se encaixa no tipo
de sintaxe proposta por McHose,
especialmente aquelas cujas células originais
são inerentemente RETROGRESSIVAS ou
apresentam um baixíssimo percentual de
progressões normais.
Sintaxe

Observe no trecho abaixo o padrão de


movimento do baixo em semitons:
[-5 +2] [-5 +2] [-5 +5 +2].
Sintaxe
Sintaxe
Sintaxe
Leis tonais de Riemann (Koellreutter)

Tônica (T)
1ª Lei Subdominante (S)
Dominante (D)

T—S = afastamento, D—T = aproximação

Tr, Ta
2ª Lei Sr, Sa
Dr, Da

3ª Lei (S)Tr, (D)D, etc.

4ª Lei Misturas
5ª Lei Modulação
Cadências

CADÊNCIA AUTÊNTICA PERFEITA


Resolução V-I, em estado fundamental, com o
soprano do I na posição de oitava (1^)

CADÊNCIA AUTÊNTICA IMPERFEITA


Resolução V-I, com o soprano do I
na posição de terça ou quinta e/ou com inversões
em qualquer um dos acordes

SEMICADÊNCIA
Resolução em direção ao quinto grau. Pode ser
IV-V , I-V, vi-V, V/V-V
Cadências
SEMICADÊNCIA FRÍGIA
Cadência iv6 - V.
As notas do baixo podem compor o primeiro tetracorde
do modo frígio medieval, daí sua denominação.

CADÊNCIA DE ENGANO
Resolução em direção ao I é interrompida seguindo
para o vi (raramente para o IV ou V/V)

CADÊNCIA PLAGAL
Resolução IV-I. É conhecida como “cadência do
Amém”. Ocorre normalmente no final de
trabalhos substanciais e segue uma cadência
autêntica perfeita
Teoria Neorriemanniana
A teoria neorriemanniana surgiu como resposta aos problemas
analíticos colocados pela música cromática que é triádica mas não
unificada tonalmente em sua totalidade: Wagner, Liszt e algumas
passagens em Mozart, Schubert...Existe a tendência de utilizar
modelos analíticos diatônicos para este tipo de música, a qual
emprega estruturas harmônicas e cadências convencionais da
tonalidade diatônica, mas estes modelos são ineficientes como
atestaram diversos autores.

Cohn, Richard. “Introduction to Neo-Riemannian Theory: a Survey and a Historical


Perspective.” Journal of Music Theory, V. 42 No.2 (Fall 1998): 167-180.
Teoria Neorriemanniana
O reconhecimento de falta de unidade tonal pode, em vez disso, conduzir a outra
questão: se a música não é totalmente coerente de acordo com os princípios da
tonalidade diatônica, sob que outros princípios ela pode ser coerente? A teoria
neorriemanniana recupera um número de conceitos cultivados, geralmente
isoladamente, por teóricos do século XIX.

a. Transformações triádicas
b. Maximização de notas comuns
c. Economia na condução de vozes
d. Inversão dual ou especular
e. Equivalência enarmônica
f. Tabela de relações tonais
Teoria Neorriemanniana

R mapeia uma tríade consonante


em sua relativa.
P mapeia uma tríade consonante
em sua paralela
L Riemann’s leading tone
exchange". Mapeia uma tríade
em sua antirrelativa, ou seja,
uma tríade menor em sua
submediante e uma tríade
maior em sua mediante.
Teoria Neorriemanniana
Teoria Neorriemanniana
Teoria Neorriemanniana
Teoria Neorriemanniana
Teoria Neorriemanniana
Teoria Neorriemanniana
Brahms: Concerto para violino e violoncelo em Lá menor, Op.102 10:17
Conceito expandido de tonalidade

Segundo Tymoczko (2011:4), “cinco características estão presentes em diversos gêneros,


ocidentais ou não, do passado ou do presente, que contribuem conjuntamente para um
senso de tonalidade:”

1. Movimento melódico conjunto


2. Consonância acústica
3. Consistência harmônica
4. Macroharmonia limitada
5. Centricidade
Conceito expandido de tonalidade

1. Movimento melódico conjunto


Movimentos suaves soam melódicos enquanto saltos podem criar a impressão
de múltiplas melodias.
Conceito expandido de tonalidade

2. Consonância acústica

Harmonias consonantes têm preferência


em relação a harmonias dissonantes e
tendem a ser utilizadas em pontos de
maior estabilidade
Conceito expandido de tonalidade

3.Consistência harmônica
Conceito expandido de tonalidade

4.Macroharmonia limitada
Conceito expandido de tonalidade

5. Centricidade

Mesmo sem as forças tonais (vocabulário triádico e


harmonia funcional) é possível alcançar um certo
grau de hierarquia de altura, ou centricidade, que
pode ser determinada pelas notas que são:

 Tocadas frequentemente
 Sustentadas extensivamente
 Posicionadas em registros extremos
 Tocadas intensamente
 Enfatizadas rítmica ou metricamente
Sintaxe markoviana

Em termos probabilísticos, um processo


markoviano se refere a um tipo de processo em
que o estado atual depende exclusivamente do
estado imediatamente anterior, sem que haja
qualquer relação causal com estados anteriores
(PAPOULIS, 2002, p.695).
Sintaxe markoviana

Linha melódica de Beijo a mão que me


condena, de José Maurício Nunes Garcia,
com indicação dos valores MIDI para cada
nota.
Sintaxe markoviana

Matriz de contagem dos movimentos


entre notas na linha melódica de Beijo
a mão que me condena, de José
Maurício Nunes Garcia.
Sintaxe markoviana
Sintaxe markoviana

Através de um programa em Python (Apêndice 4), sorteamos uma


nova linha melódica. O programa sorteou a nota inicial 57 e, em
seguida, uma lista com trinta valores de altura para a nova linha
melódica:
[57, 55, 57, 60, 58, 55, 53, 52, 48, 53, 53, 53, 52, 53, 55, 53, 62, 60,
60, 58, 55, 53, 52, 48, 53, 52, 53, 55, 52, 48].

As durações, por sua vez, foram sorteadas partindo de uma lista


arbitrariamente definida, contendo somente três valores
possíveis: colcheia (0,5), seminímina (1) e mínima (2).
Sintaxe markoviana
Sintaxe markoviana
Sintaxe markoviana

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