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Avaliação Psicológica, 2006, 5(2), pp.

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ASPECTOS COGNITIVOS EM IDOSOS


Irani I. de Lima Argimon1 - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Nos1 últimos anos, os países em estabelecer um limite entre o patológico e o normal


desenvolvimento se deparam com o envelhecimento esperado na velhice. As pessoas idosas, fisicamente
da população. Em termos sócio-demográficos, isto ativas, têm capacidade semelhante à das pessoas
pode ser explicado pela queda nas taxas de jovens ativas. Isso significa que alguns processos
natalidade e pelo aumento da expectativa de vida fisiológicos, que diminuem com a idade, podem ser
principalmente em função das mudanças ocorridas modificados pelo exercício e pelo condicionamento
nos setores econômico e científico. Segundo dados físico (Argimon & Stein, 2005). O envelhecimento
do IBGE, referidos por Argimon (2002), enquanto, humano é um processo biológico natural, e não
em 1950, somente 4% da população tinham mais de patológico caracterizado por uma série de
60 anos, em 1980, 6,4%, e que a projeção para o alterações morfo-fisiológicas, bioquímicas e
ano de 2025, especificamente no Rio Grande do psicológicas que acontecem no organismo ao longo
Sul, é de 15%. Sendo assim, é possível afirmar que da vida.
a sociedade está sendo colhida de surpresa frente ao Com relação às habilidades cognitivas, Bee
envelhecimento populacional. (1997) salienta que dos 65 anos aos 75 anos
O envelhecimento populacional deve-se ao avanço algumas das mudanças cognitivas são sutis ou até
da promoção de saúde nas últimas décadas, na qual inexistentes como é o caso do conhecimento de
se obtiveram o controle das doenças infecto- vocabulário, entretanto, ocorrem declínios
contagiosas e a diminuição da taxa de mortalidade importantes nas medidas que envolvem velocidade
infantil e da taxa de natalidade. Em decorrência ou habilidades não exercitadas.
disso, ocasionou-se uma mudança no perfil No que se refere à saúde mental, Papalia e
demográfico e epidemiológico da população. Olds (2000) referem que, o declínio nesta área não
Estes dados são muito importantes para é típico na terceira idade e que a doença mental é
profissionais de saúde mental. Se lembrarmos que a mais comum no adulto jovem do que no adulto
chamada terceira idade apresenta problemas mais velho. Na velhice, as pessoas podem e
peculiares, seu atendimento não irá representar um efetivamente continuam a adquirir novas
aumento de cuidados já previstos e dispensados a informações e habilidades, bem como ainda são
outros grupos etários (OMS, 1984) e sim cuidados capazes de lembrar e usar bem aquelas habilidades
próprios para esta faixa etária. A constatação de que já conhecem. Os autores destacam ainda que o
que a população idosa está em contínuo aumento início da senescência varie bastante e justificam
induz a uma reconsideração nas áreas de através da teoria biológica do envelhecimento e da
competência dos profissionais de Saúde, que teoria de programação genética. A justificativa é de
deverão, cada vez mais, se especializar em técnicas que, por um plano normal de desenvolvimento
voltadas para esta faixa etária. embutido nos genes, os corpos envelhecem,
No que diz respeito à área cognitiva, o salientando, portanto que, cada espécie tem sua
declínio cognitivo ocorre como um aspecto normal própria expectativa de vida e padrão de
do envelhecimento. A natureza exata destas envelhecimento. Esses processos, segundo essas
mudanças, no entanto, não é uma certeza, e autoras, podem ser influenciados tanto por fatores
problemas relacionados à linha que separa este internos quanto externos. Resumindo e utilizando
declínio de possibilidades de uma possível estas duas teorias, pode-se dizer que a programação
demência são muito tênues, principalmente por não genética pode limitar a duração máxima da vida,
haver ainda uma referência consistente frente à mas, fatores ambientais e de estilo de vida, podem
demanda nesta faixa etária. afetar o quanto uma pessoa se aproxima do
A implementação de estudos em idosos, máximo, e em que condições. Cada fase da vida é
que apresentem um perfil biopsicossocial influenciada pela que a antecedeu e irá afetar a que
considerado de boa qualidade, é crucial para tentar virá a ocorrer.
Em idosos saudáveis, as mudanças no cérebro
geralmente são modestas e fazem pouca diferença
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Contato: argimoni@pucrs.br
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no funcionamento (Papalia & Olds 2000). Quando na hipótese frontal do envelhecimento, há
existe um problema que esteja relacionado com o questionamento sobre as funções executivas
sistema nervoso central, este pode afetar a constituírem as primeiras a sofrer a ação do passar
cognição, piorando o desempenho em testes dos anos.
cognitivos (principalmente nos testes com controle Fuster (1997) refere que as características
de tempo) e, pode interferir na capacidade de clássicas da síndrome disexecutiva (dificuldades
aprender e lembrar. O processamento mais lento de atencionais e de planejamento) podem estar
informações pode fazer com que pessoas com mais presentes, sendo que são comuns em pacientes com
idade não entendam quando informações são lesão frontal dificuldades de abstração, raciocínio e
apresentadas muito rapidamente ou sem muita de flexibilidade do pensamento.
clareza. O Teste de Wisconsin é um instrumento com
Assim, considera-se necessário seguir extensiva aplicação clínica e, embora venha sendo
investigando essa etapa da vida com o objetivo de bastante utilizado no Brasil, só estão disponíveis
melhor compreender como se processa o normas americanas para adultos e idosos. Por outro
desenvolvimento cognitivo na terceira idade e para lado, uma vez que o Teste Wisconsin não oferece
isto será utilizado o Wisconsin Card Sorting Test maiores problemas para o uso transcultural, por se
(WCST) ou Teste Wisconsin que é um teste, criado tratar de cartas com cor e figuras comuns, não se
em 1948, ampliado e revisado posteriormente, que faz necessário a validação do instrumento, mas sim
avalia o raciocínio abstrato e a capacidade do o desenvolvimento de normas brasileiras, aspecto
sujeito para gerar estratégias de solução de que pode ter uma variação importante de cultura
problemas, em resposta a condições de estimulação para cultura.
mutáveis. Desta forma, também pode ser Justifica-se, assim o estudo para o
considerada uma medida da flexibilidade do desenvolvimento de normas para a população
pensamento. Criado para a população geral passou brasileira de 60 anos, ou mais do referido
a ser empregado, cada vez mais, como um instrumento.
instrumento clínico na avaliação neuropsicológica REFERÊNCIAS
de funções executivas que envolvem os lobos
frontais (Huber, Bornstein, Rammohan et al., 1992). Argimon, I. L. (2002). Desenvolvimento Cognitivo
Entre as pesquisas realizadas com o Teste na Terceira Idade. Tese de Doutorado não
Wisconsin, a maioria utilizou como sujeitos, publicada. Faculdade de Psicologia, Pontifícia
crianças e adolescentes (Harris, Schuerholtz, Singer Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
e colaboradores, 1995) teste este adaptado e Porto Alegre.
padronizado para o Brasil por Cunha, Trentini, Argimon, I..L.; & Stein, L. M. (2005). Habilidades
Argimon, Oliveira, Werlang e Prieb em 2005. Cognitivas em Indivíduos muito Idosos: Um
Trata-se de uma técnica sensível a transtornos de Estudo Longitudinal. Cadernos de Saúde
déficit de atenção/hiperatividade, aprendizagem de Pública, 1, p. 64-72.
leitura, transtornos convulsivos e outros. Entretanto, Bee, H. (1997). O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artes
é expressivo o número de investigações de Médicas.
problemas envolvendo funções executivas em Cunha, J. A.; Trentini, C. M.; Argimon, I. L.;
adultos que relacionam o declínio cognitivo Oliveira, M. S.; Werlang, B. G.; & Prieb, R. G.
associado ao envelhecimento (DCAE), seja em (2005). Teste Wisconsin de Classificação de
transtornos como demência, esclerose múltipla, Cartas – Adaptação e Padronização Brasileira.
Parkinson, Alzheimer, etc. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Estudar o envelhecimento cognitivo torna- Fuster, J. M. (1997). The prefrontal córtex.
se cada vez mais importante, considerando que o Anathomy, physiology and neuropsychology of
avanço da idade já caracteriza os paises the frontal lobe. III ed. Philadelphia:
desenvolvidos e, aos poucos, naturalmente desperta Lippincott-Raven.
o interesse nos países em desenvolvimento, uma Harris, E. L.; Schuerholtz, L. J.; Singer, H. S.;
vez que consiste em uma demanda crescente em Reader, M. J. & colaboradores (1995).
saúde pública. Os pesquisadores passaram a se Executive function in children with Tourette
preocupar com a possibilidade de dificuldades em Syndrome and/or attention deficit hyperactivity
outras funções cognitivas além da memória. Tendo disorder. Journal of the International
em vista as controvérsias na literatura relacionadas Neuropsychological Society, 1(6), 511-516.

Avaliação Psicológica, 2006, 5(2), pp.243-245


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Huber, S. J.; Bornstein, R. A.; Rammohan, K. W.; Papalia, D. E. & Olds, S. W. (2000).
Christy, J. A.; & colaboradores. (1992). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artes
Magnetic resonance imaging correlates of Médicas.
executive functions impairment in multiple OMS-Organización Mundial de la Salud (1984).
sclerosis. Neuropsychiatry, Neuropsychology Aplicaciones de la epidemiologia al estúdio de
and Behavioral Neurology, 5 (1), 33-36. los ancianos: informe de um grupo científico de
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e la OMS sobre a epidemiologia Del
Estatística). (1994). Projeção preliminar da envejecimento. Ginebra: OMS, Série de
população do Brasil para o período 1980-2020. informes técnicos. 706.
Texto para discussão nº 73. Rio de Janeiro:
Diretoria de Pesquisa.

Avaliação Psicológica, 2006, 5(2), pp.243-245

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