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Introdução
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Mestre em Lingüística pela UFG. Doutora em Lingüística pela UFSC.
Se a configuração da lingüística como ciência é recente, mais recente ainda são
os estudos científicos específicos das LS. Da mesma forma que ocorreu com os
estudos das LO, também os estudos de LS sinais saíram de contexto mais abrangente
até chegar a suas particularidades.
Há séculos existe a preocupação com a educação dos surdos, o que gerou a
criação de diversas metodologias educacionais. Algumas destas metodologias foram
capazes de perceber a importância das LS para a educação dos surdos, o que levou a
avanços seja no uso ou nos estudos destas línguas.
Citamos, por exemplo, o espanhol Ponce de Leon que, no século XVII criou o
alfabeto manual, como forma de tornar visíveis os sons representados pelas letras do
alfabeto latino então em uso. Mais tarde, no século XVIII, o francês Amboise Bébian
criou a mimografia, primeiro sistema de escrita de LS de que se tem registro, que
revela um refinamento na percepção de movimentos e pontos de articulação da LS.
Neste mesmo século, o também francês L’Epée, em sua escola pública para surdos, a
primeira do mundo, incentivava e assegurava-lhes o direito ao uso da LS francesa, o
que levou ao franco desenvolvimento desta língua.
Assim como Saussure foi um marco na história dos estudos científicos da
lingüística geral, também a história dos estudos lingüísticos das LS foi marcada
irreversivelmente pelos estudos de Stokoe (1965). Foi ele quem, em 1965, com a
publicação de seu Dictionary of American Sign Language on linguistic principles,
inscreveu as LS no rol de objetos de estudo da lingüística, demonstrando sua realidade
como línguas e não como pantomima. Coincidentemente (ou não) com a preocupação
metódica de Saussure, também ele buscou uma nomenclatura específica para o “novo”
estudo que propunha.
Uma visão bastante simplista da língua é vê-la como nomeação, como uma
lista de termos à qual correspondem as coisas, o que corrobora a idéia bíblica de Adão
passeando pelo Paraíso dando nomes aos seres. Segundo Saussure (1995), “tal
concepção é criticável em numerosos aspectos. Supõe idéias completamente feitas,
preexistentes às palavras”. (p.79)
Tomemos um exemplo trivial: o que se denomina hoje como “cadeira” abrange
uma grande gama de seres diversos entre si em vários aspectos, ou seja, o nome não
corresponde ao objeto. Se assim fosse, o nome cadeira poderia corresponder a um
único objeto – uma única cadeira – e incorporaria todas as características particulares
daquele objeto, como cor, forma, tamanho, material. Uma cadeira de cor ou material
diferente, por exemplo, deveria receber um nome diferente.
Como não é isso que vemos acontecer nas línguas, comprovamos que os
nomes não correspondem a objetos, a referentes, mas a conceitos abstratos. Isto
significa dizer que os nomes são capazes de delimitar, ainda que imperfeitamente,
conceitos – ou, segundo Wittgenstein (1994), fatos, que são verdades sobre as coisas –
mas não coisas. As coisas não pré-existem aos conceitos. Por exemplo, podemos
imaginar uma língua hipotética em que cadeira signifique simplesmente artefato onde
as pessoas se sentam. Os falantes desta língua não diferenciariam conceitualmente,
portanto, o que diferenciamos em português como cadeira, banco, poltrona ou sofá.
Sendo assim, não há como fazer uma correlação entre lista de termos e lista de
coisas. Haveria tantos termos quantos referentes, e as línguas se tornariam um
instrumento de uso inviável. Isto só não ocorre porque os termos não se referem às
coisas, mas ao seu conceito, ao padrão que se pode depreender delas, um padrão que
só é definido culturalmente, pela comunidade que compartilha o mesmo recorte de
mundo.
Para explicar recorte de mundo, trago uma comparação entre a língua
portuguesa e a língua inuíte dos esquimós. Os esquimós possuem pelo menos quinze
nomes em inuíte (BERLITZ, 1988) para o que denominamos “branco” em português,
obviamente pelo ambiente em que vivem, onde identificar vários tipos de neve, por
sua cor e consistência é questão de sobrevivência. Sabemos que os olhos dos esquimós
são anátomo-fisiologicamente idênticos aos nossos, ou seja, somos capazes de
perceber as mesmas nuances de cor e forma. Porém, a língua portuguesa recorta, de
um espectro colorido contínuo, e agrupa sob uma mesma etiqueta, toda a variação de
branco que a língua inuíte separa conceitualmente em vários grupos. Assim, o que nós,
falantes de português, identificamos como um único objeto – branco – os esquimós
identificam como quinze objetos. Este é o efeito que o recorte de mundo, elemento
lingüístico-cultural, produz. Enfim, a neve que eu ou um esquimó veríamos
passeando juntos em Labrador não seria a mesma, pois o fato que minha língua
percebe é diferente do fato percebido pela língua dele.
Saussure (1995) percebeu que, no campo da lingüística, de autor para autor,
havia diferença de recorte em alguns conceitos que se referiam aos mesmos termos, ou
seja, alguns termos vinham sendo utilizados inconsistentemente pelos lingüistas de seu
tempo. Ele então se propôs a elaborar um recorte comum para ser utilizado entre
todos.
Segundo Castelar de Carvalho (2000:24),
“Os lingüistas até então tratavam de coisas diferentes com nomes iguais e vice-
versa. [...] Por exemplo, o termo língua tinha para alguns lingüistas um determinado
sentido; para outros, já adquiria conotação totalmente diversa”.
Saussure (1995), ainda no início do século XX, foi o primeiro estudioso a se
preocupar em definir métodos e delimitar a nomenclatura da então nascente ciência, a
Lingüística. Ao longo do Curso de Lingüística Geral, Saussure delimita o alcance de
vários termos que utiliza, o que torna sua teoria lingüística passível de discussão, seja
para a concordância, para a crítica, ou ampliação de seus postulados. Ele delimita, por
exemplo, o escopo de termos essenciais de sua teoria, cuja compreensão precisa é
fundamental para o fluir do seu discurso, como linguagem, língua, fala, signo,
significado, significante, semiologia e a própria lingüística.
A exemplo de Saussure e Stokoe, e buscando uma maior precisão na definição
dos fatos lingüísticos das LS, é que proponho a utilização de termos mais específicos,
a fim de compreendermos em mais detalhes a natureza e processamento dos mesmos,
para que possamos enxergar as inúmeras nuances de branco na vasta planície de gelo.
Nomenclatura Específica
Bibliografia