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Resumo

Teoria Pura do Direito


Hans Kelsen

Capítulo V – Dinâmica Jurídica

2. A Estrutura Escalonada da Ordem Jurídica

j) Conflito entre normas de diferentes escalões

j.1) A decisão judicial “ilegal”

Existe o problema de um possível conflito entre uma norma de um escalão


superior e uma norma de um inferior, ou seja, uma questão quid juris. Se fala em
decisões jurisdicionais “ilegais” e de leis “anticonstitucionais”, quando ocorre o conflito
entre uma norma e a norma que preestabelece sua produção e seu conteúdo. O próprio
direito confirma e reconhece a existência de normas antijurídicas, que contribui para o
desaparecimento da unidade do sistema de normas.
Não se pode dizer que essa norma antijurídica seja nula, pois só se pode anular
algo que primeiramente foi tido como válido. Se a ordem jurídica, por qualquer motivo,
anula uma norma, tem de considerar esta norma primeiramente como norma jurídica
objetivamente válida, isto é, como norma jurídica conforme ao Direito.
2 questões:
1º- Saber quem é competente para dizer que existe um fato a que uma norma
jurídica liga determinadas conseqüências.
2º- Saber se existe uma norma de Direito criada por um órgão jurídico que está em
conformidade com a norma superior que define a sua criação.

As duas questões só podem ser decididas pelo órgão que a ordem jurídica para o
efeito determine e através do processo pela ordem jurídica fixado. Dizer que uma norma
individual criada por uma decisão judicial ou por via administrativa é contrária ao
Direito, significa que ela é contrária a norma geral que conduziu sua produção.
Somente o próprio tribunal, ou tribunal superior pode decidir as questões. A
decisão de um tribunal é anulável. Mesmo sendo antijurídica, ela não é necessariamente
nula, mas poderá vir a ser, podendo somente ser anulada através de processo fixado pela
ordem jurídica. A decisão do tribunal de última instância não é anulável, tendo força de
julgado. Pode ele criar uma norma que esteja com o conteúdo previsto por normas
gerais ou não, sendo essa ultima fixada pelo próprio tribunal de ultima instancia.
Como as decisões são apenas anuláveis depois de postas, elas têm uma validade
provisória, tendo uma liberdade para criar normas em desacordo com as gerais, mas que
poderá será anulada depois. A decisão de um tribunal de última instancia tem validade
definitiva.
O fundamento objetivo da sua anulabilidade não é a sua ilegalidade, isto é, o fato
de não corresponder à norma geral que deve aplicar - se assim fosse, seria nula, quer
dizer, juridicamente inexistente, e não simplesmente anulável - mas a possibilidade pela
ordem jurídica prevista de estabelecer com vigência definitiva a outra alternativa, não
realizada pela decisão atacada.
Se a norma jurídica individual criada por uma decisão judicial é atacável, ela pode
ser anulada pela norma com força de caso julgado de uma decisão de última instância
não só quando o tribunal de primeira instância faz uso da alternativa de não estabelecer
a norma individual de acordo com a geral.
Se uma decisão judicial é atacável, então ela pode ser atacada pelas partes
processuais em ambas as hipóteses e ser anulada pelo tribunal superior, mesmo que as
partes processuais fundamentem objetivamente o seu ataque no fato de a decisão não
corresponder à norma geral que predetermina o seu conteúdo, pois só esse argumento é
autorizado pela lei para atacar uma decisão, ou seja, a lei preceitua que uma decisão
judicial somente pode ser atacada com o fundamento de ser, sob qualquer aspecto,
“contrária ao Direito”.
O a decisão do tribunal de recurso que vai julgar transita em julgado, podendo ter
uma decisão conforme ao Direito pode ser anulada por uma decisão com força de caso
julgado.
Então, a possibilidade de predeterminar as normas individuais que hão de ser
produzidas pelos tribunais através de normas gerais criadas por via legislativa ou
consuetudinária é consideravelmente limitada.

j.2) A lei “inconstitucional”

A afirmação de que uma lei válida é “contrária à Constituição” (anticonstitucional) é


uma contradictio inadjecto; pois uma lei somente pode ser válida com fundamento na
Constituição. O fundamento da sua validade tem de residir na Constituição. Não se pode
dizer que uma lei inválida é inconstitucional também, porque essa nem sequer é lei, pois
não é válida. Pela jurisprudência tradicional, entendemos que o significado de
“inconstitucionalidade” de uma lei válida, quer dizer que ela pode ser revogada não só pelo
processo habitual (por outra lei, segundo o princípio de que lei mais recente tem prioridade
ou por processo especial. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como
válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional.
Há a questão de se saber a quem deve a Constituição conferir competência para
decidir se, num caso concreto, foram cumpridas as normas constitucionais. Só ao próprio
órgão legislativo ou a um órgão diferente dele pode ser conferida competência para decidir
a questão da constitucionalidade de uma lei. Um recurso de instância está excluído quando
só exista um órgão legislativo central.
As constituições contêm por vezes um preceito segundo o qual os tribunais e as
autoridades administrativas não têm de verificar a constitucionalidade das leis a aplicar, mas
um mínimo de poder de controle tem de lhes ser deixado.
As leis para serem vinculantes têm de ser publicadas pelo governo numa folha oficial
de legislação. Com isso, o órgão governamental competente para a publicação ou o órgão
chamado a aplicar a lei precisam verificar se aquilo que se apresenta subjetivamente como
uma lei foi decidido pelo órgão competente para tal produção. No entanto, só a próprio
órgão legislativo terá competência total para dizer se o processo e o conteúdo pelo qual a
norma foi posta está de acordo com a constituição. Ou seja, o legislativo edita a lei como
quiser, sendo essa válida no sentido da Constituição, mesmo que não seja conforme à
própria.
A Constituição dá ao legislador a possibilidade de através de um diferente processo
criar normas e ela não deixa tal competência de averiguação para outro órgão senão o
legislador. A Constituição contém uma regulamentação direta e uma regulamentação
indireta da legiferação; e o órgão legislativo tem a possibilidade de opção entre as duas.
Se a Constituição transferisse controle a decisão da questão para um órgão diferente e
ele pudesse anular uma lei que considere inconstitucional, as coisas seriam diferentes. Mas
os tribunais competentes a aplicar o direito tem a faculdade de controle, mas não absoluta.
Em regra, ele apenas tem a faculdade de quando considere a lei como inconstitucional,
rejeitar a sua aplicação ao caso concreto, permanecendo a lei em vigor para todos os outros
casos em que sua utilização também não for vedada pelo tribunal. Se houvesse apenas um
único tribunal, a anulação seria total.
As leis devem valer na medida e no tempo em que não forem anuladas pela forma
constitucionalmente prevista. As chamadas leis “inconstitucionais” são leis conformes à
Constituição que, todavia, são anuláveis por um processo especial.
Duas possibilidades de criação:
1º► normas determinadas diretamente pela Constituição
2º► normas que são determinadas pelo próprio legislativo, sendo anuláveis por um
processo especial.

A Constituição dá preferência a primeira, e certas pessoas podem ser


responsabilizadas e punidas por um tribunal especial pela chamada inconstitucionalidade de
uma lei criada com sua participação.
Alguns órgãos administrativos podem editar normas jurídicas gerais na forma de
decretos que se não limitem a desenvolver leis já existentes, mas regulem certas matérias
em vez das leis. Se estes forem contrários a Constituição, os responsáveis também poderão
ser punidos, mesmo que o decreto “ilegal” não tenha de ser necessariamente anulado,
podendo ser um delito e conseqüentemente pressuposto de uma sanção. O princípio “ ex
injuria jus non oritur” ( princípio pelo qual o direito não pode nascer do injusto) tem
exceções.
A fiscalização da constitucionalidade das leis através dos órgãos competentes para a
publicação ou aplicação das mesmas somente pode ser limitado até certo ponto, pois não
pode ser totalmente excluído,Se essa fiscalização não ocorrer temos uma modificação
revolucionária da Constituição.
A execução daquilo que se apresenta subjetivamente como uma decisão de um
tribunal de última instância pode ser recusada pelo órgão competente para a execução das
decisões judiciais, fundamento que o eles são apenas um grupo de indivíduos que se
colocaram na posição de um tribunal supremo. Mas se são executadas, ocorre uma
modificação revolucionaria parcial da Constituição.
Há também a questão de se saber se o indivíduo que de fato tomou esta decisão é
órgão competente, e essa questão pode ser decidida por outro órgão e por outro, e por
outro. Forma-se uma hierarquia, onde cria-se a necessidade de órgãos supremos, que
postariam normas globalmente eficazes.
O Princípio da legitimidade é o princípio pelo qual uma norma só deve ser posta
pelo órgão competente, podendo ser limitado pelo princípio da eficácia.

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