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SURGIMENTO DA ZOOTECNIA

1 – INTRODUÇÃO

A criação dos animais domésticos só começou a ser considerada um ramo de


estudos à parte com a instalação do Instituto Agronômico de Versailles, em 1848,
graças à distinção estabelecida pelo Conde de Gasparin entre técnica agrícola e criação.
Desligou-se da agricultura, individualizando-se, constituindo um corpo independente de
doutrinas, ao qual o próprio Gasparin batizava com o nome de Zootecnia, tirando-o do
grego zoon-animal, e technê – arte, e pela primeira vez aplicando-o no seu célebre livro
cours d’Agriculture (Paris, 1844).
Peso morto, inutilidade ou mal necessário era o conceito que se tinha do animal
doméstico, até 1848, ano em que foi criado o Instituto Nacional Agronômico, em
Versailles. Com a criação desse instituto, desligou-se, sob a inspiração de Gasparin, o
estudo dos animais domésticos do curso de Agricultura, e constituiu-se em cátedra que
recebeu o nome anteriormente proposto por ele (1844), para designar o novo conjunto
de conhecimentos, referentes à produção animal.
Segundo o regulamento do Instituto, os candidatos às cadeiras de professor
deviam expor, numa tese, o plano de ensino da matéria que desejavam lecionar. O
programa de um dos candidatos, um jovem naturalista chamado Emile Baudement,
identificava-se tão perfeitamente com o pensamento que presidira à função do Instituto
Agronômico, que todas as simpatias se voltaram para ele. Esse concurso, realizado em
fins de 1849, foi brilhante, e Baudement ganhou por isso a aprovação unânime dos
membros do júri, cujo presidente era o Conde Gasparin.
Com Baudement, podemos admitir que nasceu em fim a Zootecnia como um
corpo de doutrinas carentes de uma base científica.
Mas sua glória indiscutivelmente está no fato de haver, por primeiro
determinado, e com precisão, o papel do animal doméstico na exploração rural, que até
então era considerado uma inutilidade, um peso morto, um “mal necessário”.
Com sua tese, Baudement estabeleceu o princípio teórico que consiste em
considerar o animal doméstico como uma máquina viva transformadora e valorizadora
de alimentos. Este é o fundamento de todos os conhecimentos zootécnicos.
Como visto, a arte de criar animais é remota e a ciência relativamente nova. Até
antes de Baudement reinava o empirismo. Mas no seu início, a Zootecnia como ciência
não passava de uma sistematização do empirismo mesmo. É que toda a ciência começou
sendo empirismo. O que a experiência prática faz é fornecer dados, desordenadamente.
A ciência observava as condições dessas experiências, repete-as e deduz as leis, tudo
com ordem, com método. Daí muitas vezes os equívocos do prático nas suas
afirmações, que não podem ser generalizadas; daí também o caráter geral da ciência e a
maleabilidade de sua doutrinação, que encara particularmente cada conjunto de
condições para orientar a prática.
Entregando-se, portanto, o animal doméstico à ciência, a zootecnia desde então
(1848 - 1850) deixou de ser apenas uma arte que se aprende na “lida” com o gado, para
ser também uma ciência aplicada, que se há de aprender, não só no campo, mas nos
livros, nos laboratórios, nas fazendas experimentais, enfim, em todo lugar onde o
animal doméstico possa ser observado e submetido a experiências do domínio da
Biologia.
No Brasil a zootecnia foi ensinada como disciplina especial nos cursos de
agronomia até 1966 quando foi criado, na PUC de Uruguaiana, RS, o primeiro curso de

Prof. José Augusto Gomes Azevedo – UESC/BA

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graduação em Zootecnia. A profissão foi regulamentada em 4 de dezembro de 1968 pela
lei federal nº 5.550.

2 – DEFINIÇÃO DE ZOOTECNIA

Vimos que o objeto da arte ou da ciência de criar é o animal doméstico. Animal


esse considerado como “máquina viva”, de cujo funcionamento depende o lucro do
criador. Quanto mais aperfeiçoada em seu funcionamento, mas lucrativa.
Baudement imaginou, inicialmente, que o animal doméstico, para ser mais
perfeito, de maior rendimento, mais lucrativo – seria o que realizasse uma única função
produtiva elevada ao grau de especialização. De certo modo assim deverá ser, pois, a
produção de mais de uma utilidade tem como conseqüência um rendimento menor em
cada uma das atividades produtivas do animal. As raças chamadas mistas, de dupla
utilidade (carne e leite, carne e ovos, carne e lã, etc...) na são aquelas capazes de
maiores rendimentos. Estes só são conseguidos com o desenvolvimento de uma função
produtiva: carne ou leite, carne ou ovos, carne ou lã. Daí, bovinos de corte ou leiteiros,
galinhas para ovos, ovinos para lã, especializadamente, com os mais altos rendimentos.
Essa doutrina chamada de especialização estará certa desde que:
1 – Não se eleve ao máximo a especialização, a ponto de se determinar no animal um
desequilíbrio fisiológico;
2 – Não deixe de ser encarada a vitória da raça sobre o meio no qual é ou deve ser
explorada.

Surge então um segundo problema, o da adaptação vitoriosa dos animais ao


ambiente criatório. Problema que não tardou a ser posto em evidência primeiramente
por Barin (1888) e depois por Dechambre (1923).
A afirmativa do primeiro é incisiva: “os melhores animais não são
necessariamente os mais aperfeiçoados e sim aqueles que mais bem se adaptam às
condições da exploração a que são submetidos.”
E Dechambre demonstrou desde logo ter bem aprendido a questão ao declarar:
“O melhor animal é aquele que, em determinada situação, se apresenta adaptado às
exigências locais.” E então: “O termo adaptação deve ser preferido ao de
especialização.” Podendo-se ser mais radical, afirmando-se que o termo especialização
deverá ser sempre substituído por adaptação, biologicamente e zootecnicamente muito
mais acertado.
O aperfeiçoamento zootécnico está, portanto, na adaptação econômica do animal
ao ambiente criatório, e na adaptação econômica do meio criatório ao animal. Repare-se
que diz-se “adaptação econômica”, pois a adaptação que não for econômica está fora da
zootecnia – arte de criar gados com produção de renda lucrativa. Mesmo porque a
adaptação pode ser conseguida, com prejuízo da renda. E então o animal estará ajustado
às condições do meio onde vive, mas seu rendimento zootécnico não seria lucrativo, e,
pois, não econômico. Isto acontece, mas não deve ser o ideal para o criador.
Chegando a este ponto, tornou-se possível formular, agora, uma definição da
Zootecnia, na qual se tenha presente e resolvido o problema da perfeição das máquinas
vivas, exploradas pelo homem. Diremos então: Zootecnia é a ciência aplicada, que
estuda e aperfeiçoa os meios de promover a adaptação econômica do animal ao
ambiente criatório, e deste àquele.
Nesta mútua adaptação econômica é que resume toda a tarefa do criador, e este
não ambiciona realizar mais do que isto: animais fáceis de criar, cujo rendimento
zootécnico dá lucro. Para isso seu trabalho é o de ajustar o animal ao ambiente, pela

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aplicação inteligente da genética animal, e também ajustar o meio ao animal, que deve
criar, pondo em prática os ensinamentos da zootecnia, da bromatologia aplicada ao
gado, da higiene veterinária, seja na construção das instalações de que aqueles carecem,
seja nos meios de ambientá-los, seja na defesa e conservação da sua saúde.
Tanto é assim que uma máquina viva (uma cabra, um carneiro, uma galinha) de
alta capacidade produtiva, produzirá mal ou nem chegará a produzir se posta em
ambiente de condições diferentes daquelas nas quais foi produzida. Sua carga genética,
para um rendimento alto, não se pode expressar, porque sua fisiologia, desajustada ao
novo meio, será um embaraço sério às atividades produtivas.

3 – O OBJETIVO DA ZOOTECNIA

O animal doméstico é o objetivo da Zootecnia. Estudar zootecnia é realizar o


perfeito conhecimento desse grupo especial e muito limitado de animais, que o homem,
através dos tempos, tirou vitoriosamente da vida selvagem.
Quanto mais perfeito esse conhecimento, maiores serão as probabilidades de
êxito na exploração desses animais. A criação, sem esse conhecimento, será
empiricamente feira, e ficará muito sujeita a descaminhos, ao primeiro desajuste entre
animais e ambiente.
O conhecimento do animal doméstico é feito sob os seguintes aspectos:
- Domesticação – origem e entrada em domesticidade;
- Individualmente – características étnicas ou raciais, e produtivas;
- Bioclimatologia – ação do meio natural, clima, etc;
- Melhoramento individual – ação das condições reguladas pelo homem: manejo,
alimentação e higiene;
- Estatística – sua variabilidade;
- Genética – reprodução e hereditariedade;
- Métodos de reprodução – seu melhoramento genético: do indivíduo e da raça.

Como se vê, o conhecimento perfeito do animal doméstico é tarefa por demais


complexa, que exige penetrar-se em vários campos científicos.

O objetivo da zootecnia é realizar o perfeito conhecimento dos animais


domésticos, melhorando sua nutrição, sua sanidade, seu manejo e sua genética, para,
desta forma, obter desse grupo de animais uma maior produtividade econômica possível
de seus produtos (carne, leite, ovos, lã, pêlos, esterco, etc). Retira-se destes animais,
alimentos indispensáveis à vida humana; objetos como pele, lã, pêlos; produtos
farmacêuticos; esterco; gera empregos; promove avanço no desenvolvimento sócio-
econômico de um povo; serve como terapia para deficientes físicos e mentais, etc.

4 – CORRELAÇÃO DA ZOOTECNIA COM A AGRONOMIA, MEDICINA


VETERINÁRIA E OUTRAS CIÊNCIAS

Estabelecido que a Zootecnia é uma ciência, pois constitui-se num conjunto


organizado de conhecimentos sobre a criação econômica de animais, é evidente seu
intercâmbio com as demais, inclusive com outras que não só aquelas da área biológica
onde está inserida.
Inicialmente, consideramos a anatomia que, descrevendo as formas e a estrutura
do corpo animal, fornece à fisiologia toda a fundamentação para o estudo dos processos
funcionais do organismo; levando em conta que toda a produtividade animal é fruto das

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funções orgânicas, o conhecimento profundo da fisiologia é condição primordial para a
exploração racional dos animais. A genética, por intermédio do melhoramento animal,
com o avanço gigantesco na sua área de conhecimento, oferece um horizonte quase
infinito através de combinações e fórmulas genéticas capazes de alcançar índices de
produção ainda não imaginados. A bioquímica, fornecendo subsídios à nutrição animal
para aumentar a conversibilidade de alimentos em produtos, por seu lado oferece
elementos preciosos à zootecnia.
Seu relacionamento com a ecologia, pelos estudos da etologia e da
bioclimatologia, vem se estreitando cada vez mais, pois pesquisas realizadas
ultimamente têm revelado que o meio ambiente tem que ser considerado seriamente
como fator desfavorável no comportamento e na adaptação dos animais aos vários
meios, com possíveis prejuízos na produtividade.
Com a agronomia, ciência responsável pela produtividade do solo, há um inter-
relacionamento bastante estreito, pois direta ou indiretamente todos os alimentos dos
animais provêm da agricultura, sendo a agrostologia o segmento da ciência agrícola
encarregado da produção e melhoramento das pastagens e das plantas forrageiras, ponto
inicial da cadeia alimentar dos animais.
Na área de medicina veterinária, alicerçada nas ciências biológicas
fundamentais, vamos encontrar contribuições altamente valiosas. A patologia,
juntamente com a microbiologia e parasitologia, colaborando para a saúde e integridade
do organismo animal, são de valor inigualável para o êxito da produção, devendo-se dar
destaque à importância da medicina veterinária preventiva, ou seja, a sanidade animal,
cuja atuação é indispensável para qualquer trabalho zootécnico. A medicina veterinária
curativa não pode deixar de ser considerada, pois o acervo genético dos rebanhos em
muitas situações só pode ser resguardado por sua atuação eficiente. Convém dar um
destaque muito especial aos estudos da reprodução animal, cujas participações na
manutenção da eficiência reprodutiva em altos índices e na disseminação de genes
desejáveis em grande escala, pela utilização dos bancos de sêmen têm sido pilares
importantíssimos para o êxito da zootécnica moderna.
Fora das ciências biológicas, a matemática é utilíssima para o melhoramento
animal, pois é o elemento instrumental para o manuseio dos conhecimentos da genética.
É ainda a matemática que fornece meios à estatística para os levantamentos dos
rebanhos, e, sobretudo para subsidiar a bioestatística na atuação das pesquisas e
experimentações tão importantes no desenvolvimento da ciência zootécnica.
Finalmente, a economia é a parceira inseparável da zootecnia. Qualquer
empreendimento que seja economicamente viável não pode ser considerado
(independente da exploração animal), vez que a zootecnia é antes de tudo uma
“indústria animal” como bem definiu Baudement.
Vale destacar o relacionamento final e indireto da zootecnia com a tecnologia
dos alimentos, especificamente aqueles de origem animal, como da carne e do leite,
cujos produtos sujeitos à rigorosa inspeção dão destinados à alimentação humana, no
mesmo direcionamento do homem primitivo ao procurar a caça para suprir suas
necessidades de alimentos, sobretudo das proteínas nobres encontradas nos produtos
originários dos animais.

Prof. José Augusto Gomes Azevedo – UESC/BA

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